Receptáculo escrita por Meredith Grey


Capítulo 5
Capítulo IV | Pesadelo




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Eu não via Sarah, ela se mantia dentro daquele apartamento. Eu estava muito preocupada, havia feito duas amigas em uma semana e, em uma manhã, as perdi. A família de Julie tinha vindo para cá e a levaram para sepultar em Rhode Island, sua terra natal. Por algum motivo, insistiram em culpar Sarah, e eu os ouvia discutindo. Falaram que se não fosse por ela, Julie nunca teria vindo para LA. Tentei me apresentar a eles, mas não foram muito simpáticos. Não os culpo – diferente deles mesmos, pois não entendiam que Sarah também sofria –, a julgar pelo que estavam passando.

Passaram-se alguns dias, e certa manhã acordei atordoada. Tivera o pior pesadelo de toda a minha vida. Eu estava saindo da faculdade, com Nicholas. Ele me disse que iria colocar uma carta na caixa de correio e vi um ônibus, esses de escola. Uma menininha acenou para mim, e quando vi, Nicholas estava quase no meio da rua. De repente um carro veio a toda velocidade e o atingiu em cheio. Vi Nicholas sendo arremessado e seu pescoço... Meus olhos se encheram de lágrimas. Seu pescoço estava virado de modo impossível, para quem está vivo. Gritei horrorizada, e acordei.

Nessa manhã, Sarah apareceu quando eu estava saindo de casa para tomar um café-da-manhã antes da faculdade. Tentei disfarçar o modo como eu estava, ainda abalada pelo pesadelo. Muito abatida, puxou papo comigo, rouca.

— Oi.

— Oi – respondi, impressionada.

— Sinto muito pelos gritos do outro dia. Você só estava tentando me ajudar e eu fui ingrata.

— Não se preocupe com isso. Eu entendo.

Houve um breve momento em que ficamos em silêncio. Olhei para meus pés.

— Que tal um chocolate quente? – Eu disse, tentando manter o bom astral. – Certa vez você marcou comigo que iríamos tomar um.

— Bom, não é uma má ideia.

— Então, vamos!

Ao sairmos do prédio, vi um carro que me pareceu familiar e dois sujeitos indo em direção a ele. Calma. Não, não poderia ser. Os dois caras em Sacramento? Sério? Respira. E lá estava... Sam? É, Sam e Dean, esses eram seus nomes. Certo, Charlie, não se emocione demais. Caminhe em direção à caminhonete como se não tivesse visto nada. Quem sabe eles reconheçam você.

—______

— Ei Dean, olhe lá, acho que é a garota do motel em Sacramento – disse Sam, encarando-a como se não a quisesse perder de vista.

          - Não perca o foco, cara. Temos que descobrir o que está matando estas garotas. – Disse Dean, mas Sam continuou olhando para Charlie.

         - Ok. Temos três garotas mortas, 20 anos, Olivia Miller, Julie Howard e Rachel Allen. A última morreu ontem à tarde.

         - Elas também estudavam na Universidade da Califórnia, aqui em Los Angeles.

         - Isso não é tudo. Olhe, as três morreram de infarto. Como duas garotas de 20 anos morrem de infarto?

         - É o que vamos descobrir! – disse Dean animado.

         - Então, é o necrotério. Está tão animado assim?

         Não se ouviu resposta. Eles permaneceram andando em direção ao Impala, entraram e Dean acelerou rumo à próxima rua.

          “Mas o que será que aquela garota está fazendo aqui?”, pensou Sam.

         _______

         Eles passaram reto e entraram no carro. Não se lembravam de mim? É claro, passamos menos de 5 minutos juntos naquele hotel barato, nos apresentamos e aquele foi o momento mais memorável da vida deles. Pare com isso e entre na caminhonete.

Sempre gostei desse meu lado idiota. Ele me deixa mais inocente. Fico falando sozinha, me xingando, me corrigindo. Mas assim é melhor, me impede de errar, de me arrepender. Sempre ouço as pessoas falando “é melhor se arrepender do que se fez, do que daquilo que não se fez”. Ridículo pra mim. Se você fez, não dá pra voltar atrás. Se você não fez, também não dá. Peso igual. A escolha é sua, então não se deve sair fazendo tudo o que vem à mente. Mas esse meu lado idiota, além de me deixar inocente, também me deixa mais madura. Confuso, não é? Sabe, eu penso. Penso muito, sou uma pessoa de poucas palavras.

Fiquei me perguntando o que será que eles estavam fazendo em Los Angeles. Mas então lembrei de Sarah, quando ela falou comigo, e soube que não fui a única que notou Sam e Dean.

— Ei, percebi como você estava olhando aqueles caras.

— Percebeu?

— Aham, você estava olhando como se estivesse esperando alguma coisa deles. Eles eram bem gatos, mas porque reparariam na gente?

— É que eu...

— Você o quê?

— Eu... Sou bem otimista, você que está pra baixo.  - Desisti de admitir que já os havia visto.

— Charlie... – Droga, escolhi as palavras erradas. É isso que dá sair falando sem pensar antes. Percebi algumas lágrimas caindo de seus olhos.

 - Calma, me desculpe. Eu quis dizer que a vida continua, ela não ia querer que você deixasse um cara de lado por causa disso, não é?

— Acho que não.

— Então pare de chorar. – disse, enquanto eu levantava seu queixo e limpava as lágrimas com o polegar. – Café?

Ela simplesmente sorriu e eu girei a chave. O motor ligou e começamos a andar. Lembrei do ocorrido com Julie, o que me fez passar longe da cafeteria próxima. Lembrei do senhor Duncan, e das longas conversas que tínhamos, quando eu respondia com longos “é mesmo?”, “hm” ou “aham”.

 - Meu chefe disse que perto da universidade há uma lanchonete que faz ótimas panquecas. Quem sabe possamos comer lá – Comentei.

Ela balançou a cabeça e continuou o que estava fazendo antes, olhar através da janela. Pus a caminhonete a caminho da quadra da universidade, onde eu iria desacelerar e começar a procurar. Harry’s, um letreiro grande – não havia como não encontrar.

Finalmente encontrei o lugar, que tinha um ambiente ótimo. No ar estava o cheiro de bacon, ovos e café novo. Pedimos o chocolate-quente e algumas panquecas com cobertura de caramelo. Às vezes eu comentava o quão estava delicioso o chocolate e como eu estava feliz em vê-la melhor. Ela sorria melancólica para mim e olhava para os lados, procurando algo para observar e fugir da minha tentativa de conversar. Não que eu fosse de conversa - já deixei isso bem claro - mas Sarah precisava de apoio, mesmo que não quisesse.

— Bem, acho que eu deveria ir pra aula. Você quer... - Tentei dizer.

— Tenho que marcar minha recuperação, você sabe, faltei alguns dias, então vou, sim, com você - Ela parecia entender meus pensamentos, e de repente eu via nela o apoio de que eu precisava desde que viera para Los Angeles.

— Claro - Levantei-me. - Mas essas quadras podemos ir caminhando, não? Seria bom pegar um ar.

Ela sorriu. Eu soube que a estava ganhando. Gostava do jeito que ela dizia sim, simples e parecia dizer tudo.

Quando entrei na sala, Nicholas já estava lá. Acenou para mim, e acenei de volta. O professor Johnson veio até minha direção para elogiar minha primeira redação, tirando-me sorrisos satisfeitos.

— Senhorita Michaels, que bom vê-la. Sua redação sobre a arte paleolítica... Um verdadeiro primor. Devo dizer que não vejo tantos textos ótimos, a não ser na classe de jornalismo, onde também dou algumas palestras. Você se encaixaria bem lá.

O professor Johnson não foi um exemplo de simpatia nos primeiros dias, mas ouvir isso dele me fez muito bem.

— Acho que estou me saindo muito bem aqui, senhor. Adoro escrever, mas amo a arte. Essa diferença me fez escolher estar aqui. Além disso, ainda vou fazer licenciatura.

— Mesmo assim, sinto que você será uma das minhas melhores alunas.

— Espero que sim, professor. E um dia terei meus alunos também.

Fui radiante até a cadeira, e Nicholas percebeu minha animação.

— O velho Johnson já está tentando você?

— Como assim? - Minha expressão era de assustada e meu tom de voz subiu uma oitava.

— Sua nota - apontou para a redação. - Normalmente ele só entrega sem muita conversa. Ele te convidou para fazer Jornalismo, não foi?

— Como sabe?

— Não é a única com um cérebro por aqui - Mostrou-me a redação dele. - Mas digamos que eu já impus os limites necessários.

— Limites?

— Você está muito engraçada, toda confusa - Rimos juntos. Realmente, parecia que eu estava fazendo um questionário. Pergunta, resposta, pergunta, resposta.

— Desculpe. Só mais essa.

— Sem problemas.

— Limites?

— Você passa o ensino médio todo se preparando para o vestibular, escolhendo cursos, universidades... Às vezes a profissão é um sonho de criança, que se escolhe aos doze, treze anos. Então, do nada, um sujeito pergunta se você quer jogar suas decisões no lixo, pelo simples capricho dele de gostar de jornalismo e afins. Por favor - Caramba, ele estava revoltado.

— Complicado.

— Exatamente, mas ele acha que é fácil assim.

Fiquei em silêncio e a aula começou. Lembrei de meu pesadelo, involuntariamente. Comecei a tremer e Nicholas me perguntou se estava tudo bem. Apenas assenti com a cabeça, mas não consegui enganá-lo.

— Vamos, me conte. Você está ficando pálida.

— Não é nada. Preste atenção na aula, se não depois você fica me pedindo pra emprestar minhas anotações.

Ele bufou com minha resposta e virou-se para prestar atenção. Nicholas era muito inteligente, mas era um pouco distraído. Porém, naquela manhã, nem eu prestei atenção. Meus pensamentos ficaram me torturando, lembrando meus sonhos infortunos. Quando vi, a aula havia acabado. Algumas conversas paralelas aumentaram o volume e Nicholas estalou os dedos para mim.

— Terra para Charlie! Consigo contato?

— Oi, oi - eu disse, voltando ao mundo real. - Desculpe. O que foi?

— A aula acabou senhora passageira. A viagem acabou.

Ri sem humor, e ele não deu muita bola.

— Eu estava pensando - Continuou. - Você não quer almoçar comigo?

— A-almoçar? - Gaguejei.

— Sim. Sabe, aqui não podemos conversar muito bem. Vamos?

— Olha... - Eu não estava considerando muito aquela ideia, mas Nicholas foi insistente.

— Por favor...  - Disse, e pegou em minha mão.

— Ok - Tirei minha mão daquele contato. - Mas pare com essas melancolias. Seja homem! - Rimos e ele me fez esquecer daquele pesadelo.

Estávamos saindo da universidade quando ele falou comigo.

— Charlie, preciso colocar esta carta na caixa de correio, ali do outro lado da rua. Me espere aqui.

Vi então um ônibus escolar. Estava tendo um dejàvu? Aquela cena me era familiar. Foi quando a garotinha acenou para mim, e eu sabia o que estava acontecendo.

— Nicholas! Não!

Corri em sua direção e puxei seu braço com tanta força, que caímos no chão da calçada. Um carro passou rente a nós, movimentando o ar à nossa volta e fazendo minha franja se espalhar pelo rosto. Ficamos parados e em silêncio por um momento, tentando nos recompor do episódio e entender o que havia acontecido.

— Charlie... Obrigado - Ele disse, em choque. - Mas, como soube que o carro... Iria... - Ele não terminou a frase, esperando que eu entendesse. Fiquei em silêncio, mas continuava esperando a resposta.

— É que eu tive... Uma intuição, sei lá - Segunda vez que eu escondia algo de alguém naquele dia. Não era bom sinal.

— Seja o que for, salvou minha vida. - Começou a se levantar e estendeu uma mão para mim. - Isso não vai ser como eu esperava, mas...

— O quê? - Eu disse, mas ele me calou, me beijando. Nicholas era um cara legal, mas percebi que o relacionamento que ele queria para nós não era o mesmo que eu queria. No início, estranhei aquilo, mas logo cedi ao beijo.

— Isso foi...

— Bom - Ele completou minha frase.

— Eu ia dizer estranho - eu disse, mas quando vi que sua expressão alegre estava indo embora, acrescentei: - Mas bom também serve. É que estamos no meio da calçada. - Menti. Naquele momento eu não queria beijar ninguém. Bem, talvez uma pessoa. Achei que o sorriso de Sam combinaria exatamente com os meus lábios rosados, mas isso era apenas um detalhe.

— Ah, é. - Ele deu um meio sorriso. - Tudo bem, o almoço ainda está de pé?

— Claro, estou com fome.

Pegamos meu carro e ele quis dirigir. Sinto um pouco de ciúme quanto à lata velha, mas eu não pude negar. Eu estava ainda em choque. Como pude sonhar aquilo? E como aquilo foi se realizar? Já havia escutado alguma coisa com relação a essas coisas, paranormalidade e visões, mas não acreditava muito nisso. Mas que explicação eu deveria dar àquilo? Não importa.

Seja o que for, salvou a vida de Nicholas e eu estava feliz por isso.

Eu estava olhando para o nada, tirando minhas conclusões, quando ouvi o ronco da caminhonete parar. Nicholas olhou para mim, mas permaneci naquele estado. Ele saiu da caminhonete, deu a volta e abriu a minha porta. Foi quando percebi que estávamos em frente ao restaurante. Desci, ele acionou o alarme e segurou minha mão. Logo a tirei, e a coloquei no bolso.

— Não posso? Me desculpe. - Disse ele, decepcionado.

— Eu só não quero te dar uma impressão errada disso - Eu respondi, ele olhou para os sapatos. - Acho que queremos coisas diferentes.

— Eu quero você. - Falou bem direto, mas não me surpreendi.

— Foi o que pensei. Mas eu não estou pronta para um relacionamento, pelo menos por agora.

— Eu não vou desistir.

— E nem quero que desista. - Ele sorriu e eu sorri de volta.

Entramos no restaurante. Eu estava com fome, mas não liguei muito para isso.


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