Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 27
Vinte e sete




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796031/chapter/27

A tão esperada terça feira finalmente tinha chegado e os Insólitos não podiam estar mais ansiosos e nervosos.

O contrato de Julie tinha chegado no dia anterior, com seu pai assinando sua parte - e apesar de ter insistido muito para acompanhá-la no dia seguinte, Julie recusou todas as suas ofertas. Rick tinha enviado o contrato pelo correio justamente para evitar que ele fosse até lá, já que tinha uma história nada convencional para ouvir.

Todos eles se encontraram na porta da gravadora às 14 horas em ponto, subindo direto para o escritório de Bonadio. Tensos e ansiosos, sequer pareciam que eram os mais velhos no ambiente - apesar de não parecerem mesmo.

—Rapazes, Julie…. Prontos para assinarem?

—Apesar de confiar em você, garoto, ficaríamos mais satisfeitos se lêssemos primeiro. - Daniel pediu, lembrando-se do conselho de Klaus.

—À vontade!

As cláusulas eram bastante simples, até. Provavelmente a maior parte dos acordos seriam feitos boca a boca, com apenas o essencial por escrito. A partir da semana seguinte eles passariam a ir para o estúdio às quartas à tarde, quintas e sextas - transferindo os empregos para segundas, terças e quartas de manhã. As aulas do supletivo acabariam naquela semana, com a prova acontecendo apenas no final do mês seguinte. Já para a parte de Julie, ela deveria cumprir os horários da tarde dos três dias citados - com exceção das semanas de provas, que deveriam ser avisadas com antecedência, para se programarem melhor. O contrato inicial era de um ano, com eles dando autorização de uso da sua imagem para programas de televisão, revistas, rádio e fotografias.

Aí que entrava o problema.

—Garoto, como vamos ceder nossa imagem se usamos máscaras?

—É o contrato padrão, o uso das máscaras está garantido. É a marca da banda.

—Vamos continuar com as máscaras de bichinhos? - Félix quis saber.

—Sim, a não ser que queiram mudar.

Não foi preciso que se olhassem para responder.

—Estamos bem sendo animais.

—Ótimo. De acordo com os termos?

E também não precisou de muito mais para eles revezarem a caneta enquanto assinavam os contratos.

—Como vocês já fizeram shows por aí e lotaram o estabelecimento, podemos continuar com o nome Insólitos e as máscaras. Não precisamos necessariamente agora de uma música inédita, podemos começar a gravar as que já tem, principalmente a do festival do Peche. Nesse mês vamos gravar a música, um clipe e disparar nas rádios e na MTV. Podemos marcar também entrevistas, dependendo de como sair. 

—Somos uma banda jovem, seria muita pretensão começarmos de cara falando com a Capricho?

—Dependendo de como for feito o contato… - Rick ponderou.

—Acho que eu posso ajudar com isso, só preciso falar bem da banda quando for chamado para uma nova ação. Usamos máscaras, ninguém vai perceber que sou eu.

—Mas e a sua voz? Você fala muito na capricho. - Félix se lembrou.

—E sou a segunda voz nas músicas da Apolo, e quase não cantamos sozinhos. Ninguém vai me reconhecer, Félix.

—O que nos leva a outro ponto: não vou impedir que saiam em público, mas que evitem dar bandeira. Postar em redes sociais que estão aqui, que estão nos shows, tirar a máscara em lugares públicos…. E talvez deixar de permitir que as apresentações na loja de instrumentos sejam filmadas, entendeu, Daniel?

—Eu sou a primeira voz com Julie, mesmo com a máscara posso ser reconhecido. - Ele concordou veementemente.

—O que também é uma coisa boa! Se forem fotografados juntos, não vão estar revelando o segredo da banda. No máximo será divulgado como loiro misterioso ou apenas passado batido. Estrelas em ascensão que namoram pessoas normais normalmente não são muito noticiadas.

—Mas não seria ruim? Não termos tanto foco? - Martin estranhou.

—Depende do ponto de vista. Vocês mantêm sua privacidade e conseguem sair por aí sem serem reconhecidos, mas perdem um pouco de mídia. Daniel e Julie sei que estão juntos…. - Rick olhou para os joelhos encostados dos dois. - Mas e quanto a vocês dois?

—Solteiro. - Félix declarou.

—Totalmente solteiro. - Martin completou.

—ótimo. Não vamos impor nenhuma regra maluca sobre serem proibidos de namorarem ou terem de arrumar uma, porque não vai fazer muita diferença com as máscaras. Vocês estão começando agora, então privar de aparecer em determinadas emissoras seria loucura, a única recomendação é que não tirem a máscara em lugares visíveis. Certo?

—Anotado.

—Eu fiz a minha parte, agora é com vocês. - Rick se acomodou em sua cadeira, esperando a parte do acordo deles.

—Você sabe como morremos, não precisamos entrar em detalhes nisso. - Daniel tomou a iniciativa. - Mas acordamos alguns dias após o acidente, e passamos a vagar por aí. Estávamos muito ressentidos com toda a situação….

—Principalmente Daniel, se ele já é intragável quando é contrariado na banda imagina quando morreu um dia antes de gravarmos o disco! - Martin quis ressaltar a informação.

—Nem vem que nenhum de vocês estava contente com a situação! - Daniel se virou na cadeira, acusando o amigo.

—Mas nem por isso saí criando caos por aí!

—O que importa é que depois de algum tempo fomos considerados instáveis para vagar eternamente, e fomos condenados a passar um tempo presos, pelo menos até conseguirmos conviver fantasmagoricamente sem causar nenhum distúrbio no plano físico. - Félix traduziu tudo, terminando com a discussão.

—Fomos presos na nossa cópia do disco, por ser algo que unia nós três, e fomos esquecidos naquela edícula por trinta anos, até nossa Julie aqui se mudar para a casa e ir xeretar a casa dos fundos. Ela não só mexeu nas nossas coisas como também colocou nosso disco para tocar, e isso acabou nos libertando.

—Eu imagino o susto que ela deve ter levado. - Rick olhou para Julie, que concordou com a cabeça.

—Eles não estavam como morreram, mas brancos feito papel e com olheiras sinistras!

—E para piorar, essa belezinha aqui QUEBROU o nosso disco, achando que assim se livraria de nós! - Daniel continuou. - Não é à toa que nos recusamos a ir embora, e passamos a viver na edícula. Admito que o ressentimento ainda estava em mim, e passei a segui-la até a escola por não ter nada para fazer, até o dia que descobri que Julia compunha e cantava. Dei a sorte dela estar participando de um concurso na escola, e cheguei bem a tempo, ela estava quase desistindo, mas dei apoio a ela e cantei com ela invisível mesmo. A convidamos para nossa banda naquele mesmo dia.

—Chegamos a gravar um clipe, daí que surgiram as máscaras, quando nos recusamos a usar lençóis furados.

—Começamos a fazer alguns shows na loja de discos do centro e a fazer algum sucesso. óbvio que nesse meio tempo fomos coagidos pela polícia espectral a parar de cantar para os vivos, e até tentamos fazer isso, mas não conseguimos. Foi aí que reaparecemos no festival do Peche, com roupas de astronauta.

—E como a música para Julie entra nisso tudo? Aquilo é bem óbvio, você não estava vivo quando compôs aquilo. - Rick tinha analisado de cabo a rabo a letra, supondo coisas a respeito.

—Você é observador mesmo, cara. - Félix aprovou aquilo.

—Nesse meio tempo todo, entre a banda e a vida pessoal dela, ela cismou que gostava de um garoto na escola, e apesar de desde cedo eu já ter expressado meus sentimentos sobre ele….

—Daniel! - Julie se incomoou. -

—Qual é, Julie! O Nicolas É um panaca! Posso continuar? Obrigado. Enfim, se você for perceber metade das nossas músicas são uma indireta para ele, mas não ligamos para isso, só queremos tocar. E depois de algum tempo eles acabaram ficando amigos, mas eu…. Não tenho vergonha de dizer que me apaixonei por ela, e estava decidido a lutar por ela.

—Mesmo sendo um fantasma? - Rick se assustou.

—Garoto, ela morava e tinha uma banda com três fantasmas, o que seria namorar um? - Daniel rolou os olhos. - Mas eu não via como isso aconteceria, daí que escrevi a música.

—E o que fez vocês brigarem tão feio?

Apesar do olhar fulminante de Julie, Daniel achou melhor explicar.

—Eu meio que assombrei o idiota e falei para ele ficar longe dela, coisa boba e que já passou. Mas no meio de tudo isso ainda estávamos indo contra as regras da polícia espectral, e estávamos dando tanta dor de cabeça que o chefe deles encontrou uma alternativa para pararmos com isso. Lembra do tecladista? O Josias?

—Ele ficou arrasado depois do acidente, nunca mais foi o mesmo. Quase abandonou a escola. - Rick confidenciou, abalando os três adolescentes.

—Era para ter sido ele a receber o impacto naquele dia, acabamos indo para o lugar dele. E como forma de reparar o erro, foi nos oferecida uma oportunidade de voltar a vida, e cá estamos.

—Da mesma maneira de 1981?

—Exatamente da mesma maneira, com a diferença que nenhum dos que nos conheceram em vida se lembram de nós.

—E como temos um corpo agora, não podemos mais morar na edícula de Julie, por isso dividimos um quarto na loja de discos e trabalhamos, até conseguirmos alugar um espaço só nosso. - Martin finalizou.

Rick estava sem palavras para tudo aquilo. Não tinha ideia do quanto seus ídolos tinham sofrido e batalhado após a morte deles apenas para terem mais uma chance na música. E imaginem só! Ele é quem poderia e estava dando a segunda chance para eles!

Mais do que empolgado, enxotou todos para o estúdio de gravação, para fazer uma demo da música do festival.



—_____________

Uma hora e meia já tinha passado desde o momento que todos eles foram para o estúdio e até aquele momento pelo menos três versões diferentes tinham sido gravadas, mas nenhuma era a definitiva ainda. Estavam estudando a inserção de outros instrumentos e como poderiam ser colocados quando Rick deu um intervalo de vinte minutos.

Apesar de estar com os amigos, Félix estava enfrentando um início de crise de ansiedade por não terem acertado o tom ainda - e como ainda não tinha um lugar para se enrolar feito uma bola ou descontar em sua bateria até se exaurir, ele recorreu a opção mais fácil: ir jogar uma água no rosto. Deixando Daniel e Martin se alongando no estúdio enquanto Julie conversava com Rick, ele saiu pela porta e foi até o banheiro. Não era tão distante do estúdio que estavam, com ele se perdendo lá até conseguir respirar normalmente. Após jogar bastante água no seu rosto e nuca, ele se alongou e se preparou para voltar - entretanto, não contava com a  figura apressada que estava tão distraída ao ponto de se chocar contra o seu peito com muita força.

—Ai! - Ele reclamou, recuperando o equilíbrio antes de cair contra o chão.

—Desculpa! Estou pensando tanto que nem te vi na minha frente! -  A garota se desculpou, conferindo se ele não havia se machucado.

Mas Félix mal teve tempo para processar o pedido, estava chocado demais com o que via à sua frente. Ela também tinha voltado a  vida?!

—D-Débora?! - Ele perguntou em um fio de voz, com os olhos arregalados.

Ora bolas, era só o que faltava!

—O que? Desculpa, eu me chamo Manuela. - A morena ficou sem graça.

as pessoas podiam não conhecê-la, mas confundir o seu nome tinha sido a primeira vez.

—Eu… Ah! Me desculpe, é que você se parece muito com uma pessoa que eu conheço. Tipo, muito. - Ele enfatizou.

—Acontece… - Ela estava sem graça, porém interessada no garoto super alto que ainda conversava com ela. - Você trabalha aqui?

—É o meu primeiro dia, e você?

Ele realmente não conhecia ela!

—Já estou aqui há seis meses. Sou cantora, e você?

—Baterista. - Ele sorriu, gostando de conversar com ela. - Escuta, preciso voltar para a minha reunião agora, mas gostei de falar com você. Nos vemos por aí?

—Ao menos me fala o seu nome! - Ela pediu enquanto ele já se distanciava, completamente sem tato algum, apenas focado em voltar para a sua bateria.

—É Félix!

—Manu Gavassi! - Ele respondeu de volta, o acompanhando com o olhar até ele entrar na sala que se direcionava.

Com um suspiro, Manu foi em direção ao banheiro, sorrindo para o nada.

Ele tinha deixado seu dia bem mais Félix.

—_____________

Se antes o moreno estava uma pilha nervos, agora ele sorria feito bobo!

—Qual é, Félix! Viu um passarinho azul no banheiro? - Martin questionou, estranhando o comportamento do amigo.

—Terra chamando Félix! - Daniel continuou a implicar.

Ele só tinha visto essa expressão no baterista uma vez na vida, e vê-la de novo só podia significar uma coisa:

—Viu Débora no corredor por acaso?

—Vi e não vi. - Ele confessou, se jogando no sofá na ante sala do estúdio. - Ela era bem viva, mas IDÊNTICA a Deby de uma forma completamente assustadora.

—Tem certeza que não é ela? Nós estamos bem vivos.

—Ela disse que se chamava Manu…. Acho que Gavas…

—VOCÊ CONHECEU A MANU GAVASSI?! - Julie teve um ataque de tiete, abandonando Rick e vindo até eles.

—Acho que sim… - Félix estranhou. - O que tem ela?

—Ela é simplesmente uma das vozes em ascensão do pop dos últimos tempos!

—E ela foi só a primeira que apareceu por aqui! - Rick ria da garota. - Você disse que tinha uma banda?

—Só disse que era baterista, não disse de qual, e fugi dela o mais rápido possível.

—E ele dizendo que tava solteiro… - Martin ria na cara dura. - Aposto como logo, logo, ele também começa a namorar!

—Você também, não é, Martin? - Julie cutucou, sentando-se ao lado de Félix.

—Como assim? - Ele não entendeu.

—Pensei que aquele beijo com Shizuko tivesse significado alguma coisa. - Julie soltou de repente, esquecendo-se que estavam em uma reunião de trabalho.

—Na festa do Valtinho? - Félix estranhou. Aquilo tinha meses!

—Que nada! Ele não contou sobre a viagem?

—Espera, você FICOU com a Shizuko no final de semana? - Félix se surpreendeu. - Como não contou para a gente?!

— Ela começou a jogar o jogo dos dedões comigo e quando dei por mim estávamos nos beijando… - Martin rolou os olhos, ciente que seus amigos sabiam da sua tática para beijos. - Não foi nada demais, mas como você sabe, Julie?!

—Alô-ô? Você levou minhas duas melhores amigas para um final de semana fora, era óbvio que eu ia saber.

—Talvez você não tenha tanta privacidade assim, Martin. - Rick constatou. - Pode ser invisível como membro dos Insólitos, mas vai chamar atenção demais pela Capricho. A propósito, está em qual departamento de lá?

—Colírio, e meio que isso já aconteceu no sábado. Eu não recomendaria que comprassem a edição de quinta-feira, já basta que tenham fotografado.

—O que você fez exatamente, Martin? - Daniel segurava o riso, curioso.

Rick já imaginava, por mais que trabalhasse na indústria musical sabia muito bem como as coisas funcionavam no mundo midiático, ainda mais o adolescente!

—Tiraram uma foto dele dando um selinho na Shizuko. - Julie dedurou.

—Ah, só isso? - Rick perguntou. - Pensei que fosse alguma coisa constrangedora.

—Já beijou alguém na frente de uma multidão te encarando e gritando? - Marin rebateu. - Foi muito estranho!

Bem, Julie não tinha beijado, mas sim rejeitado.

—Pelo menos ela não te rejeitou. - Julie foi solidária.

Até porque até onde sabia Shizuko tinha sim motivos para rejeitar um beijo de Martin.

—Porque? Você sabe de alguma coisa? - Félix e Daniel perguntaram, prestes a alfinetar o melhor amigo.

—E vocês também, ou já esqueceram de três meses atrás?

Daniel fez uma careta.

—Quando você disse que ele estava vestido de cavaleiro medieval não mencionou na frente de toda a escola! E você rejeitou ele!

—Vocês ainda vão se encontrar muito pelos corredores e Martin não vai passar vergonha na quinta feira, mas precisamos voltar para cá. O que acham de um teclado moderno no começo?

A ideia até era legal, mas infelizmente ninguém tocava teclado.

E definitivamente Josias não era uma opção.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mais uma chance" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.