Pontual escrita por Lina Limao


Capítulo 5
Dez de agosto




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Se Draco fosse colocar em cores, diria que seus dias agora eram laranjas. Meio cor de fogo, meio remetendo ao verão, e sabia que isso era tudo culpa dela.

Já havia mais de um mês que Ginevra e ele se encontravam e saiam juntos após o expediente ou aos finais de semana. As coisas estavam indo bem, por mais que tivessem algumas discussões a respeito de trivialidades. Não é como se vivessem gritando ou se ofendendo, mas divergiam bastante em algumas questões. Nada que já não fosse esperado, visto a maneira diferente com que foram criados e tendiam a ver o mundo.

Por vezes Draco pegava-se pensando que seria difícil, à longo prazo, pois algumas concessões teriam de ser feitas entre eles. Não que isso fosse um problema, mas surpreendia-se por notar que imaginava um futuro ao lado da Weasley. Não sabia que nome dar àquela mudança que ocorria dentro de si, uma necessidade urgente de estar próximo de Ginevra, vê-la, ouvi-la rindo ou senti-la em seus braços, toda quentinha e dengosa. Por vezes precisava se censurar e monitorar para não acabar indo em plena segunda-feira para o pequeno apartamento dela.

Uma curiosidade engraçada é que Draco havia constatado que dormia melhor quando estava ao lado dela. Talvez fosse por sentir sua presença ali, o tempo todo, ou quem sabe o colchão dela fosse ortopédico... mas achava mesmo é que Ginevra estava certa quando dizia que seu apartamento era muito frio. Nos primeiros dias sentiu bastante a diferença de temperatura e chegou a achar a casa da Weasley muito quente. Agora, a palavra que vinha em sua mente era aconchegante.

Ao mesmo tempo que se sentia confortável, aquilo lhe assustava. Quer dizer, sentia-se cada vez mais apegado a ela... mas era complicado não se apegar, especialmente agora que a conhecia melhor e que se acostumava a ficar com ela naquele apartamento pequeno ou em algum pub de Londres, conversando e rindo até altas horas da noite.

Toda vez que começava a pensar nisso tentava ignorar, por que sabia que ia acabar ficando maluco. E se tinha um dia em que não podia simplesmente ficar maluco, era aquele dia.

Era véspera do aniversário de Ginevra. Ela contou que completaria vinte e seis anos e que haveria até uma festinha n’A Toca no dia seguinte para comemorar. Muito embora, desde janeiro, já se considerasse um ano mais velha. De qualquer forma, sabia que só teria a companhia dela durante a sexta, por isso teve a ideia de leva-la para sair.

Estava esperando por ela na rua, ao lado da saída do ministério que a Weasley costumava utilizar. O tempo agradável do verão refletia no céu, que estava límpido e rosado, denunciando o final da tarde e a chegada da noite. Draco chegou a arregaçar as mangas enquanto aguardava, torcendo para que ela chegasse logo ou, ao menos, antes que algum colega seu de departamento surgisse e resolvesse botar o papo em dia.

Foi quando a viu surgir, com aquele ar cansado e sorridente de sempre. Passava os dedos pelos cabelos ruivos, como se tentasse ajeitá-los, pois sempre trabalhava com eles presos num rabo-de-cavalo. Se aproximou dele furtivamente, como alguém que comete um pequeno delito, beijando-lhe os lábios tão rapidamente que não durou mais que um piscar de olhos.

— Ei.

Draco apenas teve tempo de dar um sorriso torto antes que os pés apressados da ruiva começassem a caminhar, trilhando o conhecido caminho até sua casa. Não tardou em acompanha-la, notando que parecia mais empolgada que o de costume. Ginevra definitivamente era mesmo do tipo que adora fazer aniversário.

— Onde nós vamos?

Quis rir quando ela virou os olhos castanhos cheios de expectativa em sua direção. Parecia um pouco mais menina, menos preocupada que o usual. Tinha certeza que, assim como ele, Ginevra também já havia se acostumado com sua presença. Por isso o tratava com fraternidade, ansiando por compartilhar suas empreitadas cotidianas, como por exemplo as mudanças no almoxarifado que realizava.

— Onde você quiser.

E era bem verdade. Por mais que Draco não gostasse muito de ficar saindo, estava disposto a torrar alguns galeões aquela noite. Qualquer coisa cara que os fizesse rir e ficar comentando depois, como faziam quando ficavam observando os trouxas nos pubs de Londres. Em resposta, a Weasley deu um pulinho e bateu palmas, muito mais empolgada que o esperado.

— Adoro fazer aniversário!

Algumas vezes era realmente muito fácil saber o que estava se passando naquela cabeça vermelha. Um riso curto escapou dos lábios de Draco, que fez um gesto de negação enquanto a ruiva seguia caminhando ao seu lado com animosidade. Logo a mão dela alcançou seu antebraço, num gesto típico de chamar-lhe a atenção.

— Podemos só passar na minha casa para eu trocar de roupa?

Ao que o Malfoy apenas respondeu com um suave assentir.

— Vamos para minha casa depois?

A pausa dramática e o olhar desconfiado da Weasley lhe remeteram à época de colégio, quando ela geralmente o observava daquela forma. Vez ou outra ainda via aquele ar meio incerto nos olhos de Ginevra, como se estivesse decidindo se ele era uma pessoa normal ou uma espécie de lobo mau. Na maioria das vezes o retorno era bem incentivador, pois a resposta que recebia parecia surpreendê-la de forma positiva.

— Para sua casa?

— Eu talvez tenha alguma coisa lá para você.

Foi a primeira vez que viu os olhos castanhos de Ginevra crescerem daquela forma exorbitante. Ela começou a mover as mãos em uma tentativa de expressão maquiavélica, o que o fez coçar a cabeça e se arrepender quase que imediatamente de ter lhe contado.

— Hm, você disse as palavras mágicas.

Por fim, decidiu que era melhor mudar logo de assunto antes que Ginevra tivesse a ideia de lhe tirar o juízo ao tentar adivinhar o presente. Estava mesmo querendo saber o que devia esperar daquela festa n’A Toca, se duraria o fim de semana inteiro ou como ia funcionar e achou que seria um bom momento para começar a perguntar. Por mais que em seu íntimo já soubesse que ia sentir falta de ficar com ela, não se sentia confortável com a ideia a ponto de demonstrar. Tentou seguir da forma mais casual e impessoal possível.

— Você vai dormir em casa amanhã?

— Ah, vou sim. Não vou ficar n’A Toca até muito tarde.

Isso já era melhor que o esperado. Passou então sorrateiramente o braço sobre os ombros da Weasley, que lhe deu um sorriso ingênuo. Seguiram caminhando na calçada, com a luz da tarde reluzindo sobre seus rostos e fazendo os cabelos vermelhos dela ficarem ainda mais vivos. O loiro foi baixando devagarzinho a boca para perto da orelha da garota.

— Talvez você pudesse ir para minha casa quando chegar.

— Já não vamos dormir lá hoje?

Se tinha uma coisa que havia aprendido sobre Ginevra, é que tinha uma absurda incapacidade em fingir. E, por ter conhecimento de seus próprios defeitos, as vezes ela nem sequer tentava disfarçar. A casa de Draco era um ótimo exemplo, pois realmente não gostava do lugar e nem se dignava a se esforçar para esconder, deixando bem explícito para o Malfoy que, se pudesse evitar de ir lá, com certeza evitaria. O motivo, porém, continuava um mistério para ele.

— Por que você não gosta de ir lá?

Deu para ver que Ginevra estava pensando no que falar, especialmente pela forma com que maneou a cabeça, meio incerta, lhe encarando com as sobrancelhas curvadas e os olhos apertados. Por mais que ela não tivesse muito êxito em esconder o que sentia, parecia tomar cuidado para não lhe magoar de alguma forma.

— Sei lá. É frio, tem coisas caras que eu tenho que tomar cuidado para não quebrar e não tem nem uma televisão para gente assistir...

— Sério? Por causa duma televisão?

Assim que Draco a interrompeu, Ginevra apertou os lábios e o fitou de rabo de olho, se fazendo de contrariada. As mãos automaticamente foram para os quadris, naquela posição de “vou te dar uma bronca” que a deixava tão engraçada. Cutucou-o nas costelas com o cotovelo, fazendo-o se curvar um pouco, numa falsa expressão de dor, só para fazê-la rir.

— Você bem que gosta de ver filme comigo lá em casa.

— Depende! Depende do assunto!

Aquela risada gostosa da Weasley saiu, inundando seus ouvidos enquanto as mãos reviravam pela bolsa de couro, procurando a chave do prédio.

— Você gosta! Qual o problema em admitir?

Foi destrancando a porta e entrando logo em seguida. Assim que passou pelo batente, deu espaço para Draco entrar. Ele ergueu as sobrancelhas loiras num gesto que se assemelhava à descaso, sacudindo a cabeça negativamente.

— É que seria uma mentira. Eu não gosto, só achei interessante aquele do espaço.

Ela o empurrou suavemente pelo peito, tirando-o da frente enquanto ria e saltava pelos degraus da escada, rumando para o apartamento. O Malfoy a seguiu, ainda com o semblante de descaso que mantivera anteriormente.

— O nome do filme é “Interestelar”.

— Que seja.

Foi por pouco que não trombou com Ginevra ao chegar no último degrau. Ela estava parada, quase congelada, olhando para a porta do apartamento, que se mantinha entreaberta, como se alguém houvesse entrado ali. Os olhos cinzentos do Malfoy se arregalaram e se preocupou por um instante com o que poderia estar esperando por ela atrás da porta.

— Draco...

A ouviu sussurrar enquanto sentia a mão dela enroscando-se em seu antebraço. Engoliu seco e foi colocando-se à frente da Weasley, puxando a varinha e apontando para a porta. Ele assentiu automaticamente, imaginando que a ruiva diria para que tomasse cuidado. Foi caminhando o mais silenciosamente possível até a entrada.

— Fica atrás de mim.

Sussurrou antes de empurrar a porta com o pé. Não fazia a menor ideia do que poderia estar ali e estava pronto para estuporar quem quer que fosse. Esperava do fundo da alma que não fosse algum bandido trouxa, pois sabia que isso o causaria a quebra de algumas regras do ministério. E não seria muito fácil de concertar as coisas, especialmente com Arthur Weasley descobrindo que era um Malfoy que estava com a única mulher Weasley no abençoado evento.

A porta se escancarou e rangeu ao chegar ao limite. As luzes do apartamento estavam apagadas e não dava para ter a menor ideia do que poderia haver ali. Também havia a hipótese de alguém ter entrado, roubado alguma coisa e já ter ido embora, o que seria bem mais complicado de resolver, caso o item roubado fosse essencialmente bruxo.

Sentiu a cabeça de Ginevra atrás de si, como se tentasse ver por cima de seu ombro. Mas a diferença de altura entre eles a impedia de ter muitos vislumbres do que estava acontecendo, por isso foi se esgueirando para o lado do antebraço de Draco, com sua varinha em punho. Ele, por sua vez, repassava o nome de todos os feitiços mortais e maldições que conhecia.

Porém, antes que pudessem fazer qualquer movimento, uma voz gritou:

— Surpresa!

As luzes se acenderam de súbito, revelando uma mesa bem arrumada com um bolo e vários aperitivos ao redor. Harry Potter se levantou abruptamente e com um sorriso que morreu assim que viu o casal à sua frente. Os olhos de Draco dançaram por todo aquele cenário de forma muito rápida e ele gritou, ainda com a varinha em punho, recuando um passo.

— Mas que merda! Potter?!

— Malfoy?!

Aquilo complicava um pouco as coisas. Quer dizer, Draco não sabia se preferia isso ou um ladrão. A organização festiva lhe dava repulsa. Tudo tinha as cores gritantes da grifinória, tudo parecia uma alegoria de eventos infantis. Não fazia ideia de que aquele tipo de cena poderia ocorrer, por isso hesitou. Ficou encarando os olhos verdes do bruxo sem conseguir decidir se o estuporava ou se aparatava. Teria achado muito engraçada aquela cara de espanto do Cicatriz em outra ocasião.

— Harry, o que diabos está fazendo aqui?

Ginevra foi tomando as rédeas da situação. Passou o braço por Draco e colocou-se à frente dele, induzindo a ele e ao Potter que baixassem as varinhas. O moreno pareceu até mesmo ofendido pela pergunta, apertando os olhos e franzindo as sobrancelhas da mesma forma que fazia quando estava prestes a discutir com alguém.

— Eu vim lhe fazer uma surpresa, por causa do seu aniversário!

Num gesto involuntário, os lábios do loiro se apertaram e a bochecha se contraiu, fazendo-o assumir um semblante de descrença. Como se pudesse ver alguma maldade naquela atitude simples de surpresa. Afinal de contas, Ginevra não estava com ele já havia meses e, ao que tudo indicava, o Potter andava com algum problema de interpretação. O que fez Draco decidir que deixaria bem claro o que estava acontecendo ali.

— Bom, você certamente conseguiu.

— Draco!

Por mais que a voz da ruiva o tenha feito parar, Draco não tirou do rosto o olhar de irritação. Era incrível como aquele maldito Cicatriz sempre atrasava seus planos, se colocava no meio do caminho e atrapalhava tudo. Desde a época de escola que tinha de observar as presepadas do Potter e agora, justamente agora, lá estava ele. Novamente, aparecendo na casa da Weasley como se tivesse qualquer direito de voltar ali.

— Gina, o que você está fazendo com o Malfoy?

De maneira ágil, os braços de Ginevra se cruzaram contra o peito. Ela mantinha a atenção presa ao Potter, mas não parecia muito contente com a famigerada surpresa. Isso fez os ombros do Malfoy relaxarem um pouco, embora sua mão ainda segurasse a varinha.

— Isso é assunto meu, não?

Mas o grifinório não deu o menor ouvido.

— Eu não acredito que você está saindo com ele!

Isso deixou Draco irritado. Ele simplesmente ignorou o que Ginevra disse e continuou falando, como se a explicação dela não significasse nada. Porém, de fato, significava. Era a voz de alguém que não quer mais dar explicações, era uma dica e meia para que ele se tocasse de que aquela menina já era emancipada e autossuficiente para sair com quem bem entendesse. E não deu para negligenciar isso. Precisou falar alguma coisa.

— E com quem ela devia sair? Com você? Por favor, Potter.

O rosto da Weasley apenas se virou na direção de Draco, possibilitando que ele visse seu semblante enfurecido. Mesmo que não precisasse de nenhuma palavra para que ele entendesse o objetivo daquele olhar, ela decidiu falar.

— Dá para você deixar isso comigo?

Lançando um olhar atravessado para a ruiva, Draco se distanciou e caminhou até a cozinha, procurando por água. Mesmo que quisesse lançar logo uma maldição no Potter, uma parte sua entendia que não devia exagerar. Era melhor se afastar um pouco, especialmente por que sabia que Ginevra era muito capaz de vencer todas as batalhas em que se colocava. Era uma das coisas que mais gostava nela, inclusive. Essa habilidade de não precisar de ninguém para lhe resgatar de uma situação de perigo. Com certeza que tiraria de letra uma discussão com Potter.

— Desde quando?

Ouviu o Potter insistir, olhando para Ginevra de uma maneira raivosa. Era difícil ficar ali, apenas parado, contendo todas as respostas que passavam por sua cabeça, mas Draco decidiu que deixaria aquela situação nas mãos da Weasley. Além disso, era importante saber direito qual era a relação que restara entre ela e aquele impertinente.

Porém, aparentemente a ruiva estava meio sem saber o que dizer. Seus olhos castanhos meio nervosos não desgrudavam do Potter, que pareceu se irritar com a demora de uma resposta.

— Eu tenho o direito de saber! Desde quando?!

A voz exasperada, o jeito arrogante... Potter parecia ainda mais impulsivo que na época de colégio. Draco debruçou-se no balcão da cozinha com o copo d’água na mão e ficou observando a cena. Ginevra maneou a cabeça negativamente e dava para ver que ela estava muito incomodada.

— Harry, você não devia estar aqui. O que diabos estava pensando?

Essa é uma boa pergunta”, Draco pensou tomando um gole da água enquanto olhava para Potter, aguardando uma resposta. Decidiu que, por mais que ele houvesse sobrevivido à Voldemort e conseguido realizar feitos incríveis, também era inegavelmente burro. Que tipo de homem simplesmente deixa alguém como Ginevra Weasley e depois volta para comemorar o aniversário dela, como se não pudesse haver na Terra presente melhor que aquela testa rachada. Burro. Burro. BURRO.

— Eu estava pensando em fazer uma surpresa no seu aniversário. Em comemorarmos juntos, como costumávamos fazer.

Novamente os olhos cinzentos dançaram na direção de Ginevra. Ela apoiou a mão na testa e começou a massagear as têmporas. Não se lembrava de tê-la visto tão consternada quanto parecia estar com aquela situação. Por mais que ainda tivesse cautela com o que dizia, não soube calcular muito bem por quanto mais tempo que a paciência da Weasley se estenderia.

— Você está se ouvindo? Está ouvindo o que está me dizendo?

O rosto de Ginevra estava vermelho, como se estivesse prestes a explodir. Seu semblante que outrora era só felicidade, agora estava carregado e tempestuoso. Draco imaginou que seria difícil conseguir uma noite agradável depois deste fato memorável e ficou um pouco mais insatisfeito por constatar que os danos do Potter seriam permanentes.

— Eu me arrependi, Gina. Me arrependi de me afastar de você. Eu nunca devia ter feito isso.

Cada vez que o grifinório começava a falar, Draco não conseguia conter o movimento involuntário de revirar os olhos nas órbitas. Era cansativo e completamente indigno ficar ali, ouvindo aquelas lamúrias que certamente não levariam à lugar nenhum. Ou, ao menos, não pareciam tender a levar. Se estivesse interpretando direito aquela cena, e acreditava estar, Potter ia acabar bem frustrado ao fim da conversa.

— Não, você não tem o direito de voltar e agir como se ainda morasse aqui. Eu não te dei permissão de entrar.

Ainda que os argumentos de Ginevra fossem bons, eles não pareciam ser suficientes. A ausência de uma resposta que agradasse aos ouvidos do Potter o tornava impassível, como se precisasse pressioná-la para que retomasse a razão. As sobrancelhas de Draco foram se franzindo conforme ele percebia o rumo das coisas e, por mais que estivesse se contendo, sua vontade era se intrometer e acabar com aquela cena de uma vez por todas.

— Estou tão decepcionado com você.

Aquilo lhe causou um total de zero surpresa. Porém, Ginevra pareceu levar uma bofetada bem no meio da cara, por que ergueu o rosto com uma agilidade invejável.

— Ah, você está decepcionado comigo?!

Ela deu um passo ameaçador na direção do Potter, os olhos meio raivosos e meio magoados, como se não esperasse isso dele. O que fez Draco hesitar e ficar um pouco mais irritado. Era chato de perceber que, mesmo em momentos como aquele, era difícil para a Weasley aceitar um comportamento que ela considerava como reprovador vindo do grifinório. Como se ele sempre fosse permanecer uma espécie de ícone em sua visão. E essa ideia fez o ciúme crescer e latejar no estômago do Malfoy, que se embrulhou todinho.

— Claro! Você está se relacionando com o Malfoy, Gina! Você se esqueceu quem ele é? Já pensou no que sua família vai achar disso?!

E isso foi como um soco para o estômago de Draco. O assunto “família” era bem tabu para Ginevra e ele, de forma que não costumavam tecer longos comentários e opiniões a respeito de Weasleys e Malfoys. E, nesse aspecto, ele sabia que o maldito Cicatriz tinha razão. Isso seria mesmo um grande empecilho. Muito inconveniente e extremamente desagradável, mas que imaginou não ser aterrorizante o suficiente para que desistissem um do outro. Ao menos, até agora.

— Eles vão entender quando tiverem que entender. Por hora, isso não diz respeito a ninguém.

Por um instante, imaginou que via o vislumbre do fim daquela discussão. Da mesma forma que ele procurava não se ater aos empecilhos, aparentemente Ginevra também deixava essas questões de escanteio, até por que não fazia sentido ficarem desgastando um relacionamento novo com problemas futuros. Quer dizer, nem sabia se aquilo que tinham era um relacionamento. Era só... alguma coisa. Alguma coisa promissora.

— Diz respeito a mim! Caramba, Gina, nós poderíamos voltar, retomar de onde paramos, ia ficar tudo bem!

E, para Draco, essa foi a gota d’água.

— Ah, é, o que diabos há na cabeça de Ginevra para seguir com a vida dela?

Seu comentário fez o rosto do Potter e de Ginevra voltarem-se para sua direção. O modo irônico, típico dele, parecia um pouco inapropriado, mas talvez fosse o que precisava para que aquela visita indesejada chegasse ao fim. Foi caminhando devagar, saindo da cozinha, sentindo aqueles olhos castanhos pesarem sobre si.

— Draco...

A voz de Ginevra soou fraca e baixa, como se ela não tivesse forças para combate-lo. Seu semblante parecia pedir por um pouco de paz, mas os olhos cinzentos irritados lhe ignoraram, cedendo ao desejo simples de continuar falando daquela forma que pudesse manter o Potter calado. Caminhou lentamente, com a postura bem ajeitada e as mãos nos bolsos, lançando o olhar de superioridade que esquecia conhecer quando acompanhado da Weasley.

— Não, sério, não sei por que você não ficou sentada esperando o Potter mudar de ideia.

Aquele costumeiro olhar de desafio e reprovação que o grifinório lhe lançava na época de colégio continuava presente. Ainda mais intenso, se fosse falar a verdade, e isso apenas o munia de sarcasmo para continuar falando. Parou de caminhar assim que chegou próximo de Ginevra, ficando bem atrás do ombro esquerdo dela. Seus olhos atentos e afiados não se moviam.

— Afinal de contas, quem não gostaria de ter a chance de estar com o famoso Cicatriz.

Novamente Ginevra começou a massagear as têmporas, como se realmente estivesse com dor de cabeça. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, o Potter soltou um riso curto e cruzou os braços contra o peito, lançando um olhar semelhante ao que Draco lhe designava. Como se estivesse diante de alguém inferior.

— Não, ela realmente deve ter ficado impressionada quando encontrou um assassino.

“Ah, seu desgraçado...” Draco pensou de maneira debochada, dando um sorriso de canto ao ver que o Potter tentava atingi-lo com as mesmas armas que o Malfoy usava desde sempre. Porém, não demonstrou perder a calma, apenas permaneceu em silêncio, aguardando o final daquele raciocínio que a experiência lhe garantia que não terminaria ali. Ginevra tirou a mão da testa quase que imediatamente e bateu o pé no chão, num gesto involuntário.

— Harry!

O tom de repreensão que Ginevra utilizou passou desapercebido pelo Potter, que deu um passo à frente, aproximando-se de Draco como se estivesse preste a soca-lo. Em outra época, aquilo o teria feito recuar, mas dez anos depois aquilo não parecia suficiente nem para que prendesse a respiração.

— Um assassino que lutou contra todos nós e contribuiu para a destruição e morte de tudo que amávamos!

Assim que o Potter deu mais um passo, ele ergueu a varinha e a apontou para Draco, que replicou o gesto e continuou parado ao lado de Ginevra. Os olhos castanhos da Weasley dançaram entre os bruxos e ela colocou-se no meio deles, como se tentando evitar que um duelo começasse em sua casa.

— Parem com isso!

Mas, mais uma vez, a voz dela passou desapercebida. Draco arqueou as sobrancelhas e sacudiu a varinha, como se estivesse instigando o moreno a falar mais. Como se fosse pouco tudo que ele já havia dito. Como se nada daquilo pudesse lhe atingir. Mal sabia ele que se arrependeria, mais tarde, de não ter dado ouvido à Ginevra e deixado as coisas terminarem ali.

— Um assassino, é isso que você tem para mim? Eu tenho uma lista para você, Cicatriz, de arrogante a zero à esquerda.

Mais um passo. A mão de Ginevra, insistente, tentando fazê-los baixar os punhos. Os olhos verdes do Potter, em ponto de soltar faíscas. Os olhos cinzas do Malfoy, ríspidos e frios, sem conseguir ver nada além de ódio.

— Ainda estamos falando sobre mim ou o assunto mudou para Lucius Malfoy?

Estava prestes a lançar uma maldição imperdoável quando a voz de Ginevra, alta e bem proclamada, o fez voltar para a realidade.

— PAREM COM ISSO!

Uma onda de tremor sacudiu o apartamento quando Ginevra gritou. A luz chegou a piscar e deu para ver algumas poeirinhas caindo do teto. Tanto Draco quando Potter ficaram em silêncio, olhando ao redor para reparar nos efeitos dos poderes da Weasley. Sempre soube que ela lançava uns feitiços potentes, mas não esperava que o estupor de uma raiva pudesse causar esse tipo de efeito. Era impressionante.

— Draco, eu falo com você outra hora.

Saiu dos devaneios assim que ouviu Ginevra falando com ele. Virou o rosto na direção dela e a fitou, sem compreender o motivo de estar sendo enxotado de lá. Seu estômago se apertou e apenas conseguiu arquejar uma resposta.

— O que?

Mal podia controlar o ritmo acelerado de seus olhos e coração, que tremiam. Ginevra mantinha-se virada de frente para o Potter e apenas lhe olhava de canto, com o semblante irritado e os punhos cerrados.

— Eu não posso lidar com você agora, eu falo com você mais tarde.

Cada palavra lhe caiu feito uma gota de ácido. Draco não conseguia compreender o motivo de Ginevra não o querer ali. Se as coisas com o Potter estavam fadadas ao fim, não havia razão para que fosse embora. Afinal, quem sabe ainda pudessem ficar juntos pelo restante da noite...? Mas então o Malfoy concluiu que havia perdido aquela batalha.

Novamente vinha o maldito Cicatriz e lhe tirava as coisas boas, as poucas coisas boas que colecionava em sua existência. Seus itens raros, suas preciosidades, seus fragmentos de felicidade. Ginevra era um deles, mas presumiu que seus dias laranjas estavam fadados ao fim. Seu semblante endureceu conforme assimilou os fatos e ele recuou um passo, sem desgrudar o olhar da Weasley.

Não haveria um “mais tarde”. Já não havia sequer um “agora” para eles. Ginevra havia feito uma escolha. As palavras do Potter certamente lhe causaram algum efeito. Talvez fosse pela facilidade que ele trazia, ou quem sabe a comodidade, mas teve certeza absoluta de que, fosse o que quer que tivesse sido aquele pequeno recorte de tempo em que participou dos dias da Weasley, acabava ali.

— Nem precisa se dar ao trabalho, Weasley.

— O que?!

A resposta de Ginevra foi imediata, mas ela não se moveu. Deu mais alguns passos para trás, ainda olhando para ela e Potter, parados no meio do apartamento. O grifinório o observava com o semblante impassível, como se pudesse ver por trás de suas ações. Isso, porém, não fez com que Draco sentisse qualquer coisa, nem mesmo raiva. Já estava dominado por tanto ciúmes e mágoa de uma maneira que o cegou.

— Nem se dê ao trabalho. Todos nós já sabemos o desfecho dessa história.

Afinal de contas, havia dito a Ginevra que somente ficaria enquanto ela quisesse que ficasse. Não podia agora simplesmente permanecer. Já não fazia mais parte daquela história, era somente um intruso num relacionamento duradouro que passou por uma crise. E que pena que teve de ser ele, justamente ele, a se envolver com a pequena Weasley.

Por último, pensou que devia ter parado quando Ginevra pediu. Talvez as coisas houvessem tomado outro rumo. Mas, de qualquer forma, agora não havia mais o que fazer.

— Draco!

Deu tempo de ver Ginevra virando-se na direção dele, mas quando ela ergueu a mão para lhe tocar já era tarde demais. Havia aparatado.


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Notas finais do capítulo

N/A: Olá pessoas!
Esse capítulo é o único que não houve contribuição de alguma outra cena. Ele caminha, sinuoso, mas em apenas uma cena. E foi um dos que mais protelei para escrever, por que sabia que precisava ser intenso e, bem, prestar atenção não é lá meu ponto mais forte, então foi difícil mesmo.
Não fiz o Draco e a Gina ficarem tendo briguinhas à toa para ilustrar melhor o amadurecimento deles e também não tornar comum o hábito de se desentenderem. E também por que me cansa um pouco, talvez faça sentido em Hogwarts, mas dez anos depois meio que não combina taaanto assim. A idade traz discernimento, então você passa a escolher muito bem com que tipo de contratempo você vai se irritar, por que se irritar cansa hhahahahaha.
O Harry é muito carta manjada de discussão entre eles, acho que em quase 90% das fanfics eles brigam por causa do Cicatriz e, honestamente, não tem como ser diferente. Por mais que a gente tente evitar alguns clichês, se levarmos em consideração o tempo em que Gina e ele ficaram juntos, faz sentido que a discussão seja mesmo sobre o Harry. Para mim, ao menos, faz sentido.
Embora eu tenha feito o Harry insistir, não significa que vocês devam odiá-lo, tá? Hahahaha Mas todo mundo que já viveu um relacionamento longo sabe como é complicado para terminar e etc, e é bem comum que haja recaídas no processo. Só que, no caso, a Gina tocou o barco (por que ela já estava de saco cheio há mais tempo e etc) e o Harry ainda está com medo de ter feito merda e tenta reatar, é normal isso. Não odeiem o menino hahahahahahah.
Espero que vocês estejam gostando! Falta pouquinho para a fanfic acabar, só mais 02 capítulos. Agradeço a todos pela paciência.



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