Céus em Queda escrita por Youseph Seraph


Capítulo 10
Um legado desfeito em neve




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As roupas que Youseph emprestou não eram lá muito confortáveis. E para a tristeza de Gabriel, nem um pouco condizente com sua personalidade. Roupa social não fazia nem um pouco seu estilo. Especialmente paletós pretos, isso não combinava com ele. Foi uma longa caminhada para sair do território Seraph e ir até à estação de locomotivas à vapor. Aparentemente, a tecnologia desse mundo se dividiu em alguns momentos.

De acordo com Nasura, o trem ainda passava por território Akira, mas pouco do que restou permanecia intocado. Ele não havia contado muitos detalhes para Gabriel a respeito de sua terra natal, mas provavelmente era recente. Sorte deles que a casa Seraph ainda não havia entrado nessa guerra sem sentido de Erron Durand.

Foi uma longa noite naquele vagão que parecia ter saído de uma distopia gótica retro-futurista. Não haviam coisas assim no mundo de Gabriel.

—Saiba que os mais velhos governantes daqui nasceram no século XVII. —Explicou Nasura. —É por isso que os trens são assim.

Gabriel mostrou-se bastante surpreso com essa informação.

—Então anjos também têm expectativas de vida maiores?

—Não. Apenas magia vampírica. Algumas casas têm costumes estranhos, como sacrificar a própria vitalidade para o chefe da casa. Dizem que a alma do sacrificado vive dentro do receptáculo, mas céus, isso é nojento pra cacete.

Gabriel não conteve os risos. Ele não poderia discordar de Nasura.

Com o trem, Gabriel pôde ver o que era o plano celeste. Muita coisa parecia vir do plano terreno, mas com diferentes níveis de tecnologia e biodiversidade. Os trilhos cortavam o oceano através de uma ponte de rochas que parecia ter sido erguida por magia. Haviam prados azuis como o céu, assim como terras em ruínas, tocadas por guerras antigas e recentes. Quando finalmente chegaram ao território Akira, Gabriel entendeu por que Nasura levou casacos de inverno. A neve caía gentilmente no solo, formando um vasto tapete branco sobre o gramado.

—É apenas uma nevasca. Não é assim o ano todo. —Explicou Nasura.

O trem continuou seguindo os trilhos dentro do território rodeado pelas florestas, até parar em uma estação, quase tão apagada quanto o cinza do céu. Foi ali que eles saíram.

Não muito longe, eles chegaram até uma trilha na floresta. A vegetação parecia ter coberto um pouco da trilha, devido à ausência de circulação de pessoas por aquele caminho.

—Ei, Akira. —Perguntou Gabriel. —Por que permitiu que eu viesse junto de você?

—Você viu o que havia aqui. Simples. —Respondeu ele.

—Mas parecia que não tinha gostado de mim na casa Seraph.

Nasura inspirou fundo, então expirou.

—Não é como se não tivesse gostado de você. Nós apenas não nos conhecemos.

Gabriel podia ver que havia um sentimento diferente vindo de Nasura. Algo que não havia notado antes. O que realmente estava impedindo essa aproximação. Mas não ousou perguntar. Não queria invadir a privacidade do rapaz.

Após passarem por um grande arco de madeira, Gabriel finalmente percebeu os efeitos da guerra em Nasura. Uma vila inteira havia sido destruída. Os olhos do jovem Akira estavam pesados. Eles precisaram de um momento para processar tudo aquilo. Um sentimento de tristeza, luto, e enfim, pesar. Quantas daquelas casas abrigavam amigos próximos?

—E-eu sinto muito. —Foi o que Gabriel pôde dizer.

—Eu sabia que teríamos que passar por aqui.

Os dois suspiraram, e então seguiram em frente.

Gabriel não sabia dizer se viu Nasura chorando, ou se a pele quente do rapaz derretia a neve ao toque, mas sentiu vontade de chorar independente da resposta, afinal, não sabia o que era mais triste, chorar, ou nem mesmo isso conseguir.

Seguindo a trilha, logo entre duas construções desabadas, que provavelmente seriam torres de vigia, seguia outra estrada. Em seguida, uma escadaria de pedra, que levava até um templo.

O templo, ao contrário de todo o resto do lugar, havia permanecido intacto. Não houve perseguição durante o massacre. Quanta ironia.

Quando adentraram ao templo pelas portas de bambu, se depararam com um pequeno altar. Do lado direito, um incensário, com um incenso ainda queimando no fim. A julgar pelo cheiro, Nasura acreditava ser de Hinoki, uma espécie de cedro. Alguém havia estado ali há poucos minutos.

Nasura correu para o outro lado do templo, logo atrás. Havia um homem encapuzado, em pé, ao lado de uma fileira de sepulturas.

O rapaz não hesitou. De sua mochila ele puxou uma máscara de oni e rapidamente pôs em seu rosto. Desembainhou a katana que levava em suas costas e, em postura de ameaça, gritou.

—Quem é você?

Quando o homem ao lado das sepulturas virou-se para ver o que era o grito, Nasura partiu para um ataque com a espada. Não rápido o bastante. O homem também usava uma máscara de oni e aparou o golpe de Nasura com um par de kunais.

Logo que se recuperou do ataque falho, Nasura prosseguiu com mais um corte na horizontal e uma estocada, mas ambos os golpes foram desviados.

Gabriel não soube muito bem o que fazer, então focou em suas mãos, como havia feito com Serena. Pensou no desconforto de não saber a história de Nasura. Pensou no luto e na perda. Pensou em como queria que tudo ainda estivesse bem. Pensou em esperança.

Ainda não era o suficiente. Não havia fagulhas o suficiente em suas mãos.

O homem encapuzado tentou um golpe de sorte atirando a adaga contra Nasura, que desviou, mas baixou a guarda. Um breve momento fez surgir uma abertura, e então, o homem atacou.

Temendo o pior, Gabriel gritou, e com seu grito, surgiu um clarão. Nasura estava de costas para Gabriel, mas não era a mesma situação do homem encapuzado, que foi surpreendido e brevemente cegado.

Nasura viu aquilo como uma oportunidade e tentou um golpe em arco contra a cabeça do homem, que por pouco desviou. Mas atingiu seu capuz.

Com o capuz voando na neve, mechas de cabelo rubro desbotados caíram sobre a máscara. Nasura imediatamente parou o ataque e soltou a katana. Aquele era quem ele estava procurando. Aquela máscara, com aquele cabelo vermelho. Ele era Mirikawa Akira. Irmão mais velho de Nasura.

—Irmão! —Gritou Nasura. —Mirikawa!

O homem, se recuperando do ataque, surpreende-se também.

—Nasura?

Os dois então tiram as máscaras, revelando quem são um para o outro. Gabriel não poderia descrever a situação. Era o mesmo homem que havia visto na visão.

Os dois irmãos se abraçaram, como se fossem o último momento da vida dos dois. Pelo que durou aquele abraço, Nasura lembrou-se da presença de Gabriel, então parou.

—Por onde andou, aniki? —Perguntou Nasura. Aparentemente, o feitiço de entendimento de Youseph não afetou "aniki", o que provavelmente deveria ter mais de um sentido na expressão de Nasura.

Mirikawa falou em outra língua. Uma que Gabriel não entendeu. Justo, afinal, Mirikawa não estava dentro do vínculo do feitiço de Youseph.

—Honrando a família. —Repetiu Nasura. —A família teria orgulho de você. Eu tenho.

Foi um breve momento de silêncio. Então Gabriel se aproximou.

—Este é Gabriel. —Apresentou Nasura, desenhando um círculo mágico no ar. —Estamos morando juntos em um abrigo. E este é meu irmão, Mirikawa.

Gabriel levou a mão para um cumprimento, que Mirikawa demorou alguns segundos para compreender, e então apertaram as mãos.

—É um prazer, Gabriel. —Disse Mirikawa. Então, o mesmo dirigiu-se a Nasura. —Me desculpa, Nasura, eu tenho que ir agora.

—Por quê? —Protestou Nasura. —Temos um abrigo. Não precisamos nos envolver mais nessa guerra!

—Eu preciso. —Disse Mirikawa, baixando o tom de voz. —Eu preciso lutar pela família que ainda tenho.

Então, depois de um abraço apertado, Mirikawa simplesmente deixou Nasura. Dessa vez, Gabriel tinha certeza de que Nasura estava chorando, então aproximou-se do rapaz. Por instinto, Nasura o abraçou em retribuição. Aquele foi um momento pesado, mas novo.

—Tudo bem, Akira, eu estou aqui por você. —Disse Gabriel, tentando parecer forte.

—Nasura. —Corrigiu o rapaz, entre os prantos. —Pode me chamar só de Nasura agora.


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