O Segredo de Pendragon escrita por Dandy Brandão


Capítulo 17
Capítulo 16 - Entrelaçados por um destino comum




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Capítulo 16 - Entrelaçados por um destino comum

— Esse cabelo é seu?

A voz da princesa pairou no ambiente tal como uma navalha fria trespassa leve, e ameaçadora para cortar a pele pacientemente...

Aisha colocou as mechas um pouco mais à frente do rei, esperando uma resposta dele. Valkyon continuou calado, sem atrever a olhar para trás, pois não era apenas a princesa quem aguardava a resposta: o olhar intenso das Valquírias estava em suas costas e ele não precisava se virar para saber disso.

— Alteza, eu preciso que... — começou Zayin, mas sua voz foi interrompida por outra mais altiva.

— Senhor Zayin, a pergunta é para vossa majestade. — ela sequer olhou para o homem à porta do laboratório.

Zayin fechou os olhos, respirou fundo, e esperou que a resposta viesse de Valkyon.

 — Não poderia ser... uma pista de V- — Elizabeth deu início à frase, mas foi interrompida por um pequeno beliscão que Malena deu em seu braço. A moça se calou, engolindo em seco.

Valkyon respirou fundo... Realmente, não poderia continuar escondendo aquela descoberta por muito tempo. Ele fechou os olhos e os abriu de novo, devagar, erguendo a força que precisava sempre quando o assunto vinha à tona.

— Encontramos esses fios de cabelo junto ao fragmento vermelho. — disparou ele, sem mais delongas. Todas as quatro mulheres se entreolharam, um ar de incredulidade pairava entre elas.

Elizabeth não aguentou a curiosidade e disparou:

— Esses fios... São... São do Valarian?! — exclamou Elizabeth, chocada.

Malena mal teve tempo hábil de controlar a moça. Quando notou ela já tinha dado um passo à frente e estava dentro do laboratório.

Valkyon girou o corpo inteiro, não conseguia saber se era para desviar do olhar fuzilante de Aisha ou para prestar apoio à Valquíria. Ele se deparou à mulher tensa, os fios de seu cabelo cor de cobre tremiam levemente.

—  Ainda não sabemos. — ele respondeu, mantendo seu jeito sereno de sempre — Zayin e Sig estavam preparando uma solução para... saber se... — ele não conseguia terminar a frase, o duque decidiu tomar a frente.

— Perdão por não lhe explicar o procedimento, majestade. — ele andou um pouco mais dentro do laboratório e tirou de dentro da lapela do casaco uma pequena flor de pétalas redondas pequenas e vermelhas, depositando em cima da mesa. — Nós vamos fazer um pequeno teste de compatibilidade, com essa solução que o Sig cuidou até o momento.

O rapazinho loiro pigarreou, desviando o olhar de seu mestre.

— Vou precisar de uma mecha sua também. Assim vamos saber se estes fios — ele apontou para a mão de Aisha, que permanecia erguida, como uma estátua. — e se os seus têm alguma ligação.

— Mas isso não só serviria para ligações mágicas? Parentescos comuns podem ser encontrados assim também? — perguntou a princesa, semicerrando os olhos, enquanto apertava os fios em suas mãos, sem intenção alguma de soltá-los.

— A flor do sangue rubro era o ingrediente que faltava para isso.

— ele acariciou as pétalas da flor, preservando uma delicadeza que não era vista em seus olhos ou voz. — Se os fios se entrelaçarem, eles têm uma origem comum... Se não, não há qualquer ligação entre eles...

Ele encarou Elizabeth e completou:

— Então, mocinha, em breve vamos saber se é do Valarian ou não.

Elizabeth piscou os olhos e baixou a cabeça, sem encontrar um ponto onde pudesse ancorar-se. Caméria se encostou ao lado dela, gentilmente trazendo-a para fora. A moça seguiu sem questionar.  

Enquanto elas se retiravam, Aisha encarou Valkyon mais uma vez encontrando o rosto tenso do rapaz. Os olhos dourados dele brilhavam e uma réstia de arrependimento trespassou o seu rosto por um instante. Nem queria imaginar como ela se sentia por dentro. A moça depositou os fios de cabelo na mesa, relutando em deixá-los lá. Deu mais uma olhada no rei antes de sair sem dizer mais nada.

Valkyon não tentou chamá-la. A porta bateu e ele permaneceu de pé no mesmo local, sua cabeça caída encarando o chão de madeira. Esmoreceu por dentro, sem precisar ouvir qualquer palavra. Como conseguiria procurá-la depois daquela situação delicada...? Logo depois de um momento tão especial entre eles... Teve todo aquele tempo para lhe contar sobre os fios de cabelo encontrados, mas as palavras simplesmente não saíram. Como contar a ela sobre aquela possibilidade? Aisha, quem perdeu toda sua família de origem de forma tão trágica... Como ela reagiria? Não estava pronto para lhe dizer. As palavras fugiram quando tentou lhe dizer.

Queria ter aquela confirmação primeiro. Mas a explosão do laboratório estragou os seus planos.

— Pensei que a princesa gostaria de ver o processo. — disse Zayin, despertou o rei de suas contemplações. As mãos nada delicadas do duque arrancavam as pétalas da flor de sangue rubro. Jogava-as dentro do caldeirão borbulhante, enquanto Sig o remexia. À medida que Zayin adicionava as pétalas o tom puro e cálido do azul celeste tornava-se lilás...  

O rei de prontidão levantou a cabeça, retraindo os pensamentos ao endurecer sua expressão. Ele observou o caldeirão, perguntando:

— Ainda hoje conseguimos fazer isto?

Zayin aquiesceu, apagando o fogo com apenas um movimento de sua mão.

Com uma concha, ele pegou o líquido lilás e derramou sobre um recipiente cilíndrico, a substância fervilhou formando uma pequena camada de fumaça acima da mesa. O cheiro era agradável, um pouco adocicado por conta das flores.

Valkyon ficou a observar os movimentos do discípulo a procurar algo nas gavetas dos armários, até puxar uma tesoura brilhante em prateado.

Ele a estendeu para Valkyon e o rei pegou a tesoura sem demora, logo em seguida cortando um pedaço de suas mechas prateadas sem nem sequer olhar onde cortava.

— É o suficiente? — estendeu para Zayin que o observou a mecha generosa com satisfação.

— Mais do que suficiente. — ele tomou os cabelos de Valkyon entre as duas mãos grandes e fortes, agora de forma ágil, mas delicada, amarrou-os com uma pequena fita vermelha.

O líquido no recipiente arrefeceu as bolhas e a fumaça desceu por entre os pés da mesa, como uma cascata.

Sig pediu licença, curvando-se, e os deixou sozinhos sem fazer qualquer barulho além de bater a porta.

O jovem rei se aproximou do duque, mais tranquilos agora que estavam sozinhos.

— Já está pronto. — Zayin se debruçou sobre a mesa e direcionou seu olhar, de lado, para Valkyon. — Podemos?

O coração do jovem rei tamborilou de tal forma que quase dava para ouvir de fora. Parecia que a qualquer momento ele se engasgaria com suas próprias batidas emergindo na garganta.

Ele se debruçou sobre a mesa encarando cada movimento feito por Zayin. Desde pegar alguns fios dos seus cabelos e depois filetes da suposta mecha de Valarian e jogá-las sobre o recipiente cilíndrico.

Valkyon se inclinou sobre a mesa, aguardando enquanto os fios afundavam no líquido roxo. Seus olhos não desgrudaram nem um segundo sequer daqueles movimentos.  Zayin estava mais interessado em visualizar as reações do rei do que a alquimia acontecendo bem sobre os seus olhos. Talvez por já estar acostumado com a magia.

Os fios de cabelo desceram e decantaram no fundo do frasco cada um de um lado. Valkyon lançou um olhar ansioso para o duque que estendeu a mão, piscando os olhos para ele, pediu calma sem lhe dizer qualquer palavra.

Até que poucos segundos depois, pontinhos brilhantes em prateado começaram a insurgir sobre o líquido levantando os fios de cabelo para cima, girando ao redor de si mesmo. À medida que eles giravam e giravam, Valkyon estreitava os seus olhos, e a magia acontecia à sua frente.

Pareceu uma eternidade cada segundo passado naquele lugar, naquele experimento, naquela alquimia cujas todas as suas esperanças se depositavam, afundavam naquele líquido junto aos fios prateados de cabelo que se entrelaçavam por um destino comum.

**

Um sono profundo encerrou a noite de Valkyon naquele dia conturbado. Tão profundo que o caminhou até o mundo dos sonhos. Porém, neste sonho sangue, chamas e devastação não estavam presentes...

“Era um campo grande cheio de flores... Flores como o sangue mais puro e rubro, de pétalas delicadas e macias. Valkyon, de pé, vestia-se de maneira simples de vestes largas e brancas, era um farol em meio àquela imensidão vermelha. O cheiro adocicado das flores afundava em suas narinas, o vento levantou pétalas e perfume por entre os ares, e seus cabelos se enredaram no rosto, dificultando a visão.

Quando finalmente a lufada de vento se foi, no horizonte, uma figura apareceu.

Seus cabelos ondulados e longos, presos em um rabo de cavalo, eram varridos pela brisa gentil do campo, o sorriso branco, de orelha a orelha, iluminava todo o seu rosto tom de jaspe. As vestes do homem eram as mesmas de Valkyon... Porém, eram os olhos, muito dourados e brilhantes, pareciam dois sois que encaravam Valkyon de volta.

Era seu irmão, sem dúvidas. A visão era tão nítida, sem qualquer borrão, era ele. Ele quem estava bem à sua frente, de mão estendida, pedindo para que se aproximasse.

As pernas de Valkyon ganharam vida e em poucos instantes eles estavam frente a frente. Era tudo igual. As sardinhas no rosto, os brincos de orelha que ele costumava usar... O sorriso. O mesmo sorriso acolhedor de sempre, que atría todos ao seu redor.

Os lábios do jovem rei se mexeram, mas nenhuma voz saía de sua boca. Porém, seu irmão pousou a mão sobre o seu ombro, meneando a cabeça.

— Está tudo bem, irmão. — a voz era absurdamente igual. Serena, suave, típica de Valarian. — Eu sempre estive aqui perto de você...

A mão livre de Valarian tocou o pescoço de Valkyon, tocando uma pequena pedra, uma obsidiana, que seu irmão lhe deu de presente certa vez. Ela era tão parte de si que ele às vezes não notava que estava ali, como uma extensão do seu corpo. Mas, quando Valarian tocou naquele objeto, o significado dele renasceu no rei.

— Eu vou te encontrar mais uma vez. Confie na Efígie do dragão!

Assim que as mãos de Valarian abandonaram o seu corpo, o cheiro das flores sumiu, as pétalas rubras começaram a desaparecer e a paisagem se desmanchou como papel se desmontando na água...”

Passou um tempo sem mais qualquer réstia de sonho e Valkyon abriu os olhos, deitado sobre a cama, sentindo o corpo leve tal qual uma pena. Entre seus dedos, acariciava a pedrinha de obsidiana antes ali esquecida entre os vincos de seu pescoço nu.

Ele se endireitou na cama, sentando-se, e encarou a pedrinha... As palavras ainda rodeavam sua mente. Seus sentidos despertos, ainda tentava entender a experiência... Seu irmão falou consigo? Seus ouvidos pareciam ter escutado a própria voz de Valarian.

“Eu vou te encontrar mais uma vez. Confie na Efígie do dragão!”

A voz ecoava em seus ouvidos tão nítida... Tão cristalina, como se ele tivesse dito pessoalmente a ele. A Efígie do dragão... A imagem do dragão no fragmento vermelho! Estava conectado ao Valarian?! Mas, de certa forma, ainda se perguntava... Poderia mesmo confiar em sonho... Tudo aquilo, não poderia ser um fruto de sua mente?

Porém...O sentimento era tão verdadeiro! Quando seu irmão tocou na obsidiana, naquele presente que apenas eles dois sabiam da existência... Tinha um pouco mais de certeza de que era mais do que um sonho... Era um aviso!

E mais... Valkyon confiou: Aquele fragmento de alguma forma estava conectado ao seu irmão! Precisava continuar aquela investigação. Ele tirou os lençóis que cobriam o seu corpo e estava pronto para se levantar quando a porta do quarto se abriu sem cerimônia.

Ela já sabia quem era antes mesmo de vislumbrar o rosto da pessoa.

— Aisha... — Valkyon engoliu seco, levantando-se em seguida.

— Você levantou mais tarde do que o normal hoje, achei estranho... — ela piscou os olhos, vislumbrando um homem de tórax nu, calças folgadas e o cabelo prateado despenteado. Não poderia negar que a visão era agradável, mas... Podia dizer que se arrependeu de ter entrado daquele jeito.  Fechou a porta atrás de si e manteve-se de pé onde estava, as mãos a frente do colo, um pouco mais reservada.

— Está tudo bem?

— Sim. Dormi mais tarde ontem e... — o corpo do rei se agitou para frente, ansioso para pedir desculpas e para contar o que viu e ouvir naquela noite — Aisha eu...

— Não precisa me dizer nada. —  ela meneou a cabeça, levantando a mão para ele — Pensei muito à noite e percebi que nem consigo ficar chateada com você. 

Ele estreitou os olhos surpreso e podia dizer que estava feliz com aquelas palavras dela.

— Eu tentei falar com você... Mas eu não queria te dar falsas esperanças... — ele andou um passo mais à frente — Mas provamos.  Os fios se entrelaçaram na solução, se tornaram um só. São dele.

A voz de Valkyon estava pesada, quase etérea. Os olhos dele brilhavam de tal forma que era possível para qualquer pessoa pensar que a esperança preenchia todo o seu ser naquele momento.

Aisha, porém, não expressa surpresa, para o próprio espanto de Valkyon.

— Você não está feliz? — sua cabeça pendeu para o lado, esperando uma resposta dela.

Aisha respira fundo e seus pés pesado quase se arrastam para mais perto dele:

— Valkyon é difícil dizer isso, mas...  Eu recebi uma notícia da Sowa ontem.

— O que houve? — seu rosto se fechou no mesmo instante.

— Um dos feiticeiros guardas do Ahriman tentou roubar o machado de Valhalla. Ezarel não nos contou antes, pois estava muito ocupado resolvendo o caso, mas ele disse acreditar que seu primo está tramado algo contra o reino, contra você.  Ele vem tentando tomar a frente em decisões que não cabem a ele.

Valkyon continuou sério. Não havia razões para desconfiar das palavras de Ezarel, seu conselheiro. Havia na expressão de Aisha um indicativo de que ela queria dizer algo mais. Então ele esperou:

— Você nunca parou para pensar que Zayin e Ahriman fizeram algo com seu irmão? E agora estão preparando uma armadilha pra você?

Desta vez ele não ficou surpreso com as palavras da princesa.

— Ele me defendeu ontem pela manhã. Se quisesse me matar realmente perdeu uma grande chance.

— Eu não sei quais são seus planos, mas tudo isso é muito suspeito — ela continuou polida, lutando para manter a calma — Você encontra fios de cabelo do seu irmão e esse fragmento estranho no mesmo lugar, no mesmo dia... sozinho com ele.

— Eu sonhei com meu irmão hoje. — ele fechou os olhos, confiando em seus sentimento — Eu acredito que ele está vivo. Eu sinto isso, Aishy.

Aisha se aproxima dele, encarando firmemente os olhos do rei.

— Se Valarian está vivo, por que ele não voltou para nós? — a pergunta era dura, mas necessária.

Valkyon pensou um pouco antes de responder, franzindo o cenho.

— Ele pode ter perdido a memória. — respondeu ele, pouco convicto.

— Mas ninguém o reconheceria? — ela estende a mão e se aproxima dele, pousou os dedos sobre os cabelos do rapaz. —  Não há ninguém nas terras do Sul como vocês dois. Os cabelos prateados e os olhos, vocês são únicos! Alguém o levaria para nós! Alguém o orientaria sobre quem ele é e de onde veio.

O tom de voz da princesa se alterou um instante, então ela recuou, soltando os cabelos de Valkyon. Ele suspira e abaixa a cabeça, as palavras dela fazem sentido, de certa forma... Mas seus sentimentos lhe dizem que algo ainda se esconde, que há um mistério que precisava desvendar.

— Sei que pareço chata e descrente de tudo... Mas eu só quero o seu bem. — os dedos de Aisha procuram a mão livre de Valkyon, agarrando-a suavemente. Seu movimento faz o rapaz levantar a cabeça e encará-la de novo.

— Eu... Eu vou ficar mais tranquilo quando eu descobrir a verdade sobre o Valarian. — ele retribui o gesto da princesa, apertando a mão dela com força — E acredito que vou encontrá-lo... Vivo.

Aisha assente para ele, ciente de que naquele momento não poderia fazer mais nada.

— Tudo bem. Desculpe invadir a sua manhã desse jeito... Não vamos mais discutir sobre isso, certo?  — Ela encosta seus lábios sobre os dele e lhe entregou um beijo de leve, segurando fortemente suas lágrimas no canto dos olhos.


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