Room 93 escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 3
III. Hurricane


Notas iniciais do capítulo

Eu esqueci realmente de atualizar TUDO nesse site, com essa quarentena me deixando toda energeticamente bagunçada (por assim dizer) e os 2874358237 projetos de escrita que eu irresponsavelmente impus a mim mesma... Peço desculpas pela demora :v vou deixar os próximos programados, pra não dar sumiço de novo.
O título do capítulo significa Furacão, como a música. Por incrível que pareça, foi uma das músicas mais difíceis de encaixar :v



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/787593/chapter/3

He says: “Oh, baby, beggin’ you to save me

Well, lately, I like ‘em crazy

Oh, and baby, you could devastate me

Little lady, come and fade me”

I’m a wanderess, I’m a one night stand

Don’t belong to no city, don’t belong to no man

I’m the violence in the pouring rain

(Come and fade me, come and fade me)

I’m a hurricane

 

Ele diz: “oh, querida, eu estou te implorando para me salvar

Bem, ultimamente, eu gosto delas loucas

Oh, e querida, você poderia me devastar

Pequena moça, venha e me faça desaparecer”

Eu sou uma peregrina, eu sou uma ficada de uma noite só

Não pertenço a nenhuma cidade, não pertenço a nenhum homem

Eu sou a violência na tempestade

(Venha e me faça desaparecer, venha e me faça desaparecer)

Eu sou um furacão

Halsey - Hurricane

Como regra geral, Nicole detesta quartas-feiras. Ela nunca soube explicar muito bem por quê, mas há algo a respeito do meio exato da semana que a incomoda. Essa quarta-feira, porém, é um caso à parte: um feriado. De certa forma, talvez feriados sejam melhores do que finais de semana. Ninguém tem tantas expectativas para eles.

Para esse feriado em particular, ela tem um plano bastante peculiar para o meio da semana: Callum lhe mandou uma mensagem, na terça-feira de madrugada, dizendo que ia passar o dia em casa e que ela podia ir até lá, se quisesse. Nicole deveria ter pensado mais no assunto, mas não é assim que ela faz as coisas; portanto, às quatro da tarde, depois de alguns goles do licor que sua mãe guarda na prateleira mais alta do armário e dois ônibus, ela está parada em frente à fachada da casa de Callum, em um canto escondido da cidade.

A casa é estranha para alguém como ele, mas, ainda assim, parece adequada. O muro é desgastado, com tijolos expostos em vários pontos e pichações obscenas espalhadas por ele. Não há campainha; Nicole precisa bater no portão de ferro batido com os nós dos dedos. As dobradiças enferrujadas protestam quando Callum o abre quase imediatamente, como se estivesse esperando logo atrás dele.

Antes que Nicole possa cumprimentá-lo, Callum se inclina para beijá-la. Ela desvia, surpresa e sentindo um prazer sádico ao ver a decepção no olhar dele. Ele está cheirando a cigarros e algo que ela não consegue identificar, e seu cabelo está bagunçado, como se ele tivesse acabado de acordar.

— Pode entrar – diz. Nicole se espreme pelo espaço entre Callum e o portão, evitando tocá-lo. Ele suspira. – A porta da frente está aberta.

Annelise, colega de quarto de Callum e ex-namorada de Alice, está deitada no sofá da sala, com um cigarro entre os dedos e os lábios bastante ocupados com os de um rapaz pelo menos quatro anos mais novo. Ela se separa dele e cumprimenta Nicole com um gesto.

— Quer dar um tapa? – pergunta, estendendo o cigarro. Nicole sente o cheiro pungente de maconha, e não pode evitar franzir o rosto.

— Ahn, não, obrigada.

Callum surge atrás dela, ignorando completamente a fumaça que se espalha pela sala, mas fazendo uma careta ao ver o rapaz.

— Jesus, Anne, vai fazer essas coisas lá no seu quarto – Ele estende a mão para Nicole, que a pega automaticamente. – E vê se abre as janelas quando acabar aí.

O rapaz ao lado de Annelise parece envergonhado, mas ela só dá uma risada alta e volta a se atracar com ele. Callum puxa Nicole pela mão até o final do corredor, até o quarto dele.

Nicole esteve no quarto de Callum pouquíssimas vezes desde que o conheceu, e, a cada vez, o lugar parece mais vazio. A cama bagunçada e o armário embutido na parede continuam lá, mas a essência do quarto parece sumir aos poucos, à medida em que Callum dorme cada vez menos lá e procura mais jeitos de perder a si mesmo.

Ela se senta na beira da cama. Callum dá algumas voltas antes de se empoleirar no parapeito da janela aberta, com as pernas pendendo para dentro do quarto. É uma janela surpreendentemente grande, embora a vista seja bloqueada por um muro completamente coberto por grafites coloridos.

Por um instante, nenhum dos dois parece saber o que fazer, então Callum simplesmente diz:

— Eu e Brenda terminamos ontem à noite.

O estômago de Nicole parece derreter. Ela deveria ficar feliz, mas tudo em que consegue pensar é: Foi por isso que ele me chamou aqui. Segunda opção, como sempre.

Ela se vê perguntando maldosamente:

Você terminou com ela? Ou ela que terminou com você?

Callum tira um maço de cigarros do bolso, pega um e o acende. E não responde.

Nicole sorri, vitoriosa. Ela sempre gostou de Brenda como pessoa, e fica genuinamente satisfeita em ver que Callum levou um pé na bunda ao invés de dar um, para variar.

— Bem, sempre achei que ela era boa demais para você – diz, em parte brincando, em parte testando-o. Callum apenas dá de ombros.

— A gente não combinava – Ele dá uma risada fraca. – Eu não combino com muita gente.

Nicole não sabe como responder a isso, então não diz nada. Ao invés disso, ela olha em volta, procurando uma maneira de mudar de assunto, de transformar esse quarto cinzento em algo com a atmosfera do quarto 9(3). Seu olhar se depara com uma cadeira, sobre a qual está abandonado um amontoado de fios: luzinhas de natal.

Ela se levanta e cutuca Callum, que estava olhando para as próprias mãos.

— Tomada?

Ele indica um ponto na parede, perto da cama. Nicole puxa o braço dele, para que ele saia do parapeito, fecha a janela e corre para pegar o emaranhado de fios. Callum sorri abertamente quando ela liga as luzes na tomada; é o tipo de sorriso que faz com que ela se lembre que, antes de eles descobrirem o quarto 9(3) e complicarem tanto as coisas, os dois costumavam ser amigos.

— Você – Ele sacode a cabeça, incrédulo. – Sua mente deve ser um lugar maravilhoso.

Nicole sorri de volta, se sentando de pernas cruzadas na cama, apoiando as costas na parede. Callum se junta a ela, posicionando as luzinhas para formarem um círculo ao redor deles.

— Não é, de verdade. É só que... – Nicole hesita, então decide que não há nada a perder. – Você não tem sido você ultimamente.

Callum se inclina na direção dela, o reflexo das luzes parecendo estrelas em seus olhos.

— Nós nunca somos nós, ultimamente – murmura ele. – Nunca fomos.

Dessa vez, quando ele se aproxima para beijá-la, ela se inclina também, buscando conforto na familiaridade das luzes ao redor deles. É quase como estar no quarto 9(3), embora pareça mais íntimo, menos doloroso.

Quando eles se afastam, Callum franze o cenho de leve.

— Você está com gosto de álcool.

— Bebi um pouco do licor da minha mãe – diz Nicole, dando de ombros, sem ver como isso pode ser importante. Eles já tiveram beijos com gostos piores. – E você tem gosto de cigarro. Só a gente sendo a gente, acho.

Ela ignora a semelhança e a contradição entre suas palavras e as dele, e, felizmente, Callum não parece notá-las. Ele ainda a está fitando como se nunca a tivesse visto antes.

— Você vai ao festival? – pergunta Nicole, para distraí-lo. É bom quando Callum olha para ela, mas, agora, a está deixando desconfortável.

— Claro. Você?

Ela faz que sim com a cabeça.

— Nos vemos lá, então? – pergunta. Callum morde o lábio inferior, e é bom saber que ela não é a única a parecer perdida quando eles estão juntos.

— Claro.

Já está anoitecendo quando Nicole se despede de Callum com um abraço – novamente, ela não quis beijá-lo no portão – e pega o ônibus de volta para casa. Sua mãe está esperando para lhe dar uma bronca por ter tomado o licor, mas ela mal escuta. Sua mente ainda está no quarto de Callum, nas luzes de natal refletidas nos olhos dele, no buraco que esses olhos queimaram em sua pele.

***

Nicole já está esperando há vários minutos quando o carro de Alice estaciona em frente a sua casa no sábado à noite. Michael está deitado no banco de trás dessa vez, as pernas compridas dobradas para caber no espaço apertado, e Nicole ocupa o banco do passageiro, ajeitando o cabelo no retrovisor.

— Ele já está bêbado? – pergunta ela a Alice, indicando Michael com um gesto.

— Eu estou ouvindo – A resposta indignada vem do banco de trás. – E eu não estou bêbado. Eu vou dirigir na volta, lembra?

Nicole não lembrava disso, mas fica satisfeita ao saber que não precisará se preocupar com isso. Ela se pergunta se Callum vai mesmo estar lá, e se vai ficar com ela caso esteja. Talvez seja melhor que não fique. Talvez ela precise passar um tempo só com seus melhores amigos, e o quarto 9(3) excluiu Callum dessa categoria há algum tempo.

O festival já está a todo vapor quando eles chegam; dá para ouvir a música pulsando através do asfalto a quarteirões de distância. Alice estaciona o carro algumas ruas antes do local, já que é impossível arrumar uma vaga mais perto, e eles vão andando até a entrada, rindo enquanto tropeçam nos próprios pés como se já estivessem embriagados.

Se a música já era audível à distância, de perto Nicole sente o som como uma onda física, ameaçando arrastar a multidão para longe. É algo eletrônico, vivo e pulsante; Michael cantarola a melodia baixinho e Alice berra a letra a plenos pulmões, e Nicole acha que talvez conheça a canção. Não importa, de verdade. Eles estão dançando, e isso é tudo.

Alice não demora a arranjar uma garrafa e oferecer um gole a Nicole, depois de beber um pouco ela mesma.

— Presta atenção no Michael – grita ela, na tentativa de ser ouvida por cima da música. – Pra ele não beber demais.

Nicole faz um gesto para mostrar que entendeu, e Alice pega sua mão e a gira, rindo ao derramar um pouco da bebida por acidente. Michael logo se junta a elas, tomando apenas um gole da garrafa antes de devolvê-la à dona, e é tudo tão diferente do que Nicole e Callum têm no quarto 9(3) que, por algum tempo, ela se esquece completamente dele, da atmosfera vazia e infinita do quarto, de seus dedos percorrendo as linhas escuras nas costas dele e os cigarros que eles dividem.

Então, ela o vê se aproximando, e faz o possível para não lembrar, mas lembra mesmo assim. Callum, com o cabelo completamente bagunçado, para a alguns metros de distância, rodeado por um grupo que Nicole reconhece vagamente, e acena para ela, sorrindo de modo caloroso, mas distante. Ele está suado, o que indica que está aqui há algum tempo. Nicole sente vontade de estapeá-lo.

Michael também parece perceber a aproximação de Callum, pois se inclina para falar no ouvido de Nicole:

— Você vai ficar lá com ele?

Sem desviar o olhar de Callum, que já se voltou para seu grupo de amigos, ela faz que não com a cabeça. Um sorriso de satisfação quase maldosa ilumina o rosto de Michael, os dentes perfeitamente brancos contrastando com a pele negra.

— Ótimo – Ele põe uma mão no ombro de Nicole e a empurra de leve, fazendo com que ela dê as costas a Callum. – Então presta atenção aqui.

Ele volta a dançar, e Nicole o acompanha. Eles montam coreografias completamente inadequadas para as músicas, riem quando erram tudo, reviram os olhos e sorriem quando veem Alice aos beijos com outra menina a alguns metros de distância. Nicole se sente bem. Ela sente a proximidade de Callum no fundo de sua mente, cutucando seu cérebro como uma vespa, mas ignora; picadas de vespa não são nada para quem está acostumada a picadas de cobra.

Como Alice ainda está com a garrafa que eles dividiam, Nicole procurar arranjar outra para si mesma. Não é sempre que ela se embebeda, mas talvez ela esteja começando a absorver alguns dos impulsos de Callum, pois se vê flertando com um rapaz particularmente bonito na tentativa de conseguir que ele lhe pague uma bebida.

Ela consegue, mas a atenção indesejada do rapaz vem junto. Nicole está se virando para pedir ajuda a Michael quando repara em Callum, a alguns metros dali, aos beijos com alguém. Por um instante, ela pensa que é Brenda; então o instante passa, e ela percebe que não é Brenda, porque Brenda é mais inteligente que isso. Brenda não é Nicole, com suas esperas injustificáveis e suas expectativas infundadas.

Alguém a segura pelo braço. Nicole se vira, pronta para dar um tapa em alguém, e se depara com o rosto de Michael. Pelo olhar dele, dá para ver que ele percebeu Callum e a garota se atracando. Ele puxa a amiga mais para perto e grita no ouvido dela:

— Gata, você merece coisa melhor.

Demoram mais duas músicas, meia garrafa e um pouco de coragem para Nicole começar a concordar com ele, e mais um sorriso e uma piscadela para ela concluir que, nesse momento, “algo melhor” pode muito bem significar o rapaz que lhe pagou uma bebida. Ou, minutos depois, a garota de minissaia que lhe lança olhares demais. Ou Michael, antes de os dois começarem a rir como loucos da estupidez da situação e voltarem a dançar. No fim das contas, “algo melhor” significa parar de pensar em Callum, e, de um jeito ou de outro, por algumas horas, funciona. Seu último pensamento sobre ele por um longo e abençoado instante é que, longe dele, talvez ela não precise ser um fantasma.

Devem ser cerca de três da manhã quando a bolha estoura e Nicole percebe que os amigos de Callum foram embora, mas ele ainda está ali, olhando na direção dela.

Ela está bêbada a essa altura, e o álcool e o sentimento de traição a fazem se sentir inconsequente. Ela se move para o lado enquanto dança, até estar a poucos centímetros de Callum.

— Se divertindo? – Ela berra para ele. Callum parece um tanto preocupado.

— Parece que você está – diz ele. A irritação na voz dele faz Nicole rir.

— Estou mesmo. Mas você também, não? – Ela dá um giro de 360º junto com a música, e depois outro, e outro, até começar a ficar tonta. – Cadê sua amiga?

Callum suspira. Só então Nicole percebe que ele é o único na multidão que está imóvel. A ideia de isso ser por causa dela é divertida.

— Então é isso? – pergunta Callum.

— Vá se foder – responde Nicole. – Você não é meu dono.

Ela dança para longe dele, esperando deixar a raiva por lá. E se lembra das noites no quarto 9(3), no que ela costumava chamar de “noites chuvosas” para Callum, quando os dois ficavam em silêncio e imaginavam um sol particular feito de luzes de natal e beijos roubados. Era uma ideia idiota. Ela está cansada de tudo isso. De saco cheia. E ela vai sentir falta dessas noites.

Que Callum tenha noites chuvosas, decide ela. Nicole não tem tempo para isso. Ela é a própria tempestade.

E, se for preciso, hoje à noite, ela vai ser um furacão.

Nicole não olha para Callum pelo resto da noite. Ela não vê quando ele vai embora, ou se ele fica com mais alguém, ou se ele está bebendo. E, quando Alice começa a se sentir mal e eles decidem ir embora, ela arranja outro quarto para passar a noite.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Room 93" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.