Forget me not escrita por Lua Chan


Capítulo 2
Capítulo 01




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AS PÉTALAS DA DÁLIA caem preguiçosamente de suas mãos, destilando um pouco da angústia que lhe apertava o peito. A flor simbólica de sua mãe, a que havia lhe acompanhado em diversas situações, principalmente nas mais desesperadoras, agora pendia murcha sobre a estante ao lado da cama, exalando um aroma forte típico. Era um sinal, dissera a si mesma numa tentativa inútil de suprir o tênue sentimento de esperança sobre Luke estar de volta para ela. Afinal, ele havia deixado Julie, Alex e Reggie à deriva após 6 longos meses.

Aconteceu repentinamente, como uma expiração indomável em situações de pânico – das quais começou a entender muito bem após a morte da mãe. Logo após a apresentação de sua nova banda no Orpheum e uma mesura a uma plateia calorosa, Luke e os meninos haviam desaparecido do palco sem muita cerimônia. Julie recorda de não ter se abalado no momento, embora algo em seu coração dissesse que aquele teria sido seu último encontro com os garotos, que provavelmente teriam feito a passagem. Mas era inevitável que a atmosfera do teatro havia mudado drasticamente.

Ela lembra de sentir o ar falhar em seus pulmões, de sentir os nós dos dedos comicharem ao apertar o microfone contra o queixo para soltar um agradecimento que ficara preso na garganta desde então. De sentir um tipo de força que sugou parte de seu contentamento, mas não ao ponto de não conseguir esboçar um pequeno sorriso para seu pai, tia e o curioso Carlos, fervorosos na plateia. Sua família estava ali, ao menos.

Sua mãe estava ali.

Seus meninos não. Ainda doía.

Julie poderia jurar que aquele sentimento iria corrompê-la por meses até sua mente obrigá-la a se acostumar com o novo vazio. Felizmente, conseguiu comprovar que estava errada ao retornar para o camarim e encontrar dois fantasmas desnorteados sobre a "Mesa do Rango", como carinhosamente apelidara o local onde Flynn e ela comeram antes da apresentação.

Ela ainda recorda das palavras que iriam atordoar sua paz por abaláveis 6 meses.

"Não conseguimos", Reggie dissera entre soluços histéricos, quase como se pudesse quebrar. T̶a̶l̶v̶e̶z̶ ̶e̶l̶e̶ ̶j̶á̶ ̶e̶s̶t̶i̶v̶e̶s̶s̶e̶ ̶q̶u̶e̶b̶r̶a̶d̶o̶ "Não foi o suficiente."

"Estamos presos, Julie" Alex completara, distoante com um mar loiro esvoraçado em sua cabeça "E... e o Luke, ele..."

Luke...

Não.

Julie se recusara a continuar com a tortura – já fora difícil aceitar antes e agora não era tão diferente. Apenas a dor continuava a mesma. Aquela pequena raiz de vazio ainda conseguia formar um botão em seu peito e ela não estava pronta para arrancá-lo tão cedo.

A dália resiste com três últimas pétalas em sua palma. Julie estava pronta para lançá-las ao chão quando uma corrente de ar frio a cerca, causando calafrios que se tornaram constantes com o tempo. Ainda não havia acostumado com os efeitos da ausência de Luke, mas sabia que seus dois meninos sempre estariam ali para ela.

Papa fez o almoço. — Reggie reproduz em voz baixa, materializando-se repentinamente na ponta de sua cama. Julie lembra o quão foi estranho acostumar-se com o baixista chamando seu pai daquela forma, como ela fazia desde pequena — Dessa vez ele fez 6 tiras de bacon, 4 nuggets e comeu um pouco do chilli da sua tia. Eu deveria ficar preocupado? Ele come muito quando tá nervoso...

— Qual é, Reggie. — agora é Alex que se pronuncia, teleportando-se para o lado do amigo com seu inseparável boné e uma das baquetas ziguezaguenado entre os dedos nervosos — Ray só está tendo uma das segundas-feiras dos corpóreos, sabe? Ninguém gosta das segundas.

— Não sei, talvez Reggie tenha razão. — Julie percebeu que quase o cortara, mas Alex não parecia ter se importado — Ele deve estar nos nervos, afinal, amanhã é um dia importante pra banda. E estaremos, vocês sabem... sem o Luke.

O silêncio finalmente os conduz, tornando todo o ambiente mais desconfortável. A baqueta gira com mais ferocidade nas mãos de Alex, a dália perde mais uma pétala para o chão. Reggie é o único que sente-se calmo e, mesmo agarrado a suas incertezas, é também o primeiro a quebrar a calmaria.

— Olha, eu sei como é difícil sentir falta de alguém. Aquela sensação desesperadora de não saber se tudo algum dia vai poder voltar ao normal de novo e ter alguém pra te reconfortar no final... eu te entendo, Julie.

— Ah, é mesmo! — Alex diz num tom meio diferente do normal — Como pude esquecer daquela vez que seu melhor amigo fantasma e guitarrista nas horas vagas sumiu para sempre da existência?

— Alex, você não precisa-

— Não é o mesmo que perder um cachorrinho na rua, Reg, e você sempre faz parecer ser. Todo. Santo. Dia.

— Ei, Alex! — Julie replica, dessa vez apertando as duas pétalas como se fossem a paciência que deveria ter numa situação dessas. Alex dá um passo para trás, hesitante — N-Não... não faça isso. De novo não.

O peso das palavras o magoa. O que ele fez continua o magoando e Reggie sabe disso mais do que qualquer um. Por aproximadamente 2 meses seguidos Alex tomou a culpa do sumiço de Luke para si próprio, como se o fato de conhecer Willie e colocar ele, Julie e os dois garotos no meio disso tivesse sido o cúmulo de toda a tragédia. Eles poderiam ter sido livres. Livres de Caleb e toda suas promessas quebradas.

Ainda estariam juntos.

Reggie entende esse sentimento, quase tanto quanto o próprio baterista. E é por isso que tentara por tanto tempo desviá-lo da sensação de culpa. Sempre lembrando que todos eles entraram de acordo ao confiar no dono do Hollywood Ghost Club e praticamente entregá-lo suas almas. Mas mesmo assim, o esforço era em vão.

— A gente não pode voltar a estaca zero. — Julie prosseguiu — Ei, prometemos um ao outro, não foi? Prometemos... deixar o Luke estar feliz onde quer que ele esteja.

Uma das baquetas cai no chão, fazendo Julie dar um leve pulo. Mesmo assim, ela não se afasta de Alex. Nem ele dela.

— Eu... eu sei, me desculpa. É só que Willie não tem me dado notícias desde que Caleb e o clube viajaram pra Madrid e isso me deixa estressado.

— Talvez ele só esteja ocupado. — Reggie sugeriu, parecendo recuperado da pequena discussão — Caleb é um idiota, mas um idiota idolatrado por muitos corpóreos sem noção. Até eu recebi um convite da turnê deles. Cortesia das gêmeas.

Ele se aproximara de Julie para sussurrar a última parte, embora Alex já tivesse ouvido (e revirado os olhos com gosto).

De qualquer forma... Willie sempre tem me dado foras nas poucas vezes que a gente se fala. Diz que tá ocupado com um novo projeto que conseguiu com Caleb e que não pode decepcioná-lo de novo. Cara... eu só quero que ele esteja bem.

As pétalas agora rodopiam com graça sobre a cama. Julie não soube dizer se o fizeram por uma brisa repentina vinda do lado de fora ou se era apenas a presença dos meninos – que por muitos meses tem sido acompanhada pela mesma sensação de calafrio de sempre. Embora a pontada de dor ainda estivesse lá, ela sabe que precisa erguer a cabeça. Por ela mesma. Pela mãe. Por seus meninos.

— Quer saber? — sorriu — Willie deve ficar radiante sabendo que a banda do namorado vai arrasar na apresentação de amanhã.

— E-Ele... a gente não é namorado.

Reggie aperta as bochechas de Alex – que provavelmente estariam enrubescidas agora se ele estivesse vivo – quase fazendo-o tropeçar nos próprios pés. Julie se esforça para não rir daquilo, mas era impossível. Não quando aqueles dois desajeitados que fariam tudo para vê-la feliz viraram sua família. Ela faz um sinal com a cabeça para Alex e Reggie se aproximarem – eles sabiam o que aquilo significava.

— Lendários no 3?

Eles assentem, um sorriso contagiante se esboçando nos lábios.

— 1, 2, 3... lendários!

— Vamos logo aquecer e falar com a Rach. — Julie finaliza, lançando um olhar sutil para perto da cama – ela poderia jurar que tinha colocado a dália murcha sobre a estante. Aparentemente, lembranças tristes não importavam mais agora — Temos um show a fazer.


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