I see you escrita por Kizimachi, Luh Castellan


Capítulo 2
Decisões




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/791546/chapter/2

Aos poucos o lugar ia lotando com as pessoas que chegavam e preenchiam os espaços vazios ao nosso redor. No balcão, doses e mais doses deslizavam até seus donos sedentos por um pouco de álcool. Os lábios secos sempre à procura de algo mais forte, algo que rapidamente esquentava o sangue que corria pelas veias. Era energizante, caloroso, típico. 

Amanda tentou me acompanhar nas doses de tequila, e assim que virou a primeira, sorri imaginando o líquido descendo ardente em sua garganta. Pareceu até projetar uma sensação comum quando olhamos uma para outra e rimos sem motivo algum.  Dou batidas leves sobre o balcão e ela estreitou os olhos enquanto sentia o gosto da tequila ainda na ponta da língua. 

  - Isso, garota! – Gritei eufórica, e ela riu - Da próxima vez, pede com limão e sal. Talvez você ache melhor. Vou pedir mais duas doses. Uma pra mim, uma pra você, ok? - Ela acena positivamente e entrego as fichas ao barman.

  - Com quem estava conversando quando cheguei? – Pergunta. Dou de ombros apoiando os cotovelos sobre o balcão, inclinando meu corpo enquanto encarava o barman que me servia alegremente.

— Pedro. Um cara que dei match no tinder. É baixista, acredita? -  Assim que as minhas doses deslizam até mim, viro uma rapidamente, e sorrio para mim mesma derramando junto com a bebida qualquer resquício de receio, imaginando o quão rápido meu corpo cederia se continuasse naquele ritmo. 

— Você tem um fetiche por músicos? - Sorrio. Amanda me conhece como ninguém. - Sério, eu lembro de, no mínimo, umas quatro pessoas. Teve até aquela vocalista daquela banda que tocou no…

— Xiu - Falo, pondo o dedo indicador nos seus lábios. - Não precisamos abrir o museu, querida. Beba.

No salão as pessoas dançam coladas umas às outras sem se importar. Os flashes de luz de tons azuis, vermelhos e brancos clareando as cabeças alheias daqueles que se entregavam por completo. A noite devorando as pessoas que não tinham hora de voltar para casa. 

Quando terminamos as doses, ouço uma voz bastante comum nos alto falantes, seguida de uma batida dançante inconfundível. Olho para Amanda, que estava com uma expressão de dúvida para mim. Acho que devo ter expressado alguma surpresa com a música que tanto adoro.

— Digital Witness, Amanda! - Ela mantém a mesma expressão. - St. Vincent, porra! Eu mandei você ouvir - Com uma expressão de mea culpa, ela fala:

— Ainda tá na minha lista do spotify e...

— Foda-se, eu adoro essa música, vem dançar! - Digo segurando uma de suas mãos.

A puxo até a pista de dança, passando pelos corpos dançantes até chegarmos ao centro onde, aos poucos, a multidão vai se moldando e abrindo espaço. Solto sua mão e a encaro com um sorriso travesso enquanto ergo os braços e danço a sua frente. Ela ri da situação e tenta me acompanhar. 

 

Amanda era assim. Às vezes, eu me perguntava se necessariamente era algo dela ou um reflexo da psicologia, que sempre a fazia se moldar em locais diferentes, em horas diferentes. Era como se existissem várias versões de uma só pessoa. Não era difícil imaginá-la em uma sala mostrando seu lado mais sério e compreensivo para um de seus pacientes e, alguns minutos depois, dançando nesta boate, ou nua em seu quarto, ou… espera, por que pensei isso? 

— O que foi? - Amanda pergunta no meu ouvido, me tirando do meu devaneio. Fecho os olhos e volto a dançar.

Movo os ombros e meus cabelos pulam sobre a minha cabeça. Sinto a euforia subir por todo o meu corpo, resultado da tequila, do calor das pessoas ao nosso redor, de uma das minhas músicas favoritas. 

Quando abro os olhos, Amanda está tão perto de mim que consigo sentir o rastro de seu perfume doce, que se destaca em meio aos outros. Ela segura minhas mãos, e me puxa cruzando nossos dedos. Move o corpo sensualmente enquanto me guia junto ao seu ritmo.  É como se nada mais existisse ao nosso redor. E, por muitas vezes, senti isso com ela. Quando estava junto dela, era como se o mundo inteiro se resumisse a nós duas. 

Todas as pessoas têm histórias, estas formadas por outras pessoas, por locais, por sentimentos, mas, quase sempre, buscando um único sentimento: felicidade. Aqui, neste momento, todos estão vivendo uma história semelhante. Vieram desopilar, fugir um pouco das suas vidas, anestesiar o espírito, seja com álcool, outras drogas ou com a música somente. E esta é mais uma das várias histórias que tenho com Amanda. De um jeito ou de outro, é como se o sentimento buscado sempre estivesse nela. 

Ergo nossos braços e me viro, os passando ao redor da minha cintura. Amanda ri e pousa a cabeça no meu ombro enquanto seu corpo rebola junto ao meu. Quando nossas mãos se soltam eu me viro para encará-la e passo as mãos sobre seu rosto, apreciando as últimas batidas que anunciavam o fim da música. Amanda joga a cabeça para trás, e a voz de St. Vicente se perde pela multidão até ser suprimida por uma que eu já não conhecia. Amanda passa o braço pelos meus ombros e juntas voltamos para o balcão onde eu peço mais uma dose de tequila, e ela água com gás.

— Sério isso? – Pergunto, bebericando a dose, e a desafiando com o olhar. Ela dá de ombros enquanto alcança a garrafa de água com gás com um canudinho colorido. – Você mal chegou e já está se rendendo? 

— Eu tenho que me controlar...

— Se controlar? Você quer se controlar hoje? Aqui? – Rio, colocando a dose de tequila em cima do balcão. 

— Alguém precisa cuidar de você afinal. –  Diz me fazendo revirar os olhos, vendo todo meu desejo de que saíssemos daqui se apoiando uma na outra de tão bêbadas, se desfazer em um só instante.  

Passo a mão pelos cabelos tentando tirá-los do meu rosto. Estava tão suada que a blusa colava sobre a pele. Amanda usava uma calça de cintura alta meio folgada com um cropped branco bem justo. Os lábios de um vermelho delicado formavam um sorriso. Quando a avistei na entrada da boate, imaginei que essa noite seria... diferente. 

— Eu não posso deixar você passar a noite inteira na água com gás. – Aceno para o barman e Amanda fica me encarando confusa. – Me traz uma caipirinha. 

— Giovanna! Eu já bebi tequila e...– Sorrio. 

— Você vai beber mais sim! Para pelo menos recompensar o seu atraso. – Ela revira os olhos.

— Tá, tá. Uma caipirinha e só, ok?

— Veremos, meu anjo.

Enquanto esperamos as bebidas, tiro uns segundos para observar um pouco todas aquelas almas, buscando juntas cada um seu ópio diferente. 

 

“Se de noite chorares pelo sol, não verás as estrelas” 

Rabindranath Tagore

       

Dançamos mais algumas músicas e cedemos ao cansaço momentâneo, nos encostando de uma das paredes da pista de dança. Me volto para Amanda, que está de olhos fechados ao meu lado, balançando sua cabeça lentamente no ritmo de um remix de feel the morning on my face. Repito seu gesto, o que me leva a perceber três coisas. Primeiro: não lembrava o quanto esta música pode ser sexy. Dois: estou ficando bêbada. E rio com essa descoberta. Três: antes de fechar os olhos, notei Amanda lambendo os seus lábios, e eu nunca tinha parado para pensar o quão sexy ela é. 

Um toque no meu pescoço me despertou dos meus pensamentos. Abri os olhos e, olhando para cima, reconheci aqueles orbes negros desafiadores. Marina. E ela ainda tem o mesmo costume de tocar o pescoço de maneira bem provocativa. Devo estar arrepiada, mas o álcool está confundindo essa percepção.

Meu olhar percorreu - com uma certa familiaridade - seu rosto anguloso, emoldurado pelos cabelos lisos e platinados. Eu costumava apelida-la de Daenerys Targaryen por causa disso, apenas para vê-la revirar os olhos como uma jovem emburrada, contrariando a maturidade escondida naquelas íris da cor da noite. Sua pele clara chegava a brilhar na meia luz da boate e criava um contraste perfeito com o vestido preto de gola alta, que ressaltava suas curvas nos pontos certos. Definitivamente, não era uma figura que passava despercebida.

— Giovanna. Sempre por aqui. É sua namorada? - A pergunta foi sussurrada diretamente no meu ouvido. Com a proximidade, fui inundada pelo seu perfume de sempre. Extremamente doce e viciante.

— An…  não - Respondo, empurrando-a levemente. Não é seguro manter Marina tão perto. Cutuco Amanda com o cotovelo, tirando-a do seu transe. - Amanda, essa é Marina. Marina, Amanda. 

Antes de cumprimentá-la, Amanda me olhou rapidamente com uma expressão de espanto. Ela sabia quem era Marina, afinal, é um dos meus únicos casos mais duradouros. Quase namoramos, até eu descobrir, há pouco mais de um ano, que ela era casada. Nos relacionamos por uns seis meses. 

Amanda estendeu a mão em um cumprimento casual, mas Marina a puxou pelo pulso para um abraço. Pude notar que Marina falou algo no ouvido dela, algo que a fez sorrir.

— Vem, vamos beber. Por minha conta - Marina fala, puxando a mim e minha amiga pelos braços. Olho para Amanda, que dá de ombros.

— Então… onde está sua esposa? - Pergunto.

— Acabamos há uns meses.  E você, Gigi - Tremo com o apelido que ela usava nos momentos mais… íntimos -, o que tem feito nesse tempo?

— Estágio, projetos de pesquisa… - ela esboça seu clássico sorriso de lado e pergunta:

— Não tem vivido? - E se vira, no bar, para pedir algo ao atendente.

— Não se deixe levar pelas desculpinhas dela. Ela se diverte até demais - Amanda responde por mim. Olho para ela com uma expressão de reprovação, mas seu leve sorriso mostrava sua diversão com a situação. 

— E você, Amanda, o que faz da vida? - Marina se vida com duas doses de um líquido esverdeado, estendendo uma para mim e uma para Amanda.

— Eu… - Ela esboça uma certa preocupação com a bebida, mas a pega, enquanto eu já levava a minha aos lábios. - ...curso psicologia. 

Eu já desconfiava que aquilo fosse absinto, mas, só pelo cheiro, confirmei minha tese. Senti todo o caminho do líquido extremamente forte pela minha garganta. Amanda afastou um pouco o rosto ao tragar o pequeno copo.

— O que foi? - Indaga Marina com seu típico sorriso desafiador. - Você parece ser uma pessoa forte, não me diga que vai desistir de tomar uma bebida tão… preciosa como essa - Amanda respirou fundo e virou o copo, tossindo em seguida. - Pena que aqui é só é liberada a versão de 50% de teor alcoólico.

Em espanto, Amanda indaga:

— Há versões mais fortes disso?!

— Há uma versão de 89,9%, querida - Respondo, após dar de ombro.

— Minha nossa! Me sinto queimando por dentro - Amanda diz, fazendo Marina rir.

— Você aparenta ter um certo fogo mesmo - Marina fala, em um claro tom de flerte. 

Amanda a encara, meio incrédula. Marina avança, segurando o rosto da minha amiga entre suas mãos. Não sei o que eu deveria esperar, mas Amanda não recuou. Não sei o porquê, mas a pequena distância que separava as duas estava me incomodando. E não sei o porquê, mas eu não estou suportando isso.

— Vem, vamos embora daqui, Amanda - Falo, puxando-a para a saída. De início, ela protestou, mas, pela longa convivência comigo, viu que eu realmente não estava a vontade. Pedi o Uber para a casa dela, afinal, teríamos o que conversar.

 

“O risco de uma decisão errada é preferível ao terror da indecisão”

Maimonides

 

Quando o carro chega, nos sentamos nos bancos traseiros e, prontamente, apoio a minha cabeça sobre o banco, e respiro fundo. A brisa que entra pela janela e beija meu rosto suavemente é aconchegante. Observo a cidade sendo engolida pelas luzes, os prédios se erguendo como monstros de concreto ao nosso redor... Eu poderia ficar apenas ali, observando, enquanto esvaziava a minha mente. 

— O que aconteceu, Giovanna? – Amanda quebra o silêncio. Fecho os olhos e suspiro, por alguns segundos até me esqueci do que tinha acontecido. Pelo menos, fingi isso. Encaro-a. Ela estava com uma expressão genuína de preocupação. O que não era algo novo. Amanda sempre se preocupou comigo. Sempre. 

Seguro seu rosto com minhas duas mãos e falo:

— Na sua casa conversamos, ok? - Ela acena positivamente. Me inclino para beijá-la na testa, mas um movimento repentino do carro atrapalhou o movimento, fazendo com que o beijo fosse nos seus lábios. 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "I see you" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.