Pontual escrita por Lina Limao


Capítulo 4
Fica




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793727/chapter/4

— O que você está fazendo aqui?

Eu também queria saber”, Draco pensou automaticamente enquanto olhava para a Weasley, que mantinha uma expressão meio desconfiada, meio apreensiva no rosto. Os dedos apertados à uma xícara laranja com os dizeres “Weasley é o nosso rei” que quase o fez rir. Quase.

Desde o dia anterior, simplesmente não conseguira tirar da cabeça a imagem dela. Fosse rindo enquanto dançavam, apanhando ousadamente uma garrafa de Firewhisky ou só sacudindo os pés descalços durante uma conversa. Aquele cheiro de baunilha pareceu lhe adentrar pelos poros, pois o seguia por toda parte. E aquele beijo, aquele maldito beijo que o assombrava e fazia sentir como se não houvesse feito o suficiente.

Ela não estava com o mesmo ar divertido da noite passada. Seus olhos castanhos estavam sérios e apreensivos, com uma suave coloração abaixo deles indicando algum provável contratempo com o sono. Usava roupas que já estavam meio desbotadas, pois com certeza que não eram novas ou recém adquiridas. Desde a camiseta amarela até a calça jeans, que já parecia surrada. E mesmo assim, continuava tão linda.

Os cabelos estavam um pouco desgrenhados, como se não houvesse tido muito trabalho com eles pela manhã. Soltos, corriam por seus ombros e iam até a metade das costas, balançando suavemente com o vento que começava a anunciar a chegada da chuva.

Quis mentir.

Quis dizer que precisava esclarecer as coisas e colocar um ponto final naquela história maluca. Quis fazê-la pensar que achava um erro e que se arrependia de tudo que fizera. Quis colocar a culpa no álcool, isentando-se de qualquer responsabilidade que ela pudesse acusa-lo de ter. Quis virar as costas e ir embora, sem sentir de novo o calor daqueles braços e o sabor daquele beijo. Quis muito querer tudo isso, mas era simplesmente mentira.

A única coisa que conseguiu pensar para dizer, e só por que precisava dizer alguma coisa, foi uma brincadeira idiota.

— Eu estava só passando.

Viu-a bufar quase que automaticamente. Os olhos castanhos rolando, indicando estar sem paciência para brincadeiras. Aproveitou sua distração e se aproximou um pouco mais, observando-a. Subiu uma das mãos para o rosto, como se tentasse realmente não xingá-lo naquele momento.

— Malfoy...

Sua voz soou impaciente, mas Draco não deixou que isso o apressasse de nenhuma forma. Chegou apenas um pouco mais perto, tornando ainda mais evidente a grande diferença de altura entre eles. Os olhos castanhos lhe observando, cansados, como se precisasse falar de coisas mais sérias. O problema é que ele não estava muito interessado em conversar ou pensar a respeito de nada.

Passou boa parte da noite e da manhã pensando em que diabos estava acontecendo com ele. Que, por mais que houvesse sentido alguma coisa durante aquele beijo, não podia levar isso a diante, pois ela era uma Weasley e havia centenas de milhares de mulheres nesse mundo. Porém, nenhuma delas iria lhe olhar daquele jeito, ia desafiá-lo, ia dançar e rir das expressões embasbacadas de metade do ministério.

Não sabia o que estava acontecendo, só sabia que queria mais.

Ainda não tinha nenhuma conclusão ou pensamento muito inteligente que pudesse compartilhar com a Weasley, só sabia que queria mais uma dose. Queria ter liberdade de poder ficar com ela sem ter sobre si a responsabilidade de considerar um monte de fatores que, de verdade, não lhe pareciam tão importantes quanto seriam dez anos atrás.

Tomou liberdade e colocou da maneira mais delicada que pôde os dedos na bochecha da ruiva, que arregalou um pouco os olhos, observando-o claramente surpresa com a aproximação. Deu mais um passo, o último que poderia dar, observando aquele rosto salpicado e o nariz arrebitado bem abaixo de seu rosto. Os dedos mais firmes do que nunca em volta da caneca, como se fosse a única coisa que a fazia permanecer de pé.

— Eu só queria tentar uma coisa.

Seu rosto foi se aproximando aos poucos, o que fez os olhos dela se arregalarem ainda mais. Sentiu a ponta de seu nariz encostar contra o dela, de uma forma que fez as bochechas sardentas ficarem coradas. Tudo aquilo fazia tanto sentido na cabeça de Draco, que não tinha como ser errado. Aquele cheiro de baunilha ainda mais forte, a respiração, o modo com que os lábios bem desenhados se entreabriram de repente...

— Tentar uma coisa...?

Assentiu suavemente e fechou os olhos antes de capturar os lábios dela com os seus. Respirou fundo, como se finalmente viesse à superfície após passar um bom tempo submerso. Sentiu uma das mãos da Weasley se apoiar em seu ombro, fazendo parecer com que ela também houvesse desejado que aquilo acontecesse. Constatar isso o encorajou a aprofundar o beijo, abraçando-a de repente, como se precisasse de mais.

Ouviu o barulho de alguma quebrando, mas não deu importância. Sentiu a outra mão da ruiva se erguer e se enroscar em seus cabelos, apertando-o contra o corpo dela de uma forma mais enérgica que fora na noite anterior. Percebeu que ela subiu um degrau quando reparou que ficara consideravelmente mais alta. Sem nem hesitar, a seguiu da melhor forma que conseguiu.

O barulho da porta do prédio batendo o fez separar dela. A ruiva o segurou pelo colarinho e puxou na direção das escadas, voltando a beijá-lo com pressa, como se realmente não quisesse ficar sem aquele contato. Foram seguindo de forma descompassada e desastrada, batendo-se pelas paredes da escadaria até chegarem ao segundo andar.

A Weasley subitamente se soltou e caminhou até uma das portas de madeira. Puxou a chave do bolso e colocou no contato, girando e abrindo a passagem. Ficou parada na soleira, apenas o observando, e Draco achou engraçado constatar como se davam melhor quando não diziam nenhuma palavra. Só de olhar no rosto dela já sabia exatamente o que queria que fizesse.

Chegou mais próximo, tocando o corpo da ruiva e permitindo-a que o conduzisse para dentro da casa. Honestamente, quis ter tempo de prestar atenção no apartamento para saber onde estava pisando, mas os lábios dela lhe alcançaram antes, de forma súbita, fazendo com que deixasse o pensamento de lado e apenas retribuísse ao beijo.

Pôde escutar o barulho da porta se batendo alguns segundos antes de sentir as mãos dela em seu peito, empurrando-o de forma desajeitada na direção de um sofá. Separaram-se mais uma vez e ele praticamente caiu sentado, observando-a tirar a camiseta amarela e jogar no chão, sem qualquer traço de cuidado. Logo em seguida pulou em seu colo, com uma perna de cada lado de seu corpo e aquele ar divertido no sorriso.

Trocaram um olhar.

Por um momento, Draco teve certeza que aqueles olhos não o viam como um comensal. Aqueles carinhos, aqueles beijos e o sorriso travesso que escapou pelos lábios da Weasley não eram do tipo que se dava a alguém que você repugnava. Foi correndo os dedos pelas costas dela, sentindo sua pele quente e macia, desejando que aquele momento nunca acabasse.

Trilhou com alguns beijos um caminho sutil pelo colo dela, inebriado pelo perfume e suspiros que, vez ou outra, escapavam dos lábios rosados. Os toques singelos que a ruiva fazia por seus cabelos e nuca pareciam tentar lhe estimular a continuar, como se estivesse tão entregue àquela situação quanto ele. A ideia de tê-la foi crescendo dentro de si, fazendo a intensidade de seus toques aumentar.

Guiou os dedos pela borda do sutiã, passando para a parte da frente e atrevendo-se a adentrar o tecido, sentindo o contato direto com a pele dela. Segurou firmemente as costas da ruiva com a outra mão e foi empurrando-a um pouco para trás, fazendo-a ficar inclinada enquanto descia seus lábios para os seios. A cada suspiro que a ouvia soltar, sentia sua excitação aumentar.

Àquela altura, Draco simplesmente sabia que não iam mais parar.

#

Não soube dizer ao certo quanto tempo se passou desde que havia chegado.

Sabia que já devia ser noite pela intensidade da luz que batia na parede, vinda da janela. Certamente que já passava das dez, se considerasse também que não ouvia muito barulho vindo da rua. Porém, não tinha pressa e permitiu-se ficar ali, deitado no sofá enquanto passava os dedos pelos cabelos da ruiva, que dormia em seu peito coberta apenas por sua camisa.

“Me chama pelo primeiro nome! ”

Desde que ouvira aquelas malditas palavras não conseguia mais pensar nela somente como Weasley. Subitamente ela se tornara Ginevra. Por mais que compreendesse o contexto da situação, era difícil agora não a ver assim. Embora soubesse que jamais poderia deixar de utilizar aquele sobrenome maldito.

Não foi totalmente mentira quando disse que queria tentar uma coisa ao beijá-la quando chegou. Era importante poder avaliar a sensação de beijá-la sem qualquer influência de álcool em seu organismo. E, bem, o mínimo que poderia dizer é que muitas coisas foram tentadas e bem-sucedidas até demais.

Tinha certeza que se isso houvesse acontecido dez anos atrás, estaria agora mesmo bolando um plano para sair daquele apartamento e nunca mais voltar. Estaria confuso pelas sensações que aquela mulher lhe causava, temendo que alguém descobrisse, temendo pela família, pesando a relevância de seu sobrenome, do sobrenome dela, Voldemort, enfim, uma série de agravantes que o fariam simplesmente não poder querê-la.

Mas agora?

Agora tudo só parecia meio correto.

Só de sentir a ruiva se movendo devagar enquanto respirava, já ficava um pouco mais tranquilo. Sabia que, quaisquer que fossem os confrontos que passavam em sua cabeça, passavam na dela também. E, assim como ele, Ginevra fora forte o suficiente para ignorar tudo aquilo e focar somente neles. De modo que não lhe fez muito sentido começar a se preocupar agora. Decidiu apenas ficar ali, aguardando-a acordar.

Pelo que dava para ver, o apartamento não era muito grande. A sala era no tamanho exato de caber os dois sofás, um rack e uma série de prateleiras. Como já estava escuro, não conseguiu identificar muito bem, mas percebeu um rádio e alguns livros e porta-retratos. Imaginou se todas as coisas que estavam ali seriam somente dela ou se ainda tinha alguma porcaria do Potter misturada. Preferiu não pensar nisso.

Não demorou muito para sentir os ombros da Weasley se encolhendo enquanto ela bocejava. Foi se espreguiçando com uma expressão felina, abrindo os olhos e dando um sorriso impensado. Draco não conseguiu não retribuir e lançou um sorriso torto, que pareceu fazê-la despertar.

Arregalou os olhos e se sentou subitamente, puxando a camisa que a cobria e fechando sobre seu tronco nu.

— Que horas são?!

Draco apenas acenou negativamente, indicando que não sabia. Ela passou os dedos entre os cabelos ruivos, como se estivesse se lembrando de tudo que acabara de acontecer. Não dava mais para ver seus olhos, mas presumiu que estivessem fechados. A ouviu suspirar algumas vezes enquanto ficava parada, de costas para ele.

— O que estamos fazendo, Malfoy? O que diabos estamos fazendo...?

Novamente, Draco permaneceu em silêncio. Desviou os olhos dela e começou a prestar atenção no teto, que definitivamente precisava de uma mão de tinta. Percebeu que a Weasley se voltara de frente para ele, encarando-o com um olhar de quem acaba de perder uma guerra. Teria achado engraçado em outra ocasião, mas agora estava mesmo com um pouco de preguiça de conversar.

— Você não se importa?

A frase de Ginevra o fez voltar os olhos cinzentos para ela. Coçou a cabeça antes de sorrir.

— Você fala demais.

Aquilo aparentemente bastou para fazê-la bufar e se levantar. Foi procurando pela sala suas roupas, vestindo-se com pressa, coberta pela escuridão do apartamento. Draco apenas arqueou as sobrancelhas, sentando-se no sofá e soltando um bocejo preguiçoso. Quase foi atingido em cheio pelas próprias calças, mas conseguiu desviar a tempo. Olhou sobressaltado para a Weasley, presumindo que estivesse vermelha pela expressão de raiva que mantinha. Achou que era uma boa ideia começar a se vestir também e ficou de pé.

— Como descobriu onde eu moro?!

— Lovegood.

Caramba, nem parece a mesma pessoa”, pensou enquanto colocava a calça. Difícil imaginar que menos de cinco minutos antes aquela menina toda nervosa estava dormindo tão calmamente em seu peito, parecendo até inofensiva. Foi terminando de abotoar e subindo o zíper calmamente, ouvindo-a bater o pé no chão.

— Você foi atrás da Luna?! E ela te deu meu endereço?

Ginevra caminhava pelo apartamento pisando duro. Draco assentiu para o nada sem esconder um meio sorriso, achando engraçado como era fácil irritá-la. Foi quando sua cabeça ruiva reapareceu na sala, com os olhos apertados, lhe fuzilando.

A parte triste é que era verdade. Sabia que a Lovegood e a Weasley eram amigas de longa data, então quando quis saber o endereço foi só aparecer no jornal e perguntar para a loira, que simplesmente falou, como se naturalmente saísse por aí distribuindo endereços. Decepcionantemente fácil. Resolveu que ia ocultar essa parte, pois Ginevra certamente não acreditaria.

— Eu posso ser bem convincente.

— Ah, eu sei.

Ela passava os dedos pelos cabelos ruivos, como se os penteasse. Draco foi colocando a camisa branca e começou a abotoá-la enquanto se aproximava da ruiva. Decidiu que precisava fazê-la voltar a se acalmar, pois podia prever que as coisas sairiam do controle se começassem a se irritar. E não estava com ânimo para começar uma briga à sabe-se-lá-que-horas da madrugada.

Parou à frente dela da forma mais calma que conseguiu. Lhe direcionou um olhar meio censurador e meio de barganha, como se demonstrasse que estava disposto a entrar em um acordo para acabar com aquele falatório. Notou que Ginevra o olhava sem nem piscar e percebeu que talvez estivesse prestando atenção às cicatrizes que ele tinha no peito. De toda forma, aproveitou aquele instante de silêncio para começar a falar.

— Podemos só aproveitar isso? Ao menos por um tempo, sem nos preocupar com nomes, famílias e qualquer coisa que você ainda se importe.

Pensou que havia dito alguma coisa correta, por que conseguiu fazer o semblante nervoso mudar, parecendo um pouco mais razoável.

Aqueles olhos grandes o fitavam com atenção enquanto ela parecia pensativa e Draco decidiu tentar persuadi-la um pouquinho mais, atrevendo-se a passar a mão em sua bochecha. Quando a viu daquele jeito, apenas lhe olhando de uma forma indecifrável e calada, teve de se controlar para não usar oclumência. Queria tanto saber o que se passava na cabeça de Ginevra, o que pensava, como se sentia...

— Eu não sei.

Aquilo lhe atingiu como uma agulhada no braço. Soube de imediato que a Weasley se referia à toda a situação com aquela frase. Não sabia se continuariam, não sabia se poderiam aproveitar, não sabia se o queria o suficiente para continuar com aquilo e certamente não sabia o que estava fazendo. Embora sua vontade fosse de desistir e recuar, Draco engoliu à seco e umedeceu os lábios, buscando em sua mente algum argumento que pudesse fazê-la repensar.

— Você quis que eu ficasse, eu fiquei. Quando você quiser que eu vá, eu vou. E ninguém tem nada a ver com isso. Não é como se nós fossemos nos casar ou algo parecido.

Embora ela tenha erguido as sobrancelhas, como se não houvesse visto as coisas daquela forma ainda, o silêncio continuou. Draco ergueu a outra mão e colocou os dedos entre os cabelos vermelhos, segurando-a na nuca. Pensou que não haveria muito o que pudesse fazer caso a Weasley não o quisesse mais ali e tentou fazê-la entender que se o dissesse para ir embora, ele realmente iria.

— Você quer que eu vá?

Silêncio.

Ela apenas o olhava com os olhos oscilantes, traçando um caminho por todo seu rosto, parecendo raciocinar. Tinha certeza que Ginevra havia entendido muito bem o que quis dizer com aquela frase e justamente por isso, hesitava. Por mais que quisesse se manter paciente, estava ansioso pela resposta que viria dela. Sentia-se como, quando criança, precisava tirar o esparadrapo de uma ferida. Aquela agonia crescente de uma coisa ruim que está prestes a acontecer. Por isso sempre puxou muito rápido todos os curativos que teve, pois não sabia lidar com esse sentimento.

Sabia que, se não estivesse com as mãos nela, estaria tremendo. Então decidiu insistir, para ver se conseguia acelerar um pouco as coisas.

— Fala, Weasley. Quer que eu vá?

Mas Ginevra não se moveu. Apenas o fitou com aquele ar oscilante de quem não sabe muito bem o que fazer. Draco suspirou, entendendo que havia perdido aquela batalha. Seus olhos cinzentos baixaram dos olhos dela e ele se afastou, assentindo suavemente, sem querer deixa-la notar que estava decepcionado. Deu um meio sorriso e foi indo na direção da porta, apanhando os sapatos do chão e virando-se de costas para a ruiva.

Apoiou a mão na maçaneta e girou, revelando o corredor do lado de fora. Deu uma última olhada na Weasley antes de sair e conseguiu acha-la engraçadinha com aquele olhar de quem está prestes a chorar. As mãos junto ao corpo, torcendo os dedos, sem nem respirar. Certamente não ia esquecer aquela imagem tão cedo.

Fechou a porta.

Jogou os sapatos no chão e calçou de qualquer jeito, afundando as mãos nos bolsos enquanto respirava fundo e rumava na direção da escada. Não conseguia pensar com clareza no que havia acabado de acontecer. Quer dizer, será que tinha o direito de ficar ressentido com ela? Será que não era mesmo o certo a fazer, deixar esse episódio para lá, como se não houvesse acontecido?

Quando colocou o pé no primeiro degrau, porém, ouviu a porta abrir.

Virou-se automaticamente, fitando a porta que acabara de fechar. Viu o rosto da Weasley todo vermelho, molhado, com os olhos apertados.

— Fica!

#

Era o segundo sábado que passava na casa dela.

Pelo que pouco que pôde conhece-la naquele breve período de uma semana, já conseguia ver que eram nitidamente diferentes. Agora, por exemplo, ela estava em pé na cozinha, em cima de um banco, trocando uma lâmpada enquanto sua varinha repousava sobre a cabeceira da cama. Fazia algum sentido? Não. Mas Ginevra era assim. Gostava de fazer algumas coisas com as próprias mãos e os motivos só ela mesma entendia.

Ficou sentado no sofá, meio sem saber o que fazer. Da última vez que estivera ali não teve muito tempo de observar as coisas e decidiu que era uma boa hora para fazê-lo. Ficou de pé, de frente para as prateleiras, e deixou seus olhos cinzentos correrem por todos os objetos. Era melhor fazer isso logo, antes que a garota terminasse o que estava fazendo e o mandasse cuidar da própria vida.

Ela tinha livros, dos mais variados assuntos, de coisas relacionadas à magia até romances trouxas. Não pôde evitar e revirou os olhos, puxando um e observando a capa. Era um casal com as testas coladas e um fundo luminoso atrás. O título previsível, assim como o enredo provavelmente seria. Colocou de volta no lugar sem muito interesse, ainda procurando algo que lhe chamasse a atenção.

CD’s. Ginevra tinha CD’s! E um aparelho de rádio trouxa que a permitia ouvir aquelas atrocidades que eles chamavam de música. Ficou sacudindo a cabeça negativamente e só parou ao ouvi-la pigarrear atrás de si. Não se deu ao trabalho de virar de frente e continuou olhando para as capinhas coloridas dos álbuns que ela guardava.

— Por que você gosta dessas coisas?

Tentou demonstrar interesse em sua voz, mas não teve certeza se conseguiu. Não quis gerar uma discussão, mas a ideia de uma pessoa que tivesse conhecimento de todo o mundo bruxo e ainda assim possuía utensílios trouxas não lhe entrava na cabeça. Para que aprender magia então, por Merlin!

— O que quer dizer?

Sentiu que ela se aproximava, pois a voz soou um pouco mais perto que antes. Inclinou o rosto em sua direção e apontou para os livros na prateleira, tentando ilustrar melhor sua pergunta. Ginevra mantinha os braços cruzados, mas o semblante parecia calmo, o que o deu confiança em continuar.

— Coisas de trouxas.

— Por causa do meu pai, eu acho. Ele sempre foi fascinado por essas coisas.

A resposta veio tão rápido que parecia que já estava elaborada antes mesmo que Draco fizesse a pergunta. A forma sutil com que a cabeça dela se escorou em seu antebraço quase o fez desistir do assunto, mas viu que os olhos castanhos pareciam dispostos a conversar, como se estivesse um pouquinho feliz que lhe fizesse perguntas. Então prosseguiu.

— E por que isso?

Ginevra ergueu os olhos e fitou os livros e CD’s por alguns instantes, como se pensasse a respeito. Parecia interessada em lhe explicar, o que soava um pouco promissor. Umedeceu os lábios ao mesmo tempo em que maneou a cabeça vermelha, voltando a lhe encarar.

— Aí eu já não sei, mas eu acho interessante conhecer coisas novas.

Ergueu uma das mãos e puxou um CD, virando-o ao contrário e dando uma olhadinha no nome das músicas. Draco acompanhou seu movimento e ergueu as sobrancelhas, encontrando um terreno que ele julgou seguro para uma brincadeira. Cruzou os braços, fingindo uma súbita resignação.

— O mundo mágico e toda sua complexidade não são o suficiente para Ginevra Weasley?

Ao que Ginevra respondeu com um sorriso torto e um rolar de olhos. Foi aproximando-se do aparelho de rádio e o ligou, aguardando um tempinho até que a portinha se abrisse e ela depositasse o CD lá. Por fim, apertou o play e encostou o nariz na bochecha de Draco de uma forma tão natural que parecia que o fizera durante toda a vida.

— Por que me ater ao mundo mágico quando tenho dois mundos para descobrir?

A ruiva deu um pulinho para trás e fez uma reverência, erguendo a mão para Draco logo em seguida. Não dava para resistir quando Ginevra optava por aquele lado divertido. Rendeu-se aos encantos dela, segurando-a pela mão e puxando para perto. Assim que a música começou a tocar, embalou-a suavemente de modo que acompanhasse o ritmo.

— Por que o mundo mágico é muito melhor.

Assim que a batida ficou um pouco mais animada, fez com que a ruiva rodopiasse. Ela sorriu antes de voltar à posição inicial e passar seus braços sobre os ombros do Malfoy, como se estivesse se divertindo. Ter essa impressão o fez relaxar um pouco, certo de que estava tomando um rumo interessante por agradá-la de alguma forma.

— Bacana você dizer isso sem nem ao menos conhecer o mundo dos trouxas.

Ainda que rindo, ela se desvencilhou de seus braços de maneira escorregadia, como se ignorasse um pouco a opinião do Malfoy. Foi caminhando com passos largos até a cozinha, escondendo-se atrás do balcão que separava os ambientes. Draco revirou os olhos, um pouco decepcionado com o afastamento dela.

— Eles têm rádio, grande coisa, nós temos também.

— As músicas deles são diferentes. Os programas da rádio, os problemas, tudo diferente.

Ouviu as portinhas do balcão rangerem e presumiu que ela estava procurando alguma coisa. Novamente voltou sua atenção para a sala e viu, se sobressaindo de tudo, um objeto vermelho e com um círculo repleto de números. Havia um fio enrolado que saia de uma ponta até a outra e Draco não conseguiu ver, de imediato, nenhuma utilidade para aquilo. Será que era uma calculadora?

— E isso aqui?

A cabeça de Ginevra surgiu por trás do balcão e Draco apontou para o utensílio vermelho. Ela arqueou uma sobrancelha e sorriu, ficando de pé para enxerga-lo melhor. Achou muito engraçada a forma como a ruiva o encarava, como se estivesse um pouco positivamente surpresa, achando seu interesse engraçado.

— Ora, é um telefone. Você usa para falar com outras pessoas que também tenham um aparelho desses em casa.

— Com isso aqui?

De forma insistente, Draco apontou para o telefone. Gina voltou a se aproximar com um riso curto que ele não soube identificar. Parou bem ao seu lado com aquele ar de quem adorava explicar as coisas e tirou o telefone do gancho, entregando na mão do loiro que ficou sem saber o que devia fazer com aquilo.

— Aham. Cada um deles tem um número próprio. Você digita os números nas teclas e aí fala por aqui.

A mão pequena dela contornou a de Draco e empurrou o aparelho para o ouvido do garoto. Ao escutar o barulho característico, depositou na base com pressa, o que fez Ginevra rir. Ela o deixou ali, tirando e colocando o telefone na base diversas vezes. Os olhos cinzentos apertados, tentando entender a mecânica da coisa.

— E onde está a emoção de aparecer numa fogueira, enviar um berrador...?

— Você pode gritar, se fizer questão.

Decidiu colocar o aparelho na base de uma vez e voltou sua atenção para as prateleiras. Viu que ela mantinha alguns retratos ali e agora, na claridade, dava para enxergar o que era. Tinha um com o Potter e a Granger, um com a Lovegood enquanto balançavam uma edição d’O Pasquim e uma com sua família toda no que parecia ser o Egito. Aquele definitivamente chamou a atenção de Draco, que o apanhou para ver mais de perto a pequena Ginevra, que acenava.

— Os retratos você manteve bruxos.

Embora a foto fosse meio amarelada, dava para ver a Weasley e todos seus irmãos, numa época muito antiga que Draco não soube precisar qual era. Se esforçasse a memória conseguia lembrar-se de Gina menina daquela forma, com aquele sorriso largo e o rosto de criança. Em sua época de Hogwarts por diversas vezes pegava-se olhando para Ginevra, mas ela era certamente mais velha do que naquela foto.

— É, eles são mais divertidos.

Ao menos isso”, pensou enquanto devolvia o porta-retratos para a prateleira. Sentou-se então no sofá e notou subitamente a televisão que havia ali. Sorriu e coçou o queixo, virando-se na direção da cozinha. Uma história divertida de sua infância passou como um flash e Draco decidiu que iria partilhar esse momento com a Weasley.

— Esse aqui eu tive.

Quando Ginevra virou-se na direção dele, quase deixou cair a vasilha que segurava. O loiro apontava veementemente para a televisão e, pasmem, levantou-se e a ligou. Divertiu-se profundamente ao ver a expressão de espanto no rosto da ruiva, que espalmou o balcão imediatamente, de queixo caído.

— Você teve uma televisão?!

Precisou se conter para não rir. Apenas desligou novamente o aparelho e escorou as costas no sofá, observando enquanto Ginevra voltava a vir para perto dele, com o rosto surpreso e risonho. Ela sentou no braço do sofá e ficou o encarando, cheia de expectativas. Draco ergueu os ombros e riu, como se o assunto fosse, de fato, uma piada pronta.

— Quando começaram aquela onda de fazer um canal bruxo, meu pai comprou. Mas aí a ideia não saiu do papel e ele acabou jogando fora, mas eu cheguei a assistir.

Ouvir Ginevra rir fazia aquela história valer a pena. Ela sacudiu a cabeça negativamente, apontando para a televisão. Já imaginava o tipo de comentário que viria, por isso apenas esperou.

— Não imagino você assistindo TV.

— Você me imaginava aqui?

Aquele sorriso que a Weasley lhe deu foi um pouco diferente. Os olhos castanhos lhe observavam com paciência, como se estivesse avaliando alguma coisa que Draco não sabia dizer ao certo o que era. A voz dela saiu suave, um pouquinho distante.

— Esse é um bom argumento.

Pensou que talvez fosse uma boa hora para tentar se aproximar, mas a garota levantou-se subitamente, batendo as mãos nos quadris, como se quisesse mesmo chamar-lhe a atenção. Foi caminhando para a cozinha de uma forma que parecia deslizar, parecendo decidida a fazer alguma coisa.

— Escuta, o que você gosta de comer?

Coçou a cabeça só de pensar em que tipo de comida a Weasley tinha em mente. Será que ia fazer alguma daquelas coisas doces que ele detestava, como o famigerado pudim que era servido em Hogwarts? Foi se aproximando da cozinha e debruçou-se no balcão, apenas olhando para ela.

— Por que? Vai tentar me envenenar?

— Boa ideia!

Os olhares se cruzaram novamente. Ginevra sorriu e apontou para os ingredientes que estavam na pia. Quando avaliou tudo, ainda sem entender bulhufas, Draco ergueu as sobrancelhas como se esperasse a resposta. Ela revirou os olhos castanhos, demonstrando já imaginar que o Malfoy não iria conseguir adivinhar do que se tratava.

— Vou fazer um bolo de caldeirão.

Doce.

Tinha que ser doce.

— Eu preciso comer?

E Ginevra sorriu.

— Queridinho, assim que você sentir o cheiro vai me IMPLORAR por um pedaço.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

N/A: Olá pessoas!
E aí, o que acharam da interação dos dois? Tá ficando fofo? Tá muito melado? OPINEM! Eu quero saber!
Preciso que ressaltar que:
1. Não acho mesmo que o Draco seja do tipo que gosta de doces. Tem todo jeito de quem não gosta dum chocolate, não tem? Não sei vocês, mas é a concepção que eu tenho. Talvez seja influência do Manual de Sobrevivência, mas enfim! Não o vejo lamber os beiços por causa dum doce. Me julguem.
2. A música que eu imaginei para eles foi a do Florence + The Machine – Shake It Off, mas eu decidi que não ia colocar no capítulo para cada um imaginar o que quiser. Não é importante para o desenrolar dos fatos, então meio que tanto faz.
3. Ponderei muito e quase transformei aquela primeira cena em uma N/C, mas ainda estou meio insegura para esse tipo de cena e fui só até onde achei que ficava bom hahahahaha não sei se ficaria bom alguma N/C para essa fanfic. Por mais que seja mais “adulta”, estou meio incerta. Pode ser que sim, pode ser que não, o que vocês acham? Me deem um norte!
4. Adoro escrever sob o ponto de vista do Draco! Não que seja ruim escrever pelos olhos da Gina, mas sei lá, acho mais fácil pensar como o Draco do que como ela. Isso me torna uma vilã? Não sei. Provavelmente hahahaha.
Vejo vocês domingo, meninas! Beijos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pontual" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.