Forget me not escrita por Lua Chan


Capítulo 4
Capítulo 03




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PELA ÚLTIMA VEZ, NÃO, Reginald. Não vamos ao estúpido teatro. Tente de novo na próxima vida. — Julie anuncia ao se espreguiçar para o lado do sofá da sala de estar, afastando uma pilha de HQs velhas que agora pertenciam a seu irmão.

Reggie prende a respiração, cruzando os braços com uma carranca que poderia facilmente assustar uma criança pequena – por mais que ele já parecesse uma. Embora o fato de estar morto não o permitisse ficar sem fôlego ou assumir tons gritantes de vermelho, o jovem baixista da ex-Sunset Curve ainda mantinha velhos hábitos de quando ficava irritado e que já fizeram Alex e Luke cederem a suas vontades. Com Julie, porém, havia de ser diferente.

De fato, não era a primeira vez que o garoto tentara convencê-la de deixar a casa e visitar o grande Redlands Bowl, onde eles deveriam estar tocando e sacudindo um público de pelo menos 5 mil pessoas em poucas horas. Talvez fosse por curiosidade ou apenas por uma recém-descoberta raiva da banda rival que roubou os sonhos da Julie and the Phantoms de se apresentar num lugar muito movimentado. De qualquer forma, Reggie não conseguia tirar da cabeça o pensamento de que ele encontraria um estado mínimo de paz ao saber quem teria tomado seu lugar num dia especial como o de hoje.

Não teve muito que Alex pudesse fazer para conter os anseios do amigo – e em partes, ele até se sentia mal por concordar com Reggie. Eles sabiam que não havia uma banda locada para o mesmo dia e que aquela fora sua eventualidade inadmissível, como constava no contrato em letras garrafais. Ainda tinha a questão de que apenas os contratantes detinham o poder de aceitar ou despejar musicistas de todas as categorias possíveis. Então o que os teria feito mudar de opinião?

— Qual é, Jujuba? — Reggie recai sobre o braço do sofá. Julie pensou ter ouvido um crack!, mas lembrou-se de que estava lidando com um fantasma — Você sabe que eu tenho razão. Eu sei que você quer dar uma olhada nos otários que vão se ferrar no nosso lugar hoje.

— Primeiro, — ela começa, lutando para não revirar os olhos, mas Reggie o tornava impossível — já falamos sobre esse apelido. Eu o detesto, mas tente outro na próxima. E segundo... — seus olhos mudam rapidamente para Alex que, ao contrário de sempre, não estava irriquieto. Parecia até estar apreciando um momento zen nos seus próprios pensamentos — não é uma boa ideia.

— Por que? Papa não deve ficar contra a gente, temos tempo suficiente até chegar lá e tia Victoria já tem uma carteira de motorista, não é? Julie and the Phantoms 10, resto do universo 0.

— Eu... sei lá, por que você quer tanto isso, afinal? — a voz da garota vacila — Era a nossa chance da vida. Aquela... luzinha pequena no meio de um quarto escuro, e ela se apagou. Quando acha que vamos ter uma segunda luz tão cedo? Foram quatro-

— ... quatro longos meses num mar de negação. Eu sei. — dessa vez Alex a corta, sem sequer elevar o tom. Seja lá o que estivesse pensando antes foi relaxante — Mas foram seis sem Luke. Vinte e quatro semanas nos forçando a aceitar que teríamos que viver- bem... ou quase isso... sem ele.

Julie abre a boca para contra atacá-lo, mas o nome de Luke a compeliu a ficar em silêncio. A hesitação retorna a embaçar-lhe os sentidos, mas novamente ela lembrou da promessa que fizera a si mesma: ela deveria ser forte por todos eles. Deveria ser aquela que levanta o ânimo de alguém quando estiver triste. Aquela a ficar firme. Olhar para os dois, sua nova e estranha família, a tornava cada vez mais confiante a seu compromisso.

— Fizemos uma promessa, Julie. — ele continua, sereno como nunca fora — Deixar o Luke feliz...

— ... onde quer que ele esteja. É, eu sei.

— Então por que não faz isso por você também? Olha... eu já perdi a conta de quantos anos de amizade eu tenho com esses idiotas, mas sei que eles me apoiariam de qualquer jeito. Por toda a vida.

Julie olha Reggie de relance da mesma forma que fez com Alex, recebendo uma expressão de cãozinho abandonado do baixista que, quando ainda era vivo, deveria ser muito convincente para os garotos da Sunset Curve. Parecia tão errado decepcioná-lo de novo, por mais que não fosse sua culpa. Além disso, Alex estava certo, eles deviam isso a Luke e não podiam baixar a guarda só porque algo deu errado para a banda.

— Ele apoiaria, não é? — diz a garota, repentinamente. Alex precisou piscar algumas vezes para retomar a atenção — Digo, o que a gente está fazendo. Ele apoiaria se a gente seguisse a banda... mesmo sem ele.

— Se você ainda duvida, então acho que não estamos falando do mesmo Luke.

Reggie não evitou um terno sorriso com a sensação nostálgica. Ainda conseguia lembrar do seu eu de 25 anos atrás, esbarrando em várias caixas de mudança na garagem de Bobby após fugir de mais uma discussão dos pais sobre o divórcio. Luke fora o primeiro a abraçá-lo e a dizer que tudo ficaria bem, embora ele mesmo não acreditasse naquilo. Mesmo assim, a sensação revigorante de ter alguém a quem pudesse confiar em seus piores momentos o fazia senti-lo em casa.

— Então, Lee? O que me diz? — o baixista diz, teletransportando-se para o lado de Alex com um braço preguiçoso apoiado em seu ombro — Vamos ao estúpido teatro?

Julie faz uma expressão que poderia facilmente significar "eu não entrei para uma banda fantasma pra isso", seguido de uma risada que tentou inutilmente segurar. De fato, eles faziam-na sentir bem de uma forma que nem o doutor Brenner em anos de formação poderia compreender. Mas era suficiente para ela.

A Molina se alonga antes de ficar em pé, provocando um ou dois estalos nas costas, e toma um largo suspiro como uma pessoa prestes a ficar muito atarefada pelo resto da tarde. Talvez esse fosse mesmo o caso.

— Me esperem na garagem, só vou ter que ligar pra Flynn vir pra cá. Papa não gosta que eu pegue ônibus sozinha — murmurou, tendo que assistir Reggie fazer uma dancinha da vitória constrangedora logo em seguida — Ah, e Reggie?

O baixista pausa no meio do que poderia ser uma pirueta ou um jeté mal planejado. Julie ainda ri.

— Tente um apelido melhor na próxima vez.

 

. . .

 

 

Um sentimento limitado de alívio afogou os pulmões de Julie de um jeito violento. Tudo parecia seguir conforme o planejado, com Flynn, Alex e Reggie a seu lado, uma mochila com sanduíches, água, dinheiro, números de emergência e seu caderno de composições para dar sorte. As baquetas de Alex, assim como a palheta da guitarra que fora de Luke, também os acompanhavam no caminho turbulento até o teatro como uma forma de lembrá-la que estava com seus meninos não importa a situação.

Mas mesmo assim, o pensamento de que ela não deveria estar ali a desvinculava de se sentir bem.

Era como um aviso, e a cada momento que o ônibus fazia uma curva até chegar ao destino, seu estômago dava piruetas elaboradas. A última se sucedeu logo após Julie entregar uma nota de 30 dólares ao homem da bilheteria e ele entregar-lhe 2 ingressos. Flynn apertava seu braço todas as vezes que Julie fazia uma careta após os momentos de nervosismo.

— Ei, garota! — ela dissera pela terceira vez, obrigando Julie a encarar seus pequenos, porém ameaçadores, olhos castanhos — Não são vocês que vão apresentar, tá legal? Quer dizer, eu sei que isso era seu sonho até ontem, mas mudanças acontecem. E você vai ficar bem vendo a porcaria da mudança se apresentar no palco, sabe por quê?

— Porque você vai estar comigo?

— Porque eu vou estar com você. — Flynn reverbera, exibindo um sorriso malicioso — Além de que se você me deixar, eu posso dar o meu jeito de provocar alguma eventualidade inadmissível.

Seu estômago dá mais um solavanco ao pensar em como não deveria ter mencionado essa parte do contrato para Flynn. A garota repetira as palavras "eventualidade inadmissível" como se pudesse apalpá-las e atirá-las numa bela fogueira – Julie até queria que isso fosse possível. Mas como ela mesma pensara quando estava conversando com Rachel, não havia nada que pudesse fazer para mudar seu destino no dia.

— Ninguém vai explodir nada. — Alex brandiu, como se pudesse ser ouvido pela melhor amiga de Molina — Vamos só ser pessoas responsáveis que querem assistir a um show na boa. Diga a ela, Julie.

A garota passou o recado exatamente como Alex pediu, por mais que Flynn o tivesse chamado de dramático e feito uma demorada vaia. Reggie sussurrara algo no ouvido do amigo, mas Julie não conseguiu ouvir e apenas decidiu se render a seu assento ao lado da melhor amiga.

Agora era oficial, não tinha mais volta – o que significava que se seus instintos estivessem certos, algo potencialmente trágico estava prestes a acontecer.

 


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Notas finais do capítulo

Aviso pra Flynn: seu limite de falar "eventualidade inadmissível" foi excedido. Tente novamente outro dia xD



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