Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 37
Fragmento




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Pelo comunicador, ouviu a autorização de Cisco e imediatamente começou a correr. Segundos depois, havia percorrido o mesmo caminho ao redor do Acelerador de Partículas várias vezes, com cuidado para que não ultrapassasse a barreira do tempo.

Agora, sua mente não era mais atormentada por outra realidade nem por sonhos e devaneios que tiravam seu sono e minavam seu controle e capacidade. Sentia a velocidade fluindo por seu corpo, como há semanas não acontecia, praticamente vibrando das pontas dos dedos até os fios de cabelo enquanto cortava o ar, quase se mesclando a ele.

Correr fazia com que tudo ao redor fosse silenciado, como se estivesse num vácuo de espaço-tempo pertencente apenas a ele. Uma forma individualista de encarar os próprios poderes e problemas, sabia, mas também mais... Tranquilizante. Sempre teria a velocidade quando as coisas ficassem rápidas demais ao seu redor.

Como havia acontecido há semanas, quando acharam melhor não se arriscar a correr estando tão instável mentalmente, Barry sentia que perdia sua identidade quando não podia fazê-lo. Sentia que estava o tempo todo procurando o que ser e o que fazer sem o Flash, tão dependente do manto se encontrava. Não sabia quão saudável isso poderia ser, mas era tudo o que possuía naquele momento.

Caitlin voltara para Princeton deixando-o aos cuidados de Carla, sem qualquer outra palavra. Ela já havia dito tudo o que achava necessário para colocá-lo no lugar e, com o passar dos dias, sob a perspectiva do que Iris o dissera, começara a compreendê-la e à sua decisão.

O tempo todo se via tentando não ser egoísta, não jogar com a vida das pessoas que amava em nome de caprichos supérfluos e dores que poderiam ser curadas, mas, enquanto desesperadamente evitava percorrer novamente esse caminho, não conseguira não recair na covardia de deixá-la ir. O que vinha sendo uma droga, como sabia que seria.

— Okay, já temos seus sinais vitais.

A voz de Cisco soou novamente e, num milésimo de segundo, Barry estacou ao lado deles no córtex fazendo com que os cabelos de Carla voassem em reflexo à chegada repentina. Ajeitando a franja, a senhora o olhou de maneira cortante quando deu de ombros e se voltou ao iPad.

— Seus números ainda não são satisfatórios. – Ela declarou enquanto Barry se dirigia à Nora, sentada no chão rodeada de diversos brinquedos coloridos com sons irritantes, vestindo um macacão branco com estampa em flores amarelas. – Mas, pelos meus cálculos, seu corpo e sua mente entrarão em sincronia na próxima semana e logo estará com seu desempenho exatamente como era antes de tudo o que aconteceu.

— Afinal, não há motivo para que a Força de Aceleração mine seus poderes em nome dessa queda de braços. – Cisco completou enquanto Barry pegava a filha, a qual estendia os bracinhos insistentes, completamente atraída pela cor vermelha de seu uniforme. – O futuro é incerto demais para que façam esse tipo de... Aposta, por falta de palavra melhor. Assim como o tecido do tempo delicado demais.

Essa era uma preocupação que Carla e Cisco tiveram logo após voltarem a terem contato com ele. A possibilidade de que a Força de Aceleração podia deixar de existir em Barry, se ele não fizesse sua vontade, fora posta à mesa no instante em que contara tudo a eles. Como bons cientistas que eram, levantaram a hipótese de que a instabilidade dele poderia ser um fator proposital, para que se visse coagido a agir como a Força de Aceleração – agora – abertamente desejava.

Contudo, com o passar dos dias, sentira toda aquela incerteza que os lapsos e sonhos lhe traziam simplesmente o deixando, pois, mais e mais, não se encontrava mais sob o efeito daquela influência. Ainda havia algum tipo de livre arbítrio naquela relação, no fim das contas, se lembrou da afirmação da mulher idêntica à sua mãe.

— A aposta já foi feita. E o Sr. Allen saiu vencedor.

Barry fitou a Doutora, impassível encarando-o sob os óculos, sabendo exatamente a que ela se referia. O preço para ganhar, para não ter a Força de Aceleração jogando com ele e seu destino, como se faz a uma marionete sem vida ou sem sentimentos, era não ter Caitlin. Então, sim, ele ganhara. Porém, as últimas semanas em nada se pareceram com uma vitória. A falta que ela fazia o preenchia por inteiro, assim como o eco dolorido, abarrotado pelo remorso alimentado por ele, mas deixado pelas palavras duras, pela exigência, que não fora capaz de cumprir no momento em que ela precisava.

Percebeu que Cisco apenas abaixou os olhos, ciente de que o tópico ‘Caitlin’ era mais do que delicado nas últimas semanas. Enquanto o verão se estendia nos últimos suspiros da estação, tentara se concentrar em Nora, em seu trabalho na delegacia, em restabelecer seus poderes e alguma estabilidade, pois a conexão com a Força de Aceleração o fizera completamente exausto de tantos desequilíbrios.

Ainda parecia estranho não se ver como parte daquela realidade idealizada, apesar de tudo. Soava como se houvesse um vazio incapaz de ser preenchido por qualquer outra atividade que tentava empenhar para não pensar a respeito do que lhe faltava. Afinal, como afirmara o Dr. Halford há alguns dias não podia ser normal sentir falta de algo que, essencialmente, não existia e vivera por si próprio. Do modo como podia, contara a ele que os sonhos e lapsos haviam parado, assim como as “fantasias com a mulher” e tudo o que vinha junto à conexão da Força de Aceleração.

— Sabe, Sr. Allen, da forma que vejo, acredito que se encontrava em uma posição confortável enquanto atribuía o que sentia por essa mulher aos seus sonhos e devaneios.

 O Dr. Halford opinou, a caneta batendo contra o bloco de anotações e as feições pensativas enquanto o encarava. Não era incisivo ou algo do tipo, mas invasivo em algum grau. Nunca se sentia realmente à vontade durante as sessões, pois sempre fazia com que considerasse hipóteses, que não se via preparado para encarar.

— Mas... Essa não era a minha intenção. – Se remexeu desconfortável, mergulhando os dedos nos fios castanhos. – Eu apenas... Não tinha certeza de onde tudo isso vinha. E não queria que fosse parte de algo tão... Abstrato, porque ela merecia mais.

— O que quero dizer é... Isso que afirma pode ser verdade, é claro que sim. – O senhor buscou as palavras certas para explicar seu ponto de vista. – Compreendo seu temor por colocá-la em uma situação incerta, mas o que quero dizer está no sentido de que... Quando precisou sair dessa zona de conforto, houve hesitação, porquê não haveria nada para protegê-lo da realidade palpável do que sente e da necessidade, exigida por ela, de bancar isso por si próprio, não em nome de algo metafísico, que essencialmente não deveria exercer qualquer efeito sobre seus sentimentos.

   A fala do Dr. Halford o recordara da afirmação da Força de Aceleração, sobre não serem capazes de criar sentimentos a partir do nada. Ao mesmo tempo, no entanto, o incomodava, pois evidenciava sua real hesitação e, mais conscientemente do que gostaria, sabia que Caitlin não merecia uma “dúvida razoável”. Qualquer dubiedade não seria razoável, uma vez que ela confiara nele, aguardara seu tempo e exigia apenas o mínimo: certeza.

Seu devaneio, entretanto, terminou quando Iris chegou para buscar Nora. Após a conversa que tiveram, se viam mais confortáveis ao redor um do outro. Barry voltara a fazer sua parte quanto à filha deles e isso a deixava, minimamente, satisfeita, mas vez em quando o interrogava sobre Caitlin, seus sentimentos, seu ‘status’. Nada mudara, exceto que agora fingia ter algum controle sobre a própria vida.

— Olá, Pinguim! – Ela sorriu, alcançando a filha após cumprimentar a todos. Todos observaram Nora se enrolar para chamá-la de mamãe. – O que você fez o dia todo com o papai?!

— Nós nos divertimos e nos comportamos. – A menina olhou de um para o outro, tentando entendê-los e Barry sorriu, começando a juntar todas as coisas da filha.

— Como vai, Dra. Tannhauser?

Se voltou a Carla, vendo-a apenas levantar uma sobrancelha ferina à jornalista. Barry mencionara a entrevista que ela pedira há alguns dias, da maneira mais despretensiosa que podia, mas a mãe de Caitlin se mostrara completamente avessa a qualquer ideia de imprensa.

— Srta. West. Teve um dia produtivo?

— Sim, muito! – O sorriso de Carla foi completamente gelado, mas isso não parece ter abalado Iris, que se aproximou da estação onde a outra se encontrava. – Então, o verão está terminando... Tem planos de ficar no Laboratório? Você sabe, indefinidamente...  

— Esse ainda não foi um tópico discutido aqui.

Notou que ela respondeu de maneira cuidadosa, pois não podiam decidir qualquer coisa antes de saber se Caitlin voltaria ou não de Princeton, o que estava mais implícito do que falado nos últimos tempos. Ninguém sabia qual seria o próximo passo de Caitlin, devido à incerteza, também tácita, entre Barry e ela nos últimos tempos.

— Mas... Consideraria continuar aqui? Mesmo com Caitlin retornando?

— Odeio essa cidade ensolarada. – Barry trocou um olhar com Cisco enquanto ela ajeitava o iPad contra o peito, meticulosa como costumava ser com tudo. – Srta. West, nada do que disser ou fizer fará com que eu mude de opinião sobre a entrevista. As pessoas estão acostumadas a conhecer minha ciência e é tudo o que vão ter.

— Mas é o seu negócio, o seu nome. – Iris teimou com um suspiro pesado, no que a doutora apenas revirou os olhos e deu às costas a todos, se dirigindo ao próprio laboratório sem qualquer cerimônia, o nariz empinado em superioridade. – Eu juro, faço o melhor editorial que já teve, se puder perguntar sobre o que aconteceu com os experimentos...

Tanto quanto o velocista, Cisco apenas observou as duas seguirem em uma discussão sem fim até o laboratório da outra.

— Uau. – O engenheiro começou, se escorando melhor contra a cadeira. – Mesmo depois de todo esse tempo, a convicção de Carla ainda me surpreende.

— E a de Iris me assusta.  

Apesar disso, não estava convencido de que a jornalista conseguiria a entrevista dessa vez e sabia que estava sendo cuidadosa por se tratar de alguém tão próxima. Uma matéria que tivesse algumas palavras de Carla soaria menos agressiva, caso a questão dos experimentos nas Indústrias Tannhauser em Central City fosse realmente preocupante.

— Você está preparado? – Barry fechou a mochila infantil da pequena Nora e se voltou ao amigo, meneando a cabeça sem entender. – Se... Caitlin quiser continuar com sua vida acadêmica, Carla pode continuar conosco.

— Caitlin não vai ficar permanentemente em Princeton, Cisco. – Tentou imprimir alguma certeza em sua voz, recordando todas as vezes em que ela dissera que sempre os escolhia, sempre ficava. Cisco apenas continuou em silêncio, suas feições em completa resignação, o que fez Barry se aproximar franzindo o cenho. – Você falou com ela? 

— A Faculdade quer mantê-la. – Cisco deu de ombros, se levantando. Pelo tom, parecia chateado pela possibilidade de não ter a amiga ali, ao passo que prendia a respiração. – Não é uma surpresa, certo? Imaginamos que isso poderia acontecer, Caitlin é brilhante.

— E como ela está?

Fazia tanto tempo que não falava com ela, que não conseguiu se impedir de soar ansioso. Às vezes, passava horas durante a madrugada encarando o celular, pensando em ligar e também inutilmente esperando que ela ligasse, embora soubesse que não aconteceria.

— Barry, isso não vai funcionar. – Enquanto deixavam o córtex em direção à área comum, o outro estacou em meio a um suspiro pesado. – Não pode continuar procurando meias informações da vida de Caitlin, como se não fizesse parte de tudo isso.

— Cisco...

— Na última vez que nos falamos, ela ainda não havia se decidido, se é o que quer saber. – Cisco não quis ser interrompido. – Mas em algum momento, Caitlin vai tomar a decisão e depois não poderá agir como se ela fosse a culpada por deixá-lo miserável.

— E o que quer eu faça?! – O engenheiro continuou seu caminho pelo corredor e Barry o fitou de maneira incrédula, seguindo-o. – Corra até Princeton e implore para que deixe de lado o que realmente quer fazer para ficar comigo? Isso não é justo, Cisco!

Afinal, estava o tempo todo evitando cair no poço de egoísmo e exigência que todos creditavam a ele. Não queria que Carla lhe apontasse o dedo afirmando ser o responsável por fazer a vida de Caitlin girar em torno de seu bem-estar nem que Iris continuasse a tacitamente acusá-lo de ser mimado, devido à sua inércia. Detestava ser o herói egoisticamente perceptível, que a Força de Aceleração apontava ser, detestava que não tivesse tanta certeza quanto deveria sobre eles.  

— Caitlin... – Impaciente, Cisco respirou fundo e se voltou a ele, tentando juntar as palavras que gostaria, como se explicasse a uma criança. – Ela colocou a escolha em suas mãos. Ela não precisa que implore, porquê já escolheu. Então, quando sequer se dispõe a falar com ela... Está fazendo a sua escolha. Não fazer nada também é uma forma de dizer algo, Barry, e é o único que parece não notar.

*

A luz alaranjada penetrava pelas janelas envidraçadas do laboratório forense da delegacia, refletindo o pôr do sol nas sombras dos móveis. Atrás da própria mesa, Barry apoiou a cabeça contra a cadeira enquanto encarava distraidamente o contato de Caitlin. Todos os dias, enquanto repisava a última mensagem que ela mandara, se via a um passo de apertar o botão de chamada, mas não tinha coragem.

Em meio a um suspiro, colocou o celular contra o ouvido pela milésima vez prestando atenção no áudio surpreendentemente ordinário que ela lhe enviara na manhã anterior ao procedimento:

‘Ei, acabei de acordar, é tarde pra tomar café-da-manhã. Estou indo para o Jitters, me liga quando puder.’

Barry sorriu levemente pelo tom preguiçoso, pois, ainda que conhecesse esse lado há pouquíssimo tempo, sabia que que Caitlin era extremamente lenta pelas manhãs, o que o surpreendera. Jamais associaria a doutora extremamente disposta e constantemente elegante à mulher, que se revirava na cama até não ter opção a não ser se levantar e passava muito tempo no banheiro quase que em estado de letargia.

Rolou a tela de maneira inútil, ainda com os olhos no nome dela, se perguntando o que diria se ligasse naquele instante. Havia muito o que dizer, achava; não bastaria ligar apenas para conversar amenidades, como gostava de fazer a qualquer hora do dia antes de contar toda a verdade a ela. Às vezes, não conversavam nada substancial; às vezes, passavam um tempo pulando de assunto em assunto só pra prolongar a ligação. Apesar disso, adorava ligar para ouvir a voz dela.  

— Bar? – Se voltou a porta, onde Joe se inclinava um pouco para dentro do laboratório, analisando-o. – Cecile e eu estamos indo para a casa. Quer uma carona?

— Er... Não, obrigado. – Conferiu a hora no relógio, constatando que o expediente terminara há algum tempo. – Vou passar no S.T.A.R Labs pra conferir como estão as coisas por lá.

— Você está bem? – O mais velho franziu o cenho enquanto meneava a cabeça. Ele só oferecia carona quando notava que havia algo errado e queria ter algum tempo de pai e filho com Barry.

— Sim, sim, eu só... – Se levantou, indo buscar suas coisas em um dos armários. – Estava pensando.

O que Cisco apontara no dia anterior o fizera se revirar na cama em ansiedade latente por toda a noite e ficara martelando no fundo de sua mente por todo o dia, até mesmo seu subconsciente acusando-o de fazer uma escolha tácita e covarde.

— Não gosto de te ver solitário assim. – Barry colocou a mochila sobre os ombros e abaixou os olhos para o celular silencioso novamente.

— Foi... Um longo dia.

Respirou fundo, realmente sentindo a tensão deixada pela conversa com Cisco e explorada por sua mente durante todo o dia, mas forçou um sorriso claramente não comprado por seu pai adotivo.

— Venha almoçar em casa no domingo, okay? Apenas você e eu, como nos velhos tempos.

— Quando Iris foi para a faculdade? – Não precisou forçar o riso dessa vez, sendo acompanhado pelo mais velho.

— Cecile vai passar o dia com a mãe dela, podemos assistir o futebol e comer algumas besteiras.  

Barry, finalmente, concordou sem querer realmente resistir e Joe se encaminhou ao estacionamento, onde a Promotora certamente o esperava. Tomou o caminho contrário, seguindo tranquilamente pela calçada até uma rua menos movimentada e, logo após, um beco mais escuro para que, enfim, pudesse usar sua velocidade.

Sentia estar correndo em círculos na busca de uma certeza completamente intangível. Sua própria mente o traía lembrando-o que havia sido direcionado ao que sentir da mais manipuladora possível, mas também havia o eco da voz de Nora, representado no tom mais frio da Força de Aceleração, espiralando tentadoramente, como que num lembrete de que esses mesmos sentimentos não poderiam ter sido meramente criados.

Nesses momentos, era capaz de se recordar com imensa facilidade e clareza de todos os detalhes de Caitlin, que o faziam desejar que o sentia fosse real, uma reação a tudo o que descobrira sobre ela nas últimas semanas, desde o brilho surpreendentemente mais predominante quando o olhava, levando-o a imediatamente reagir por ela, à forma como os lábios tipicamente avermelhados ficavam ainda mais corados e inchados quando a beijava avidamente e como, agora, sabia que a pele da nuca dela concentrava ainda mais perfume do que o local macio que gostava de deixar marcado no pescoço claro.

Deixava a culpa tomá-lo por ter sido levado a abandonar toda uma vida com a qual sempre sonhara, mas não conseguia sustentar as próprias convicções quando a consciência de que realmente amava esses pequenos pedaços de realidade palpável e a falta que sentia deles era quase sufocante. Estacou respirando ofegante, sem surpresas ao notar que se encontrava logo na esquina da rua onde ficava o antigo e elegante prédio em que ela morava. Não era o caminho mais rápido até seu próprio flat, mas sabia que tentava se apegar a qualquer coisa que tivesse a ver com Caitlin, já que não podia tê-la realmente.

Ainda se lembrava da noite antes da partida a Princeton, quando a acompanhara a até ali. Não havia nenhuma segunda intenção no gesto até que a vontade de a beijar se fez tão latente que pareceu pesar enquanto a olhava, algo que nunca tinha acontecido até então. Agora, se perguntava se havia alguma influência da Força de Aceleração na ocasião e na forma como reagira ao perfume completamente inebriante que ela usava. Quis grunhir em frustração, notando que a luz continuava apagada, como se encontrava todos os dias.

Dessa vez, contudo, resolveu se aproximar realmente. Sem muita cautela, ultrapassou em alta velocidade o hall de entrada e seguiu pelas escadas de emergência até alcançar o corredor do andar dela, onde a porta de madeira branca do apartamento se encontrava trancada. Não seria certo invadir simplesmente, sem Caitlin estar para recebê-lo, pois apesar de não morar mais ali, ainda era a intimidade dela e coisas que, talvez, não quisesse compartilhar nem com Barry nem com ninguém.

Porém, sentia tanta falta da presença dela que, o que quer que ainda estivesse ali, talvez ainda possuísse algo próprio de Caitlin. Seu coração fazia um eco dentro de si ao abrir os olhos, já do lado de dentro após ultrapassar a matéria da porta, e enxergar apenas as sombras dos móveis dispostos exatamente nos lugares em que se lembrava.

 Dando alguns passos pelo apartamento fechado, notou tudo... Arrumado demais. Por mais que soubesse como a doutora podia ser perfeccionista, também sabia que as coisas só estavam daquele jeito porque simplesmente não ia até ali há algum tempo, o que o frustrou ainda mais. A decoração e as lembranças remetiam a ela, mas não havia nada de concreto ali, pois os objetos pessoais, aqueles que realmente importavam, haviam sido levados.

Se dirigiu até o quarto principal, onde Caitlin o deixara dormir na noite em que chegara ali desesperado para conseguir descansar ao menos um pouco. A cama coberta por um lençol usado e a televisão sobre o móvel comprido se encontravam exatamente no mesmo lugar. Contudo, nem mesmo o perfume caracteristicamente suave, mas que fora tão marcante para Barry desde o início de tudo se fazia presente ali, tão vazio o lugar parecia.

Notou que os porta-retratos e outros objetos foram deixados sobre o móvel exatamente como se lembrava e ela, provavelmente, carregara apenas o essencial. Sorriu, percorrendo com os olhos alguns dos momentos registrados ali. O que tinham, como um grupo de amigos, muitas vezes ia além do que o que os juntava como um time. Era necessário que fossem mais família do que simplesmente colegas, todos chegaram a tal conclusão com o passar do tempo e, de certa forma, era inevitável que fossem as pessoas com quem poderiam contar no final do dia.

Ao fim do aparador vintage, porém, havia um conjunto de porta-retratos vazios e um grupo de fotos empilhadas logo ao lado em formato polaroide. Havia sido um desses dias em que estava exausto por não conseguir dormir e Cisco insistira que fosse com eles a um happy-hour num bar qualquer. Já sabiam que Caitlin ia se mudar temporariamente para Princeton e o engenheiro parecia mais nostálgico e apegado do que normal, por isso a câmera analógica adquirida recentemente estava sempre com ele.

Deslizou cada foto observando a espontaneidade com que, simplesmente, rodeavam uns aos outros de maneira confortável. Porém, uma o chamou a atenção, separando-a antes de sentar aos pés da cama e observar com atenção. Ao seu lado Ralph fazia uma pose estranha segurando uma garrafa de cerveja e Barry tinha os braços cruzados, apenas encarando o perfil da doutora, que parecia explicar algo energicamente com as mãos levantadas, como se defendesse um ponto.

Tinha certeza que a discussão era totalmente fútil, considerando como Cisco sempre a provocava para entrar em assuntos que a tiravam do eixo e a irritavam o suficiente para se posicionar. Todavia, concentrou-se mais em si mesmo, chegando a dobrar um terço da foto com cuidado para deixar apenas os dois enquadrados. Por mais que a imagem granulada não o permitisse ver brilho algum em seus olhos, se perguntou se sempre a olhava com tanta admiração. Desde o primeiro instante, Barry parava para ouvir o que Caitlin dizia, desde as ideias mais complexas até quando a voz soava apenas nos comunicadores em seus ouvidos, mas não imaginava que fosse daquele jeito.

Observando o sorriso contido no canto de sua boca enquanto observava o esforço da mulher, era como se fizessem sentido, mesmo que naquela época ainda não soubesse que Caitlin era a mulher dos lapsos. Ao menos no fragmento de tempo da imagem silenciada e paralisada, fazia sentido que a olhasse daquela forma, exceto que sua vontade fosse fazê-lo o tempo todo.

Seus dedos alisaram a superfície lisa por um instante, tentando ignorar o sentimento sufocante que o percorria do peito à garganta ao observar os fios ondulados caindo sobre o ombro, muito perto do dele. Se era daquele jeito que pareciam, mesmo antes de sequer estarem realmente juntos, talvez pudesse confiar naquilo invés dos lapsos abstratos sobre os quais não tinha qualquer controle.

Assim, guardou a foto em um dos bolsos da calça, imaginando porquê Cisco não lhe dera nenhuma foto das polaroides daquele dia, e saiu do apartamento em alta velocidade concentrando-se no caminho conhecido. 


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Notas finais do capítulo

Estamos chegando ao final de Dark, faça esta autora feliz e me diga o que achou da história até aqui ;)



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