Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 5
Cinco




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Julie estava cada vez mais aflita. Já tinham três dias que os fantasmas haviam desaparecido sem ao menos deixar um bilhete ou alguma explicação, e aquilo estava consumindo seus nervos! Ela pouco ligava para os ensaios, estava preocupada em onde eles tinham se metido. Da última vez que tinham sumido daquele jeito estavam presos na casa do seu professor física, quem garantia que não haviam se metido em confusão mais uma vez?

Preocupada, Julie não conseguia prestar atenção nas aulas. Já tinha passado da hora do intervalo e ela continuava aérea, chamando atenção de Bia.

—Julie, o que ta acontecendo? Até o Béder percebeu como você tá estranha….

—Tá tão na cara assim, Bia….?

—Uhum…. O que aconteceu? Foi o Nicolas de novo?

—Não, Não…. - Julie negou, amuada. - São os meninos…. Eles desapareceram três dias atrás.

—Não disseram para onde iam?

—Não. Até onde eu sei eles podem ter sido pegos pelo Demétrius, e nós não podemos fazer nada para ajudar. Se isso tiver acontecido, eu nunca mais vou vê-los de novo.

—Julie…. Essa carinha é só por ter perdido a banda?

Julie não respondeu imediatamente, apenas se encolheu em sua carteira.

—Julie…. Sabe que Daniel não é um relacionamento possível….

—A minha cabeça sabe, mas o meu coração não. A última vez que pude conversar com ele quase nos beijamos, mas….

—Como é que é?

—Eu não faria isso, mas ele quis testar uma coisa…. Nós conseguimos dar as mãos e ele segurar no meu rosto, mas caímos no sono sem fazer nenhuma besteira. Depois disso só o vi no ensaio e agora….

—Julie, sabe que ele consegue sim se tornar tangível, não é? Eles pegam nos instrumentos.

A mente de Julie se esvaziou por um momento, com ela fechando os olhos envergonhada. Daniel sabia o que estava fazendo, ele não estava testando sua matéria, mas sim suas reações.

—Aquele cretino…. - Ela sussurrou, arrancando um sorrisinho de Bia.

—Entende o que eu disse? Daniel não vai desistir de você, mas….

—É, eu sei. Eu não podia ter nascido quarenta e sete anos atrás?

—Não, porque você ficaria em uma fossa maior ainda depois do acidente. Gosto mais de pensar em porque eles não nasceram dezessete anos atrás?

—Ninguém garante que eu teria sobrevivido. Se eu estivesse na banda com eles poderia ter ido junto.

—Não mesmo, eles iriam querer imitar os Beatles de novo, e sem o Josias você seria quem ficaria para trás para tirar os sapatos.

Julie se encolheu na carteira. Todas as possibilidades que já tinha imaginado até o momento resultaram naquilo: ela perdendo Daniel antes que pudessem ter alguma coisa. Ela sem querer se afundava cada vez mais em um estado depressivo com a saída brusca de seus amigos da sua vida, do garoto que ela gostava e por mais fosse correspondida, não podia ficar, por perder um amigo por idiotice dele….

—Ei ei ei, vamos hoje a tarde na loja do Klaus para você tirar essa carinha aí. - Bia percebeu o poço que Julie começava a se afundar, tentando tirá-la de lá o mais rápido possível

***

Não eram nem quatro da tarde quando Klaus viu as duas adolescentes entrarem pela porta de sua loja. Com um sorriso cúmplice no rosto, ele tratou de confirmar que seus garotos estavam muito bem escondidos para enfim atender as meninas.

—Meninas! Essa loja tem ficado muito silenciosa sem vocês aqui!

—Foi mal, Klaus, ficamos presas com as provas. Final do ano tá chegando, aí ja viu né? - Bia falou pela amiga, que tentava manter o sorriso em seu rosto

—Sei bem como é isso…. Eu sempre me esforçava o máximo durante o ano para relaxar nas últimas provas. Eu tecnicamente já tinha passado de ano em setembro.

—Como você fazia isso?! - Julie se interessou pela possibilidade, já que suas notas não iam nada bem.

—Só estudava muito de março até setembro, e depois só marcava presença na aula. Mas e a banda, Julie? Podemos marcar um show para depois das provas? Três pessoas já perguntaram quando teria de novo.

Aquilo não era mentira, já que os meninos não paravam de perguntar quando Klaus cederia o espaço novamente.

—Ah, isso…. Eu não sei quando poderemos tocar de novo. Os rapazes… Eles…. Eles desapareceram e eu não sei se irão voltar.

—Não deve ter sido nada demais, Julie. - Klaus tentou confortar.

—Ei, Klaus, nós vamos rapidinho no seu banheiro, tá? - Bia avisou, já puxando a amiga.

As duas foram até o corredor atrás do balcão, parando próximas à porta em que os garotos estavam e conversando baixinho.

—Você precisa me prometer uma coisa Julie.

—O que?

—Se daqui um mês eles não voltarem, você vai seguir em frente. Não pode se prender a isso.

—Eu sei, queria não dar voz a essa esperança, mas…..

—Essa não é a voz da Julie? - Félix comentou quando começou a prestar atenção no som.

—Julie?! - Daniel se empertigou, correndo até a porta e sendo impedido por Martin.

—Daniel, não! - Ele gritou em um sussurro. - Não podemos ainda!

Sabendo das condições, Daniel se sentiu frustrado por ter ela tão perto, mas sem pode falar. Incomodado, ele se contentou em se aproximar da porta, apenas escutando um….

—Eles não foram invenção da minha cabeça, não é, Bia?

E então ele sentiu a dor se apossar de seu coração. Ele não era uma invenção, estava bem vivo do outro lado da porta esperando por ela.

***

O quarto dia enfim havia chegado e com ele a liberdade do trio. Klaus tinha providenciado algumas roupas modernas para os garotos, assim como uma ida ao barbeiro, já que seus visuais não eram moda naquele século. Todos estavam com os cabelos mais curtos e controlados, mas quando o barbeiro tentou fazer a barba de Daniel, ele não permitiu. Ele gostava de ter uma barba - já que trinta anos antes ele não tinha conseguido aquele privilégio -  além de fazer parecer mais maduro. Seguindo o plano, os três saíram da barbearia e caminharam até a escola onde oferecia o curso supletivo, com os três sendo efetivamente matriculados. As aulas começariam apenas no dia seguinte, com a duração de três meses. Depois disso seriam livres para procurarem um emprego e se manterem em um apartamento dividido.

—Cês querem ir esperar a Julie na escola? - Martin sugeriu. -Ela deve sair daqui a pouco.

—Não acho que seja uma boa ideia, ao menos não hoje. - Félix foi sensato. - Ela acha que a gente morreu, aparecermos do nada e vivos na escola não seria algo muito silencioso.

—Félix tem razão, Martin. - Daniel concordou. - Acho melhor esperarmos na casa dela.

—Mas e se o pai dela estiver em casa?

—Já esqueceu o horário dele? Ele não vai estar lá. E se nos virem, bem, Julie tem uma banda, não é?

Concordando com o argumento, os três foram em direção até a casa de Julie - surpreendendo-se em como o caminho tinha ficado 3x mais longo. Assim que botaram o pé na rua certa, um frio na barriga dominou os três, assim como um sorriso no rosto. Antes mesmo que pudessem notar de fato a dupla que vinha na direção contrária, escutaram Daniel gritar:

—JULIE! -E abrir os braços em sua direção.

Julie estava completamente distraída conversando com Bia a respeito do que faria para continuar ignorando Nicolas. Apesar deles serem amigos, ele tinha pisado muito na bola com os comentários no site. Quando ouviu seu nome ser gritado, Julie olhou para frente e não acreditou no que viu. Bia seguiu o seu olhar e ficou tão espantada quanto a melhor amiga.

Daniel, Félix e Martin estavam bem à sua frente, chamando por ela. No primeiro momento Julie sequer percebeu a atual condição deles - ao contrário de Bia - correndo na direção deles e se atirando nos braços de Daniel - que prontamente a tirou do chão e a girou no ar.

Ceeerrrto, Julie tinha total certeza que ele não podia fazer aquilo antes. Se separando dele, conseguiu olhar atentamente à sua barba crescida, pele saudável, sem olheiras, roupas trocadas e a respiração batendo em seu rosto. Ele se separou com brusquidão de Daniel, apertando os braços de Félix e Martin, soltando um grito de felicidade e puxando os três para um abraço triplo.

Bia não queria interromper aquele momento, ficando um pouco afastada apenas observando.

—Como isso…. Como isso…. Vivos?! - Julie questionou para Martin.

—Vivos.

—Quem vocês precisaram chantagear para isso?

—Demétrius. Ele preferiu nos trazer de volta à vida do que aceitar a chantagem. - Félix explicou, ainda abraçando a garota.

Daniel não conseguia falar nada, estando travado na presença da garota. Seu coração parecia que ia sair pela boca, com seu estômago totalmente revirado.

—Parece que algum bicho mordeu você, Daniel. - Bia se aproximou, implicando com o loiro.

—Eu, ahn… A gente pode ensaiar, Julie?

—Só depois que me explicarem essa história direito!

Arrastando os três para a edícula, Julie não percebeu que segurava a mão de Daniel, embora os outros três já tivessem notado e já pensando em uma desculpa para deixarem os dois sozinhos. Por mais que Bia não tivesse apoiado a amiga antes, Daniel não era mais um fantasma - logo, era um pretendente namorável.

—Pedrinho ainda não chegou? - Martin tentou fugir da edícula com Félix, mas não conseguiu.

—Não, ia fazer um trabalho na casa do Lucas hoje, só deve chegar de noite. Agora, todo mundo sentado! - Ela apontou para o sofá.

—E então? - Bia tentou ajudar.

—Estamos vivos! - Daniel declarou.

—E como exatamente isso aconteceu?

Lembra daquele lance que descobrimos sobre o Demétrius? Dele também cantar para os vivos? - Martin tomou a frente.

—Vocês usaram isso para ele parar de perturbar a gente.

É, foi o que a gente achou, mas aparentemente ele é incorrupto e procurou uma maneira de se livrar da gente. Acabou que a nossa morte foi acidental, era para ter sido o Josias, mas como partimos antes da hora nos deram uma escolha de voltar.

—E o que vai acontecer com o Josias?

—Demétrius garantiu que não ia acontecer nada. - Daniel afirmou. - Mas não é como se ele fosse se lembrar da gente para se tocar do que conseguiu escapar. Ninguém que  a gente conheceu em vida se lembra da gente, essa foi a condição.

—Então seus pais…. - Bia se compadeceu.

—Não tínhamos mais contato deles quando éramos fantasmas, então não foi tão doloroso assim. - Félix respondeu.

—Mas veja pelo lado bom agora, Julie: você vai ser obrigada a dividir o microfone comigo. Sem microfonias. - Daniel disse com um sorriso zombeteiro.

—Esse é o lado bom? - Julie implicou.

—Ter que aturar o doce som da minha voz…. - Daniel entrava na brincadeira, implicando ainda mais.

—É…. A gente pode ensaiar? Não temos mais todo o tempo do mundo, as aulas começam cedo amanhã.

—Aulas? Que aulas?

—Nos matriculamos em um supletivo, para conseguirmos um certificado de ensino médio e arrumarmos um emprego. Não podemos ficar esperando a banda começar a ser paga sem fazer nada.

—E vão ficar aonde?

—Klaus deixou que a gente ficasse por um tempo na loja até conseguirmos alugar um apartamento.

—Estavam esse tempo todo lá e não vieram falar com a gente?!

—Desculpa, Julie. Ordens expressas de Demétrius. Só aparecer para você três dias depois de acordarmos.

***

Depois de três horas de ensaio, começava a anoitecer e isso significava que seu Raul em breve voltaria para casa - e com certeza surtaria por ter três adolescentes desconhecidos em sua casa. Eles arrumaram as coisas e iam saindo da edícula quando Pedrinho chegou, gritando de felicidade ao notar os seus amigos vivos. Arrastando eles até o seu quarto para mostrar o projeto que estava trabalhando durante a tarde, não viu Bia subir até o quarto de Julie, deixando a irmã sozinha com Daniel.

Pedrinho e o guitarrista quase nunca tinham se falado.

—Fico feliz que você tenha voltado. - Julie comentou, levando ele até a porta.

—Vivo ou só voltado?

—Vivo. - A maneira como Julie afirmou o fato fez o coração de Daniel bater mais rápido.

—Eu ouvi quando você perguntou a Bia se éramos invenção sua… E aquilo machucou.

—Estava me escutando?

—Sim, mas não acho que você conseguiria inventar alguém de personalidade tão forte, quem dirá três fantasmas e ainda montar uma banda com eles.

Agora que ele estava vivo não tinha ideia de como conversar com ela.

—Ei, Daniel, já estamos indo! - Félix gritou pelo amigo.

—Você ouviu eles. - Daniel afirmou. - Até amanhã?

—Até amanhã.

Daniel ficou sem saber o que fazer, mas quando viu Julie se colocar na ponta dos pés e beijar o canto de sua boca, ele perdeu completamente a habilidade de raciocínio. Julie não esperou uma resposta, rindo ao vê-lo andar para trás e tropeçar nos próprios pés, quase batendo na parede. Com um aceno, Daniel andou apressado até os amigos, desaparecendo no horizonte.

—E eu achando que ele ia te agarrar na primeira oportunidade. - Bia comentou, se escorando ao lado da amiga.

—Vai acreditar se eu disse que eu também?

—Parece que no final das contas ele não é tão bad boy assim.




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