Céus em Queda escrita por Youseph Seraph


Capítulo 11
Laços




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Nasura conhecia os territórios neutros da região. Por mais que as distâncias entre a vila na qual vivia e os outros territórios fossem curtas, a mudança climática era intensamente percebida. O clima no plano divino era diferente do plano terreno.

Em uma grande depressão no relevo, ao sul do território Akira, havia uma vila também, escondida por entre uma vegetação temperada fechada. O acesso à região era unicamente viável através da locomotiva por onde vinham.

Através de um trilho longo e elevado, acima do chão, o trem corria em alta velocidade. Pelas janelas, corriam as folhas vermelhas e alaranjadas das árvores de bordo que eram como um tapete de veludo na cratera. Não demorou muito para que as casas e construções se revelassem através da mata, com suas paredes de terracota brilhando em quase total mesclagem com as árvores rubras.

Este era mesmo um território neutro, longe das garras de Erron Durand e de seus aliados. Nasura e Gabriel desceram assim que chegaram à parada da locomotiva. Já não estavam mais usando os múltiplos casacos de inverno, devido ao calor do sol, então a decisão de ambos foi comprar roupas novas na loja mais próxima.

Por mais que as cores vibrantes da vegetação fossem aconchegantes, a população não gostou muito de receber visitas dos estrangeiros. Os olhares os fulminavam quando passavam nas ruas. Todos entendiam que aquele não era o lugar para dois rapazes com um senso de moda tão ridiculamente estranhos.

Ao passarem por uma escadaria, logo em baixo de uma ponte entalhada com tijolinhos alaranjados, viraram em uma rua à esquerda, e então, entraram em um estabelecimento bastante excêntrico. Prateleiras exibiam roupas de diversos tipos e cores, bem como ferramentas, utensílios domésticos, materiais para artesanatos, entre outras mercadorias. Gabriel parou quando viu uma fileira de telas e tinta, mas seguiu procurando por roupas que fizessem seu estilo.

Nasura, então, se aproximou de Gabriel lentamente. Ainda não acreditava no que haviam passado há meio dia atrás, em meio a uma tempestade de neve.

—Mirikawa costumava me levar aqui quando mais novo. —Ele puxou assunto. —Pode parecer que não, mas nós tínhamos muitos amigos.

Gabriel, que não proferiu nenhuma palavra durante a viagem, ficou feliz em ver que Nasura já havia processado aquele momento tocante. Algumas pessoas só precisam de um abraço e silêncio para processar momentos difíceis. Gabriel sabia disso. Então sorriu, curioso.

—Eles devem ter sido muito bons amigos. —Pressupôs Gabriel.

—Não. —Cortou Nasura. —Os invasores, que devastaram nosso território, vieram por uma das trilhas que eu e meus amigos usavam. Não havia como acessar aquela trilha sem uma de nossas chaves especiais.

Gabriel assentiu em respeito ao luto de Nasura.

—Apenas eu e meu irmão sabíamos daquela trilha no território Nasura. Além de nós, apenas nossos amigos mais próximos. Eu contava com eles para qualquer coisa. E ainda sim, um deles nos traiu. —Continuou Nasura.

—Isso explica o receio quando me conheceu. —Concluiu Gabriel. —Mas pode ficar tranquilo, eu jamais faria isso com quem salvou a minha vida.

Nasura sorriu de leve.

—Sam, da casa Sharrukin, amigo do meu irmão, também conhecia a trilha. Ele nos ajudou a fugir. Sem ele, teríamos encontrado o pior destino. Achei que nunca mais viria Mirikawa. —Concluiu Nasura. —Então eu conheci Youseph.

—Youseph foi uma bênção pra nós dois, não é mesmo? —Respondeu Gabriel.

—É... —Assentiu Nasura, com um sorriso aliviado, mas melancólico. —A propósito, —Continuou ele, olhando para as prateleiras —Youseph é rico. E ele deu dinheiro o suficiente pra montar um guarda-roupas inteiro pra cada um de nós.

Gabriel procurou para os lados, então encontrou uma pilha de camisetas de manga comprida, perfeitas para ele. Gabriel levou uma da cor grafite e outra da cor preta, juntas de duas calças de moleton cinzas, um moleton preto e um par de tênis brancos. Nasura, assim como Gabriel, levou duas camisetas de manga comprida, mas brancas, duas calças jeans e um par de tênis de academia, bem como um casaco preto de abotoar.

Não demorou muito para que ambos se trocassem. Gabriel, especialmente, livrou-se finalmente das camisas desconfortáveis que Youseph o havia emprestado, e Nasura finalmente estava com roupas novas desde que havia chegado na casa Seraph.

Percebendo a atenção de Gabriel para os materiais de pintura, Nasura também levou tintas e pinceis, os quais deixaram em uma bolsa de couro, juntos de duas telas, na locomotiva que iria de volta ao território Seraph. Então, voltaram para comer alguma coisa. Os dois rapazes encontraram uma espécie de café, e então, pediram dois sanduíches.

—Sabe, —Começou Nasura. —É bom poder ter um momento de relaxamento algumas vezes. Eu nem lembro da última vez que tive um desses.

—Como era isso tudo antes disso tudo? —Perguntou Gabriel.

—Nunca foi muito calmo pra ser sincero. —Respondeu Nasura. —Famílias brigavam entre si por poder o tempo todo. Mas isso é diferente. Nunca houve uma aliança tão forte. O que antes eram pequenos avanços virou uma cruzada a proporções enormes.

Nasura parou ao perceber uma estranha movimentação por perto. Olhares se fixaram nos dois, como se fossem dois criminosos.

—Algo está errado, Gabriel. —Disse Nasura, puxando Gabriel pelo braço, enquanto deixavam os lanches pela metade no prato.

—O que aconteceu?

—Rubrumterra não é mais um território neutro. —Esclareceu Nasura.

Assim que saíram do estabelecimento, Gabriel percebeu que homens com capuzes pretos se escondiam pelas ruas. Um deles era até bastante familiar. E ele tinha asas cinzentas.

Assim que Gabriel entendeu o que estava acontecendo, correu com toda a velocidade que pode, junto de Nasura, para a locomotiva. Assim que chegaram em seus assentos, o homem de capuz e asas cinzentas os alcançou. Não havia como fugir pelo trem.

—A cidade foi sitiada. Não podemos voltar por ela. —Decidiu Nasura. —Fuja e eu ganho tempo.

—Não. —Negou Gabriel. —Não irei abandonar você como fizeram com você antes.

Gabriel lembrou-se do que Serena havia lhe ensinado. Se concentrou em angústia e esperança, então criando uma esfera de luz nas suas mãos e jogando-a em direção ao anjo tenebroso.

Nasura não ficou atrás, vestiu a máscara de Oni e sacou sua katana. Gabriel pôs a bolsa com os materiais de pintura, mas deixou as telas, jogando uma contra os homens que os seguiam.

Nasura quebrou o vidro da locomotiva com um chute, então pulou para fora. Gabriel foi logo atrás. O anjo que estava os seguindo retraiu suas asas em energia e pulou logo atrás, seguindo-os pela mata fechada. Nasura parecia entender bem como despistar seus perseguidores por entre as árvores e a grama alta, mas Gabriel não fazia ideia de como poderia fugir sem ser notado. Nasura percebeu isso e fez sinal para que Gabriel fosse pela direita, enquanto se distanciavam um pouco.

A ideia de Nasura foi bem sucedida, atrasando um pouco os outros anjos. Contudo, o líder deles continuava perseguindo Gabriel.

O anjo-líder, de asas cinzentas, saltou para o céu, voando acima das árvores, denunciando a localização de Gabriel. Nasura entendeu que ele não era o alvo. Eles estavam atrás de seu amigo. Não demorou muito para que uma ideia surgisse em sua mente.

Outros perseguidores apareceram no céu, voando em uma formação organizada. O líder retirou de seu manto a gadanha de ferro, como se aquela arma enorme fosse dobrável, e então iniciou um rasante na direção de Gabriel.

Era essa a oportunidade perfeita.

Os outros anjos seguiram o movimento do líder, mergulhando logo atrás dele.

—FAZ AQUILO DE NOVO, GABRIEL! —Gritou Nasura, logo a seu lado.

Gabriel parou, focou e liberou um feixe de luz na direção dos atacantes, cegando-os por um breve período, mas por tempo o suficiente para que Nasura pudesse agir.

O rapaz brandiu a katana, correndo através da grama alta e, em seguida, saltou. Não havia como desviar facilmente enquanto no ar.

Um vento frio soprou.

Nasura mirou nas asas cinzentas do anjo, atingindo-o perfeitamente, enquanto fazia surgir estacas de gelo para perfurar os outros que os seguiam.

Dois dos homens desviaram, mas todos os outros caíram. O líder cambaleou até chegar ao chão, mas se recompôs.

Gabriel não deixou as coisas esfriarem, então preparou mais uma esfera de luz. Porém, o líder era inteligente, não cairia nos mesmos truques facilmente. Avançou contra Gabriel, que estava logo em sua frente, realizando um corte horizontal com sua gadanha, atingindo a esfera de luz enquanto Gabriel recuou. A lâmina da gadanha pareceu absorver a luz, como um buraco negro.

À direita de Gabriel, Nasura avançou contra o líder, visando um corte preciso na garganta daquele homem, mas ele o parou com o cabo da gadanha também.

Aproveitando-se da chance que Nasura havia lhe dado, Gabriel saltou em direção ao homem, visando pôr as suas mãos próxima aos olhos dele, e liberou um flash de luz.

O homem ficou atordoado por um instante, possibilitando que Nasura segurasse o cabo da gadanha com uma das mãos, fazendo surgir uma fina camada de cristais de gelo sobre ela.

O frio aos poucos penetrou a pele do homem e, com um movimento da katana, Nasura tentou o partir em dois, mas a gadanha do anjo entrou na frente.

Enfim, os dois anjos que sobraram atacaram com as suas próprias espadas.

Aquele seria o fim dos dois.

Mas Gabriel, em um surto, fez surgir asas brancas em suas costas, iluminadas como um farol.

Os dois anjos pararam em meio ao mergulho, apenas para verem Gabriel atrás deles, sem entender como fez aquilo.

Nasura teve a vantagem da surpresa. Com movimento rápido, tirou a gadanha de ferro das mãos do líder e a tomou em suas mãos, sem dificuldades, e atingiu os dois com a lâmina. Os dois caíram imóveis. O líder parecia surpreso.

O líder, então, estava imobilizado. Seus membros tinham sido congelados, estava inofensivo.

As asas de Gabriel então se desfizeram em luz e ele pousou.

Nasura e Gabriel finalmente puderam vez o rosto do homem. A pele da cor do chocolate ao leite, e seus cabelos curtos e escuros lembravam muito os de Gabriel.

—Você é um Nascimento, não é? —Perguntou Nasura.

O anjo líder sorriu.

—Meu nome é Azazel Nascimento. Sou seu primo, Gabriel.

As palavras de Azazel fizeram o corpo de Gabriel tremer.

—Por que me atacou? Eu sou da sua família. Por que faria isso?

—Porque você é um erro, Gabriel. Nosso tio Natanael errou em te proteger. E por isso morreu. Você não deveria ter nascido. E por isso a nossa casa não vai descansar até você ser reduzido a pó. —Respondeu Azazel.

O gelo em seu corpo aos poucos ia impregnando mais e mais os seus músculos. Azazel parecia não se importar com isso, mas era o fim dele. E ele morreu com um sorriso ameaçador no rosto.

Nasura e Gabriel se entreolharam. Os dois estavam chocados com o que acabou de acontecer.

—Vamos sair daqui. —Pediu Gabriel. —Uma família que mata um dos seus não é família.

Nasura apenas concordou, retirando a máscara de seu rosto.

—Não podemos voltar pela locomotiva.

Gabriel concordou, mas percebeu os corpos encapuzados dos anjos no chão.

—Mas os Nascimento que me procuravam podem.


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