Correio Elegante escrita por Sirena


Capítulo 5
Quinta Carta


Notas iniciais do capítulo

Ultimo salto temporal, nossos personagens agora estão no segundo ano do ensino médio.
Muito obrigada a Isah Doll e Anabelle por comentarem ♥
E obrigada a Anabelle e FILHA DE TOTH por favoritarem a história ♥



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A sala estava uma bagunça, como sempre, o que tornava impossível dormir. Bocejei e olhei uma mesa de cada vez, me perguntando se alguém ainda tinha café. Vi o copo do Starbucks da Milena passar de mesa em mesa, de uma garota para a outra enquanto a professora apagava a lousa apenas para enchê-la novamente.

Me levantei e voltei para o meu lugar na frente da sala.

Paulo jogou meu caderno na minha cara.

— Copiei pra você, desgraça.

— Cara, você é organizado demais. – resmunguei vendo os títulos coloridos feitos com nanquim e marca texto, a caligrafia bem redonda com cores que combinavam perfeitamente e se destacavam bem no papel.

— Café? – questionou me estendendo uma garrafa térmica. — Eu fui na secretaria e enchi de novo.

Antes que eu pudesse responder, a porta da sala se abriu e Adriana entrou, usando um vestido amarelo de festa junina e com uma cesta no braço cheia de envelopes.

Ela estava usando marias-chiquinhas e pintinhas feitas com maquiagem na bochecha. Os cabelos castanhos não traziam mais mechas coloridas o que eu achava triste. Ela estava no segundo ano da faculdade de pedagogia e trabalhava como ajudante na nossa escola.

Sinceramente, eu achava um absurdo ela ter estudado tanto tempo aqui para depois de finalmente estar livre daquele inferno, voltar para trabalhar ali. De verdade, quem com um mínimo de consciência fazia isso?

— Professora, posso interromper rapidinho? – perguntou pegando algumas das cartas na cesta.

Imediatamente estendi a mão.

— Olha aí, o garanhão! – Gabriel zombou atrás de mim, me fazendo corar.

Foi quase um reflexo, juro! Tão automático que só percebi por causa da brincadeira do Gabriel e da risada do Pedro ao meu lado.

— Claro. – a professora respondeu sorrindo de canto para a ex-aluna antes de voltar a se concentrar na lousa.

— Gabriela. Helena. Ana. – enquanto Adriana falava as meninas se levantavam para pegar as cartas. — Pedro. Marcos. Milena.

Sorri pegando a minha carta.

A mesma caligrafia apressada em folhas coloridas e envelope feito com folha de caderno, selado com uma figurinha aleatória.

A figurinha desse ano era de um ursinho usando um chapéu de festa. Era tão fofo que me fez rir. No envelope estava escrito meu nome e sala, ao lado da palavra remetente estavam os mesmos números de sempre.

15-12-21-1-16.

Era tão difícil assim simplesmente escrever um nome? Um simples anônimo seria mais simples!

Suspirei abrindo a carta e me deparando com aquela caligrafia impossível de se ler, com caneta preta falhando.

— O que veio dessa vez? – Pedro perguntou do meu lado, coçando o queixo e olhando sobre meu ombro com dificuldade.

Dobrei a carta semicerrando os olhos para ele. — Não é da sua conta. – resmunguei, dizendo a mim mesmo que deixaria para ler a carta mais tarde.

— Eu não aguento mais essa escola. – ele resmungou enquanto virava a folha do caderno. — É meu segundo caderno nesse ano. E ainda nem passamos das férias.

— Que pesadelo, comprar novos cadernos todo bimestre. – resmunguei com o máximo de ironia que pude.

— É sério. Eu quero sair.

— E eu vou sair. – dei um sorriso. — Vamos nos mudar em dezembro e aí... – sorri. — Eu não faço ideia. Mas, o importante é ir pra outro inferno.

— Troca-se o inferno, porém se permanece no inferno. – o Gabriel riu. — Parabéns. Já sabe pra onde vai se mudar?

— Rio Bonito, acho. Não tenho certeza. – dei de ombros. — Provavelmente vou cair no Calhim ou algo assim.

— Eu não sabia que você ia se mudar. – o Paulo comentou do meu lado.

— Você é surdo? Nenhum de nós sabia. – Pedro resmungou lhe dando um empurrão. — Bom, pelo menos é no Rio Bonito, não é tão longe. Enquanto der pra ir de busão, tá perto o bastante pra eu ir te irritar.

— 'Cê só quer saber de me irritar, mas me agarrar que é bom, isso você não quer. - resmunguei o empurrando. Pedro deu risada, um pouco vermelho e devolveu o empurrão.

***

“Será que eu ainda tenho algo para te dizer depois de todos esses anos? Algo que ainda não disse? Vamos ver, eu tenho plena certeza de que já te disse o quanto você é lindo, inteligente,o quanto eu iria adorar te beijar, te abraçar... Mas, será que eu já falei do que não é tão bom assim?

Por exemplo, não é tão bom assim te ver com o olhar tão perdido quando esquece de entregar uma prova e não poder te abraçar e talvez te morder um pouquinho como forma de consolo. De verdade, eu adoraria fazer isso.

E é péssimo ouvir os seus roncos vindos do fundo da sala toda aula de biologia. Eu sou péssimo em biologia, e acho que parte da razão é porque enquanto o professor explica eu só consigo prestar atenção nos seus roncos. Que falta de respeito!

Ah, você também é péssimo durante o intervalo, quando acaba o seu lanche e passa de mesa em mesa, de grupinho em grupinho mendigando lanche, fazendo aquela sua carinha de Gato de Botas. É tão fofo! Novamente, me dá vontade de te morder, ah, e de te dar todo o meu lanche também!

Mas, você é tão insuportável noventa por cento das vezes, como é possível que eu ainda fique tão afim de você?

Não é possível que aquele meio sorriso lindamente doce e aquele olhar suave que você dá antes de perceber que falou algo em espanhol sem querer ainda surtam tanto efeito sobre mim. Tão perfeitamente irritante. Como você ousa ser tão perfeito? Mas nada é tão irritante quanto perceber tudo isso, aguentar tudo isso e todas suas qualidades... E continuar parado, como uma estatua, ali no canto da sala, apenas te admirando.

Eu odeio isso. Eu até mesmo chego perto de te odiar por me proporcionar tudo isso. Mas, apenas quase. Seu sorriso ainda me aquece e segura todo esse sentimento sem sentido e solitário aqui no meu peito...

Soldeville."

A carta era tão bem escrita como sempre, mas, eu só conseguia me focar em um ponto:

— Eu não ronco! – exclamei pela quinta vez enquanto voltava para casa ao lado do Pedro.

Ele continuava malditamente bonito e malditamente atraente. E, malditamente hetero.

—Você ronca um pouco. – ele garantiu dando risada.

O Pedro era alguns bons centímetros mais alto do que eu e tinha um terrível hábito de ficar levantando a camisa para coçar a barriga tanquinho absurdamente definida. Aquilo era meio injusto: desde que eu entrei na escola ele tinha tanquinho, ou seja desde que tinha sei lá... Quatorze, quinze anos? Não era tão definido assim antes, mas agora... Bom, agora já dava pra chamar de máquina de lavar em vez de tanquinho mesmo.

Eu gostava de ser amigo dele, mas, não tinha vergonha nenhuma de admitir que às vezes ainda imaginava como seria bom ficar me agarrando com ele.

— Não ronco não! – bufei guardando a carta na mochila enquanto andava. — Que idiota!

O Pedro me olhou estranho, fazendo bico.

— O que?

— Você já parou pra pensar que... Essa é a sua ultima carta?

— Como assim minha última carta? – questionei.

— Você vai mudar de escola. – ele observou como se fosse algo que eu já deveria ter reparado. — Não acho que seja lá quem for esse autor vá te stalkear a ponto de te enviar cartas em outra escola! Até porque, se for, você deveria chamar a polícia!

Eu ainda não tinha reparado nisso. Meu sorriso sumiu aos poucos. Depois de tantos anos recebendo aquelas cartas, a simples ideia de não recebê-las nunca mais, parecia absurda. Parecia menos real do que a realidade em si, se é que isso era possível, se é que isso fazia sentido.

— Ah.

— Bom... – ele pareceu hesitar enquanto começava a falar. — É bom que você nunca tenha tido curiosidade de saber quem é então, porque... Bom... Nunca vai saber. – deu de ombros.

Suspirei olhando para a calçada. Não é que eu não tivesse essa curiosidade, eu tinha, de verdade, mas o medo era muito maior. Sem saber quem era, eu podia imaginar o autor como quisesse, poderia imaginá-lo exatamente como o tipo de cara que eu gostava. Era egoísta, mas, se eu soubesse a verdadeira aparência dele, corria o risco de não sentir nada e me desapontar e corria o risco de desapontá-lo também. Tenho certeza que depois de tantos anos me escrevendo, ele ficaria triste se eu não retribuísse.

E eu não queria deixá-lo triste.

Era bizarro, mas, passei a nutrir certo carinho por quem quer que escrevesse aquelas coisas tão bem escritas. Pequenas coisas que ele reparava que nem eu mesmo notava, coisas que ele escrevia que me fizeram gostar mais de mim, todo o carinho e paixão que podiam ser notados através de seu texto faziam meu coração bater de maneira irregular.

— O que você sugere que eu faça? – questionei por fim, coçando o braço, sem graça.

Ele me olhou surpreso e franziu os lábios como se pensasse com cuidado no que ia responder.

— Eu tentaria responder a carta. – falou por fim dando de ombros.

— E como você entregaria sem saber quem é que tá escrevendo? – arqueei a sobrancelha, confuso.

— Adriana.

— Como é?

— As pessoas entregam as cartas do correio elegante pra ela faz anos, nunca te ocorreu que ela pode saber quem que tá escrevendo? – ele deu um meio sorriso enquanto falava. — Você pode tentar tirar a resposta dela, mas eu não acho que ela vá contar, ou você pode escrever cartas e pedir pra ela entregar pro seu Número Quinze.

— Parece uma boa ideia. – murmurei, coçando o queixo.

Me julgue se quiser, mas eu nunca pensei em fazer isso. Agora que o Pedro havia falado parecia uma ideia tão óbvia e ao mesmo tempo tão boa... Eu não precisava saber quem ele era, sabe? Eu só precisava poder falar também.

Aquelas cartas, aquelas palavras estiveram comigo por tanto tempo, foram minhas fiéis companheiras ao longo dos anos desde que entrei naquela escola, e embora eu não soubesse se quem as escrevia era meu tipo, seria mentira dizer que não sentia nada.

A época da festa junina me dava ansiedade justamente porque eu sabia que as receberia, meu coração acelerava e minhas mãos suavam quando a Adriana entrava na sala. Ao chegar em casa, me sentava na cama e lia cada uma das que já tinha antes de reler a nova todo ano, então, fechava os olhos e imaginava tudo.

Imaginava mãos fortes e um sorriso macio, mãos bonitas correndo apressados pelas folhas de letras rabiscadas. Podia não ter um rosto para imaginar, mas, fechava os olhos e imaginava brilhantes olhos castanhos (porque são os mais comuns) e visualizava os olhares atentos que ele devia me dirigir quando eu não estava realmente prestando atenção.

Suspirei, afastando o cabelo e franzindo os lábios para as mechas azuis e desbotadas que eu ainda tinha, quase sumindo entre o castanho.

— É uma boa ideia. – murmurei por fim.


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Notas finais do capítulo

Parece que menino Marcos finalmente acordou para a vida e vai começar a fazer alguma coisa.
Qualquer erro me avisem e não deixem de comentar me contando o que acharam, beijoss ♥



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