Born To Repeat History escrita por Mileh Diamond


Capítulo 5
Música


Notas iniciais do capítulo

Não venho aqui há mais de ano, né? Normal :'v

Boa leitura!



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Quando Yakov começou a trabalhar oficialmente como um treinador, ele teve algumas ideias um tanto duvidosas. Na época, porém, ele as considerou o ápice do moderno em termos de didática. Todo o seu método girava em torno de um tripé simples: arte, disciplina e adaptação. Mas, se algo não afetasse a integridade física e psicológica de seus alunos, eles poderiam fazer o que quisessem. Por isso, Yakov nunca teve problemas com música alta durante treinos, se isso deixasse as crianças mais à vontade.


Seu eu de 23 anos teria repensado aquilo seriamente se soubesse o quão ruins as músicas se tornariam no futuro. E o quão estressantes eram quando repetidas hora após hora, dia após dia; por um bando de pirralhos de gosto discutível.


— Sai pra lá, baba, você já colocou hoje! - Yuri reclamou quase empurrando Mila para ter acesso ao notebook ligado à caixa de som.


— É, mas agora seria a vez de Usacheva e ela faltou, logo o espaço é vago. - Mila respondeu como se a regra fosse de conhecimento comum enquanto tentava colocar sua playlist.


— "Vago" porra nenhuma, isso aqui é por ordem alfabética!! - o loiro reclamou possesso, genuinamente a um passo de chutar a menina por ousar roubar a sua vez na fila. Ele não aguentava mais ouvir pop barato.

 

Poderiam usar fones de ouvido como pessoas normais? Claro. Mas é uma questão de poder. Você reafirma a sua posição no time quando todos apreciam seu gosto musical.

 


— Muito bem, crianças, podemos resolver isso de forma rápida, fácil e justa. - Victor, o topo da cadeia alimentar, surgiu entre os dois e, delicadamente, empurrou Mila para usar o computador com toda a calma do mundo. - Já que vocês não conseguem entrar num acordo, eu escolho a música.


Tanto Mila quanto Yuri respiraram fundo de raiva e Yuri não poupou tempo para chutar o pé de Victor com patins e tudo.

 

— MAS É A MINHA VEZ, VELHO FILHO DA P-!


— Yuri. - Lilia surgiu das profundezas do inferno com uma cara não muito satisfeita e Yuri, secretamente, jurava que quase morreu do coração com aquilo. - Espero que você não esteja planejando terminar essa palavra. Já conversamos sobre seu vocabulário.


Yuri pensou em rebater que o trato incluía evitar palavrões apenas quando Lilia estava presente, mas naquele exato momento Victor deu "play" na música que queria e calou a boca de todo mundo.

 

— Você pode pegar metade do meu tempo de música, Yura, não se preocupe. - ele disse com um sorriso falsamente inocente que parecia muito socável naquele momento. - Eu sugiro que você não mexa na minha playlist, eu ficaria muito triste.

 

Yuri pensou em fazer uma sugestão um tanto agressiva sobre onde Victor poderia enfiar a tristeza dele; mas, mais uma vez, sua ofensa foi interrompida, dessa vez por Yakov:


 

— Que algazarra é essa aqui? Uma reunião de condomínio? - o treinador perguntou com o cenho franzido de mau humor como sempre. - Voltem para o treino e parem de brigar por causa da música, senão ninguém ouve mais nada.

 

Os três patinadores logo obedeceram, mesmo que Yuri ainda parecesse muito puto por perder a sua vez na fila da música. Tanto Mila quanto Victor iriam pagar o quanto antes.

 

Se Lilia soubesse, em detalhes, o motivo da briga; ela provavelmente tomaria as dores de Yuri. Não por ser a vez dele em si, mas só para tirar a chance de Victor escolher a música.

 

Tanto ela quanto Yakov fizeram uma careta ao se darem conta de qual faixa estava tocando nas caixas de som. Lilia decidiu que era uma ótima hora para fingir uma dor de cabeça e sair dali para um lugar onde o som era mais baixo, pelo menos até seu trabalho ser realmente necessário.

 

Era nessas horas que Lilia, amargamente, se lembrava de uma entrevista que Victor dera anos atrás sobre o processo de criação de novos programas. Ele dizia algo parecido com "Eu escolho músicas profundas, que comovem as pessoas."


Ay, ay, ay,
I'm your little butterly.
Green, black and blue
Make the colors in the sky.


Era tão comovente que Lilia queria chorar. Chorar de nojo.


Ninguém deveria ser obrigado a reviver os anos 2000; era um castigo reservado para pessoas que ultrapassam no trânsito sem dar seta ou jogam lixo na rua e isso ela nunca fez. Mas, pelo visto, ela deve ter cometido algum pecado parecido numa vida passada, pois o gosto musical de Victor não evoluiu nem um pouco.


 

Se fosse só ele, quem sabe ela poderia deixar passar.

Mila tinha um gosto musical genérico que valorizava pop americano. O problema é que pop americano é, em uma palavra, ruim. Yuri estava numa fase de ouvir heavy metal em que os cantores (?) mais gritavam do que cantavam. Dava dor de cabeça. E ela nem conseguia explicar por que os mais novos gostavam tanto de música coreana.


Na real vez de Yuri e sua playlist destruidora de ouvidos (era insano pensar que alguém ouvia aquilo com fones), Lilia comentou com Yakov.


— Você poderia manipular a escolha das músicas. - ela falou com a naturalidade de quem já viu juízes sendo comprados minutos antes da competição. - Invente uma desculpa qualquer e deixe apenas Popovich e Katsuki escolherem. Pode ser só nos dias em que eu não estou aqui.

 

— Você realmente acha que o gosto deles é melhor? - ele disse descrente - Popovich estava ouvindo ópera às oito horas da manhã. E Katsuki vai deixar escapar alguma coisa duvidosa logo, eu sei disso; já assisti as apresentações de gala daquele garoto.

 

Lilia não se convenceu.

 

— Eu prefiro mil vezes o gosto de Georgi do que as "músicas" do Victor. São um poço de indecência. - ela disse com claro desgosto no olhar. Uma boate gay teria um gosto melhor do que Victor. E ele vivia naquele tipo de ambiente quando solteiro.

 

— Eu vou pensar sobre isso. Mas não reclame se tivermos que ouvir três horas seguidas de trilha sonora romântica por causa de Popovich.

 

A ideia não era a mais atraente, mas era o que tinha pra hoje. Lilia balançou a cabeça em decepção.


O gosto da juventude ficava pior a cada dia.


— - -

 


1968

 

— Vocês não estão entendendo. - Yakov disse sério, bloqueando o caminho para o gravador com as fitas na mão. - Esses caras fazem música com significado, com uma grande quantidade de crítica à mídia americana, eles...


— Eu tenho cara de quem quer música com significado, Yakov? - Lilia disse irritada, com uma mão na cintura.


— Se eu quisesse coisa profunda eu tava dormindo com algum poeta. - Irina falou o que todas ali já queriam ter falado, estressada com toda aquela conversa. E não, ela não estava bêbada ainda. - Chega de rock. Põe Nancy Sinatra.


— Eu não aguento mais Sinatra... - Anatoly reclamou num canto da cozinha antes de virar um gole da bebiba.


— E eu não aguento mais Rolling Stones. - Lilia rebateu de braços cruzados, voltando a olhar para Yakov. - Vocês só têm três fitas: Stones, Beattles e Bob Dylan. E fica nisso. Deixem a gente escolher.


— E vocês só têm uma música da Nancy Sinatra. Não um álbum, mas uma única música. - Yakov disse tão calmo e devagar, como se estivesse explicando para uma criança, que Lilia teve vontade de bater nele. - E vocês esperam que a gente não enjoe?

— Espero sim, porque a festa é minha e eu estou indo embora semana que vem. - Lukerya disse desfazendo o grupinho e colocando a fita para o tédio dos meninos. - Vai ser Nancy Sinatra, sim. Não se preocupem, a fita eu vou levar comigo, então vocês nunca mais vão ter que ouvir.

 

— Luka, não me lembra que você vai embora. - Irina disse com voz de choro. Nem com a música que ela mais gostava tocando ela conseguia ficar feliz. - Eu não tô preparada, nunca vou estar...

 

— Irina, a gente já chorou três vezes hoje, por favor não começa. - foi Lilia quem falou dessa vez, a lembrança de que Lukerya e Ilya iriam voltar para a Bielorrússia estragando um pouco a vitória pela música.

 

— Pode começar sim, já até peguei o acordeão. - Ilya disse sentado à mesa afinando o instrumento. - Hoje vale tudo. Vale choro, vale gargalhada, vale música ruim... Porque a gente não sabe quando vamos estar todos juntos assim de novo.


Irina fez algum barulho semelhante ao início de um choro e Lev disse mal-humorado:

 

— Porra, aí você me quebra, Korbut. - ele disse esfregando o olho com uma mão, provavelmente se livrando de uma lágrima.

— Quebra nada. - Ilya disse rindo. Por mais que estivesse com o humor mais descontraído, já estava sofrendo com a saudade daquela turma como qualquer um ali.

Podia ter o ar de uma "última" festa, mas eles sabiam que não era definitivo. Era apenas um "até logo", porque afinal, o mundo da patinação era muito pequeno e eles com certeza se reuniriam no futuro.


No final, só a CSKA conseguia tornar "These boots are made for walking" uma canção de despedida.


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Notas finais do capítulo

Um especial Feliz Ano Novo para a Nat King e a qualquer um que esteja lendo, um 2022 cheio de amor e sucesso para todos!! ヽ(o♡o)/ (o♡o)/

XOXO



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