Céus em Queda escrita por Youseph Seraph


Capítulo 12
Retorno




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Gabriel e Nasura estavam vestidos exatamente como os Nascimento que haviam abatido. O capuz cobria a maior parte do corpo, como uma túnica ritualística. Quando entraram na locomotiva, não levantaram suspeita alguma.

Os produtos que haviam comprado em Rubrumterra ainda estavam lá, intocados, com exceção da tela em branco que Gabriel havia arremessado. Era no mínimo estranho, pois Gabriel não havia notado fiscalização alguma por lá.

Nasura evitava olhar para os lados. Gabriel ainda estava em choque por ter sido atacado por sua própria família, e ainda mais em choque por ter matado um dos seus. Não era bom. Era um misto de culpa com arrependimento. Ele deveria ter sido salvo, mesmo que fosse um inimigo.

—Ei. —Nasura chamou a atenção de Gabriel. —Você está bem?

Aparentemente, o semblante de Gabriel demonstrava bastante aflição. Com um suspiro, ele respondeu.

—Não. Matamos alguém hoje. Isso não é certo.

—Se render à morte também não é. Para o Criador, todos nós somos pecadores. Alguns dizem que fomos abandonados antes mesmo dos humanos. Qualquer que seja nosso destino, foque em sobreviver, não em se culpar.

Gabriel assentiu com a cabeça. Aquilo era o início de uma guerra, na qual, por algum sentimento inerte, Gabriel sentia que precisava lutar. Algo nele dizia que as respostas só se encaixariam caso resistissem.

—Está certo. —Concluiu Gabriel. —Pelo menos uma tela se salvou.

Nasura sorriu com isso. Era bom que Gabriel esquecesse o infortúnio de ser caçado pela própria família.

Passaram-se horas. Nasura e Gabriel não perceberam quando caíram no sono. Dessa vez, Gabriel teve um sonho vazio. Ele viu apenas uma intensa rajada cinza por todos os lados. Não havia nada. Absolutamente nada. Era como se perder na neve, e a cada passo, se afundar mais e congelar. Gabriel sabia que aquele era o território Akira, mas não viu mais nada além do vasto nada. Ele sabia que não era uma memória de Nasura dessa vez. Era uma peça de seu próprio subconsciente. Era um sentimento próprio.

Quando acordaram, já estavam em território Seraph. Não havia ninguém na locomotiva. Ninguém entrou, ninguém saiu. Gabriel se levantou lentamente, percebendo que estava com a cabeça apoiada no ombro de Nasura, ficando um pouco tímido pela situação.

Pela primeira vez, do alto dos trilhos, Gabriel viu o quanto o território Seraph era belo. A neblina etérea circulava as grandes mansões nas bordas. Quanto mais ao centro partiam, mais densa a neblina. A paisagem parecia mudar conforme passavam, como um truque de ilusionismo. A única coisa que se mantinha estática era o próprio trilho. Quando chegaram na estação, saíram silenciosamente.

Conforme passavam pelas trilhas, iluminadas pelos postes de luz detalhadamente forjados, o caminho parecia mudar para permitir a passagem dos dois anjos até à mansão. Gabriel então percebeu que, de longe, a fachada do território era apenas uma ilusão. O território se moldava conforme o observador achava ser intimidador.

Nasura, por outro lado, parecia saber exatamente por onde ir.

Estar naquele caminho fez os dois questionarem o quanto Lisa e Hugo estavam perdidos e desesperados por amparo. Enfrentar um labirinto de ilusões só para pedirem ajuda para um aristocrata em território neutro, feridos, cansados e famintos... Se tudo que disseram sobre estarem contra Erron Durand não era convincente o suficiente, claramente a jornada dos dois era.

—Me pergunto se Lisa e Hugo estão bem. —Gabriel quebrou o silêncio.

Nasura sorriu um pouco antes de responder.

—Eles estão. Devem melhorar rápido. São anjos afinal. E eu um bom médico.

—Verdade. —Concordou Gabriel. —Somos anjos. Até agora, não tinha parado pra pensar muito a respeito. Minha vida mudou completamente da noite pro dia. Como eu fiquei tão calmo com isso?

Nasura olhou nos olhos de Gabriel. Eles tremiam.

—Não ficou. —Concluiu Nasura. —Você é bom em entender os outros, mas não consegue ler a si próprio, Gabriel.

Gabriel ficou em silêncio. Nasura percebeu o que falou e se voltou para ele novamente.

—Desculpa, eu não quis ofender.

—Tudo bem. —Suspirou Gabriel. —Não precisa pedir desculpas. Estamos quase chegando?

Nasura fez que sim com a cabeça. Gabriel se sentiu aliviado.

Não demorou muito até que Nasura notasse uma pequena dissipação na neblina. Um muro de pedra com grades altas de ferro ornamentadas em formas refinadas. Em cima de cada pilar de pedra, uma estátua de um anjo, vestindo um fino tecido de seda, com um maço de alfazemas nas mãos. No centro, um portão alto de grades de ferro com um padrão espiral que levava até uma trilha de pedras, dispostas simetricamente no chão, guiados por uma cerca viva de dracenas e estrelícias, alternadas em suas posições. Nos dois lados do jardim, fontes esculpidas na pedra, jorrando água por mais estátuas de anjos, estas próximas aos bancos de ferro protegidos da chuva, cada um por uma grande árvore de carvalho. Um jardim bastante excêntrico para um anfitrião tão excêntrico quanto.

Os dois anjos mal chegaram até à porta da casa e esta se abriu. Serena correu até Nasura e o abraçou. Youseph veio logo em seguida, calmamente.

—Nasura! Você está bem? —Gritou Serena, partindo rapidamente até Gabriel sem dar tempo de resposta. —E você? Não se machucou?

—Calma, princesa. —Disse Youseph. —Esses dois sabem se cuidar. E vejo que estão de roupa nova, né?

—É sim. —Concordou Gabriel. —Faz mais o meu estilo. Mas esse capuz é na verdade um disfarce.

—Fica bem melhor em você sem esse capuz. —Disse Youseph, pondo a mão esquerda no ombro de Gabriel.

—De qualquer forma, é bom ver vocês! —Exclamou Gabriel com um sorriso quase tão iluminado quanto a luz que lançava.

Ao olhar para a porta, Gabriel percebeu alguém os observando. Os olhos azuis em um tom profundo, o cabelo negro agora preso em um rabo de cavalo e suas roupas, agora, uma camisa de seda branca, uma calça legging preta e uma blusa grafite escura com grandes ombreiras. Era Lisa, e ela parecia estar melhor.

Gabriel, então, teve um rápido impulso de ir até Lisa, que se assustou por um momento.

—Você tá bem?

—S-sim. —Gaguejou Lisa com a aproximação súbita de Gabriel. —Estou bem sim.

—E Hugo?

Lisa desviou o olhar.

—Não acordou até agora. Faz três dias que estamos o nutrindo com magia.

Nasura, ao ouvir aquilo, se aproximou com passos confiantes.

—Me deixe vê-lo.

Lisa concordou, abrindo espaço para Nasura, que foi rapidamente até o quarto onde Hugo estava inconsciente. Gabriel e Lisa foram logo atrás.

Passaram-se algumas horas enquanto Lisa e Gabriel assistiam Nasura realizar procedimentos médicos no jovem, mas nada adiantava. Hugo não movia um dedo e estava terrivelmente pálido.

Apesar de todos os ferimentos terem cicatrizado e seu corpo voltado a funcionar normalmente, sua consciência estava trancada. Nasura não conseguiu mais ficar na sala, deixando apenas Gabriel e Lisa lá.

Lisa não conseguia esconder a preocupação, apesar de tentar muito. Gabriel percebia isso. Então se levantou.

—Ele vai melhorar. —Disse Gabriel.

—Como pode ter certeza? —Perguntou Lisa. —Um médico tão experiente não foi capaz de trazê-lo de volta.

—Não diga essas besteiras. —Retrucou Gabriel, que levou a mão até a testa de Hugo. Ele estava com temperatura normal, sem febre. —Ele está estabilizado. Logo vai estar andando por aí e conversando.

—Por favor, eu não preciso de palavras gentis. —Disse Lisa.

Com a outra mão, Gabriel tocou o ombro de Lisa.

—Escute, eu não estou falando isso só pra te acalmar, estou falando porque sei que o Nasura—

E então tudo ficou escuro. Gabriel não pôde terminar sua fala. Ele e Lisa se viram, então num Jardim. O mesmo jardim que Gabriel esteve antes. Onde ele vira uma moça loira bebendo chá. As roseiras cresciam sobre as vigas de ferro do gazebo como se estivessem sendo guiadas por magia, simetricamente calculada.

Gabriel, então, olha para os lados. O enorme jardim é como um labirinto de plantas, todas cuidadas com o maior zelo e carinho possível. O chão possui uma estrada de ladrilhos de pedra que levam diretamente ao gazebo coberto de rosas trepadeiras.

E dentro desse gazebo, sentados em bancos de ferro, bebendo chá, estão duas pessoas. Uma delas é Hugo, que está vestido com um colete brocado preto com detalhes violeta sobre uma camisa branca e uma calça preta. Seu paletó, igualmente preto e com detalhes em violeta também, está pendurado em um cabideiro. A outra pessoa é uma moça, idêntica ao Hugo. Ela está vestindo um vestido vitoriano rosa-ciclame com mangas borboleta, além de um par de luvas de renda branca. Ambos estão segurando uma xícara de chá, podendo ver que as unhas de Hugo são pintadas com esmalte preto fosco.

—Estamos no território Durand? Aqui é o jardim dos irmãos. E aqueles são eles mesmo? —Pergunta Lisa, surpresa.

Gabriel discorda mexendo a cabeça.

—Acredito que estamos no subconsciente de Hugo.


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