Room 93 escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 4
IV. Empty Gold


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi provavelmente o mais difícil de escrever. Eu escrevi do 1 ao 3 em um ano... E o 4 só saiu cinco anos depois :v
O título significa "ouro vazio", como na música.



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Feels like we’ve been falling down like these autumn leaves

But baby, don’t let winter come

Don’t let our hearts freeze

If the morning light don’t steal our souls

We will walk away from empty gold

 

Parece que estamos caindo como essas folhas do outono

Mas querido, não deixe o inverno chegar

Não deixe nossos corações congelarem

Se a luz da manhã não roubar nossas almas

Nós vamos nos afastar de ouro vazio

                      Halsey – Empty Gold

 

Durante a próxima semana, Nicole faz o possível para não pensar no festival, e no quarto 9(3). E, acima de tudo, ela faz o possível para não pensar em Callum, em quão perdido ele parecia na última vez em que eles se viram.

É difícil. Ela se sente um pouco perdida sem ele, também.

Não é como se essa fosse a primeira vez desde o início do relacionamento – se é que se pode chamar assim, pensa ela com ironia – em que eles passam algum tempo sem se ver. Já houveram longos períodos de ausência da parte de um ou de outro, o mais longo sendo de uma semana e meia, em que Nicole pensou que estava tudo acabado e que ela nunca veria Callum de novo. Essa é a primeira vez, entretanto, em que ela criou o hiato de propósito, e não há como prever com isso vai terminar.

No fim das contas, não é necessário. Porque, na próxima vez em que Nicole encontra Callum, não é no quarto 9(3), e sim na parada de ônibus, e ele está usando um terno.

Assim que se depara com essa imagem, Nicole se vê paralisada no meio da calçada, encarando Callum como se ele fosse um fantasma. Ele não parece vê-la; se ela fosse um pouquinho mais sensata e um pouquinho mais covarde, daria meia-volta e fingiria nunca ter estado ali. Como ela é Nicole, ela atravessa a rua assim que se recupera do choque e caminha na direção dele, sustentando o olhar quando ele percebe sua presença.

Há um momento de silêncio constrangedor, longo o suficiente para Nicole se arrepender de mais de uma decisão tomada em sua vida. Então, ela diz, se sentindo idiota:

— Gostei do terno.

Callum parece murchar, os ombros se encurvando como se ele tentasse diminuir de tamanho.

— É – murmura ele. – Não foi ideia minha.

— Funeral ou casamento?

Callum suspira.

— Entrevista de emprego.

Nicole demora algum tempo para processar as palavras.

— Mas você já tem um emprego.

Callum fecha os olhos por um segundo. Ele parece tão cansado.

— Por que você se importa, afinal?

Nicole quer dizer a ele que não se importa. Que só está curiosa. Que ela só quer saber como Callum, eterno menino perdido, terminou em uma entrevista de emprego, para poder dizer eu avisei, só que ela nunca avisou; ela sempre esteve tão perdida quanto ele. Talvez esse tenha sido o erro. Nicole achou que Callum era um rei, quando ele era apenas um garoto velho demais para ser um garoto.

Então, ela diz:

— Boa sorte. Quem sabe depois disso você consiga se achar.

Em seguida, Nicole se vira e vai embora. Ela pode ouvir Callum dizendo:

— Eu nunca pedi por nada disso.

Isso parte o coração de Nicole, e isso nem deveria mais ser possível. Ela se pergunta se alguém, em algum lugar, já pediu pela vida que leva. E se lembra de Callum dizendo: você não foi feita para isso. E acha que ele tem razão. Pessoas como eles não foram feitas para pertencer.

A não ser, talvez, para pertencer uns aos outros. Mas ela não vai admitir isso ainda.

Ela quase volta para dar continuidade à conversa, mas se força a caminhar até a próxima parada, a alguns quarteirões dali, de onde pega o ônibus para a faculdade. Ela não quer se tornar Callum, perdida e abatida por todas as decisões que foram tomadas por ela. E a distância dele foi o suficiente para fazê-la perceber que ela também não quer mais salvá-lo, ou ficar perdida com ele, ou ficar perdida por ele, ou seja lá o que fosse que estava tentando fazer durante todas aquelas noites no quarto 9(3). Callum disse que eles não eram bons um para o outro. Agora, Nicole está disposta a admitir que ele tinha razão.

É como se ela o estivesse abandonando. Um rei sem ninguém para governar.

Nicole não olha para trás enquanto caminha.

Por um tempo, ela não se mantém longe apenas de Callum, mas também de todas as festas e beijos de estranhos e hotéis. Não consegue se livrar dos cigarros, claro, e, às vezes, uma dose do licor de sua mãe a ajudam a terminar um trabalho ou outro da faculdade, mas, fora isso, ela tenta colocar suas prioridades em ordem pela primeira vez na vida. A imagem de Callum naquele terno não sai de sua cabeça.

É uma boa ideia, na teoria, mas, na prática, Nicole odeia a perspectiva de ter um futuro perfeitamente normal, então não funciona por muito tempo. Duas semanas depois do festival, ela se vê em uma festa provavelmente ilegal em um lote vazio em algum lugar nas periferias da cidade, iluminada por faróis de carros e fogueiras acesas em latas de lixo, sentada no capô de um carro cujo dono ela não conhece, com uma garrafa que ela não pode garantir que não vai se tornar um coquetel molotov até o final da noite em uma mão e um cigarro na outra.

Não é realmente a cena dela – essa é uma coisa de Alice, e Nicole raramente a acompanha a esses lugares. A música é selvagem demais, o ambiente, instável, e as pessoas, notavelmente vorazes, e Nicole se pega considerando, não pela primeira vez, a ideia de escapulir para um lugar mais calmo. Não voltar para casa, porque isso nunca a tranquiliza, não de verdade; ela está pensando em paredes brancas e luzinhas de natal, em silêncios desconfortáveis e estrelas imaginárias brilhando no teto. Ela pode ver as estrelas de verdade bem daqui, a despeito da fumaça, mas não é a mesma coisa quando está olhando para cima sozinha.

Ela sente Alice ficar tensa ao seu lado, e segue o olhar dela até encontrar Callum, avançando na direção delas devagar, com cuidado.

— Filho da puta – murmura Alice. Não é como se ela tivesse tomado o partido de Nicole, mas ela tem discernimento o suficiente para permanecer amiga de Callum e ainda assim reconhecer quando ele está errado.

Nicole não fala nada. Ela sabia que ele estaria aqui, claro que sabia; já houve alguma vez em que ela não queria vê-lo e ele não apareceu?

Hoje, Callum está de volta aos jeans surrados e à camiseta escura de sempre, e a roupa é um contraste agudo com o terno que ele usava da última vez em que Nicole o viu. À luz dos faróis, ele parece ainda mais cansado, mais velho, quase. Não tem nada nas mãos, e está indo diretamente na direção delas, como se não houvesse mais nenhum motivo para ele estar nessa festa. E, até onde Nicole sabe, talvez não haja.

Ela espera que ele peça para Alice deixá-los sozinhos, mas ele não o faz. Só fica ali parado, olhando fixamente para Nicole com aquele olhar suplicante que ele tem, e Nicole sabe que é uma noite chuvosa para ele, consegue ver o peso do futuro e do passado enrolados nele como arame farpado, e, mesmo assim, pergunta:

— E aí, como foi a entrevista?

Ele se encolhe um pouco, como se o tom seco fosse um golpe físico. Nicole se recusa a sentir pena dele. Todos eles vão ter que crescer, e isso é culpa dele por ter demorado tanto tempo, e não é culpa dela ter se cansado dele fugindo da responsabilidade pelos próprios atos por tanto tempo.

— Nunca me ligaram de volta. Acho que foi bem mal.

A resposta não dá a Nicole nenhum tipo de satisfação. Ignorando a pergunta confusa de Alice sobre a entrevista, ela diz:

— Pena. Uma hora você acha o emprego certo pra você.

O canto da boca de Callum treme. Ao invés de responder, ele diz:

— Você me odeia?

Alice solta um palavrão em voz alta, e começa a responder, mas para quando Nicole põe a mão sobre a dela. Ela toma um trago do cigarro e analisa Callum com cautela, dos tênis surrados até o cabelo despenteado, dos joelhos rasgados dos jeans às ondulações da tatuagem que aparecem pelo colarinho da camiseta. Um rei. Um fantasma. Só um garoto. Todo esse tempo que ela passou vendo-o como algo mais, todas as promessas de glória que eles enxergavam no quarto 9(3), a visão de um futuro brilhante e inconformado que eles passaram a representar um para o outro – ela consegue ver tudo isso desaparecendo, se dissipando no ar junto com a fumaça do cigarro.

Quem quer que houvesse dito que nem tudo o que brilha é ouro, não estava completamente errado. Por fora, Callum era absolutamente dourado, do chão onde pisava até a coroa que carregava. Por dentro, ele era tão vazio quanto Nicole. Tão vazio quanto um quarto de hotel na baixa temporada.

— Eu não te odeio – disse Nicole, em voz baixa. – Eu não te conheço.

Ela viu as lágrimas se formarem nos olhos de Callum, e ele sempre tinha gosto de lágrimas e cigarros, mas ela nunca o vira chorar, e a visão foi o suficiente para formar um nó em sua garganta. Ele assentiu, lentamente, sem nenhum vigor. Nicole esperou que dissesse alguma coisa, mas Callum só continuou assentindo e assentindo e então se virou e caminhou para longe, e ela tinha certeza que era porque as lágrimas haviam começado a escorrer.

Alice deixou escapar um assobio baixo.

— Uau. Isso foi pesado.

Nicole balançou a cabeça. Ao lado delas, a fumaça do cigarro se misturava às das fogueiras, e ela decidiu atribuir a isso sua súbita dificuldade de respirar.

— É, você resumiu tudo direitinho.

Mas ela não achava que Alice entendia, não de verdade. Callum nunca tinha sido o menino de ouro de ninguém. Só dela.


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Notas finais do capítulo

O próximo é o último! Finalmente, tomei vergonha na cara e vou deixar agendado bem bonitinho.



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