Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 28
Vinte e oito




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A segunda semana de fevereiro finalmente tinha entrado, e com ela os novos horários da banda. Três vezes por semana os Insólitos se reuniam na gravadora, trabalhando em seu primeiro single profissional. Até o presente momento já tinham decidido pela inserção de novos instrumentos - em especial o teclado - conseguindo preparar os arranjos para aquela tarde.

Apesar de Rick ter tocado no nome de Josias, os quatro negaram imediatamente. Apolo 81 estava morto, aquela era a nova fase da vida deles.

Com todo o instrumental finalizado na tarde anterior, eles somente precisavam gravar a parte do vocal naquele dia. Eles eram novatos, primeiro precisavam gravar a demo para depois ser distribuída, e uma vez feita não tinham muito mais o que fazer - ao menos não naquele dia.

Assim, Julie e Daniel tinham marcado um encontro depois do trabalho, estando mais do que ansiosos pela hora da saída.

—No três, pessoal! - Rick abriu o microfone, indicando para seus ídolos.

Daniel e Julie apenas confirmaram com a cabeça. Os dois estavam dividindo um microfone, enquanto Félix e Marton estavam ao lado, prontos para fazerem o backing vocal.

A batida do teclado e guitarra começou, atraindo a atenção de todos.

Eu sei, que o tempo não para

Mas não me esqueço de nada

Está em mim, espero que esteja em você

Tudo o que posso dizer

Julie começou, segurando o pé do microfone com um pouquinho de força. Aquilo estava mesmo acontecendo? Desde quando tinha ficado tão nervosa?

É que aprendi a sentir cada dia

Ganhar, perder, o que importa é estar viva

E desistir não é opção pra ninguém

A hora certa sempre vem


 

Fecho os meus olhos e ouço a sua voz

E de repente não estou sozinha, vamos nós

Não sei se é normal

Mas sei que essa é minha vida e ponto final

No meu coração

Eu ouço toques invisíveis me dizendo a direção

Naquela estrofe específica todos os quatro cantaram, dando ênfase ao que a letra passava. Se somente os garotos cantando já era algo muito agradável de se ouvir, com a inserção de Julie tinha ficado melhor ainda. Seria um sucesso, certeza!

Fingir pra quê?

Fugir da verdade

Dizer que não sinto saudade

O que passou, deixou uma história em mim

Mas que está longe do fim


 

Agora eu vejo as luzes no horizonte

E sei onde posso chegar

Tudo valeu sim, tudo que senti

Nada pode apagar

Mas era claro que uma das últimas estrofes teria que ser um dueto entre Daniel e Julie. Apesar de não ser uma composição sobre fantasmas, a letra também se encaixava na situação de todos eles.

Se eles não usassem máscaras, Rick não teria piedade e não gravaria um clipe no estúdio. A troca de olhares entre os adolescentes chegava a ser algo incômodo de tão intensa que era. Na verdade, ele podia apostar que se pudessem Daniel não teria ressalvas de agarrar a vocalista ali mesmo.

—Quinze minutos, pessoal! - Rick liberou, indo conversar com o assistente de som, que tratava rapidamente o áudio para corrigir eventuais falhas.

—Onde vocês vão hoje? - Félix perguntou como quem não queria nada, sentando-se no sofá da ante sala.

—Naquela sorveteria antiga, perto do San Cristóban. - Daniel respondeu, focado em seu caderninho de músicas.

—Espera, vai mesmo levar ela lá? Acha seguro? - Félix se preocupou.

—O que tem demais lá? - Julie não entendeu, sentando-se ao lado do baterista.

—A sorveteria ficava quase do lado da casa de Daniel. Está usando o encontro como uma desculpa para ir ver seus pais?

—Não, só quero tomar sorvete com a minha namorada. Se não fui lá quando estava morto, não vou agora que estou vivo.

—Mas sempre tem a possibilidade deles estarem no quintal da frente. A sua mãe adorava….

—Vamos pela rua de cima, para evitar que aconteça algo assim. - Daniel estava voltando a ser um cretino, envergonhado por ter sido pego no pulo.

Enquanto ele mergulhava de cabeça em suas letras, Félix achou melhor advertir a amiga.

—Acho bom você ficar de olho nele. Não acreditei em uma só palavra do que ele disse.

—Nem eu, mas o que eu faço se ele começar a chorar?

—Ele não vai, não na sua frente. Só se assegure que ele volte para a loja em segurança.

—Pode deixar. Mas…. Pensando bem, vocês nunca falaram sobre a vida de vocês. Voltaram para procurar os seus pais depois que saíram do disco?

—Bem, como você sabe, Daniel está planejando fazer isso hoje com a desculpa esfarrapada do sorvete.

—Não é desculpa!

—Martin não teve interesse. 

—Eu acredito que eles voltaram para a Nova Escócia, isso sim. - Martin respondeu do outro lado, imerso na conversa.

—E você?

—Eu não precisei voltar para casa. - Félix abriu um sorriso cúmplice com Martin, divertido da confusão de Julie. - Meus pais já tinham partido provavelmente há muito tempo.

—E como sabe?

—Porque você estava morando lá.

Julie ficou estática. Espera, a casa dela era a casa de Félix?!

—Você disse o que eu entendi? A sua casa é a minha casa?

—Não, a sua casa era a minha casa. Como não percebeu isso antes? Nosso disco só poderia estar em uma das nossas residências. A edícula é ampla, cabem todos os nossos instrumentos lá, principalmente uma bateria. Não fazia muito barulho dentro da casa principal e todas as paredes estavam repletas de pôsteres de rock!

—Obrigado por ter nos ajudado a rasgar o papel de parede antigo, a propósito. - Daniel opinou. - É muito melhor o que fizemos.

—Uau….Eu por acaso peguei o seu quarto?

—Não, Pedrinho ficou com ele. Acha mesmo que se você tivesse ficado com o meu eu deixaria você e Daniel ficarem sozinhos lá? - Félix rolou os olhos.

—Até parece que nunca ficou sozinho com nenhuma garota no seu quarto, Félix. - Daniel respondeu entediado.

—É, disse bem: no MEU quarto!

—DANIEL! - Julie corou subitamente com a menção dos dois sozinhos em um quarto. Apesar de todos ali saberem que enquanto fantasmas nunca tiveram nada, o cara do som não tinha ideia.

—O que?

—______________

—Deixa só eu passar no banheiro. - Martin pede a Félix, entrando no ambiente.

Daniel e Julie já tinham ido embora a uns dez minutos quando Félix e Martin terminaram de fechar seus instrumentos. Eles não tinham muitos planos, talvez passar na lanchonete perto da loja de discos  e pegar um suco, ir para casa e dividir o computador alimentando seus twitter’s e facebook’s recém criados. Não que eles usassem muito, mas tinham como reserva caso alguém importante pedisse.

Entediado, Félix ficou esperando o amigo no corredor, perdido em pensamentos.

—Ei, você por aqui! - Uma voz feminina se fez presente, estourando a bolha do rapaz.

Atordoado, Félix procurou até encontrar Manu se aproximando com um sorriso no rosto.

—Ah, oi! - Ele ficou sem graça. - Manu, né?

—Não te vi durante essa semana, pensei que tivesse ido embora.

—Não ter me visto não é exatamente um sinônimo de ter sido mandado embora. Eu poderia estar todo esse tempo aqui, assombrando os corredores vazios. - Félix tentou fazer uma piada fantasma, mas admitia que era melhor com Martin e Daniel.

—Não acho que um fantasma  fosse querer assombrar um lugar movimentado, ainda mais em uma gravadora onde não há silêncio.

De fato eles não queriam assombrar, mas gravar.

—Foi mal, acabei ficando preso com a gravação da demo.

—E conseguiu finalizar?

—Dentro de alguns dias vai ser lançado nas rádios. E você?

—Ah, estamos preparando o álbum novo. Muitas reuniões, discussões e dores de cabeça. Esteja preparado para isso, viu? Mas… Qual o nome da sua banda? Para ou ouvir a música quando for lançada.

—Eu….

—Vamos? - Martin interrompeu, saindo do banheiro. - Ah, oi1 - Ele notou Manu, que olhava para ele de forma esquisita.

—Meu Deus! Martin, não é? - Manu estava em polvorosa.

—.....Sim….? - Ele estranhou, olhando em desespero para Félix. - Você deve ser a Manu, não é?

—Me conhece!?

—Na verdade, Félix comentou sobre você…. Mas eu quem deveria perguntar como me conhece.

—Dã. Colírios Capricho! Votei em você um montão de vezes.

—Obrigado, eu acho. - Martin estava visivelmente sem graça, não reparando na expressão fechada que começava a se formar no rosto de Félix.

Primeiro Débora e agora Manu?

—Sua banda não era de garagem? O que está fazendo aqui?

Félix revirou os olhos. Foi só aquele idiota aparecer que PUF! Ele tinha sido esquecido!

—Bem….Nós conseguimos um contrato. Vamos lançar a nossa demo semana que vem.

—Vocês… Vocês são da mesma banda?

—É. - E com aquela resposta curta e grossa Martin se deu conta que talvez estivesse atrapalhando alguma coisa.

—Manu, foi um prazer te conhecer, mas eu preciso ir. Te espero lá fora, Félix! 

E com aquela deixa ele desapareceu, deixando os dois sozinhos. Não que importasse alguma coisa, Manu já estava derretida e afetada pela presença do colírio.

—-Você ainda está em expediente, não é? Não quero te ocupar. - Félix não sabia direito como manter uma conversa com uma garota, ainda mais uma arruinada por Martin.

—Com a produção do cd está uma loucura, acabo não tendo hora para sair! 

—E não deveria voltar para o estúdio?

—Pausas sempre são bem vindas. Renovam a mente, sabe? Mas acho que seu amigo também está te esperando, então… Nos vemos por aí?

—Espero que não mais saindo do banheiro. - Félix deu um sorriso, conseguindo tirar outro dela.

—Ah! Pode me passar o seu twitter? Assim fica mais fácil da gente se falar, caso as coisas fiquem muito corridas aqui. - Manu fazia caras e bocas, indicando o quanto estava nervosa por pedir aquilo.

—Ah, isso… Eu meio que comecei a te seguir dois dias atrás, mas como a sua conta é movimentada acho que você não viu… - Félix coçou a cabeça, vermelho.

—Pode me passar o seu então? Assim fica mais fácil de te encontrar. - Ela estendeu o celular dela com o twitter aberto, indicando o que ele deveria fazer.

Félix rapidamente entrou em seu perfil e seguiu a si próprio, confuso como aquela relação de seguidores funcionava, mas gostando da sensação em seu peito.

—Manu?! - A produtora da garota a chamou no corredor, estranhando a interação dela.

—Acho melhor eu ir… A gente se fala!

Félix apenas deu um tchauzinho sorridente, indo encontrar com Martin.

—Foi mal, cara.... Não queria me meter entre vocês dois….

—Pelo menos ela pediu o meu telefone, não o seu. - Félix permitiu se gabar naquele momento, recebendo um cumprimento animado de Martin.

—Dou até de noite para já estarem se falando!

—________________

Quando Daniel falou sobre a sorveteria perto do colégio San Cristóban, Julie não tinha imaginado ser tão longe daquele jeito! Aquela era a direção completamente oposta à sua casa, precisando tomar um ônibus para chegarem até lá - o que só dava mais ênfase ao local de ensaios dos três. Fazia muito mais sentido Martin e Daniel se deslocarem com seus instrumentos do que Félix, já que ele obviamente não podia carregar sua bateria nas costas, muito menos deixar na casa de ninguém.

Desde que Daniel tinha sido descoberto mais cedo, ele estava mais quieto do que o normal - o que não podia ser boa coisa.

—Certeza que o sorvete não foi uma desculpa esfarrapada? - Julie perguntou como quem não queria nada.

—É claro que não, Julie! - Daniel se sentia ofendido por aquele pensamento.

—Você já me usou por interesse antes, eu não ia ligar nem me surpreender se fosse a questão agora também.

—São coisas diferentes, Julie. Eu prometi a você que nunca mais te magoaria  e pretendo cumprir isso.

—Você não me magoaria em uma situação dessas, Dani… - Ela deixou o apelido sair, vendo o rosto dele enrubescer.

Para disfarçar, ele deu sinal no ônibus, deixando que Julie saísse primeiro. Ela nunca tinha passado por aquele lugar, estranhando como era muito mais movimentada do que a sua rua - e muito mais comercial também. Aquela era a área antiga da cidade, onde os mais renomados haviam crescido e estudado - e se Daniel morava lá deveria fazer parte deles também.

Mas ele provavelmente havia feito o que tinha comentado com Félix, já que o caminho que seguiam apenas tinham estabelecimentos comerciais. Sem problemas, no tempo dele.

—Nós costumávamos vir aqui para tentar compor alguma coisa. - Daniel confidenciou, segurando em sua mão quando entraram na sorveteria.

Ela tinha a estética de uma lanchonete dos anos 1950 - o que era bem legal, mas ao contrário dos Estados Unidos seus funcionários não usavam uniformes estilizados. O lugar não era muito amplo mas também não era pequeno, com mesinhas espalhadas por todo o seu salão. Escolhendo uma próxima janela, Daniel ficou pensativo por algum tempo, apenas voltando a realidade quando a garçonete entregou um cardápio para eles.

—Só precisam chamar quando estiverem prontos.

Mas ele ainda suspirava para o menu.

—Se suspirar mais uma vez vou começar a achar que se apaixonou pelo cardápio. - Julie fez uma piada, recebendo o olhar cretino dele.

—Não é paixão, só…. Nostalgia. Essa era a nossa mesa preferida, tentávamos compor nossas músicas aqui.

—Como humilhação e sofrimento pode ter sido composta em uma sorveteria??

—Ela não foi, essa não… Foi. Foi no meu quarto, de madrugada e no escuro após uma longa sessão de choro se você quer tanto saber.

—Na verdade eu gostaria de saber quem te fez escrever isso e porque Martin é o menos imparcial nessa história,mas…

—Talvez um dia eu te conte, mas não hoje.

—Se esse lugar era tão especial para vocês três…. Quatro… Porque não veio com Félix e Martin? Não é como se eles não estivessem aqui, sabe?

—Julie, nós vivemos na antiga casa do Félix por sete meses antes de retornarmos. Sabe como aquilo foi doloroso? Viver em uma casa que não é mais sua, relembrar os momentos que varamos a noite na edícula conversando e confidenciando coisas.... Aqui seria muito pior. Não pela sorveteria em si, mas pela nossa memória. - Ele apontou para a lateral esquerda dela, mostrando uma marca.

     Apolo 81!

  Josiaz     Martin

           Félix            Daniel

—Josias achava que escrever o nome dele com z deixava mais descolado, mas só ele achava isso. - Daniel riu. - O dono daqui era quase que o Klaus para a gente, não duvido nada ter deixado isso como uma homenagem depois do acidente. Voltar aqui seria voltar para a minha casa, e por mais que eu seja o que mais vá sentir, eles também passaram bons momentos comigo. E apesar deles serem os meus melhores amigos, eu queria voltar aqui com você. Seria estranho demais segurar na mão deles em público para ter apoio.

Daniel confessou. Ele estava com medo, aquilo era mais do que perceptível, mas queria que Julie o ajudasse a passar por aquilo. Segurando em sua mão, Julie a puxou para um beijo rápido, arrancando uma risada dele.

—Ao menos o cardápio está igual?

—Esses sabores de sundae são novos, mas os milkshakes são os mesmos.

Por fim, decidiram por dois milkshakes de morango, jogando conversa fora enquanto congelavam o seu cérebro. Eles sabiam que a partir do dia seguinte começariam a pensar no conceito para o videoclipe do single gravado, e não tinham certeza como aquilo sairia, mas estavam animados.

—Está rindo do que? - Daniel estranhou a aleatória crise de riso de Julie.

—A última vez que estive em uma situação como essa você derramou suco no colo do meu acompanhante.

—A culpa não é minha se ele deu bobeira com o copo. - Daniel apontou para o seu milk shake, mostrando como ele não o parava de segurar nem por um segundo. - Além do que, eu te fiz um favor arruinando aquela espécie de encontro, né?

Julie apenas levantou a sobrancelha, desconfiando daquilo.

—Qual é? Vai dizer que a anta é uma companhia melhor do que eu?! - Daniel se indignou. - Não pode estar falando sério!

—Mas eu não disse nada!

—E nem ouse achar uma coisa dessas, Juliana!

—Ou o que? Vai derrubar o meu milkshake em mim?

—Não, vou ser obrigado a tirar essa ideia da sua cabeça de outra forma, mas estamos impossibilitados por essa mesa no momento. Vai precisar esperar.

Mas enquanto estar com Nicolas era sinônimo de ficar constantemente nervosa, com Daniel era ao contrário. Ainda tinha frio na barriga quando ele fazia coisas românticas demais, mas era o fantasma cretino não mais fantasma vocalista e guitarrista da sua banda com ela. Vergonha era uma coisa que não existia com ele - não ser quando as coisas começavam a esquentar demais quando estavam sozinhos, mas não era apenas ela a ficar corada com as investidas.

Aquilo deveria ser assunto para a próxima festa do pijama com Bia e Shizuko, isso sim. Um badboy que fica vermelho com uma mão boba? Aquilo era novidade.

Mas considerações à parte, já estava mais do que na cara a enrolação do adolescente.

—Podemos ir indo? Não quero te apressar nem nada, mas provavelmente vamos pegar o horário do rush para voltar….

Ele apenas concordou, insistindo em pagar a conta. Ele usou o argumento que se ele usaria ela, que ela ao menos o usasse para pagar o doce - o que ela não contestou em nenhum momento.

Segurando forte em sua mão, Daniel deu três passos em direção à casa vizinha antes de buscar conforto em seu rosto, querendo saber se ela estava ali mesmo com ele.

Sua casa era simples, com muitos na altura de seus olhos. Algum dia ela deveria ter sido muito bem cuidada, mas no momento atual os sinais do tempo indicavam que a manutenção não era feita regularmente.

—Minha mãe costumava cuidar muito bem do jardim da frente. - Daniel dizia mais para si mesmo, notando a ausência das plantas floridas que sua mãe tanto gostava, dando espaço apenas para folhas verdes.

—Será que ainda tem alguém morando na casa?

—Tem sim. A luz da sala está acesa, não deixariam ligada se estivesse vazia.

—Está melhor? Ou precisa de um abraço?

—Um abraço sempre é muito bem vindo. - Daniel concordou, abraçando Julie. - Mas estou bem sim. Acho que eu só estava com medo de alguma coisa acontecer e eu….

—Daniel….? - Uma voz um pouco alta veio de dentro da casa, gelando os dois adolescentes.

—É uma mulher meio baixinha, magra, com os cabelos cacheados bem parecido com o seu, só que morena. - Julie sussurrou para o adolescente, que havia cravado suas unhas em seus braços.

Julie estava se machucando, mas não se importava no momento.

—Minha mãe....

—Daniel, como você….?! - Ela se aproximou do portão, assustada.

—Desculpe, está falando com a gente? - Julie tomou iniciativa, vendo que o garoto não ia dizer uma só palavra.

—Vocês…. Me desculpem, eu acho que… Achei que tivesse visto meu filho. - A mulher não estava desolada, tinha perdido Daniel trinta anos antes, mas pensar ter o visto em sua casa tinha mexido com ela. - Vocês…. Vocês se parecem muito….Qual o seu nome, garoto?

Julie entrou em pânico. Que nome eles poderiam dar para Daniel que não fosse suspeito? Epaminondas era um bom disfarce, mas quem no século XXI se chamava Epaminondas?

—Bruno, senhora. Meu nome é Bruno. - Daniel falou com a  voz firme, virando-se e ficando frente a frente com sua mãe pela primeira vez em 30 anos.

Os dois ficaram algum tempo apenas estudando um ao outro em choque.

—Até a sua voz… Como é possível serem tão iguais? Você é daqui mesmo, Bruno?

—Não, sou de Taubaté, mas me mudei para cá a alguns meses. A senhora… Me é um pouco familiar.

—Eu!? - Os olhos da mulher se encheram de esperança, com Julie querendo jogar um copo de milk shake na cabeça de Daniel.

“SOS OVELHA SEM CONTROLE” Foi a mensagem de socorro que ela enviou para Félix e Martin, na esperança que eles já tivessem conferido o twitter deles na loja, mas não obteve nenhuma resposta.

Eles precisavam urgentemente de um celular.

—O que vieram fazer neste lado da cidade? - A mãe dele continuava a perguntar, curiosa.

—Ouvimos falar da sorveteria e Da...Bruno achou familiar o nome. Paramos aqui porque ele…

—Achei que já tivesse passado por aqui antes, mas devo ter me enganado.

—NÃO! Não, pelo contrário! Quais seriam as chances, afinal? Mas…. Vocês são tão parecidos….

—Chances de que?

—Pode ser só uma loucura minha, mas… Quais seriam as chances de você ser a reencarnação do meu Daniel…?

PERIGO PERIGO PERIGO

—Eu….Reencarnação?

—Não sou louca, mas perdi meu filho 30 anos atrás em um acidente com um caminhão. Eu sei que ele não pode voltar, mas as semelhanças… E você ter achado que já tinha estado aqui…

—Bruno, o horário, lembra? - Julie tentou fugir daquela situação, mas não havia mais jeito.

—Eu não sei se acredito em reencarnação - até porque ele não havia reencarnado, apenas brotado - Mas não acho a senhora louca. - Ele deu um sorriso tímido, desmontando a sua mãe.

—Se importaria se eu te desse…. Te desse um abraço…?

—Nem um pouco.

Abrindo o portão da casa, a mulher foi para a calçada, abraçando com força Daniel, que retribuiu na mesma intensidade o abraço da sua mãe. Julie fingia que não via aquilo, incomodada com a intensidade do momento, mas respeitando os dois. O abraço durou um longo tempo, regozijando os dois.

—Passem por aqui quando quiserem! Porque não marcamos um café?

—Nossa agenda está meio cheia nas próximas semanas, mas prometo passarmos aqui quando possível.

—Vocês trabalham com o quê?

—Temos uma banda.

E aquilo foi o que bastava para a mãe dele deixar que algumas lágrimas viessem à  tona - sendo rapidamente enxugadas.

—Bem, sabem onde me encontrar. Não vou ocupar mais o tempo de vocês dois. Foi muito bom te conhecer, Bruno.

—Digo o mesmo, dona Álvara.

Foi somente quando os dois já tinham ido embora e Álvara já estava em sua sala que percebeu que nunca tinha contado o seu nome para os dois.

Seria aquele mesmo o seu Daniel?

—____________

Mesmo sendo horário do rush, Daniel e Julie tinham conseguido dois lugares juntos no ônibus de volta.

—Você foi incrível hoje, apesar de ter quase se mostrado para a sua mãe.

—Eu não estava contando com aquilo, eu entrei em desespero!

—E mesmo assim lidou com tudo sozinho. Acho que não precisava tanto assim de mim, no final das contas.

—E perder um encontro com você? Não conseguimos mais ficar tão sozinhos quanto antes, principalmente quando sua escola voltar.

—Não digo que preferia quando vocês moravam lá em casa, mas pelo menos tinha você o tempo todo. - Julie fez um biquinho.

Daniel não fez cerimônias, apenas se aproximou e roubou um beijo lento da garota - que apesar de surpresa pelo ambiente, retribuiu na mesma intensidade. Com sua mão em seu queixo, Daniel angulava a cabeça de Julie, aprofundando o beijo na medida que o horário e o local permitiam, sorrindo com o carinho que recebia em sua nuca.

—Eu te amo, Julie, nunca se esqueça disso. Se eu soubesse que teria de esperar trinta anos no outro plano para te conhecer, eu teria sido muito menos rabugento.

—Meio impossível acreditar nisso, mas acho que Demétrius teria agradecido por isso. - Julie riu, ainda não conseguindo retribuir com palavras a declaração de amor.

 Mesmo sob protestos, Julie convenceu o garoto a saltar na parada da loja de discos, fazendo com que ela ficasse sozinha até em casa. Ela não queria que ele ficasse sozinho por tem demais - o que aconteceria caso a deixasse em casa.

Além de usarem máscaras e mentirem sobre a cidade de origem, eles teriam que alterar os seus nomes agora?

Se Daniel era Bruno, Félix seria o que? Fábio? E Martin? Marcelo?

Julie não sabia, mas caso precisasse criar um nome falso, Mariana era a sua opção.


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