Forget me not escrita por Lua Chan


Capítulo 1
Prólogo




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Uma fúria ardente definhava em sua garganta, arrancando algo que se parecia como uma melodia de agouro desafinada. Luke a deixou escapar num grunhido abafado, sentindo as lágrimas salgarem os lábios e deturparem seus últimos resquícios de visão com um breu familiar. A pressão retumbante no peito havia retornado, assim como a sensação de ter expelido todo o ar do corpo até o ritmo do seu coração cessar. Tudo estava se repetindo, mas numa perspectiva mais dolorosa e intragável, a qual foi obrigado a assistir.

 Ele e os garotos juntos, comemorando o dia que seria o prelúdio de uma nova era para a Sunset Curve. Ele, Alex e Reggie extasiados com as novas possibilidades que o mundo os daria com seu som, novas oportunidades de se conectarem com as poucas pessoas que ainda vibravam em seus shows nos clubes falidos de Hollywood. 

 Eles três sendo surpreendidos pela Morte. De novo.

 Aconteceu repentinamente, como uma expiração indomável em situações de pânico – das quais começou a entender muito bem logo após fugir da casa dos seus pais, há 25 anos. Não demorou muitos segundos até Luke sentir seu corpo se embeber de uma aura enérgica assim que a Julie and The Phantoms concluiu sua apresentação no Orpheum com uma mesura para o público. Não demorou muito até ele aterrissar na velha garagem de Julie, onde um bando de instrumentos e sonhos translúcidos residiam. Demorou muito menos até o vocalista da ex-Sunset Curve perceber que estava sozinho, contorcendo-se de dor – cortesia de Caleb Covington e seus choques em forma de carimbo.

 Um pedido de socorro coçou em sua língua enquanto se debatia no chão, mas antes que pudesse inutilmente gritar, Luke sentiu uma nova dose de descarga se dissipar como um maldito veneno no que já fora seu estômago. Parecia impossível fugir daquilo, de todo o desespero, angústia e culpa, ainda mais sem Reggie ou Alex ao seu lado. Afinal, por que eles também não teletransportaram para a casa de Julie? Teriam feito a passagem sem ele? O ardor no estômago parecia responder-lhe como um amargo "sim".

 — Olha, depende de sua percepção de paraíso. — uma voz desconhecida ressoa, apalpando seus tímpanos de forma tão aterradora que Luke se obrigara a procurá-la. Não era de Caleb, mas conseguia ser tão misteriosa quanto — Seus amigos gostam daqui, não é? De fato, sr. Patterson, deve ser trágico imaginar que agora mesmo eles estejam no Céu e aqui seja seu fim da linha.

 Mais olhares foram lançados pelos arredores da garagem até Luke encontrar uma silhueta contra a fraca luz do local.

 Dos pés a cabeça, definitivamente não era Caleb. 

 Um blazer azul-marinho rústico recobria o o conjunto do terno de três peças que fazia o estranho homem se assemelhar a um típico gângster dos filmes que seu pai idolatrava. Compondo a caricatura de um assassino de aluguel italiano, o fedora recaído sobre o rosto conseguia combinar perfeitamente com sua pele negra, além de esconder uma porção de seus olhos espectrais enquanto retirava uma peça prateada do bolso do colete.

 Mesmo em meio aos choques, Luke não se conteve em questionar.

 — Q-Quem... quem é você?

 — Sabe, um dia eu já fui capaz de sentir dor. — a voz do homem ainda parecia devorar cada haustro de seu intestino. Ele tinha uma aura tão ameaçadora que Luke sentiu-se diminuir ao contemplá-lo, ainda mais quando pescou do bolso uma corrente, parcialmente enroscada em seu indicador — Faz tanto tempo que às vezes preciso recordar que eu já estive vivo. Humanos são mesmo umas figuras, não é? Inabaláveis até o primeiro sinal de fraqueza transformá-los em vidro.

 — Quem é você?

 O homem, que até então se obstinara a encará-lo nos olhos, fitou o rosto de Luke, elevando o canto da boca de forma minimalista como um meio sorriso pretencioso. A sensação de incêndio que eclodira no esôfago do garoto retornara tão rapidamente como desaparecera, fazendo-o retorcer em ângulos que sua coluna não admitiria quando ainda conseguia respirar. 

 — Nunca ouviu falar em respeitar os mais velhos, filho? — a figura indagou, forçando algum tipo de apetrecho sair do colete — Se eu não me apresentei ainda, é porque quero atiçar seu interesse. Mas que tal se eu fizesse as perguntas por aqui?

 Luke engasgou com o próprio suspiro. Por breves instantes, o desconforto causado pelos choques não parecia afetá-lo como em momentos atrás, mas o ardor não havia abandonado. Parecia que a presença do homem tornava tudo mais mórbido de alguma forma.

 — Seu nome é Luke Patterson, filho de Emily e Mitchel Patterson. — ele iniciou, embora Luke notasse que não fossem perguntas — Morto em 1995 por uma... uma... me desculpe, tenho que dizer que é muito patético, mas... por uma intoxicação alimentar?

 O garoto não se movera para nada, mas reuniu um pouco da raiva ao ouvir a risada do inidivíduo para cerrar o punho. Como ele sabia daquelas coisas?

 — Eu o vi, sabia? — prossegue ele, ainda enigmático — De algum jeito, vi um relampejo seu logo quando você e seus amigos se livraram das mãos de Cale-... de Covington. Deve ter sido logo depois de ter cumprido seu assunto inacabado. Acontece com muita gente.

 Então era isso. Ele estava fazendo a passagem. Emily e seu pai eram as peças que faltavam para ele ter paz e se permitir ir embora. Mas ainda... o que aquele cara estava fazendo no meio disso?

 — Pode me chamar de chefe de Covington, — ele ri, quase como um nobre recusando uma bandeja com pratas falsificadas — embora eu ache uma tremenda ofensa associar minha figura a dele.

 A corrente finalmente é retirada por completo do colete, deixando à vista um pequeno e sofisticado relógio de bolso, o qual pende no ar com graça. O sorriso persiste, indubitável.

 — Sou o mestre dos fantasmas, sr. Patterson. — o homem, por fim, se aproxima do garoto bastante confuso debruçado no chão — Mas pode me chamar de Ossário.

 Luke sente a ponta prateada do relógio tocar-lhe no ombro, seguindo de uma breve sensação de formigamento no peito. Não demora muito para a tontura dominá-lo completamente. Muito menos para tudo a seu redor se reduzir a pontos negros distantes.

 

 


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