Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 31
Perspectiva




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Entrou lentamente pelo córtex estranhando a falta de pessoal ali. A iluminação se encontrava baixa e, por um momento, supôs que fosse devido à hora avançada, mas olhando no relógio de pulso notou que não passava das sete da noite. Ou seja, alguém deveria estar no laboratório ao menos para lhe contar como havia sido o dia sem o Flash. Onde estavam todos?

— Barry. – Ouviu, fazendo com que virasse para ver a figura séria e resignada de Cisco saindo do laboratório de Caitlin e fechando a porta de maneira lenta. – Você precisa ir vê-la.

— O quê?

O engenheiro suspirou, mas, insistindo em não o encarar, se acomodou a uma das estações de trabalho, juntando as mãos entre as pernas e parecendo escolher as palavras. Tudo parecia muito... Melancólico ali. As luzes nunca ficavam daquela maneira e o silêncio soava pesado na grandeza do laboratório, sempre repleto de movimento e vida.

— Eu sei que está tentando evitar vê-la daquela forma, mas... Terá que fazer uma escolha. – Barry franziu o cenho, como se um déjà vu lhe trouxesse a sensação de que já ouvira tais palavras antes, talvez não de seu amigo, mas... Em alguma outra ocasião. Sua vida, de qualquer forma, sempre fora uma gama de escolhas e abdicações após o Flash. – Nós não conseguimos identificar a substância do dardo. Está se espalhando mais rápido do que esperávamos e...

— Do que está falando?

Cisco o olhou sem entender por um instante e, então, parecendo tão incrédulo quanto decepcionado se levantou e lhe deu às costas, saindo do córtex sem nada a completar. Barry teve um estranho sentimento de que algo estava muito errado e, por isso, a falta de movimento, além da forma como Cisco falava dela.

Receoso, andou até a parte médica do laboratório e, pelo vidro que dividia o ambiente notou sobre a maca mais iluminada, posta exatamente no centro da sala de cirurgia, a sombra encolhida contra si mesma e os longos cabelos loiros espalhados pelo travesseiro. Frost nunca costumava estar na ala médica e, muito menos, nunca se deixava aparentar tão... Pequena. Ali, no entanto, ela parecia pequena e até indefesa, além de muito sozinha.

Girou a maçaneta ainda com os olhos pregados na figura quase magnética representada pela mulher daquela forma, sentindo o nariz ser imediatamente impregnado pelo cheiro de produtos que mascaravam o ar ferroso da sala. Olhou para os lados procurando sangue, mas nada à vista parecia sujo e, ao se aproximar com cautela, notou que o cheiro vinha de onde ela estava.

— Frost. – Sussurrou notando a camisola hospitalar ela usava, sem parecer se importar realmente que fosse tão genérica. Ela fez menção de se virar ao identificar sua voz, mas apenas isso parecia mais difícil que o comum.

— Barry. – Era a voz de Caitlin, mas o timbre de sua personalidade mais gelada, surpreendentemente, parecia fraco e sem vida. – Barry?

— O que está acontecendo? – Finalmente se postou ao lado dela, notando que, num primeiro momento, não havia nada de errado. Os cabelos platinados eram os mesmos, assim como as unhas sempre negras e bem feitas, mas Frost claramente estava em dor e encolhia-se ao redor de si mesma, os dedos quase que fincados no próprio braço. – Frost, o que houve?

Colocou a mão sobre a dela, com cuidado, pois não costumava ser receptiva como Caitlin, apesar de viverem no mesmo corpo, sentindo a pele anormalmente gelada e, ao lado da sua, acinzentada demais. Algo parecia completamente errado e fora de lugar, porém, pois a mulher não o afastou dessa vez. Ao contrário, cobriu seus dedos com os dela, entrelaçando-os desajeitadamente, tentando apertá-los, mas parecendo sem forças.

— Fique comigo. – Ela mantinha os olhos fechados e, apesar da frieza de sua pele, parecia em um estado febril, tateando-o em busca de algo concreto em meio a algo que não parecia tão concreto. – Pode ficar?

— Frost?

— Só uma vez, Barry. – Ela se apertou ainda mais, soltando a mão dele, que não resistiu a traçar a linha dos cabelos macios claríssimos. – Só dessa vez.  

— O corpo dela está tentando se curar, mas... – Harry explicou da porta repentinamente, como se houvesse vindo de lugar nenhum, e Barry se virou ainda confuso. – O veneno consegue driblar os genes de cura e age muito mais rápido.

— E agora o quê? – O cientista apertou a planilha entre as mãos e ajeitou os óculos no próprio rosto. Não lembrava em nada o homem, que tivera de voltar para a própria Terra com danos cerebrais sérios causados pelos próprios experimentos. Poderia ter sido antes disso, mas também depois... Não saberia dizer, o que o angustiava por dentro. Não se lembrava de qualquer situação, que pudesse levar Frost a ficar daquela forma nem de qualquer momento tão crítico quanto àquele. Por quê sentia que a estava perdendo, enquanto encarava a figura pálida e fria de maneira completamente impotente? – Harry!

— Não temos tempo para desenvolver um antídoto, Barry. – Apesar da resposta quase sensível do outro, indignou-se. – Precisaríamos de Caitlin para salvá-la, mas também não temos Caitlin. Ela pensaria em algo.

— Então... É isso? Vamos apenas assistir enquanto ela morre? – Olhou para Frost, que pareceu não ter ouvido realmente. De alguma forma, preferia que tivesse, assim como escolheria mil vezes pela resposta possivelmente mal educada que obteria, mas havia apenas silêncio. – Vamos deixar Frost morrer? Caitlin?! Ela sempre foi a única que nos manteve vivos e, minimamente, unidos! O que estão pensando?!  

— Sinto muito, ela seria capaz de pensar em algo...  

Barry bufou e ainda ouviu o cientista repetir a frase enquanto saía, soando realmente sentido, mas quase que em transe. Voltou a encarar a figura de Frost, transfigurada na pele da Dra. Snow notando todos os traços delicados, mesmo que sob a maquiagem da outra, de espírito mais rebelde, tão costumeiramente orgulhosa que se o contassem sobre o pedido sonolento não teria acreditado, mas havia saído da boca dela e os dedos que o apertaram eram da metahumana, que estava lutando para que Caitlin sobrevivesse sob si.

A ideia de que sua médica estava morrendo junto com sua parceira de campo se revoltava na sensação de seu estômago se afundando, bem como nos olhos, que já brilhavam em lágrimas apenas por constatar como o rosto e os lábios, sempre tão bem cuidado, se encontravam opacos.

Assim, se inclinou sobre ela, não fazendo cerimônia para beijar a têmpora fria, como que a abraçando, embora ainda tivesse que manter a distância. Não sabia onde doía, mas claramente havia algo se agitando dentro dela, deixando-a rígida e desacordada, apesar de não exatamente consciente do que acontecia ao redor. Deixou as têmporas e afundou o rosto nos cabelos claros, a textura e o aroma predominantes de Caitlin naquele único lugar, pois o resto era inteiramente Frost e sua necessidade de sobrevivência.

— Estou aqui, Frost. – Murmurou entre os fios, sentindo-a apertar seus dedos de volta, o único movimento que talvez remetesse à consciência de uma das duas. Nesse ponto, já não se importava, apenas queria que elas ficassem bem, vivas. – Não vou te deixar sozinha, eu prometo.

— Barry.  – A voz soou prontamente ao seu lado e quase precisou encarar a mulher na cama novamente para entender que não se travava dela. Os dedos que apertavam seu ombro com calma eram firmes e seguros, diferentes dos gelados de Frost, assim como o timbre parecia mais delicado e baixo. – Barry.

Ela o sacudiu com mais força e, dessa vez, o velocista se viu como que puxado daquela realidade para a do quarto, onde a Dra. Snow o olhava de maneira analítica sob a luz de seu abajur de cabeceira, logo ao lado de sua cama. Abriu a boca para perguntar o que aconteceu, após se situar de que não passava de um sonho, mas ela levou um dos dedos aos lábios e apontou para o outro lado da cama, onde a bebê Nora dormia pesadamente, abraçada a um de seus ursinhos macios, as bochechas gordinhas e amassadas contra o colchão tornando os lábios muito pequenos e cheios como um botão de rosa.

Assustou-se por um instante, culpado por estar conjecturando sobre o sonho enquanto sua filha se encontrava bem ali, sob seus cuidados. A garotinha se remexeu enquanto ambos somente encaravam, esperando que acordasse em busca de comida ou, o mais provável, devido ao xixi, que encharcava sua fralda descartável.

Mas o despertar não aconteceu e Caitlin meneou a cabeça, indicando que a seguisse. Ela ainda parecia bastante desperta, apesar de exausta. Vestia calças jeans simples, camiseta e, inexplicavelmente, um par de tênis brancos, o que a tornava mais baixa que o normal. Seguiram direto para a cozinha, onde ela rapidamente lhe fez um copo de água com açúcar enquanto o examinava.

— Você parecia inquieto no sono.

— Era um sonho de verdade, eu acho. – Sua voz se encontrava rouca e Barry, provavelmente, estava uma bagunça com cabelos despenteados e olhos inchados. Se sentia, na verdade, completamente desconcertado, além de um pouco doente, o que a doutora, além de Carla, lhe dissera que não era nada normal. Não que fosse necessário, pois a sensação estava com ele há tanto tempo que até se acostumara, embora isso preocupasse a todos. – Não sei explicar como sei disso, apenas... Sei. Acho que não foi uma manipulação da Força de Aceleração, dessa vez, só... Meu inconsciente agindo sob a pressão de tudo isso.

— Está confortável para falar a respeito?

Caitlin questionou cuidadosamente, se apoiando no balcão logo ao lado dele, os olhos castanhos e sérios, apesar de tudo. Seus dedos brincaram com algumas gotas no copo, repassando o que ocorrera no sonho, obviamente procurando motivos para uma visão como aquela. Frost e a mulher à sua frente não eram a mesma pessoa, seus sentimentos não se confundiam, embora a “casca” fosse a mesma. Não fazia sentido que a Força de Aceleração tentasse confundi-lo utilizando-a, a não ser pelo fato de que, uma dependia da outra para sobreviver.

— Era Frost. No sonho ela estava morrendo, lentamente. – Engoliu em seco, revivendo a sensação de impotência que o tomara também enquanto dormia, enquanto sentia-se preso naquela realidade sem volta da morte de Frost. – Vocês estavam.

A observou hesitar por um instante, desconfortável com a ideia, talvez pela primeira vez se sentindo afetada diretamente por um de seus sonhos. Antes, era tudo sobre eles, seus sentimentos, toda uma realidade, que acontecia sem realmente vivê-la, quase que independente de sua vontade. Agora, era sobre ela, sua vida e o corpo que dividia com sua alter-ego.

— Porquê acha que se trata de um sonho comum?

— Eu não sei... – Deu de ombros, tomando um longo gole da água com açúcar. – Sei que não sonhava como uma pessoa normal há muito tempo, então... Posso dizer que isso foi diferente das outras vezes. Não senti como se estivesse vivendo uma realidade que não fosse a minha, mas como... Se soubesse que estava em um sonho.

— Entendo.

— Nem por isso foi menos desesperador. – Caitlin suspirou, abraçando-o de lado e descansando a cabeça contra a dele enquanto Barry apertava os próprios olhos, cansado. – Não sei quanto tempo mais conseguirei aguentar continuar com... Tudo isso. É como se estivesse mantendo duas vidas ao mesmo tempo enquanto não tenho energia nem mesmo para uma.

— Não que tenha controle sobre o que acontece em uma delas.

Concordou silenciosamente, passando um dos braços pela cintura fina e a trazendo para junto de si, analisando o perfil por um instante.

— Você parece cansada. – Ela descansou o rosto contra o seu, deixando com que afundasse o nariz no pescoço costumeiramente perfumado. Nunca iria se acostumar com aquele aroma ou a dona dele aceitando-o tão fácil e abertamente. Adorava tê-la à vontade daquela forma, especialmente porque detestava quando não podia contar tudo a ela. – Deveria ter ido direto para casa.

— Achei melhor vir ver como estava. – Os dedos dela brincaram com seus cabelos na altura da nuca de maneira distraída, pois Caitlin parecia pensativa. – Passamos metade da madrugada discutindo alternativas mais viáveis e seguras de colocá-lo em contato com a Força de Aceleração, mas não conseguimos chegar à nenhuma opção plausível.

Ela parecia extremamente frustrada por não encontrar uma solução após passar dois dias estudando com Cisco e Carla. Barry ia ao laboratório apenas quando o chamavam para questioná-lo sobre detalhes específicos, mas a doutora, em detrimento de seu novo trabalho, havia escolhido ficar e conciliar sua agenda do verão até que resolvessem aquele novo problema.

Isso o lembrava Carla, apontando que Barry e o laboratório podavam Caitlin. Mesmo ela apontara que sempre os escolhia, apesar de tudo. Não queria que, devido a algo que não pudessem controlar, a mulher fosse prejudicada em Princeton ou em qualquer outro lugar, onde quisesse trabalhar para além do laboratório.

— Você devia ir descansar para as suas aulas de amanhã. – Depositou um beijo na bochecha e, em seguida, nos lábios macios.

— Estou bem. – O nariz dela brincou com o seu por um instante, um pequeno sorriso ameaçando se erguer no canto de sua boca. – Você não tinha ideia de que trabalhava quinze horas por dia antes da Explosão do Acelerador de Partículas, não é?

— Mesmo assim. – Com um gesto calmo, apesar da garganta engolindo em seco, afastou os fios macios dos ombros, jogando-os para as costas. – Se Princeton é o que te faz feliz, não quero que seu trabalho seja prejudicado.

— O que quer dizer?

Ela o examinou com estranhamento por um instante, mas Barry decidiu deixar para lá, pois estava tarde demais para estender aquela discussão e, embora soubesse que não conseguiria dormir, continuava fisicamente cansado.

— Podemos falar sobre isso depois do procedimento. – A observou franzir o cenho e, simplesmente deu de ombros, incapaz de continuar prolongando aquilo por muito mais tempo. Não saberia até que ponto ele próprio aguentaria sem pirar de vez, assim como tinha consigo a ideia de não comprometer todo o time nisso por muito mais tempo. Era algo que precisavam resolver, pois seu estado não estava beneficiando ninguém, nem mesmo ele próprio ou a cidade, que continuava sem o Flash para todos os efeitos. – Quero seguir em frente com a minha vida, nossa vida. Da forma como tudo está agora... Não há como fazer qualquer plano e nem pensar no futuro, mesmo o de Nora. Não quero continuar comprometendo as vidas de todos ao meu redor, especialmente a sua.

Caitlin franziu o cenho entendendo o que queria dizer. Apesar de, em tese, conhecer todos os passos era um procedimento arriscado ela se sentiria responsável, se ocorresse algo de errado. Não queria que ela se culpasse nessa situação, mas a conhecia muito bem para saber que estava além dele. A doutora sempre fora profissional o suficiente para saber que seu senso de cuidado a respeito dele fora do comum. Se fosse colocar na balança, ela cuidara dele por nove meses, quando ainda sequer haviam trocado qualquer palavra.  

— Precisa tomar essa decisão racionalmente. – Ela declarou em um murmúrio, preocupada, tentando se desvencilhar de seus braços. – É melhor conversamos amanhã.

— Cait. – Não deixou que ela se afastasse, mantendo o contato visual de maneira convicta. – Farei o procedimento. Você sempre soube como cuidar de mim, não será diferente dessa vez.

Quase pôde ver a tensão em cada poro do rosto dela, assim como nos lábios apertados e a respiração presa, examinando-o de volta sob a pouca luminosidade da cozinha, tentando encontrar o impulso em sua decisão, pois essa era uma de suas características. Entretanto, apesar do óbvio temor pelo que poderia resultar disso, também sabia que não podia deixar sua vida estacada nesse momento de sua realidade.

Os dias já pareciam repetitivos, sua mente fazia com que o corpo se tornasse exausto e muito distante da vitalidade necessária para o Flash. Apesar de não conhecer uma fórmula, apenas idealizá-la, queria que as coisas voltassem a fluir como deveriam, sem resquícios de uma ligação anormal e inadequada com a Força de Aceleração, sem incertezas quanto aos seus sentimentos pela mulher incrível que Caitlin sempre fora.

Em um suspiro resignado, ela mordeu os lábios antes de, silenciosa e quase fraternalmente, deixar um beijo calmo em sua têmpora. Tudo com Cait era diferente de seus relacionamentos anteriores, desde a forma não convencional como começaram até a maneira com que se entendiam sem precisar de muitas palavras, bem como o fato de se sentir literalmente desacelerar sempre que a doutora o olhava caracteristicamente compreensiva ou se aproximava atormentando-o – positivamente agora – com aquele aroma exalando de seus cabelos ou simplesmente lhe sorria, mais com os olhos do que de qualquer outro jeito.

— Quer que te leve para a casa? – Perguntou em tom baixo após ambos se manterem em suas reflexões particulares, mas Caitlin negou com um aceno de cabeça.

— Não precisa, fique com Nora. – Ela brincou com os fios curtos de sua barba por um instante, parecendo pensativa, antes de selar seus lábios. – Vou fazer com que dê certo, Barry. Eu prometo. 

Ele esperava muito que fosse verdade, pois não estava pronto para deixar sua filha para trás, muito menos toda a perspectiva de futuro que vinha com Caitlin esvair por entre seus dedos. Queria isso e em sua própria realidade.


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