Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 33
Discrepância




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Observou Caitlin por trás do vidro de seu próprio laboratório, explicando algo a Cisco enquanto andava de um lado a outro. Suas mãos gesticulavam de seu jeito típico e, por vezes, ela pegava o iPad para conferir algo que, certamente, deveria ter feito várias vezes.

Sabia que tentava não aparentar, mas era óbvio que estava extremamente nervosa pelo procedimento. Ela sempre fora mais do que cuidadosa, seus pés estavam sempre no chão quando o único plano que tinham pendia para uma loucura que poderia dar errado muito facilmente, mas desde que a encontrara naquela manhã parecia apenas resignada. É como se estivesse tentando pensar positivo, embora tudo estivesse precisamente calculado e planejado, ao menos em teoria, como sempre fora.

— Você vai precisar cuidar dela.

Barry disse a Dra. Tannhauser, que o rodeava colocando eletrodos em seu peito e cabeça para medir seus sinais vitais e a frequência da Força de Aceleração no momento que entrassem em contato. Ainda, Carla tomava notas sobre seus dados a cada hora pelas últimas três horas, o que fazia dele um experimento para a cientista, tinha certeza.

Apesar da ideia ter partido de Caitlin, sua mãe aquiescera muito facilmente e nunca vira a mulher apenas acatar uma ideia sem questionamentos. Com um suspiro enfadado, ela o encarou, sem esforço para entender perfeitamente o que ele queria dizer, antes de olhar a filha por um instante e voltar a atenção ao que fazia anteriormente. 

— Ela vai ficar bem.

Estreitou os lábios em resignação, pois tinha a sensação de que, desde sempre, a doutora lia Caitlin sob sua própria régua, como se a filha fosse uma extensão de quem era, pessoalmente falando, e Barry sabia que, além da aparência, elas eram semelhantes apenas na forma como se fechavam para o mundo quando algo de errado acontecia, não como o viam realmente.

— Se algo acontecer, se eu não conseguir voltar ou... Se voltar diferente do esperado, terá que garantir que Caitlin mantenha a cabeça no lugar.

Tinha certeza de que a mulher simplesmente não abandonaria Caitlin se algo desse errado. Elas já haviam sido distantes uma vez e Carla, mesmo sob toda a camada de desdém, simplesmente não se afastaria novamente num momento em que a filha precisasse dela.

— Está errado. – Claramente não desejando adentrar aquele tópico, ela colocou o iPad sobre a maca ao lado dele e cruzou os braços, o encarando de cima. – A última coisa que ela fará se o procedimento não sair como o planejado será perder a cabeça. Antes disso, ela explorará todos os caminhos científicos possíveis para trazê-lo de volta. Essa é Caitlin.

Ele franziu o cenho, uma vez que realmente a possibilidade apresentada por Carla não passara por sua cabeça. Mas, de qualquer forma, não queria que ela simplesmente deixasse tudo de lado em nome de alguém que, mentalmente, não estaria ali. Caitlin precisaria seguir com sua vida, se o plano não funcionasse.

— Ela estava perdendo a cabeça por Ronnie. – Comentou baixo. – Após a explosão do Acelerador de Partículas...

— E ainda assim estava aqui, certo? – Imaginou como Carla poderia saber tanto a respeito disso, uma vez que nem tinha conhecimento sobre o casamento da própria filha, mas elas devem ter passado algum tempo acertando parte de suas diferenças após a morte do Sr. Snow, por ele. – Por sua causa.

Recordou o dia da Crise, quando estava conformado a se sacrificar para que todos vivessem e tivera que fazer com que todo o time aceitasse sua escolha. ‘Você salvou minha vida’, Caitlin se referia apenas ao fato de ter entrado na vida dela quando o dissera, sob a iluminação avermelhada do céu de Central City.

Contudo, a perspectiva agora lhe soava completamente diferente, pois ela colocara a responsabilidade inteiramente sobre si e ninguém conhecia muito bem o território em que pisavam com aquele procedimento, nem mesmo Barry. Todas as vezes que julgara saber o necessário a respeito da Força de Aceleração, descobriam algo completamente diferente. Por isso, ajeitando-se na cama, encarou Carla sem rodeios, embora quase contrariado por propositalmente fazê-lo ter que pedir o óbvio.

— Sabe o que quero dizer.

— Eu sei. – A doutora revirou os olhos e voltou a pegar o iPad, consciente de como ele ainda a fitava de maneira insistente. Era possível notar pela forma como deslizava os dedos de forma exagerada pelo aparelho, que não fazia nada demais, mas quando falou nem mesmo se dignou a olhá-lo de volta. – Ajeite seus ombros, melhore sua face de enterro e pare de insinuar despedidas. Se não percebeu, isso abala a confiança de Caitlin e todos nós estamos confiando nela.

Levantou as sobrancelhas um pouco impressionado por Carla ir além de seu profissionalismo latente. Trabalharam juntos no laboratório por todas aquelas semanas e a doutora sempre havia deixado sua relação pessoal com Caitlin bastante de lado. Nunca houvera muito carinho no modo como se referia à mais nova, mas compreendeu que o fato de depositar sua confiança na inteligência da filha era sua forma de demonstrar que se importava, assim como estar ali checando Barry e o equipamento técnico para o procedimento.

— Você se importa.

— Não quero ter que lidar com uma versão de Caitlin choramingando pelos cantos, se algo der errado com você. Seria deprimente. – A cientista respondeu imediata e desdenhosamente. – Além disso, apesar de considerar que se coloca muito em alta conta, não desgosto do senhor.

Barry sorriu pela forma como Carla encontrava todos os jeitos de se expressar para não parecer leve demais, mas ao abrir a boca para responder Cisco e Caitlin adentraram a sala, já em silêncio. Apesar da resistência inicial, o engenheiro se preparara como nunca, tentando cobrir todas as bases para evitar possíveis erros em nome da amizade entre os três. Caitlin, que se mantinha séria, lhe forçou um sorriso e se dirigiu à mãe.

— Os sinais vitais dele estão normais?

— Ele está ansioso, isso pode dificultar um pouco o sono e, principalmente, qualquer sonho que possa vir a ter. – A Dra. Tannhauser respondeu impessoalmente. – Acredito que possamos ministrar um calmante leve apenas para minimizar esses sintomas e fazer com que ele se estabilize.

— Bem, acho que não irá atrapalhar qualquer processo que o cérebro dele venha a desempenhar quando dormir. – Caitlin concordou, o encarando logo a seguir. – Então... Vamos monitorar sua atividade cerebral comum para determinar quando estiver sonhando e cruzar esse dado com o do Registrador de Atividade Mental de Cisco. Dessa forma, saberemos quando e por quanto tempo estará sob “efeito”, por assim dizer, da Força de Aceleração.

— Tudo bem.

— Barry, sabe quanto tempo em média duram os lapsos?

— Er... – Ele meneou a cabeça, encarando Cisco, que se acomodara a uma das banquetas do laboratório. – Não exatamente, mas sei que não duram muito. Houve dias em que dormi apenas por trinta ou quarenta minutos antes de acordar após um sonho e não conseguir mais dormir, mas... Como você sabe, são frequentes.

— Voltando a dormir, os lapsos também retornam. – O latino seguiu sua linha de raciocínio.

— Vamos considerar um intervalo de tempo médio para os lapsos. – Caitlin afirmou, juntando as mãos formalmente à frente do corpo. – Assim, saberemos quando ou se alcançar um nível anormal de contato.

— Acredito que, mais de uma hora, é um tempo bastante exagerado. – Afirmou seriamente ganhando um olhar significativo da castanha sob os óculos de armação levemente despontada na parte superior.

— Além disso, temos que torcer para que consiga contato com a Força de Aceleração, mesmo que esteja impregnado dela durante esses lapsos.

Cisco se levantou com um suspiro tenso e se dirigiu à saída, seguido por Carla, que ainda lhe lançou um olhar incisivo.

— É melhor que durma logo ou será uma longa noite.

O laboratório retornou ao silêncio assim que ficou a sós com Caitlin, a qual somente o examinou por um instante antes de depositar o iPad em uma bancada próxima e abrir um armário para escolher o remédio que lhe daria. Com comprimido e água em mãos, ela se aproximou novamente, estendendo-os a ele e pegando o controle para abaixar as luzes e deixar o cômodo parcamente iluminado somente pelo que vinha do córtex, a uma certa distância.

— Essa coisa de dormir sem um indutor será uma droga. – Disse entregando o copo de volta a ela, que o guardou. – Não consigo parar de pensar em possibilidades do que pode acontecer, meu cérebro está acelerado.

— Eu sei, mas há estudos que indicam como calmantes, antidepressivos e indutores de sono podem influir em sua atividade cerebral e, mais especificamente, nos sonhos. Alguns estudiosos já fizeram experiências e conseguiram comprovar que os conteúdos dos sonhos mudam sensivelmente quando as pessoas estão sob efeito de remédios usados para estimular o sistema neurológico. – Ela explicou de maneira concisa e rápida, como sempre, fazendo com que soltasse um meio sorriso. – O quê?

— Gosto de vê-la sendo profissional assim.

Pôde observar o apertar de lábios escondendo um sorriso sem jeito e, embora não a tivesse visto corar, Caitlin se permitiu sair da postura profissional e se sentar na maca, logo ao lado de seu quadril, continuando de forma mais relaxada.

— De qualquer forma, o remédio que lhe dei é quase que pediátrico, considerando a progressão rápida do seu metabolismo mesmo com desempenho abaixo da média. – Ele revirou os olhos, pois detestava como um todo a situação de não poder confiar em si mesmo como Flash, e a puxou pela cintura do jaleco branco e bem passado, mas ela deu um tapa em sua mão. – Não, você precisa dormir!

— E eu irei, só precisa... – A doutora se esquivou dele novamente olhando-o com reprovação, no que Barry apenas expirou, indignado. – Caitlin, literalmente, não tem nenhum lugar para ir. Sua única tarefa é ficar aqui e cuidar de mim.

— Você não precisa ser verificado desse jeito. A única coisa que tenho que fazer é garantir que durma e eu posso esperar lá fora. – Ela retrucou achando graça. – Além disso, sou sua médica aqui.

— Pelo que eu entendo, isso torna tudo mais interessante. – A observou rir de verdade, um pouco incrédula que estivesse se deixando levar em meio a situação tensa em que estavam. Contudo, Barry sabia que, se continuasse mantendo a própria ansiedade nas alturas, como se encontrava, não dormiria tão cedo. Apertou o joelho dela sobre a calça e a encarou com mais seriedade só por um instante. – Vou dormir mais rápido com você aqui.

Vinha sendo assim nos últimos dias. Apesar de Caitlin ter retornado à Central City nos últimos dias unicamente para lidar com seu problema e estudar o procedimento, antes de realmente caminharem para a prática, se via um pouco mais aliviado que ela estivesse ao seu lado todas as noites, especialmente depois das duas semanas em que fora completamente ignorado e sequer se falavam. De certa forma, a presença dela fazia com que algo dentro de si se aquietasse e pudesse relaxar ao menos um pouco.

Estreitando os olhos em sua direção, ela meneou a cabeça em negação e, sem dizer nada, se inclinou para tirar os sapatos e, então, se deitar ao seu lado com cuidado para não desconectar todos os fios que monitoravam seus sinais vitais e sua atividade mental. Os cabelos sempre macios e brilhantes se espalharam pelo travesseiro que agora dividiam e Barry se aproximou um pouco para aproveitar mais do aroma, que emanava dela o tempo inteiro.  

— Só precisa abrir a boca para ser um clichê ambulante.

Ela constatou em um tom suave, examinando-o de perto ainda sob os óculos. Barry soltou um riso baixo e se virou para encará-la, tão próxima que seus narizes se encontravam em uma intimidade a essa altura tranquila, como se não se lembrasse de ter sido de outra maneira em nenhum outro momento. 

— E você mal pode esperar para que eu seja. – Com um suspiro, Caitlin encaixou seus lábios apenas superficialmente e entrelaçou os dedos aos dele quando se afastou descansando a cabeça contra a sua. Podia sentir o temor na tensão dos membros dela e no silêncio que, tinha certeza, não se devia somente ao fato de que precisava dormir. – Ei, qual sua música favorita?

— De onde veio isso? – Ela o encarou por um instante com estranhamento, mas somente deu de ombros, evitando se explicar demais. – Tento não fazer esse tipo de lista, porque sempre muda no fim das contas.

— Você é... Frustrante. – Declarou ganhando um revirar de olhos dela, que se acomodou melhor para olhá-lo, parecendo começar a se distrair. – Deve haver alguma canção que, em algum momento, você colocou entre as suas favoritas e ela nunca saiu de lá. Uma que, imediatamente, vem à sua mente sempre que te perguntam isso.

— Okay, er... Provavelmente uma dos Eagles, ‘Take It To The Limit’. – Levantou as sobrancelhas um tanto surpreso pela escolha, no que Caitlin deu de ombros. – Quando eu era criança, meu pai estava o tempo cantando essa música. É uma das recordações mais fortes que tenho, na verdade. Quando ele desapareceu... Passei muito tempo sem conseguir ouvi-la, talvez anos. Mas... Sim, acho que é uma das melhores canções já feitas.

— Provavelmente. – Concordou pensativamente. – É realmente muito boa.

— Me diga a sua. – Apenas a encarou, se lembrando do lapso em que cantara para a Caitlin que o habitava, uma música que já conhecia, mas que nunca se importara tanto até aquele momento. Desde então, a ouvia todos os dias, tentando encontrar significados escondidos em sua história e nas entrelinhas. – Não faria essa pergunta se não tivesse uma que tem certeza a respeito.

— É um pouco recente. – Explicou hesitantemente. – Está com seu celular? Você... Não deve conhecer.

Ela confirmou e alcançou o aparelho no bolso de seu jaleco, o entregando. Rapidamente, Barry procurou a canção no aplicativo e o som imediatamente preencheu o ambiente, fazendo com que ambos mergulhassem na melodia em completo silêncio, concentrados. Mais Caitlin do que ele, na verdade, pois, já conhecia cada acorde e letra. No fundo, esperava que se relacionasse àquela música de certa forma e não sabia o que pensar a respeito dessa... Discrepância.

Talvez, devesse encarar a questão como um aviso de que não deveria manter esperanças sobre tantas coincidências, sobre aquele não ser um futuro e aquela não ser Caitlin. Não realmente. Seria impossível emular sua personalidade e encapsulá-la de modo a se encaixar perfeitamente na mulher dos sonhos ou o contrário. Isso tornava a perspectiva daquele contato com a Força de Aceleração ainda mais imprevisível, pois, de olhos fechados, Caitlin apenas apreciava a canção que, em essência, realmente não conhecia. 

Por algum motivo, sempre que ouvia os acordes iniciais, tão pitorescos, mas não despretensiosos, que se encaixavam perfeitamente na letra, sentia um indescritível aperto no peito. Não sabia se pelo que sonhara – embora aquela Caitlin jamais houvesse dito o motivo por cair em prantos com ela – se pelo que a música por si só conseguia exprimir.

— É linda, Barry. – Ela sussurrou assim que a última nota terminou, no que ele somente concordou com um aceno. – Há uma história?

— Sempre tem. – Respondeu de uma maneira mais evasiva, mas continuou a receber o olhar insistente dela, obviamente o conhecendo ridiculamente bem a ponto de saber que estava deliberadamente evitando o assunto. Então, apenas passou os braços ao redor dela, recebendo-a contra a curva de seu pescoço. – Há uma história. Tem a ver com você.

Caitlin suspirou pesadamente, apertando-o contra si um pouco mais, enquanto Barry acariciava distraidamente o ponto macio logo atrás do ouvido dela, penteando os fios dos cabelos castanho-claros com os dedos. Por mais imprudente que pudesse ser, naquele momento, não queria que o tempo passasse para fazer o procedimento, só queria mantê-los desacelerados daquela forma, pois era quase dolorido demais que terminasse.

— Barry. – A voz dela vibrou contra ele, ainda que baixa. Dessa vez, a doutora não se afastou para olhá-lo, apesar de poder sentir o receio e alguma insegurança. – Sabe que não sou a mulher que está em seus lapsos, não é?

Certamente, Caitlin não precisara de muito para chegar a uma conclusão sobre a ligação que Barry acreditava ter com aquela música, uma vez que sabia de sua incapacidade de diferenciar os próprios sentimentos realmente vivos daqueles explorados em lapsos irreais e vinha simplesmente ignorando isso em nome deles, basicamente. Se toda a questão em torno dos lapsos girasse em torno de realidades diferentes, mas palpáveis, tinha certeza de que seria bem mais fácil passar por isso.

Então, apenas anuiu com um murmúrio, tentando se concentrar mais no perfume dos cabelos dela do que em qualquer outra coisa, pois, em meio ao caos de ansiedade e expectativas em que se encontrava, ainda tinha que dormir. 


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