Revolution of the Daleks escrita por EsterNW


Capítulo 16
O ato da compadecida




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Havia se passado uma semana, era isso? Dependia muito de que semana estava falando, se era ao redor de um sol, sobre a superfície de um planeta ou perdida no vórtice temporal, mas era ainda mais complicado quando se estava em uma prisão milenar — ou seria secular? — no meio do espaço profundo. De todo modo, a Doutora sentiu como se tivesse passado uma semana, e ponderou sobre isso com seus colegas de cela, mesmo que ainda estivessem inebriados em demasia esperando por novas informações.

— Já disse, Rani está trabalhando para contatar um dos mirtilos — ela disse sem pretensão, afiando uma pequena estaca que esculpiu a partir de um talher que vinha com a comida. Continuavam recebendo a mesma papa insossa e possivelmente letárgica, então aproveitava para fazer isso todos os dias. Ao menos ajudava a passar o tempo. — Ou uma das maçãs verdes, ainda não temos certeza.

— Maçãs verdes são as que destrancam as portas? — perguntou Ahmar coçando a cabeça.

— Esses são os pêssegos — rebateu Arijwani. — Maçãs verdes são as que limpam. 

— Na verdade essas são os mirtilos — disse a Doutora com uma careta. — As maçãs verdes são as mais altas, por assim dizer, difíceis de se pegar do pé.

Eles haviam designado um código para falar dos guardas Daleks da prisão. Não que isso fosse impedir a raça com as mentes mais mortais do universo de descobrir o que falavam, e ainda andavam ocupados em consertar o “defeito” de seu experimento, mas a Doutora achou aquela uma ideia divertida e minimamente precavida.

Não era possível ter certeza se os Daleks sabiam de toda a anatomia Gallifreyana, como o fato dos habitantes do planeta poderem se comunicar telepaticamente uns com os outros em pequenos graus, mas eles não se importavam e estavam se utilizando disso com frequência nos últimos dias. Toda a coisa havia se banalizado, de certo modo, contudo ainda era extremamente útil. O plano não poderia seguir da mesma forma, estando eles todos presos e em celas distintas agora, porém estavam dando um jeito.

A Doutora esperava que tudo começasse antes dos Daleks decidirem que não importava quantos deles mesmos morressem para o aprimoramento daquela máquina, e sim apenas realizar a grande revolução que pretendiam. Era um cruzar de dedos, braços e pernas sem fim que ela fazia, constantemente tentando pensar que tudo ocorreria bem. Estava voltando a ser otimista, olha só! Podia ser a influência dos companheiros de prisão, ainda que mesmo Arijwani andasse duvidando de tudo.

Começou a lembrar de uma música. Seus amigos de outros planetas ouviam muitos estilos, e era divertido parar entre uma aventura e outra apenas para relaxar e ouvir uma melodia terráquea. Lhe veio à mente uma que Bill colocou certa vez. Ou seria Clara? Talvez a Mel. Não, tinha quase completa certeza de que foi Bill. 

 

Those cool kids

Stuck in the past

Apartments of cigarette ash

Wait outside until it begins

Won't be the first ones in

Spend your life waiting in line

You find it hard to define

But you do it every time

Then you do it again

 

Looking for signs of life

Looking for signs every night

But there's no signs of life

So we do it again

Looking for signs of life

Looking for signs every night

But there's no signs of life

So we do it again

 

A melodia a acalmou por poder brevemente se imaginar de volta em sua TARDIS, deitada à beira da piscina lendo mais um mistério de Agatha Christie e fingindo que não sabia quem era a atriz italiana aposentada, o pai que cometeu um crime no passado ou mesmo a empregada que fez tudo parecer acaso. E teria ainda a incomparável companhia de seus amigos, se esses fossem os dias bons. Tinham de ser.

Precisava voltar para a Terra depois disso, se tudo terminasse bem. Se acabasse morrendo e regenerando, talvez seu próximo eu não quisesse isso, e não culparia quem quer que fosse. Ela ainda pensava em fazer apenas uma visita para se despedirem devidamente, e então seguir pelo espaço. Talvez levasse Ahmar e Arijwani consigo. Seriam companheiros interessantes, embora Gallifreyanos em excesso. Mas já teve uma companheira Gallifreyana, não? Isso, Romana! E ela estava sob seus pés agora, ou sua cabeça, nunca sabia. Estava congelada no tempo, um limiar entre o ser e o não ser. A Doutora precisava agir sobre isso! 

Deixou o corpo amolecer e cair sobre o piso. Isso estava começando a formar elevações em seu crânio, mas não se importava. Era uma maneira eficaz de entrar em contato com os outros.

No mundo construído por sua mente, um pequeno terreno gélido e com forte ventania esperou, com a mão na testa, que seus companheiros se juntassem.

— Uma nevasca, minha cara? — disse o Monge se sentando ao lado dela. — Nada acolhedor.

— Melhor do que castelos velhos — disse Khayin caminhando com os braços cruzados em um casaco de frio. — Tenho quase certeza de que vi um rato por lá.

— Pode ter sido o Stewart — disse a Rani completando a mesa. — Eu ensinei ele a fazer contato.

Os três trocaram olhares e acabaram explodindo em gargalhadas, quase rachando o piso de gelo.

— Essa foi boa, Rani — disse o Monge. — Você finalmente entrou no meu tipo de humor.

— E eu tenho cara de quem faz piadinhas, seu palerma? 

— De fato não o tem, amiga — disse o Mestre caminhando e deixando pegadas no chão frágil. A Doutora voltou à realidade de quem eles eram e do que representavam. — Mas uma pergunta minimamente relevante: a conexão não vai ficar instável com tantos de nós aqui?

— Não somos burros — disse Khayin. — Somos os melhores nisso.

— Certo. E nós Senhores do Tempo também nos dizíamos os melhores em tudo, mas vencemos a Guerra?

— Ninguém venceu a Guerra — disse a Doutora sem se segurar.

Todos a olharam com expressões que formariam um belo mosaico, mas não deu importância a isso por enquanto. Tinha questões para tratar.

— Hipnotizar uma maçã verde, fazer ela abrir as selas, libertar os prisioneiros em suspensão e iniciar a maior revolução que Shada já viu. Procede? — Ela disse tudo em um fôlego, repassando o que já haviam discutido. Ainda não parecia um plano com cem por cento de credibilidade, mas estava andando.

— Precisamos dar armas ainda — disse o Monge. — Não vou arriscar perder esse rosto tão cedo. Tive uma regeneração escandalosa que usava um bigode maior que o de Rassilon. Tenha piedade.

— Mas é fácil pegar as armas — disse Rani se inclinando para trás. — Só precisamos arrancar deles. Se quiserem poupar trabalho tiramos o braço inteiro, é mais prático.

— Gostei — disse o Mestre.

— Eu não. — A Doutora estava furiosa, se dando conta mais uma vez da natureza cruel e sanguinária deles. — Não precisamos derramar sangue dos nossos.

— Eles nem tem mente mais — disse Khayin, ainda que ninguém se importasse com isso. — São só zumbis. Vamos lá, Doutora Basil, pise no calo deles e então decepe seus braços. Não vai doer em um cadáver ambulante. 

Ela odiava a ideia de infringir dor em inocentes, ainda mais por saber que já estavam condenados. Infelizmente era só olhar para suas caras para ter a certeza de que eram Daleks até os ossos. Mas nem sempre podia salvar à todos, essa lição aprendeu com os anos, ainda que quanto mais se importava mais difícil parecia admitir para si mesma que era assim.

— Façamos o seguinte — voltou-se para eles —: Rani planta a mensagem na mente de um dos guardas.

— Não eram maçãs?

— Sim, desculpe. Rani faz isso e espera que dê resultado. E então tudo começa. Não vai ter recuo, não vai ter terceira chance ou probabilidade pra improvisos que acarretem em erros estúpidos. É agora ou morremos aqui.

— Tudo bem, querida, não fui eu quem deu um pé atrás da última vez.

— Você quem deu dois pés à frente sem necessidade.

— Sempre tão prepotente, Doutor. 

— Pense o que quiser de mim, Rani. Mas deixemos isso de lado. Desarmem os guardas do modo mais inofensivo possível — Alguns se decepcionaram ao ouvir isso. —, libertem os demais prisioneiros próximos à vocês e não se esqueçam de me pegarem. Porque eu juro que se deixarem essa prisão sem mim, vou persegui-los pelo resto de suas regenerações. E eu já estou no décimo quarto corpo, ao menos do que me lembro, quem quer arriscar?

Eles se entreolharam com sorrisos.

— Não somos desleais — disse o Mestre.

— Não mesmo agora que te temos em uma coleira — disse Khayin estalando os dedos, o que fez as correntes voltarem a segurar o Mestre, o que o enfureceu. Compadecida, a Doutora as fez sumirem. Ao menos esperava que dessa vez o Mestre estivesse falando a verdade em ser leal, mas de todo modo tinha cartas nas mangas, e suas mangas eram maiores por dentro.

— Não se esqueçam de que precisamos de verdade dos prisioneiros — ela complementou. — Só conseguiremos entrar nas mentes mortas dos guardas e fazê-los nos guiar para os Daleks se estivermos em sincronia.

— Nesse caso — disse Khayin —, acho que é importante que eles tenham alguns dos membros intactos.

A Doutora sorriu pelo mínimo de compaixão dele.

— Só de alguns — disse Rani. — Poderemos nos divertir.

Ela pretendia rebater, mas um barulho a envolveu. Era algo do lado de fora em sua cela, que fez seu mundo se turvar e a arrancou do contato. Isso, contudo, apenas para ver dois guardas se aproximando. Era isso, Rani, essa era sua hora. 

 

O pequeno complexo de celas de alta segurança no qual os cabeças da primeira rebelião se encontravam era consideravelmente sujo. Não que os demais centímetros da prisão não o fossem, mas ali o piso chegava a ser pegajoso.

Eles passavam horas sobre as próprias camas, meditando. O Mestre era o melhor nisso, mas Rani não ficara para trás. Além disso, ela tinha a mais que adequada companhia de Stewart, um roedor que passou a ser seu único companheiro de cela, e com o qual podia jurar que conversava. Ao menos quando não estava fazendo experimentos nele para observar como a comida e os elementos químicos das paredes de Shada reagiam no seu organismo.

— Companheiro, chegou o seu momento — ela disse sentando na cama e encostando a cabeça na do rato, certa noite, logo após encerrar um contato imediato. Ele pareceu sentir o que ela queria dizer, e com os bigodes trêmulos deu um salto de sua mão, descendo e cruzando a única brecha da porta da cela, por onde a comida era deixada, e suficiente apenas para que uma mão passasse. Mas na falta de um membro da família Adams, Stewart foi de grande serventia.

Um guarda — ou maçã verde — não tardou a pressenti-lo no chão. Era claro que não demoraria, e o rato sabia disso.

Ele se voltou de um jeito mecânico, que certamente quebraria seu pescoço se esse ainda fosse um problema. Agora andavam com os olhos das testas constantemente à mostra, mas as armas das palmas contidas. Bastou, porém, apenas que aquele ratinho o fizesse caminhar até a cela de Rani para que abrisse fogo. Acertou apenas o chão, por sorte do pequeno, mas não iria desistir da captura.

Quando Stewart entrou de volta, o guarda direcionou a mão para pegá-lo, através da brecha. Contudo, Rani já estava ajoelhada na imundície do lugar e puxou seu braço até o ombro para dentro, o espremendo. Desse modo foi também possível apenas tocar o mais próximo de sua testa e dizer apenas uma frase, uma sequência de palavras sem significado algum para aquela mente vazia, mas com algo de real para um amontoado do que restava daquele Senhor do Tempo. E foi o bastante. 


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Notas finais do capítulo

Will: A música que a Doutora cantarola se chama “Signs of Life” e é da banda Arcade Fire. Vocês podem conferir na playlist que a Ester criou pra história. Bom, sobre o capítulo, entraremos já no season finale, por assim dizer, dessa história. Espero que gostem!

Ester:
Eita, agora vai? Será que agora é real ou apenas uma armação dos daleks? Veremos, veremos nos últimos capítulos :~

Agora também temos a playlist que eu fiz enquanto escrevia a fic, só garanto que tá mais pesada do que costumam ser xD
YouTube pra quem é de YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtd2o93Ew-C1f8Rz67DzObRuD8KTHxifB
Spotify pra quem é de Spotify: https://open.spotify.com/playlist/53UIzzXPQzVxX63BrYuz2E?si=lH6XxSrDQ92dDXy4U5wFKg

Até semana que vem o/

CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO:

[...]

Levou apenas segundos para a dupla de guardas dispararem a primeira rajada de tiros e os primeiros Senhores do Tempo atingidos irem ao chão, agonizando enquanto o processo regenerativo demorava a tomar início.

[...]

— E quem é você para nos dizer o que fazer, senhora presidente? Sequer foi capaz de lidar com a guerra e acha que vai nos guiar para fora daqui?

[...]

— Isso vai ser um massacre.
— Para nós ou para eles?

[...]

— É claro que não seria tão fácil.
— Fácil com certeza não vai ser, mas podemos complicar as coisas ainda mais para o lado daqueles saleiros malditos.