O Segredo de Pendragon escrita por Dandy Brandão


Capítulo 16
Capítulo 15 - Boas lembranças




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Capítulo 15 — Boas lembranças

Reino de Corbeau - Região de Cohen à noite

Aisha repetiu as suas palavras: “Deve me prometer, que não vai mais se colocar em perigo assim!”. Ela estava séria enquanto dizia aquilo, os ombros e o maxilar tensos.

Valkyon sorriu, de forma despreocupada, quando ouviu as palavras da moça.  Não era escárnio, nem qualquer desrespeito às palavras dela, apenas lhe passou um sentimento bom em seu peito que escorreu por seus lábios.

Aisha recua um instante, sem deixar de segurar mão dele e perguntou:

— Por que você sorriu de repente? — ela semicerrou os olhos, desconfiada.

— É que esse seu jeito muito protetor lembra a minha mãe... Falar e lembrar dela hoje me trouxe boas recordações, um sentimento... Bom — ele pareceu divagar por um momento, seus olhos encararam a lua, distante. A imagem de Tia, com seus olhos muito azuis e os cachos negros balançando ao vento o invadiu de repente, enchendo-o de saudade.  

Aisha escancarou os olhos, lisonjeada, a saudade de sua antiga tutora também a invadiu, mas ao mesmo tempo, achou engraçada aquela comparação. Eles riram à vontade, livrando aquelas tensões dos últimos dias. A moça até mesmo conseguiu baixar os ombros.

— É uma honra ser comparada a Tia... Também sinto muita falta de sua mãe. — ela o encarou com carinho, segurando sua mão ainda — Mas... Eu não estou aqui para ficar no lugar dela, na verdade...

Ela parou de falar no mesmo instante e sorriu, parecendo desistir da ideia. Valkyon piscou os olhos, confuso, dizendo em seguida:

— Como assim... — diz ele, mas mal tem tempo de responder.  Aisha se levantou de repente, puxando o rapaz para fora do banco.

— Esqueça isso por enquanto, vem cá. — ele a seguiu sem questionar até uma porta de vidro, que dava acesso ao jardim externo. Uma cerejeira com sua copa rosada e tronco robusto se apresentou para o rei, iluminada por vagalumes verdes que passeavam por entre suas folhas.  O rapaz exclamou um pequeno “OH”, impressionado com a beleza, jamais tinha visto árvore tão bela.

— Esse castelo parece assustador de fora, mas por dentro é bem bonito... — comentou a princesa, olhando os jasmins e a grama verde pintada de folhas rosadas, espalhados perto das raízes da cerejeira. Eles andaram alguns passos, parando bem abaixo da copa da árvore. — Quando vi essa árvore com o Sig, lembrei de quando Valarian subia naquelas macieiras do castelo e você ia atrás, voltando cheios de maçãs bem redondinhas e vermelhas. Passávamos tardes comendo aquelas maças...

Ele sorriu, espalmando a mão sobre o tronco da cerejeira. Um pequeno vagalume passou por seu rosto, iluminando-o de um verde incandescente. Então, disse, com nostalgia em sua voz:

— Eu lembro bem. Você ficava gritando nós dois para descer dos galhos.

— E eu tinha razão, não?  — sem cerimônias, ela pega o braço livre dele e afasta a manga da blusa preta que o rei trajava, deixando o antebraço à mostra. Uma marca de um grande arranhão se desenhava na pele escura do rapaz — essa marquinha está aqui de prova...Viu?

Valkyon encara com atenção a marquinha.

— Eu tenho tantas marcas dos treinamentos que nem me recordava que essa daqui foi de uma queda...

— Eu me lembro sim... — seus dedos passeiam pelo arranhão, e a voz da moça torna-se mais baixa — Cada marquinha, eu não consigo esquecer.

Valkyon prestou atenção naquela expressão dela, havia nostalgia, mas também um pouco de tristeza no rosto de Aisha. Quando o olhar dela o encontra novamente, no entanto, o rosto dela está lívido, livre de qualquer expressão de morbidez. Então ele se lembrou...

— Foi uma das poucas vezes que vi você chorar... — diz Valkyon, enquanto Aisha respira fundo, lembrando brevemente do momento. — Você e o Val passaram dois dias no meu quarto, cuidando de mim... Eu não queria ter dado tanto trabalho.

— Não me importei, e eu tenho certeza que ele também não... — ela soltou o braço do rapaz e direcionou a mão sobre o rosto dele — parecia tudo tão fácil, não? Mas eu sempre senti medo de ficar sem vocês, de viver tudo de novo.

Esquecendo-se da beleza da árvore, Valkyon segurou a mão dela, encarando bem os seus olhos. Em todas aquelas palavras da moça havia uma mensagem que Valkyon não podia deixar passar: a princesa perdeu toda sua família pela ganância de reinos poderosos que saquearam o próspero reino de Mazda, um reino rico em magia e economia, que promovia mais a paz do que a guerra. Perder Valarian já foi um baque e tanto para ela... Agora, ela sentia o mesmo medo, por ele?

Valkyon se aproximou dela e um pequeno vagalume atravessou o rosto da moça, iluminando seus olhos escuros. Havia um brilho peculiar neles, além do verde emitido pelo pequeno inseto. Pareciam que as lágrimas represadas por Aisha estavam cristalizadas no profundo de seus olhos negros, formando um rio congelado, da frieza que inundava aquelas fragilidades. 

Sem dizer nada, ele a abraçou.  E a moça se encaixou em seu abraço, como se estivesse esperado por muito aquele momento. Valkyon era um homem de poucas palavras, mas ele sabia muito bem captar sentimentos e sentir com intensidade... ambos precisavam daquilo.  O calor dos braços dele era confortador, ela conseguia sumir dentro de seus braços. Aisha enterrou a cabeça nos ombros do rapaz e, instintivamente, depositou um beijo na curvatura do seu ombro. Valkyon reagiu instantaneamente apertando-a mais em seus braços. 

— Eu não quero pensar em algum dia ficar sem esse seu abraço de urso. — disse ela, com um riso abafado pelas roupas que o rapaz usava. 

Valkyon soltou um riso também abafado. Ele afastou o rosto dos cabelos dela, encostando os lábios em sua bochecha, depositando um beijo breve na região. 

Aisha virou, sorrindo, e ele acariciou seu rosto com os lábios até chegar na boca da princesa, beijando-a de canto, como se pedisse permissão para realizar o seu desejo.

— O que você está esperando? — a moça falou baixinho, sentindo a respiração baixa e quente dele em seu rosto, aumentando de frequência.

Então, Valkyon realizou o que mais desejava naquele momento. Beijou-a intensamente, ainda segurando a moça entre os seus braços. Apertou-a o corpo dela contra o seu, como se quisesse unir ambos em apenas um só. Aisha não se incomodava nem um pouco com as mãos fortes do jovem rei a explorar as suas costas, agarrou as unhas sobre os cabelos prateados dele enquanto seus lábios se encontravam e desencontravam, unidos entre respirações curtas e pequenas mordidas, relutando para separar-se.  Abaixo daquela grande cerejeira, pétalas cor de rosa caíam sobre suas cabeças, eram levadas sobre os ventos, passeando por seus corpos. Pareciam viver um momento em que apenas os dois existiam naquele único ponto, onde todos os problemas se dissolviam naquele beijo.

Quando finalmente seus rostos se afastaram, ambos respiravam rápidos. Valkyon aos poucos desatou os braços das costas da moça, mas não a abandonou, segurando-a pela cintura. As mãos dela deslizaram dos cabelos prateados para os ombros, espalmando-as em seu peito.

— Você não sabe há quanto tempo eu... — começou Aisha, porém um estrondo vindo de alguma parte do castelo levantou-os da mágica daquele momento.

— O que foi isso? — os instintos de Valkyon ficaram alertas, procurando por todo o lado de onde veio aquele barulho.

Aisha também ficou alerta, procurando ao redor o que causou o estrondo. Valkyon sentiu um cheiro estranho vindo de algum lugar e logo viu uma camada de fumaça vindo de uma das grandes janelas de vidro do castelo, visível do jardim. Estilhaços de vidro estavam no chão e uma camada de poeira começava a se formar por ali.  

— Parece ser uma explosão, vamos. — ele seguiu para dentro da estufa e Aisha seguiu em seu encalço.

Assim que saíram do longo corredor, entraram direto no caminho que levava ao espaço de onde a fumaça parecia vir. Valkyon com a mão sobre o cabo da espada, pronto para qualquer emergência. As Valquírias Elizabeth, Malena e Caméria também vinham do lado oposto do corredor, correndo.

Quando chegaram ao local, encontraram uma criatura loira com os cabelos completamente desgrenhados, o rosto sujo de poeira e olhos arregalados encarando uma mesa cheia de frascos e líquidos esparramados e quebrados, estes também se espalhavam pelo chão. Um gato branco e outro branco também estavam sobre a mesa, e encaravam um pequeno caldeirão borbulhante.

— Sig, o que aconteceu? — Aisha se aproximou, desviando de cacos e líquidos estranhos no chão. As Valquírias ficaram na frente, mas logo notaram que não era nada grave.

Valkyon adentrou, observando a bagunça, mas como não parecia haver feridos, o susto logo passou.

— Eu... É... Majestade! — o rapaz estava tão desnorteado que não percebeu que Valkyon também estava ali. Seus olhos se espantaram e ele abandonou ao chão o frasco que segurava — Por favor, me desculpe, eu... Nem sei o que dizer...

— O que aconteceu? — disse ele, já tranquilo em meio aquele caos.

— O mestre Zayin pediu para que eu esperasse aqui enquanto ele buscava uma erva que faltava, eu decidi colocar uma poção para tentar substituir, mas aí...

— Explodiu tudo. — completou Aisha. ­— O que vocês estavam tentando fazer? Eu posso tentar te ajudar a recuperar isso.

— Eu... Estava a fazer uma solução alquímica — ele olhou brevemente para o rei, sua voz e expressão pareceram endurecer por um momento, perdendo aquela doçura que sempre preservava — mas não sou muito bom nisso como bem pode ver.

Ele passou a mão por sobre os seus cabelos, mas acabou por puxar um punhado destes em uma só mão. Sig não esboçou qualquer emoção ao fazer isto, apenas observou os fios emaranhados em sua mão e os jogou ao chão.

— Ai... — disse Aisha, franzindo o rosto por um instante — Bom, vamos arrumar essa bagunça por enquanto.

— Melhor fazer isto enquanto o Zayin não aparece. — completou Valkyon, empurrando os estilhaços com suas botas.

— Sim! — concordou Aisha. — Eu posso fazer isso, Sig, em alguns segundos.

— Pode? — havia um brilho esperançoso nos olhos azuis dele — Com magia?

— Sim... Bem, não é minha especialidade, mas posso tentar visualizar o cenário e modificá-lo.

— Mas você nunca entrou aqui... — completou Sig, a voz esmorecendo aos poucos.

— Eu sei, mas conheço bem laboratórios de alquimia como esse, e tem alguns elementos aqui que ficaram inteiros e posso acrescentar no cenário. — disse ela, determinada.

— Ela vai conseguir, Sig, pode ter certeza. — o rei e a princesa trocaram um olhar cúmplice, e ela sorriu para ele, assentindo.

A princesa fez algumas perguntas breves a Sig sobre o laboratório e assentia, fechando os olhos e abrindo em seguida, como se adicionasse cada elemento em um cenário em sua mente. O rapaz, ainda de cabelos em pé, mostrava-lhe frascos e ervas encontradas no local, ajudando-a a visualizar melhor para a reconstrução.  Quando se deu por satisfeita, ela uniu as duas mãos e começou a ditar encantamentos. 

Os olhos da moça estavam fechados e Aisha moveu as mãos, estendendo os braços em seguida, e elas começaram a brilhar em um tom rosado quase beirando ao branco. Os estilhaços de frascos, os líquidos, as plantas: tudo começou a girar, os cacos antes desordenados passaram a unir-se, como atraídos por um ímã formando novos frasquinhos, folhas queimadas tornavam-se vívidas e a mesa antes desordenada de líquidos derramados e vidros quebrados, agora apresentava a bagunça típica de um trabalho incansável de um alquimista. Até mesmo os cabelos desgrenhados de Sig voltaram aos cachos loiros normais. 

Valkyon observou aquilo acontecer diante de seus olhos que brilhavam frente a demonstração de poder da moça, desde os últimos acontecimentos, começou a ter um outro olhar para magia, talvez... Mais interessado.

Quando enfim terminou seu trabalho, ela respirou fundo e encarou o aprendiz:

— Então? Acho que ainda temos tempo de mudar alguma coisa.

Sig acariciou seus cabelos e olhou ao redor. Ele sorriu para a moça e passeou os olhos pelo ambiente, assentindo:

— Está ótimo, ele nem vai perceber! — ele mexeu o caldeirão que voltou a borbulhar em um líquido azul celeste.

— Ficou perfeito. — comentou Valkyon, aproximando-se da moça.

Aisha agradeceu e deu mais uma olhada em sua “obra”, até que sua atenção recaiu sobre a mesa, onde uma pequena mecha de fios de cabelos prateados, amarrados por uma fita preta, estava repousada em meio a frascos vazios de poção.

A moça deu um passo à frente, tocou aqueles fios, e perguntou:

— Esses fios são seus, Valkyon? — ela pegou os fios e os levantou sobre no ar — eles não estavam na minha visualização.

Os olhos dourados de Valkyon se estreitaram e ele lembrou-se brevemente que não tinha conseguido falar para Aisha sobre os fios de cabelo encontrados naquela excursão da manhã. Ele preparava-se para falar, quando uma voz masculina grossa surgiu.

— Majestade? Por que estão todos aqui?

Os olhos verdes de Zayin investigaram o rosto firmes das guerreiras na porta, mas elas sequer prestaram atenção na chegada dele. Então, ele voltou o olhar para onde elas também prestavam atenção: o rei e a princesa dentro de seu laboratório, ela segurando fios de cabelo e ele a encarando, sem reação...

Não era preciso pensar muito para dizer que uma tensão estava prestes a instalar pelo lugar. 

 

Reino de Pendragon – Ainda à noite...

— Você tem certeza do que viu, Sowa? Era mesmo pó iridescente?! Aquele mesmo da filha da duquesa na loja de Adrian?  — disse, ele quase gritando. Claire ficou paralisada no lugar onde estava, como se estivesse criando raízes

Assim que Sowa pousou sobre os ombros de Ezarel, agitando suas asas brancas, enquanto soltava grunhidos estranhos e mantinha os olhos amarelos arregalados, Ezarel notou aquele comportamento da coruja pouco... muito pouco comum. Algo estranho estava acontecendo, e ele não poderia deixar de temer pela vida de todos que tinham partido em viagem.  Assim que ele escutou o recado de sua totem, o coração disparou com tal informação. “Pó iridescente! E mais um fragmento vermelho!”

— Isso está pior do que eu imaginava.. — ele massageou as têmporas com os dois dedos buscando equilíbrio.

— Ele está planejando algo mais contra o rei, nós temos que prendê-lo, rápido! — gritou Claire, de punhos fechados. Sowa se agitou toda, chiando para Claire, a valquíria não entendia se aquilo era uma aprovação ou uma reclamação, mas resolveu escolher a primeira opção.

— Nós não podemos fazer isso sem provas concretas. — disse ele, encolhendo os ombros.

Sowa recostou-se ao seu mestre novamente, ditando-lhe mais informações. Ele olhou bem para a coruja e soltou:

—  Diabos! Você não entregou o recado? Eu contei tudo sobre o roubo e tudo mais! — ela balançou a cabeça pequena, aviltada. — Entregue a ele imediatamente.

Ezarel fechou os olhos, agora mais sério, respirou fundo, recuperando aos poucos o ritmo da sua respiração. Sowa sumiu em de seu ombro, transformando-se em pequenos pontinhos brancos.

— Ok. A Aisha não pode sair de perto do Valkyon... Aquele Zayin não me cheira nada bem. Nós temos que saber o que eles querem do Valkyon, para onde estão os levando... O que é esse fragmento vermelho?! — Ezarel maquinava em sua mente tentando expandir os seus planos.

— Seria bom investigar o Zayin também. Ele está nesse plano, disso temos certeza. — disse a valquíria, resoluta.

— Acho que vamos ter de contar com mais uma ajuda, alguém que possa enfrentar essa criatura de frente.

Eles estavam na rota para o castelo e Ezarel desviou o caminho, com seu cavalo. Claire parou, observando-o.

— Aonde o senhor vai?

— Preciso visitar um amigo.


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