Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 6
Seis




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O dia seguinte chegou e com ele o estranho desaparecimento de Nicolas. Não que Julie se importasse, claro que não. Depois de ter sido humilhada por ele, ouvir que o garoto tinha vergonha dela e dos comentários maldosos em seu site ela não o queria ver nem pintado de ouro.

Mas a curiosidade ainda falava alto.

—O Nicolas tá demorando, né? - Ela comenta com Bia, que apenas deu de ombros.

—Bom dia turma. - A professora de álgebra cumprimentou ao entrar na sala. - Hoje vamos revisar os exercícios da última aula, Abram na página 49, por favor.

“Julie!”

Julie levantou a cabeça. Ela estava ficando doida? Não existiam mais fantasmas em sua vida.

“JULIE!”

Bia olhou para Julie, ela também tinha escutado aquilo.

—JULIE!

Definitivamente alguém estava gritando por ela. Curiosos como eram, todos os alunos do segundo andar correram de suas salas, se espremendo nas janelas para descobrir quem gritava pela garota.

—Acha que Daniel seria louco de vir declarar seu amor publicamente? - Bia perguntou nervosa.

—Ele não seria nem doido.

E de fato não era. Era Nicolas vestido em seu traje de cavaleiro medieval que berrava pela garota.

—EU NÃO TENHO VERGONHA NEM DE VOCÊ NEM DO QUE EU SOU, JULIE, E FANTASMA NENHUM VAI ME FAZER TER MEDO! FANTASMA NENHUM!

—Ai, que mico, Julie. Quer ajuda para se esconder? - Thalita implicou, vendo o estado da garota.

Julie não sabia o que fazer, mas também sabia que se ela não fosse a seu encontro Nicolas não calaria a boca. Bia tentou segurá-la, mas quando Julie desceu as escadas correndo e aparecendo na frente do garoto no pátio, não soube do que a amiga seria capaz.

—Nicolas! O que você tá fazendo?

—Estou mostrando para todo mundo que não tenho vergonha do que eu sou e muito menos de você.

—Eu agradeço, mas será que você pode entrar agora? Daqui a pouco diretor aparece e….

Nicolas interpretou as ações de Julie como timidez e resolveu se aproximar mais, para ver se ela se interessava e o beijava - como a tanto tempo ele queria - mas assim que entrou no seu espaço pessoal ela o parou com as mãos, curvando seu corpo para trás.

“UUUHHHHH” O público sentia por Nicolás ter sido rejeitado.

Aquele tinha sido um gesto automático para Julie, que pensou em Daniel na mesma hora. Por mais que eles sequer tivessem ficados sozinhos direito e o único contato físico tivesse sido um beijinho no canto da boca, Julie sabia que com ele vivo poderia tentar um relacionamento com ele - e Daniel já tinha deixado mais do que explícito as suas intenções.

—O que você tá fazendo, Nicolas?

—Eu…. Eu pensei…. - Ele estava verdadeiramente confuso.

—Por favor, vamos entrar….. - Julie suplicou.

Concordando com tristeza, Nicolas pegou sua mochila e seguiu a garota, parando no banheiro para tirar o seu traje.

—Amiga…. - Bia começou. - Ele tentou mesmo te beijar? 

Julie apenas confirmou com a cabeça.

—Você superou mesmo ele, não é?

—Acho que sim.

***

—Ah, enfim a hora da saída! - Martin jogou os braços para o alto enquanto saía do prédio comercial.

Aquele tinha sido o primeiro dia de aula de supletivo do trio e já tinham dezenas de tarefas para casa. A prova seria somente dali a seis meses, mas como estavam a trinta anos sem estudar, tinham medo de terem muito mais conteúdo para revisar.

—A gente não podia ter morrido depois de terminar o ensino médio? - Félix fez drama com a quantidade de informação para estudar.

—Ah, qual é, Félix! Nem é tanta coisa assim! - Martin tentou esclarecer para o amigo mais novo.

—Mas você esquece que ficamos 30 anos sem estudar, e que a prova são todos os conteúdos do ensino médio!

—Você vai dar conta, Félix! Não é, Daniel?

—O quê? - Daniel estava completamente distraído.

—Cê tá pensando no quê? Tá tão distraído.

—E você ainda pergunta, Martin? - Félix brincou.

—Vou chamar a Julie para sair.

—Pensei que a essa hora já teriam até marcado o casamento. - Martin continuou. - Não aconteceu nada ontem quando demos um perdido em vocês?

—Vocês chamam aquilo de perdido? Voltaram nem três minutos depois!

—Desculpa por pensarmos que você era mais rápido no gatilho!

—As coisas não funcionam assim, eu… Precisava saber se o panaca do Nicoas não estava entre nós. - Daniel revirou os olhos.

—Você cuidou dele, não cuidou?

—Sim, mas vocês sabem a capacidade dela passar pano para ele.

—Mas aconteceu alguma coisa, Daniel? - Félix estava impaciente. - Você não flutuou de volta para a loja a toa.

—Ela disse que estava feliz por eu ter votado vivo, e beijou o canto da minha boca.

—E você não fez nada? Não puxou ela pela cintura? Não prendeu na parede????

—Eu fiquei chocado demais por ela também corresponder aos meus sentimentos e…. E aí Félix apareceu chamando para ir embora!

Félix e Martin se entreolharam.

—Vocês precisam sair o mais rápido possível!

—Você já beijou, não é Daniel?

—É claro que já, Martin! Não lembra que eu namorei a Carla no segundo ano?!

—Ah, aquela que queria que você acabasse com a  banda para ter mais tempo para ela? - Ele fez uma careta - Não me lembro não.

Daniel bufou. Aqueles tinham sido os piores seis meses da sua vida.

—Enfim, eu estive pensando e quero chamar a Julie hoje. 

—E você tá fazendo o que aqu com a gente? Não aturamos meses de você suspirando pelos cantos e tentando fazer ela te notar para agora enrolar!

***






Eram perto das quatro da tarde quando Julie escutou a campainha da sua porta tocar. Estirada na sua cama, ouviu quando Pedrinho gritou que ele atenderia, logo sendo chamada pelo mais velho.

—JULIEEEE!!!! É PARA VOCÊ!

Julie estranhou, se fossem os garotos Pedrinho teria deixaido entrarem sem pestanejar. Seria Nicolas querendo conversar? Receosa de descobrir, a agarota se arrastou de seu quarto até a escada, vendo a figura alta recostada no batente da sua porta.

—Daniel? - Ela apressou seus passos até o rapaz.

—Estava esperando outra pessoa? - Ele perguntou debochado.

—Pensei que viesse com os garotos.

—Eles estavam entretidos demais relembrando física e álgebra, não quis atrapalhar eles.

—Quer dizer que o senhor é o ás da matemática?

—Não querendo me gabar, mas eu era o melhor da minha turma.

—Rockeiro e nerd….. - Julie balançava a cabeça, brincando.

—Shhh…. Não conta para ninguém não. - Ele sussurrou, semicerrando os olhos. - Tenho uma reputação à zelar.

—Ah, claro. Pode deixar. Mas o que está fazendo aqui se não vamos ensaiar?

—Pensei que tivesse gostado de eu ter voltado vivo. - Daniel foi direto, fazendo Julie corar.

Ela adora ser alvo das diretas dele.

—E talvez que você quisesse, sei lá, passar um tempo comigo. Como nos velhos tempos.

—Vou pegar o meu celular. - Julie disse simplesmente, subindo até o seu quarto e enviando uma mensagem para Bia

“Daniel está aqui e me chamou para sair”

“Bons amassos para vocês XD”

Rindo da resposta, Julie foi ao encontro de Daniel, trancando a porta e o seguindo.

—O que acha de vagar por aí sem rumo?

—Como fantasmas?

—É, como fantasmas. - Daniel riu.

Ela nunca deixaria ele se esquecer daquilo.

***

Eles andaram por cerca de quarenta minutos até chegarem ao parque da cidade, onde haviam gravado o seu primeiro clipe. Cansa, Julie se sentou um um balanço, dando um gritinho de surpresa ao sentir Daniel empurrá-la no brinquedo, com ela ganhando cada vez mais impulso. Com altas gargalhadas, a química entre os dois afetava qualquer um perto, com todos achando fofa a interação entre o casal.

Casal que não era casal, ao menos não ainda.

Quando Daniel se sentou no balanço ao lado de Julie, ela tomou coragem de perguntar:

—Porque vocês precisaram de três dias para aparecerem para mim?

—Demétrius queria ter certeza que não seria uma operação falha. Martin, ele… Ele teve problemas em conseguir colar a alma dele ao corpo e quase faleceu duas vezes no processo. Demétrius impediu que ele deixasse o corpo montando em cima dele e o empurrando de volta enquanto a gente gritava por ele, por isso a cautela. Seria uma perda de tempo e sofrimento a toa se vocês nos visse no primeiro dia e não aguentássemos e partíssemos de novo.

—E como… Como foi? Você não é um zumbi, né?

—Olha para  a minha cara e me diz se eu pareço um zumbi, Julie. - Daniel olhou desacreditado para  a garota.

—Tem certeza que dormiu bem essa noite? - El brincou.

—É claro que não somos zumbis, Julie. Não existe mais corpos para serem ressuscitados. Tivemos que renascer do zero, criar matéria do nada.

—E como foi?

—Insuportável. Félix e Martin foram os primeiros a desmaiar de exaustão, mas aguentei por mais tempo, queria ter certeza que estava vivendo. Acordamos um dia depois e não tenho vergonha nenhuma de confessar que chorei feito um bebê quando senti meu coração bater  e Félix me apoiar em seu colo para beber água, mas aí Martin se recusou a voltar e foram mais algumas horas até ele despertar. Ficamos de castigo na loja do Klaus até completarmos os três dias e a primeira coisa que fizemos….

—Foi ir na minha casa?

—Não, fomos no barbeiro, depois nos matriculamos no supletivo e aí sim fomos até a sua casa.

—Bem que eu reparei que o seu cabelo estava mais comportado. E você tem barba! - Julie brincou passando os dedos rapidamente por seu maxilar.

—Eu sei, isso é incrível. Eu nunca tive a chance de ter uma barba dessas antes! - Os olhos de Daniel brilharam. - Quer…. Você gostou?

—Te deixou com um ar mais velho, maduro.

—Tecnicamente agora sou o mais novo aqui.

Julie riu, balançando-se para o lado.

—E como foi o seu primeiro dia de aula?

—Bastante intenso, mas nada que eu já não tivesse visto antes. Eu cursei quase todo o terceiro ano, lembra?

—E é um nerd rockeiro.

—Um nerd rockeiro que está oferecendo aulas particulares para que você não cole mais nas provas.

—EI! A IDEIA FOI SUA!

—A culpa não é minha se estávamos sem tempo para melhorar suas notas e precisando ensaiar!

Revoltada, Julie deu um tapinha em seu joelho, arrancando uma risada alta de Daniel.

—Cretino!

—E como foi o seu dia, cretina? - Daniel implicou, curvando o seu corpo para frente.

Julie ficou quieta na mesma hora.

—Julie…..?  Daniel estranhou a sua reação.

—Aconteceu uma coisa…..

—Porque eu acho que a anta do Nicolas….

—Ele foi vestido de cavaleiro medieval até  a escola e armou uma cena. Chegou atrasado de propósito e começou a berrar o meu nome no pátio. Disse que não tinha vergonha de quem era e muito menos de mim, principalmente de nenhum fantasma…. - Julie não tinha se tocado da última parte até aquele momento.

Daniel sentia o seu coração parar gradativamente, assim como sua pele empalideceu como se ainda estivesse morto. Nicolas tinha feito justamente o que ele tinha ordenado NÃO fazer! Ele não acreditava que depois de tudo aquilo ele não teria chances….

—E quando eu fui até ele tentar entender o que raios estava acontecendo ele tentou me beijar….

Daniel parou de escutar naquele momento. Toda a felicidade se esvaiu do seu corpo, deixando uma casca fria e vazia para trás.

—Daniel? - Julie estranhou o guitarrista retesar seu corpo e levar o balanço para longe dela.

—Não vou dizer que fico feliz por vocês estarem juntos, porque essa é a única coisa que eu estou. - Sua voz estava quebrada em mil pedacinhos, apenas querendo se trancar em algum lugar e chorar.

—Em empurrei ele. - Julie disse simplesmente, aproximando seu balanço e colocando sua mão sob a dele. - Eu não deixei ele me beijar.

Levantando a cabeça na velocidade da luz, Daniel voltou a sentir seu coração bater desenfreado em seu peito.

—E porque não? - Ele não se aguentou.

—Porque você está vivo. 

Daniel não esperou outra deixa, acabando com a distância entre seus balanços e capturando a sua boca em um beijo calmo. Com medo de que não fosse real, Daniel segurou o rosto de Julie com suas duas mãos, sentindo as dela se espremerem como podiam contra o seu peito. Seus lábios eram macios, exatamente como ele tinha imaginado e fantasiado por tanto tempo. Sua língua morna pediu passagem contra a sua própria boca, o fazendo ir até a lua e voltar.

Poder sentir Daniel de verdade contra o seu corpo era uma sensação indescritível, saber que ele era real e que estava finalmente a beijando como tanto quis por tanto tempo fazia mil fogos de artifício explodirem em seu peito e estômago, apenas dando mais gás para Julie chegar mais perto e aprofundar mais o beijo, porém ela se desvencilhou rindo.

Daniel se sentiu muito ofendido com aquilo.

—Risos, é sério? - Daniel endureceu a voz. - Eu por acaso beijo tão mal assim?

—Não é nada disso, é só… A barba faz cosquinha. Eu nunca beijei ninguém com barba.

Sorrindo aliviado, Daniel acabou com o clima ruim.

—Nem eu. - A puxando para mais um beijo, dessa vez a envolvendo pela cintura e beijando sua boca profundamente, desligando-se do restante do mundo e se concentrando apenas na maciez dos lábios de Julie Spineli de Almeida, que perdia suas mãos nos cachos controlados do guitarrista.

Quando o ar se fez necessário, Daniel não se aguentou.

—O que você diria se eu te pedisse para ser minha namorada agora?

—Que você demorou a pedir, e que por mim já estamos namorando desde o exato momento em que você voltou a respirar.

Com um sorriso gigantesco no rosto, Daniel se levantou do balanço e carregou Julie consigo, a girando no ar de felicidade, roubando mais um beijo ao colocá-la no chão.

***

Não demorou muito mais para ele a levar de volta para casa, já que seu Raul não gostaria nada se descobrisse que ela estava até o anoitecer com um namorado que ele desconhecia.

—Promete me avisar quando chegar? - Julie pediu já em sua porta. - Ainda não me acostumei com vocês não morando aqui.

—A gente também, acredite. Os garotos sentem muita falta de azucrinar Pedrinho o dia inteiro. Mas pode deixar que eu aviso sim. - Daniel respondeu abraçado ao corpo de Julie.

Não se aguentando, ele pressionou seu corpo contra o portal, roubando mais um beijo calmo, esquecendo-se completamente de ontem estavam.

—Por mim eu te beijava a noite toda… - Ele confessou, encostando sua testa na dela.

—Vai poder fazer isso quando quiser, mas se você não for agora meu pai vai descobrir do nosso namoro antes mesmo de contarmos aos outros.

—Acha que ele vai gostar de mim?

Julie olhou para o namorado: sua barba o deixava com um ar mais velho, junto de seus cachos controlados. A camisa social azul clara que ele vestia estava justa aos seu corpo, completamente diferente daquela vermelha, além de estar sem o paletó. Definitivamente mais moderno e mais gato. 

—Eu estou namorando o guitarrista da minha banda que ele sequer sabe da existência. É claro que não.

—Já desconfiava disso. - Conformado, Daniel roubou um beijo rápido e se despediu da namorada.

Cerca de quarenta minutos mais tarde Julie ouviu o seu celular tocar, com um número desconhecido na tela. Ao atender receosa, sorriu ao ouvir  a voz do outro lado da linha.

—É o telefone sa senhorita Juliana Spinelli?

—É sim.

—Estou ligando da loja de discos da cidade para confirmar uma informação. Seus companheiros de banda estiveram aqui mais cedo e confirmaram um show na semana que vem, é verídica essa informação?

—Eles já estão prontos para voltarem a  tocar?

—Mais do que nunca, Julie. - Daniel falou sério.

—Então está confirmado.

—ótimo, vou avisar o dono da loja e a assessora da banda para divulgação. E julie….

—Sim, Daniel?

—Boa noite.


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