Pontual escrita por Lina Limao


Capítulo 6
Departamento de jogos e esportes mágicos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793727/chapter/6

Seus passos não conseguiam acompanhar o ritmo de sua pressa e urgência.

Devia ser por volta de nove da manhã e ela tinha certeza de que o encontraria em sua sala. Não por que ele gostasse de chegar cedo, mas por que o fazia somente para não ter empecilhos de sair exatamente às cinco. Queria tanto chegar logo e poder ver a cara do Malfoy, mas parecia que aquele corredor era interminável. Gina ficou imaginando como seria divertido e caótico se tivesse autorização para voar de vassoura no ministério. Provavelmente que acabaria batendo contra alguns memorandos, mas isso não quebraria seu entusiasmo.

Foi um final de semana bem complicado, especialmente por ter de passar o sábado todinho n’A Toca, olhando para a cara emburrada de Harry, rezando para que ele não desse com a língua nos dentes. Por que toda a cena lamentável de sexta-feira não foi suficiente para tirá-lo de seu caminho. Claro que não, o maldito tinha de ir até a casa de seus pais e chama-la para conversar novamente. Irritante.

Assim que Draco fora embora, as coisas entre Harry e ela não foram exatamente promissoras. A briga continuou por um bom tempo e, quando o grifinório foi embora, ainda parecia desacreditado de tudo que acontecera. Por isso que, no dia seguinte, de cabeça fria, achou que era uma boa ideia chama-la no pomar para tentar, novamente, entender o que estava acontecendo entre a Weasley e o Malfoy.

E a resposta foi decepcionante o suficiente para fazê-lo ir embora.

“Nós nos entendemos”

“Não posso acreditar nisso. Você sabe quem ele é? ”

“Ele mudou, Harry. Eu mudei. Você mudou. ”

“O que isso quer dizer? ”

“Quer dizer que você e eu não existimos mais. Já não existíamos antes mesmo de você ir embora e nem voltaremos a existir. Você sabe disso. ”

“Você prefere estar com ele do que estar comigo? É isso? ”

“Não. Eu preferi estar sozinha do que estar com você. Ele só apareceu no meio do caminho. ”

“Gina...”

“Não tem nada que você possa fazer além de seguir com a sua vida e me deixar seguir a minha. Pare de me fazer dizer coisas que vão te magoar. Só me deixe ser feliz. ”

“Você não vai ser feliz com ele. ”

“Eu não era feliz com você. ”

Foi mentalmente esgotante, mas Gina estava tão orgulhosa de si mesma que mal cabia em seu peito. Finalmente sentia que Harry havia entendido que não tinha forma de retornarem. E, sobretudo, sentia que estava pronta para embarcar em uma nova história de amor. E esse pensamento delicioso lhe fazia ruborizar.

Primeiro por que não sabia exatamente o que esperar de Draco. Bem que tentou conversar com ele no domingo, mas não o encontrou no apartamento e achou melhor procura-lo no ministério mesmo, tamanha sua ansiedade em contar-lhe as boas novas. Imaginava se ele gostaria de saber sobre seus sentimentos, se seria recíproco, se finalmente assumiriam algum relacionamento... eram tantos pormenores que ela mal podia calculá-los.

Segundo por que se sentia novamente como uma adolescente. Como se estivesse presa em algum tipo de relacionamento proibido, extremamente excitante e poético. Conhecia todos aqueles sentimentos, o alvoroço, a paixão, o frio na barriga... pois claro que temia ser rejeitada, mas pelo pouco que pudera conhecer do Malfoy, não acreditava que seria esse o caso.

Fosse pelo jeito carinhoso que ele lhe observava, pela forma como brincava com seus cabelos antes de adormecer ou até mesmo pela paciência presente em seu tom de voz quando a ouvia tagarelar sobre o trabalho, sua família, e todas as coisas que poderiam rodear a rotina de Ginevra Weasley. O fato é que dava para notar que havia sentimento vindo dele também e que alguém a interditasse se estivesse errada. Há anos que não via sinais tão claros de romance.

Claro que ele não devia estar muito bem-humorado, especialmente pela forma como saiu de seu apartamento na sexta, mas certamente que o final de semana o teria feito arejar a cabeça e organizar os pensamentos. Provavelmente estaria com uma espécie de carranca, meio emburrado, mas não haveria de ser nada que não passasse quando soubesse das coisas fantásticas que Gina tinha para lhe contar.

Foi caminhando, completamente chamativa, por dentre as mesas do departamento de jogos e esportes mágicos. Os pares de olhos confusos seguiam a silhueta de Ginevra, que desbravava cada passo em direção à porta de madeira da sala do diretor. Teve a ousadia de nem bater, apenas contornou a maçaneta com os dedos e empurrou, entrando sem nem se anunciar.

Seu sorriso imponente destoou do olhar frio que Draco lhe lançou. Ele estava com as costas escoradas na cadeira e os pés sobre a mesa, aparentemente desinteressado na pilha de papéis que se amontoava ao seu lado. Seus dedos finos contornavam uma goles que ele provavelmente jogava para o alto antes que Gina entrasse. Vestia-se de maneira impecável, como sempre, pois se tinha uma qualidade que não podia se negar do Malfoy, era o asseio.

É, bem que eu imaginei que haveria a carranca”, Gina concluiu fechando a porta atrás de si. Por mais que houvesse tomado um certo gosto por causar especulações, decidiu que era melhor que ninguém naquele departamento ouvisse o conteúdo de sua conversa. Ficou parada, ainda com a mão na maçaneta, sem desviar o olho de Draco nem por um segundo. Por fim, umedeceu os lábios antes de falar.

— Nós precisamos conversar.

Não foi exatamente uma pergunta, mas a Weasley imaginou que receberia uma resposta. Os olhos cinzentos desviaram-se de Gina e voltaram-se para a goles, que voltou a ser lançada no ar. Foi como se ela simplesmente não estivesse ali. Mal pôde evitar de suspirar, deixando a mão escorregar da maçaneta e cair ao lado de seu corpo. Viu que Draco lhe lançou um olhar de canto e ficou esperando para ouvir o que ele teria a dizer.

— Eu não tenho nada para pedir do almoxarifado, Weasley.

Seus lábios se contraíram numa expressão de desagrado. Gina caminhou lentamente até a mesa dele e apoiou as palmas das mãos na madeira, tentando buscar algum contato visual mais profundo. Embora sua tentativa de aproximação não estivesse sendo exatamente muito bem-sucedida, tinha certeza de que as coisas iriam se ajeitar assim que Draco fizesse a grandessíssima gentileza de ouvi-la.

— Olhe Draco, eu sinto muito se...

— Já disse, se eu for fazer algum pedido, vou te encaminhar a ficha de solicitação.

A forma ríspida com que a cortou certamente fez com que Gina respirasse fundo. Se tinha uma palavra que pudesse descrever aquele sonserino, com certeza que seria “difícil”. Ficou calada alguns segundos, avaliando alguma coisa que pudesse falar para esclarecer as coisas, mas as ideias lhe fugiram brevemente. Dentre o silêncio que compartilharam, Draco colocou-se de pé e virou-se na direção da porta de madeira, rumando até ela com passos ágeis. O olhar da garota caiu sobre ele e o acompanhou, enquanto tentava, novamente, conversar.

— Eu fui até sua casa no domingo, mas você não estava lá.

O viu assentir sem muito interesse, como se não estivesse escutando uma palavra do que ela dizia. Seguiu na direção da porta e contornou a maçaneta, indicando que iria sair ou manda-la para fora. “Mas é um belo de um desgraçado”, Gina pensou correndo até ele, tentando alcança-lo antes que ele tivesse a oportunidade de enxotá-la.

— Passar bem.

— Não.

Assim que ele abriu a porta, Gina a empurrou com o cotovelo e fechou novamente, lhe erguendo os olhos castanhos de uma maneira desafiadora. Nem pensar que aquela conversa terminaria ali, daquela forma maluca e impessoal. Tinham mesmo que conversar e Draco estava fazendo uma baita tempestade em um copo d’água.

No mesmo instante em que a porta fez o barulho da pancada ao fechar, ele arqueou as sobrancelhas loiras de uma maneira meio debochada, mas que foi suficiente para deixar Gina um pouco irritada. Tudo bem que ele pudesse ter ficado um pouco chateado sobre os acontecimentos de sexta-feira, mas Merlin, não era como se fosse culpa dela. Fora pega de surpresa, assim como ele. Será que era assim tão difícil de entender isso?

— Você não está me deixando falar.

Ao que Draco respondeu com um virar de costas, ignorando-a. Foi caminhando até sua mesa e sentou-se novamente na cadeira da mesma forma desleixada que estava quando a ruiva chegou. Apanhou a goles e, antes de lança-la no ar novamente, fincou os olhos cinzentos em Gina e sorriu de uma maneira meio mordaz, como se estivesse realmente tentando acabar com ela.

— Claro. Eu não quero saber o que você tem para me dizer.

E isso a fez ficar bem irritada. Ergueu uma das mãos até o lado do rosto e fez um gesto que indicava que ele estava começando a lhe dar dor de cabeça. Por mais que compreendesse o mal humor de Draco devido ao incidente com Harry, não gostava nem um pouco da ideia de ficar implorando para ser ouvida. Sentiu suas bochechas esquentarem e presumiu que estava começando a ficar vermelha.

— Dá para parar de agir feito criança?

A goles continuava sendo lançada enquanto Gina tentava inutilmente dar um rumo digno àquela conversa. O loiro parecia realmente decidido a tornar as coisas difíceis (praticamente impossíveis) e sequer deixava o olhar fixo nela por mais de cinco segundos. Mantinha-se falsamente distraído com aquela porcaria de bola, com a maturidade de uma criancinha birrenta.

— Não fui eu que saí do meu departamento e fui até seu local de trabalho te atormentar.

Foi automático para Gina espalmar a mesa. Aquele comportamento idiota já havia atingido seu limite e não permitiria mais que Draco a tratasse daquela forma sem nem ter um motivo concreto para isso! Toda aquela grosseria fundamentada apenas por achismos.

— Draco, me escuta!

Como se fosse uma resposta, ele também espalmou a mesa. Os olhos cinzentos tempestuosos pareciam tão diferentes dos que estava acostumada a ver. Era a primeira vez que os percebia tão irritados e a ideia de que todo aquele destempero era por uma bobagem a fazia ficar igualmente irada.

— Não, Weasley, eu não quero saber de você ou de qualquer detalhe sobre sua relaçãozinha de merda com o Cicatriz.

Se havia uma palavra que pudesse descrever o que Gina estava sentindo naquele momento, seria frustração. Ela suspirou, começando a se cansar daquela dificuldade que ele tinha em escutá-la. Foi rodeando a mesa e tentando se aproximar de Draco enquanto gesticulava de maneira frenética, como se assim a ideia fosse penetrar mais facilmente naquele cérebro idiota.

— Você entendeu tudo errado. Eu não vou voltar com o Harry! Poxa, Draco, o que você pensa que eu sou?

Tentou alcança-lo com a mão, mas ele se desvencilhou. Continuou parado, bem à frente dela e cruzou os braços contra o peito, demonstrando mais do que nunca seu descontentamento. Era como tentar convencer uma mula a andar. Mesmo assim, diante de toda essa inflexibilidade, a ruiva decidiu tentar. Gina estava prestes a recomeçar a falar, mas o loiro foi mais rápido.

— E por que isso? Ele não te quis mais?

Um tapa. Um tapa muito bem dado. Foi isso que Gina sentiu quando ouviu aquelas palavras. Chegou a recuar um passo, apoiando uma das mãos sobre o colo, mostrando-se em uma postura defensiva. Os olhos arregalados, assustados pela rispidez de Draco que ela até havia esquecido que existia.

— É isso o que você pensa de mim?

— É exatamente o que eu penso.

A pronta resposta a fez arfar. Teve a impressão de ver uma pontinha de arrependimento no olhar de Draco, mas ele apenas permaneceu em silêncio, observando-a. Piscou algumas vezes, meio atônita, sem saber ao certo o que fazer. Umedeceu os lábios e ficou encarando um ponto aleatório do chão enquanto raciocinava.

Não valia a pena. Era decepcionante, mas não valia a pena se esforçar por alguém que lhe falava esse tipo de coisa. Gina acabara de sair de um relacionamento onde conseguira ser perfeitamente infeliz nos mais singulares detalhes e não estava com ânimo em embarcar em mais uma relação fadada ao fracasso. Era bom que Draco se mostrasse assim logo de cara, por que seria decepcionante demais descobrir seus desvios de caráter à longo prazo. Mas era, de fato, uma pena.

Em todos os breves e fugazes relacionamentos que manteve na vida, não se recordava de algo tão arrebatador e intenso, mas ao mesmo tempo calmo e suave. Parecia que havia se preparado a vida toda para viver aquela aventura ao lado do Malfoy. Pela forma como se entendiam facilmente, seus carinhos inusitados ou a forma como se encaixava perfeitamente no abraço dele. Até mesmo seus pontos de divergência ou atrito soavam tão... pífios diante de toda a magnitude do alvoroço que era quando estavam juntos.

Mas não podia se permitir lutar por alguém que lhe tratava daquela forma. Quando se separou de Harry, Gina prometeu a si mesma que jamais iria novamente se diminuir para caber no mundo de ninguém. E se era isso que precisava fazer para ficar com Draco, bem... preferia ficar sozinha.

— Bom saber.

Disse ainda meio entorpecida. Não precisou olhar para Draco para saber que ele mantinha a atenção presa a ela. Porém isso já não lhe soava mais muito promissor, pelo contrário. Não lhe era mais interessante que ele ouvisse o que tinha a dizer. Não lhe era mais interessante ficar ali. Por isso virou as costas e chegou até a dar um passo em direção à porta.

Foi nessa hora que seu sangue Weasley gritou.

Gina ia embora. Isso era fato. Mas diria antes algumas coisas que aquele bastardo merecia ouvir. Muniu-se de raiva e virou-se de frente para ele com o rosto vermelho, provavelmente parecendo um tomate. Seus olhos castanhos pareciam tão irritados que temeu começar a soltar faíscas. Respirou fundo e começou a falar, sendo o mais sincera que já fora em toda sua vida.

— Sabe o que é pior? Eu quis você! Mesmo sem termos exatamente alguma coisa, eu preferi ter o que tínhamos do que qualquer outra coisa que qualquer um pudesse me oferecer.

A essa altura, seu indicador mantinha-se erguido, apontando de forma acusadora para o Malfoy, quase pontuando no ar cada palavra que proferia. Já que aquele ali seria seu ponto final com o loiro, seria muito bem colocado. E fez questão de que ficasse claro, até mesmo transparente, que a culpa de todo aquele desenrolar era somente dele. Se não fosse arrogante, estúpido e completamente infantil, não estariam daquela forma.

— Eu pensei que você estava diferente, mas, aparentemente, eu fui só uma idiota.

E largou os braços, como se dissesse que não havia nada a ser feito. Virou-se de costas, satisfeita com as coisas que dissera, mas antes que atingisse a soleira da porta, a voz de Draco a alcançou. Ele saia de trás da mesa e começava a, lentamente, se aproximar da ruiva com uma entonação tão irritada e frustrada quanto a dela.

— Você devia me agradecer por deixar o caminho livre para você poder voltar para o perfeito Potter.

“Mas que maldição! ” Os pensamentos de Gina praticamente gritavam. Se aproximou do Malfoy numa velocidade incrível, parando logo à frente dele e afundando o indicador em sua camisa, na altura do peito, demonstrando sua irritação com mais veemência. A feição de desagrado de Draco veio como uma resposta automática ao gesto.

— Você não entende, não é? Eu não preciso estar com alguém! Eu quis! Eu quis estar com você!

O semblante de Draco mudou, de alguma forma. Não parecia mais tão irritado, mas ainda assim não tinha traços de alguém que quer fazer um acordo. Apenas a observava seriamente, sentindo seus cutucões no peito sem pronunciar uma palavra sequer. Gina, por fim, afastou-se um pouco e continuou falando, deixando as coisas ainda mais claras para o Malfoy.

— Eu quis por que era divertido, eu quis por que pensei que você havia amadurecido, mas não! Continua achando que tudo no mundo é oito ou oitenta, Potter ou Malfoy, por que na sua cabeça não existe a possibilidade de eu preferir ficar sozinha a ter alguém como ele ou como você!

Gina respirava de forma ofegante, sentindo que havia tirado tudo de dentro de si. Olhava para o Malfoy ainda frustrada, mas um pouco menos irritada. O silêncio dele ajudava a lhe acalmar os nervos. Mesmo assim, decidiu que o que tinha de melhor a fazer era sair dali. Caminhou até a porta e abriu. Novamente a voz de Draco interveio, impedindo-a de sair.

— O que quer dizer com “alguém como eu”? Um assassino? Um comensal?

Ainda com a mão na maçaneta, Gina apenas virou o rosto na direção dele e o observou por um momento. O semblante incerto, confuso, como de alguém que não sabe o que pensar. Ela apenas sacudiu a cabeça negativamente e disse, por fim, antes de sair de uma vez por todas:

— Não. Uma decepção.

#

Se arrependimento matasse, Draco tinha certeza de que já estaria morto e enterrado.

Já era noite. Perdera completamente a noção do tempo, mas não devia ser mais que nove horas. Ao menos, era o que ele achava. Ficou tanto tempo caminhando, refletindo e remoendo a discussão que tivera mais cedo com Ginevra que mal percebeu quando a luz da lua, mesmo que encoberta por uma série de nuvens tempestuosas, tomou o lugar do sol.

O olhar que ela o lançou ao sair de sua sala ficava se repetindo e se repetindo de novo e de novo em sua cabeça. O tom de desapontamento na voz, os olhos castanhos machucados, pareciam tanto os dele que as vezes se confundia em suas próprias memórias. Havia poucas coisas que lhe trouxessem tanto arrependimento quando aquela cena.

Sentia-se ridículo, um perfeito idiota. Tivera a chance de se resolver com Ginevra e a deixara escapar bem por dentre seus dedos por tirar conclusões precipitadas. Ainda a tratara daquela forma deplorável, desprezível, como se ela não significasse nada sendo que, no momento, era a chama de vida e luz mais promissora que já tivera a oportunidade de vislumbrar.

Com Ginevra, seus dias eram laranjas, quentes, cheios, embalados por uma série de músicas (fossem elas trouxas ou bruxas), bagunças e aqueles beijos quentes, molhados e instigantes que sempre lhe faziam querê-la mais e mais. Como se fosse uma espécie de substância química com alta probabilidade de causar dependência. Pois era assim que se sentia, como um viciado.

Após passar tanto tempo em uma coleção de anos e meses cinzentos, frios e solitários era diferente ter uma companhia que não o fazia querer praticar suicídio ou homicídio. Era bom, parecia tão correto e tão natural que imaginava que a vida toda estivera se preparando para a chegada dela. Com seus cabelos vermelhos chamativos e aqueles olhos chocolates tão sinceros, transparentes e carinhosos. Lhe doía imaginar voltar ao ponto de partida, passando suas noites entre os pubs de Londres sem tê-la ao lado para brincar de tentar discernir bruxos de trouxas ou sem poder aninhar-se naquele sofá, assistindo falsamente à contragosto alguma coisa que Ginevra queria muito lhe mostrar.

E era por isso, por saber que precisava tanto daquela presença calorosa de Ginevra que se comportara como um perfeito idiota diante da possibilidade de perde-la. Justamente com ela, que só merecia o melhor de si. Sabia que precisaria melhorar muito se quisesse contar com a presença da Weasley em sua vida por um maior período de tempo e, de verdade, estava disposto a tentar.

Mesmo que suas experiências passadas pudessem justificar a forma estúpida com que agira, Ginevra nada tinha a ver com isso. Ela não era como a maioria das pessoas que conheceu. Era o tipo de pessoa que não se encontra por aí, dando sopa, pois quem tivesse a sorte de cruzar seu caminho, certamente que não a deixaria escapar assim, tão facilmente, por algo tão insignificante.

Quando decidiu rumar até o apartamento dela para conversar, imaginou que ela pudesse amaldiçoa-lo se simplesmente aparatasse lá, no meio da sala, com uma caixa de chocolates. Não, certamente que não seria fácil convencê-la a dar mais uma chance para o que quer que seja que costumavam ter. Achou que seria melhor tomar uma medida diferente.

Ginevra tinha esse hábito esquisito de fazer algumas coisas manualmente, sem utilizar magia. Draco nunca entendeu muito bem o motivo disso, se era por ela gostar de saber que poderia se virar num mundo onde não houvessem recursos bruxos ou se era só por brincar de imaginar como viviam os trouxas. Mas decidiu que a maior prova de sentimento que poderia dar a ela era agir do modo difícil.

Por isso, assim que parou na frente do tão conhecido prédio, não simplesmente lançou um alohomora na porta. Respirou fundo, munindo-se de força de vontade, e apertou o número do apartamento dela no aparelho de interfone.

Na mesma hora um raio cortou pelo céu, seguido de um estrondoso trovão.

“Merlin me ajude”

 

#

Quase caiu da cadeira quando ouviu o interfone tocar.

Gina estava organizando seu armário de cozinha quando ouviu o barulho estridente e urgente começar a gritar. Era um hábito comum da Weasley começar a organizar alguma coisa quando se sentia deprimida e, desta vez, decidira deixar todo seu contingente de panelas em ordem. Porém, não esperava que contaria com alguma visita àquela hora e, por isso, já estava até de pijama.

A primeira pessoa que lhe veio à mente foi Draco, obviamente. Ainda mais após a briga que tiveram pela manhã, gostaria que ele houvesse recobrado a razão e fosse mesmo lhe pedir desculpas. Mas descartou a ideia, primeiro por conhecer seu temperamento orgulhoso, acreditando que as coisas entre eles estavam, de fato, encerradas, e também por que não parecia nem um pouco com o Malfoy tocar o interfone. Quer dizer, nem mesmo sabia se ele conseguia utilizar aquele aparelho.

Por isso hesitou um pouco. Não imaginou que sua família lhe procuraria à noite e logo preocupou-se por poder ser Hermione ou Luna, que eram as únicas pessoas que teriam a decência de tocar o interfone e não simplesmente aparatariam no meio de sua sala. Para irem até lá à noite é por que obviamente alguma coisa havia acontecido.

Assim que tirou o interfone do gancho, não teve tempo de sequer falar “alô”.

— Gina? Ei, Gina? Abre aqui!

Apertou os olhos, tentando ouvir melhor, enquanto coçava a cabeça. O interfone alterava um pouco a voz da pessoa, mas tinha certeza que era um homem que estava lá embaixo. Também não havia errado de apartamento, era com ela que ele queria falar. Mas não conseguiu reconhecer, não parecia com Harry e nem com algum dos seus irmãos. Forçou a mente para lembrar de quem mais lhe chamava de Gina.

— Quem é?

Foi apertando mais o interfone contra o ouvido, tentando ouvir melhor para ver se descobria quem era. A preocupação de ser uma notícia ruim foi se esvaindo e cedendo lugar à curiosidade e ao receio.

— Como assim “quem é”? Sou eu! Draco Malfoy!

Instantaneamente o semblante de Gina mudou. Ela bateu com o interfone no gancho, sem o intuito de ouvir sequer mais uma palavra, bufando logo em seguida e voltando sua atenção para o armário de panelas.

#

— Ginevra!

Draco gritou sem muito sucesso, percebendo que ela já havia desligado o interfone. Péssima hora para começar a chama-la pelo apelido, péssima hora. Suspirou, passando a mão pelo rosto e encarando a porta do prédio, meio sem saber o que fazer. Sabia que o apartamento da Weasley não ficava em um andar muito elevado, então achou que valia a pena tentar chama-la da rua mesmo. “Como um homem das cavernas”, ele pensou antes de recuar alguns passos e fincar os olhos na janela dela. Já dava para sentir as primeiras gotas de chuva começarem a cair, lhe molhando a ponta do nariz, a testa, os ombros...

— Abre a porta, Ginevra!

Alguns transeuntes observaram o loiro, que não deu muita importância. Continuava atento à janela, esperando que alguma luz de elucidação pairasse sobre a cabeça de Ginevra e ela decidisse ouvi-lo. Então decidiu começar a bater palmas, chamando ainda mais a atenção, sendo acelerado pelo ritmo da chuva, que aumentava.

— Ginevra!

Imaginou que não seria uma boa ideia tentar utilizar o interfone novamente, por isso permaneceu parado, olhando para o alto com um semblante meio desestimulado. Agora, definitivamente, a chuva caia com todo seu potencial. Sua visão foi embaçando pelas gotas d’água e ele precisou esfregar o rosto, sem notar que todo mundo que passava pela rua havia corrido para alguma cobertura e ele estava ali, sendo observado por uma porção de pares de olhos curiosos.

— Você acha que eu vou ficar aqui, a noite toda, na chuva?!

“Mas que demônia!” Pensou enquanto limpava os olhos novamente, olhando para a janela. Conhecendo a Weasley, era bem capaz que ela o deixasse lá, realmente, criando raízes enquanto se deleitava com seu sofrimento. Decidiu que o melhor que tinha a fazer era continuar gritando, tentando, assim, tirá-la do eixo. Que Ginevra lhe atendesse nem que fosse pela raiva.

— Ginevra, eu sou altamente suscetível às doenças respiratórias!

Respirou fundo e tentou pensar em alguma coisa mais eficiente. Foi então que viu algumas pedrinhas no chão e julgou ser uma boa ideia lança-las no vidro da janela. Aquilo sim, certamente iria deixar a Weasley irada. O pensamento chegou a diverti-lo um pouco, então começou a mirar.

— Mas que droga, Ginevra! Apareça!

E arremessou.

PLOC

PLOC

PLOC

Aquilo foi como magia.

Logo em seguida o rosto vermelho de Ginevra apareceu, lhe mirando com um olhar de poucos amigos. Ela parecia realmente irada, o que fez Draco pensar que havia sido bem-sucedido em seu plano de chamar a atenção.

— Você está ficando maluco?! Pare de fazer escândalo na minha porta!

Só de vê-la ali, toda nervosa, com aquela blusa de pijama que ele já conhecia, não deu para evitar um sorriso. Os cabelos vermelhos esvoaçaram com o vento gelado que trazia a chuva e Draco sentiu-se feliz de verdade em poder falar com ela novamente. A parte mais difícil, que era fazê-la aparecer, já havia conseguido. Se Ginevra estava ali, é por que tinha alguma consideração por ele.

— Sua demônia!

Os olhos castanhos se apertaram na sequência e ela fez menção de se virar para entrar. Draco arqueou as sobrancelhas e começou a abanar as mãos, tentando chamar sua atenção.

— Não, não, não, volta aqui!

Parecendo meio contrariada, Ginevra virou-se de frente para ele novamente, como se esperando que ele lhe dissesse logo o que quer que fosse. Draco suspirou e largou os braços ao lado do corpo, sem desgrudar os olhos dela por um segundo sequer, tirando o cabelo da frente dos olhos quase a todo instante.

— Me deixa entrar, maldição! Nós precisamos conversar!

Então Ginevra colocou as mãos na cintura, olhando para ele de uma forma que parecia até mesmo satisfeita, como se estivesse prestes a se vingar de alguma coisa. Mas Draco não se importou muito, desde que ela não lhe virasse as costas sabia que ainda tinha alguma chance.

— Ah, nós precisamos? Achei que já havíamos conversado o suficiente!

Os dedos de Draco correram pelos cabelos molhados, tentando afastá-los dos olhos. Ele sacudiu os braços e suspirou, achando que era uma boa hora para começar a barganhar com Ginevra.

— Seja razoável!

Não pareceu muito inteligente ter dito isso, pois o semblante da ruiva ficou um pouco mais irritado. Na verdade, Draco imaginava que não fazia muita diferença do que fosse falar, até por que achava bem justo que a Weasley estivesse zangada pela forma como a tratara de manhã. Se ao menos fosse um pouco menos idiota, teria aceitado se acertar com ela no ministério, mas não. Tinha que ser aquele babaca de sempre.

— Razoável? Você não foi razoável quando eu te pedi!

— Eu sei, mas isso é por que eu sou um idiota!

A pronta resposta pareceu desarmá-la um pouquinho. Draco percebeu então que estava no caminho certo. Se usasse as palavras certas, talvez saísse da chuva antes do que esperava. Ela apertou os lábios, observando-o sem uma expressão clara no rosto e o Malfoy achou melhor continuar falando, pois sentia que estava chegando a algum lugar.

— Você pode me botar para fora depois, se fizer questão!

Silêncio. Ginevra parecia calcular as possibilidades enquanto seus olhos mantinham-se vidrados em Draco. Ele respirou fundo, sabendo exatamente o que falar para fazê-la ceder. Era uma das expressões que mais evitava usar e, honestamente, mal se lembrava da última vez que a pronunciara em voz alta. Engoliu seco, contraindo até mesmo o fígado antes de conseguir dizer.

— Por favor?

Aquilo surtiu mesmo um certo efeito em Ginevra, pois deu para vê-la apertar o parapeito com os dedos. Respirou fundo antes de assentir brevemente e entrar no apartamento, o que fez com que Draco finalmente conseguisse respirar.

Foi difícil, mas havia conseguido convencê-la a lhe dar uma chance de falar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

N/A: Penúltimo capítulo postado com sucesso!
Não foi muito demorado para escrever esse capítulo, mas tive que ficar numa vibe bem específica. Não sei se já contei isso, mas eu escrevo primeiro os diálogos e depois vou descrevendo a cena com mais paciência, para a ideia não me fugir da cabeça (codinome esquecida hahahaha) e, bem, me deu um trabalhão descrever esse, por que, mais do que os anteriores, a movimentação deles e as falas estavam profundamente ligadas e fazer a cena fluir quando isso acontece é difícil para mim. De modo que fiquei feliz com o resultado, mas acho que se eu ler esse capítulo daqui uns 6 meses já vou ficar desgostosa da vida.
Fiz o Draco entender mesmo que tinha sido um perfeito idiota e pedir perdão pra Gina com direito até a chuva no meio da cara por que ele não podia trata-la daquele jeito que ele fez no ministério. Ela tá super bem resolvida, acabou de sair de um relacionamento onde era infeliz e, por mais lindo que ele possa ser, não vale a sanidade mental dela não. Ele que tome prumo e fique ligado.
Achei bacana não deixar o final já estabelecido neste capítulo por que quero vocês aqui semana que vem. Lembrando que eu nunca disse que era uma boa pessoa hahahahaha.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pontual" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.