Born To Repeat History escrita por Mileh Diamond


Capítulo 4
Moda


Notas iniciais do capítulo

Hola hola, voltamos com mais um capítulo o/
Acomodem-se, peguem suas pipoquinhas, porque é hora de julgar roupas alheias òwó
Boa leitura!!



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Não era novidade para Lilia saber que Yuri Plisetsky tinha um gosto pra moda... peculiar.

 

Até onde lhe cabia a autoridade, Yuri poderia sair por aí com um vestido de noiva e ela não faria mais do que olhar e voltar a tomar o seu chá. Mas mesmo em suas fantasias mais absurdas, Yuri não escolheria algo elegante e fino como um vestido de noiva. A menos que fosse de couro ou estampa de tigre.

 

Se fosse só o gosto duvidoso por estampas, talvez Lilia pudesse apenas ignorar e continuar com a sua vida. Mas Yuri tinha um problema em querer que todos vissem o quanto ele se vestia mal, seja escolhendo as roupas mais chamativas na rua ou postando os looks em redes sociais. Lilia achava ridículo, principalmente quando ele se vestia como uma cantora asiática (já haviam lhe dito que se chamavam "idols", mas ela sempre esquecia a palavra) tendo só 15 anos. Era muita exposição.

 

Era sexta-feira à noite e Yuri marcara de sair com Mila para ir num show de alguma banda de rock local que só eles conheciam. Lilia estava confortavelmente sentada em seu sofá lendo um livro, aproveitando a paz de estar sozinha em casa sem o ex-marido por perto. Estava brava com ele. Yakov havia acabado com a geléia e deixado a droga do pote vazio na geladeira. Idiota.



A campainha tocou e Yuri gritou lá de cima:

 

— Eu atendo!



Não demorou nem um minuto para ele descer as escadas apressado e, de onde estava, Lilia conseguia ver a tragédia fashion com dor no coração. E porque, de vez em quando, ela conseguia ser mais infantil que seus próprios alunos; ela teve que tirar uma lasquinha:

 

— Quantos tigres siberianos morreram para fazer esse casaco?

 

Yuri - em seu casaco de pele de tigre branco, camiseta escrito "Eat the rich", calça preta com rebite, coturno, óculos escuros e rabo de cavalo - só não mandou um dedo do meio porque se tratava de Lilia Baranovskaya a sua frente. Mas, como aprendera com a própria, deveria enfrentar seus inimigos com classe e elegância.

 

— O mesmo tanto de ursos polares que morreram para fazer seu casaco da Louis Vuitton. - ele falou de forma calma, observando enquanto Lilia semicerrava os olhos para a afronta.

 

— Não vou nem perguntar por que alguém precisa de óculos escuros à noite. - ela disse voltando ao seu livro.

 

— É estilo. - foi a resposta imediata, como se ele já tivesse ensaiado para aquela pergunta infeliz. Parando de andar do nada, ele fez uma careta enquanto dava meia volta. - Droga, esqueci os ingressos.

 

Lilia suspirou, vendo naquilo um sinal para que ela fosse atender as visitas no lugar de Yuri. Seu livro teria que esperar. Pelo menos, ela não estava de pijama.



A campainha já havia tocado uma segunda vez quando Lilia abriu a porta, revelando Mila Babicheva acompanhada de...

 

— Oi, tia Lilia! - a moça sorridente de cabelo loiro pintado disse prolongando o "Oi" e cumprimentando Lilia com dois beijos na bochecha.

 

— Olá, Odette. - Lilia disse disfarçando o nariz torcido enquanto limpava o gloss em sua bochecha. - Olá, Mila.

 

— Boa noite, Madame Lilia. Yuri ainda não está pronto? - Mila perguntou, surpreendentemente com mais compostura que a irmã sete anos mais velha.

 

— Ele esqueceu os ingressos, não vai demorar. - ela respondeu abrindo espaço para que elas entrassem e fechasse a porta.

 

 

Odette sentiu-se ignorada e fez bico. Nem um sorriso, nem um abraço? Nem as perguntas constrangedoras dignas de qualquer parente?!

 

— Tia, nem parece que você está feliz em me ver desse jeito!

 

Lilia arqueou uma sobrancelha. Aparentemente Odette esqueceu que Lilia guardava rancor facilmente.

 

— Eu estou muito feliz, principalmente quando não vejo minha afilhada há semanas, como se nós nem morássemos na mesma cidade. É quase como se a afilhada tivesse esquecido que tem uma madrinha que se preocupa com ela e com o pai idiota dela; e que também...

 

— Awn, titia, eu não esqueci da senhora! - Odette ignorou qualquer respeito a limites pessoais e abraçou a mais velha de lado. A carranca de Lilia, a eterna antissocial, só aumentou. - É que eu tenho estado muito ocupada e eu sei que a senhora tem uma agenda cheia, não queria atrapalhar.

 

— Estava muito ocupada caçando macho, senhora. - Mila resolveu se intrometer.

 

Odette ainda abraçada a Lilia, olhou para a irmã com uma cara que só podia ser descrita como "nojo".

 

— Quem é você pra falar? Você tava dando mole pro filho do vizinho só porque nosso wi-fi estava com defeito. 

 

— Muito bem, sem lavação de roupa suja na minha casa. - Lilia declarou enquanto se desvencilhava de tanto afeto. Mas ela ainda sorriu para a afilhada com ternura. - Está perdoada por não me visitar, moya vishnya. Apenas apareça mais vezes. Milochka é a que mais me vê todos os dias e ela nem gosta de mim.

 

— Eu não sei quem espalhou esse boato totalmente fake, mas é mentira. - Mila se defendeu. - Eu só tenho um pouco de medo, mas ainda gosto muito da senhora, madame.

 

— Deve ser de família. - Lilia comentou com humor, se referindo ao pai das duas. Só então ela realmente olhou para baixo e seu sorriso sumiu ao reparar em como Odette estava vestida.

 

Botas de cano curto pretas que a deixavam mais alta do que ela já era, blusa cropped cinza que mostrava perfeitamente o piercing no umbigo que Lilia sempre odiou; jaqueta de jeans desbotado com muitas pulseiras e Lilia até conseguiu ignorar o anel de caveira mórbido. Mas a calça...

 

— Odette... - ela ainda tentou disfarçar a careta, mas para algumas coisas seu semblante não conseguia ficar inabalável. - Qual a necessidade dessa calça?

 

A mulher olhou para baixo confusa. Era uma calça preta comum. O único diferencial era que estava rasgada em toda sua extensão.

 

— O que tem ela? - Odette perguntou.

 

— Ela está toda rasgada. - Lilia apontou o óbvio. - Um rasgo eu entendo, vocês crianças têm suas manias. Mas toda a perna? Venderam pela metade do preço algo assim?

 

— Ain, tia, é a moda! - a loira reclamou com um bico infantil, já tendo tido aquela conversa com a própria avó há alguns dias. - É assim que o pessoal tá usando. Sexy sem ser vulgar.

 

— Oh, Deus... - Lilia colocou a mão no rosto em vergonha alheia.

 

— Isso porque a senhora não viu a meia arrastão de ontem. - Mila decidiu colocar mais lenha da fogueira com um sorriso maligno.

 

— Ô Ludmila, você está com uma gargantilha sadomasoquista, você não tem moral. - Odette disse apontando o colar de couro da menina com desprezo.

 

— Cheguei, desculpa a demora. - Yuri anunciou voltando a aparecer na escada. - Não lembrava onde tinha deixado os ingressos e já ia esquecendo o carregador portátil.

 

— Sem problemas, Yuri, adorei o seu casaco. - Odette disse com um sorriso antes de mais uma vez surpreender Lilia com dois beijos na bochecha.  - A gente tem que ir agora, tia, mas eu juro que venho te ver semana que vem. Eu quero te mostrar a minha tatuagem de cisnes!

 

Lilia ficou lívida.

 

— A sua o que?

 

— Anda logo, a gente vai se atrasar. - Yuri reclamou indo em direção a porta como se não fosse ele a razão de eles estarem atrasados. - Tchau, madame.

 

— Tchau, Madame Lilia. - Mila também acenou indo embora.

 

— Até mais, tia, juro que vou cuidar bem do Yuri! - Odette prometeu em sua despedida. Lilia só conseguiu acenar ainda pensando no que vira e ouvira.

 

Uma calça completamente rasgada porque estava "na moda" e uma tatuagem de cisne. Tudo isso numa menina que Lilia literalmente trocara as fraldas.

 

Os tempos, às vezes, estavam muito modernos para ela.

 

— - - 

1967

 

Daniyal Altin estava acostumado a esperar por uma Lilia atrasada. Era a marca dela, mesmo que ela não gostasse da fama. Pelo menos, ela só fazia isso em ocasiões não tão oficiais, como uma saída para discotecas de procedência questionável sugeridas por Efimiya Koziminskaya. Como sempre, ele era o motorista oficial de Lilia, já que ela não tinha um namorado com carro. Aliás, Lilia não tinha namorado, no momento. A fase Yulian Chesternev passou de um jeito turbulento, mas pelo menos passou.

 

Ele já devia estar esperando na frente do prédio em que ela morava há uns cinco minutos, nem se importando em desligar a velha motocicleta pois sabia que Lilia não demoraria tanto dessa vez. Era uma festa e para festas ela se desdobrava. Deveria estar se arrumando desde o almoço e agora era o final da tarde.

 

O cazaque parou de brincar com um fio solto da jaqueta quando ouviu o barulho da porta se abrindo, tendo que piscar duas vezes confuso para entender o que realmente estava vendo.

 

— Daniyal. - Lilia disse com uma mão sobre a parede como quem posava para uma revista americana. - Hoje o cisne fica negro.

 

Aquilo havia sido horrível, mas não era a pior coisa que ele já ouvira de Lilia.

 

Era Lilia, disso não tinha dúvida. Mas na humilde opinião de Daniyal, ela parecia um cone de trânsito. Um cone de trânsito estiloso, pelo menos. Mas os óculos escuros do motoqueiro não a deixariam perceber o quanto ele a olhava de cima a baixo. Era constrangedor, mas ele não pode evitar. Tinha muita pele ali.



O cabelo estava solto e ele suspeitava que ela tentou fazer cachos com rolinhos, sem sucesso. Os óculos escuros eram enormes e importados. Era impressionante o talento que ela tinha para conseguir aquelas coisas tão facilmente, mas ele suspeitava que ali tinha dedo de Feltsman. A blusa de lã listrada parecia gritar "Me nota, mundo!" com os tons de laranja e verde brilhantes o suficiente para cegar um desavisado. Como sapatos, ela escolheu mocassins escuros com meias brancas até os joelhos. Ele esqueceu de mencionar o lenço vermelho no pescoço que possivelmente foi reaproveitado do uniforme da Komsomol.

 

Mas ele nunca poderia deixar de notar a saia.

 

Ele conseguia ouvir sua avó muçulmana amaldiçoando aquela roupa infame e gritando "O que pensa que está vestindo? Quer desmoralizar a família?!". Daniyal lembra de ter ouvido aquilo ainda criança, quando uma de suas primas mais velhas arriscou sair de casa sem um véu. Sua avó iria enfartar se fosse parente de Lilia.

 

Aquela saia não era só curta, era muito curta. Mais de um palmo de pele acima do joelho, uma afronta às tradições em cor vermelha brilhante. Lembrava um pouco as roupas que as patinadoras usavam nas apresentações: apenas tecido suficiente para não serem confundidas com ginastas. Ele não duvidava que Lilia tivesse encurtado aquela saia inspirando-se nas fotos de Peggy Fleming que eles viram uma vez.

 

"Hoje o cisne fica negro"? Estava mais para um dia de ser presa por indecência.

 

Não que ele a condenasse.

 

— ...Oi. - ele disse finalmente se recuperando do choque. Ele era bom em esconder expressões. - Vai enfeitiçar quem, Odile?

 

Se Daniyal pudesse ver o futuro dali a três horas, ele diria que a verdadeira resposta para aquela pergunta seria "Yakov", mas o que Lilia respondeu com um sorrisinho de vilã de filme barato foi:

 

— Sem feitiços, só vou matar umas sirigaitas de inveja. - ela disse colocando o capacete. - Esses óculos são novos. Irina Vlasovna me deu.

 

Ah, claro, ele deveria estar impressionado com os óculos. Mas é óbvio.

 

— São legais. - ele comentou dando de ombros enquanto ela subia na moto. - Essa saia não te deixa com frio?



Se pudesse ver o rosto dela naquele momento, apostava que ela tinha ficado séria.

 

— O que você quer dizer com isso, Altin?

 

— O que? É uma pergunta legítima. - ele virou o pescoço ligeiramente para encará-la. - Saias mais curtas deixam as pernas frias.

 

— Você parece preocupado demais com o bem-estar das minhas pernas. - ela virou a cara contrariada. - Nem sei por que o drama, você me vê de meia-calça e collant todo dia.

 

— Exato. Mas os outros garotos, não. - ele aqueceu o motor. - Tenho permissão para chutar qualquer cara que vier com proposta indecente pra cima de você?

 

Lilia soltou uma risadinha maléfica e disse a próxima parte beliscando a bochecha de Daniyal de leve.

 

— Acho fofo você achar que não serei eu a fazer as propostas indecentes. - ela deu dois tapinhas em suas costas e segurou firmemente a sua cintura. - Ande logo, antes que essas roupas saiam de moda.

 

— Sim, senhora. - ele disse dando a partida com a moto, provocando aquele barulho ensurdecedor do escapamento que só ele não reclamava. - Pobre Yakov.

 

— O que disse? - Lilia não ouvira direito.

 

— Nada. - ele respondeu em voz alta, arrancando com a moto e, finalmente, começando a viagem. Aquela noite prometia.

 


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Notas finais do capítulo

- No meu universo, Mila tem uma irmã mais velha chamada Odette e o pai delas foi aluno da Lilia e do Yakov. Lilia é madrinha de Odette porque cuidou dela ainda pequena para ajudar o aluno que era pai solteiro. Apesar da proximidade maior com Odette do que de Mila, Mila gosta sim de Lilia e a única razão para não chamá-la (mais) de tia é que ela se sente estranha chamando Lilia assim no rinque enquanto todo mundo fala "Madame Lilia" pra lá e pra cá. Também daria muito trabalho ficar explicando toda vez a árvore genealógica desse povo. Querem que isso fique mais confuso? Quem Mila realmente chama de "tia" é a filha adotiva da Lilia, a Anett. Essa família é uma zona :vvvv

— O casaco da Louis Vuitton existe e eu acho que é moda entre treinadoras de patinação, já vi umas cinco com a mesma roupa xD

— Daniyal Altin, esse gostoso, é tio-avô do Otabek, parceiro da Lilia no balé e motorista dela que é arrastado para os rolês de patinação.

— Microssaias viraram uma moda polêmica nos anos 60, ainda mais na URSS. Lilia nasceu para ser polêmica :V

— Peggy Fleming era uma patinadora americana da década de 60 e nesse universo, Lilia tem razões que a levam a acreditar que Yakov gosta dela/já ficou com ela em alguma competição internacional. Ela tem ciúmes, mas nunca admitiria em voz alta, então fica fazendo joguinho com o pobre u3u

— Não, eles não estão namorando ainda. Calma.



E é isso por hoje, gente!! Espero que estejam gostando dessa jornada tanto quanto eu ♥

Até a próxima!!
XOXO




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