Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 17
Capítulo 16 - Entre a cruz ou a espada




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Eu tinha certeza absoluta que aquelas criaturas surgiram literalmente do nada. Era curioso, sempre pensei que "materializações" ocorriam igual os efeito especiais dos filmes, ou seja, com direito a luzes especiais ou pelo menos uma nevoazinha. Considerando os capuzes, talvez sombras dançando teriam sido um efeito cinematográfico mais adequado.

É, eu pareço bem irreverente agora, mas levei um suave susto na hora, tive alguns segundinhos de taquicardia leve. Layla soltou um som que parecia "Deuseeees" — É uma suposição, não prestei muita atenção na hora. Alec achou que aquilo era a chamada para virar o tocha humana e surgiram labaredas nas mãos dele. A única que ficou indiferente foi a Idia, mas bem, ela é uma gata.

Eu recuei discretamente para longe do menino. Vai que esse filho da puta apaga minha alma acidentalmente, pensei.

— Você é a mais singular das nossas irmãs — A primeira figura falou e caminhou na minha direção.

Naquele ângulo, debaixo da luz do poste, eu conseguia ter uma visão mais nítida. Eram três mulheres cobertas com um capuz que parecia ser feito de material tão preto que poderia absorver todos os raios de luz incidentes nele — Acho que o MIT iria se maravilhar se eu levasse alguma amostra daquele tecido para lá. A roupa debaixo do capuz também era feita do mesmo material, então, eu tinha aquela impressão estranha que elas eram rostos e mãos flutuando no vazio. Elas tinham a pele tom de oliva e rostos impecáveis e idênticos como trigêmeas. A única diferença era que a primeira tinha olhos azuis, a do meio cinzentos e a última, bem, olhos totalmente brancos. O efeito não era agradável.

— Oi, boa noite — Estendi a mão para cumprimentar. 

Tinha uma época da vida em que eu não tinha praticamente nenhuma boa maneira. Esquecia de dizer bom dia, oi e etc, só ia direto ao assunto. Bem, cá entre nós, quando você diz bom dia, por exemplo, você nem tá desejando nada pra pessoa, só tá usando a função fática da linguagem mesmo. É hábito. Aí a mamãe reclamou tanto na minha orelha que eu virei um ser educado. Tão educado a ponto de cumprimentar seres sobrenaturais. Bem, se eu iria morrer, mamãe não iria ter motivo pra me dar sermão no pós-vida.

A última delas soltou um rostinho abafado e apertou minha mão. 

— Me dê o gato.

Eu dei o gato no modo piloto automático. E isso foi ótimo porque eu não estava mais aguentando tanta unhada. O bichinho se acomodou no colo dela e fechou os olhos. Bom, se você é uma Moira, você consegue fazer gatos dormirem. Notei que com exceção dos incisivos, todos os dentes dela eram pontudos igual presas. Fazia sentido, se eu tinha dentes levemente afiadinhos, as filhas divinas de Nix poderiam ter presas 

Ah, a propósito, eu concluí que elas eram Moiras quando reparei direito nas mãos delas. Uma tinha a tatuagem de uma roca, outra de um fio e outra a de uma tesoura. Acho que todo mundo sabe a história grega que se tornou universal sobre 3 mulheres que controlam o destino humano.

Ou elas poderiam ser 3 malucas com um gosto questionável para tatuagem. Isso é sempre uma opção. Ou 3 assassinas contratadas por Trivia e que se vestiram de videntes sobrenaturais para ter uma oportunidade melhor de me matar. 

Uma delas, a de olhos azuis, se aproximou de mim. 

— Ave regina — Salve, rainha.

Senti um arrepio na base da coluna. Os olhos dela pareciam espelhos e eu conseguia ver meu próprio rosto: uma criatura meia pálida pelas unhadas, encharcada e meia congelada. Por um instante, pareceu que a imagem turvou para uma mulher em um trono. Havia uma espécie de crânio emoldurado por peças douradas no lugar da face dela — Máscara? Ilusão? —. O cabelo dela escovava como se estivesse ventando e ela tinha uma coroa formada de lâminas de facas em um molde semelhante ao da estátua da liberdade. Olhos de prata pura brilhando onde devia estar uma cavidade. 

Ela ergueu uma mão preguiçosamente e ouvi um coro de gritos. 

Eu conhecia aquele cabelo, formato do corpo e postura. Eu

Ave Regina.

Eu não tive tempo de refletir sobre isso, enquanto eu estava na minha onda de topor, a do meio, de olhos cinzentos, se aproximou de Alec. 

— Saluti, regina uccisore — O que, traduzindo do italino, significava assassino de rainha. 

Belíssimo balde água fria. Quem era rainha? Eu. 

Eu lamentei que a tesoura da Moura fosse apenas uma tatuagem.

E a última se aproximou de Layla.

— Morirai per la belladonna — Você vai morrer por belladonna. 

Layla recuou para trás. Eu entendi o porquê dos olhos brancos, os olhos que não vêem nada, olhos de mortos. Um arrepio cruzou minha coluna.

— O meu destino continua o mesmo? — Idia perguntou.

Elas ficaram caladas.

E aí elas desapareceram junto com o gato e deixaram 3 jovens atônitos parados no meio da chuva. 

Minha primeira preocupação foi o caso de Layla. Eu meio que automaticamente solucionei o primeiro problema: 

Eu = rainha

Alec = assassino da rainha. Solução = Dar fim na criatura.

Não tive muitos conflitos éticos quanto a isso. Não é muito legal — e nem bem visto — dar fim em gente que você conhece desde criança, mas entre eu e ele, bem… 

E se você ainda está me achando malvada e cruel — uma vez, um psicólogo idiota me disse que tenho traços de psicopatia por causa disso —, lembre-se que Alec é capaz de fazer mais do que matar uma criatura, ele literalmente pode apagar minha existência, alma ou sei lá como isso funcione. Deixar de existir é infinitamente pior do que simplesmente morrer, mesmo que não exista vida pós-morte, a maior parte das pessoas é lembrada pelos familiares, amigos e conhecidos. Se eu fosse incineração, ninguém se lembraria de mim. Meu sheut viraria pó e única pessoa que poderia lembrar levemente de mim era o corno que me matou.

Existe um limite para a bondade e a ética, meus caros. Eu jamais morreria ou deixaria de existir para me autoafirmar como boa pessoa.

Agora, deixando claro que eu não sou um monstro mau sem sentimentos e apenas uma criatura com senso, vamos continuar.

A questão de Layla era bem pior. No meu caso, a moça tinha literalmente apontado:"Olha, a criatura do seu lado tem altas chances de te matar". Bem ou mal, dava para me deixar atenta e planejar um método de remediar aquilo. No caso de Layla, não. Ok, ela seria envenenada. Por quem? Quando?

Poderia ser daqui 300 anos e nós viveríamos em estado de constante alerta até lá, para um dia dar um deslize e tudo ir por água abaixo. Era uma espécie de tortura. 

Eu não sabia muito sobre como funcionava a beladona, só lembrava vagamente que Sócrates foi envenenado com aquilo. Que coisa idiota, usar um veneno tão antigo em tempos modernos, falta de criatividade, pensei, malditos classicistas. Mas havia um monte de questões que estavam rodando na minha cabeça: Beladona tem gosto característicos? Funciona só em comida ou também tem absorção dérmica — Até hoje não esqueço quando a Agatha Christie matou uma personagem com veneno nos cremes. Ela era uma velhinha que estava se precavendo de um monte de envenenamentos que estavam ocorrendo na família dela, era super neurótica. E morreu por um creme. 

A imagem do Césare Bórgia da série The Bórgias com um macaquinho no ombro para testar venenos reapareceu de dentro do meu fundo de memórias inúteis. Não tão inútil agora, pelo visto. Macacos são úteis assim ou foi liberdade criativa? Que horror, também, sacrificar bichinhos silvestres. 

Meu Deus, como eu iria arranjar um provador de comida para ela? Será que tinha serviço especializado nisso para contrato? Eu não duvidava de nada, tinha ouvido que os descendentes de deuses tem uma vida bem hardcore. 

Para você ter idéia, a dor na minha barriga até amorteceu. Minha cabeça doía mais.

— Vem cá, Christine — Layla me puxou para um canto onde não batia chuva por causa de uma loja. Idia me seguiu com aquela expressão impassível felina. 

— Já estão planejando meu assassinato? — Alec gritou, ele já estava quase na outra metade da rua quando notou que ficamos para trás.

Mostrei meu dedo do meio. Eu não iria gastar minhas cordas vocais gritando igual uma anta desvairada no meio da rua.

— Alguma idéia para matar aquele idiota? — perguntei docemente. 

Layla revirou os olhos. 

— Meu conselho é que você não tente matar. 

Ameaçada de morte ou não, quase sacudi ela para ver se os neurônios funcionavam com estímulo mecânico.

— Não me olhe assim — ela revirou os olhos — Lembra do Édipo? Ele matou o pai e casou com a mãe porque não conhecia eles. E ele não conhecia eles porque ele foi criado longe por causa da profecia. Na tentativa de evitar a profecia, o rei e a rainha fizeram ela se cumprir. E se você fizer o mesmo? E se você tentar matar ele para evitar que ele te mate e no fim, ele te matar em autodefesa?

Isso levantava mais questões filosóficas. Eu odiava o conceito de destino traçado com todas as minhas forças. Minto, eu gostava de profecias em livros de ficção, é legal ficar fazendo um monte de teorias. Mas na minha vida, sem graça nenhum. Como funcionava essa porcaria de destino? Já havia uma linha traçada e eu era condenada a cumprir, praticamente um autômato na minha própria vida? Ou havia pontos definitivos, que não importava minhas escolhas, eu iria passar por aquilo?

Era enclausurante. Eu poderia enlouquecer. 

E eu não podia discordar de Layla, a teoria dela fazia sentido. E a partir do momento que cogitei teorias, uma lâmpada se acendeu: E se a rainha não fosse eu?

Tinha mais uma rainha na história. A dona Trivia.

E se eu matasse a criatura e a consequência fosse meio Voldemort-Harry Poterr, ou seja, ninguém poderia matar Trivia além dele? Pufff, lidar com Trivia pela eternidade. 

Ah, aquilo era tão complexo. Alguém deveria fazer um manual de como funcionava as questões a cósmicas. Nada podia ser fácil na minha vida, Parcas — ou Moiras, como queiram — desgraçadas.

Eu não sei se fazia sentido ficar p da vida com elas. Será que saber adiantava alguma coisa ou eu só estava sofrendo extra sem poder evitar nada?

— Você tem razão — Admito dolorosamente.

— Outra pessoa pode matar ele — Idia sugeriu.

— E se a rainha morta for Trivia? E se eu matar ele e como ninguém mata Trivia, ela me mata? 

— Ah, aí fudeu — Idia suspirou. 

Eu estava entre a cruz e a espada. Tente matar a criatura e corra o risco de morrer tentando. Mate-o e corra o risco de matar o assassino de Trivia e consequentemente, garantindo que Trivia me matasse. Não mate, acabe sendo morta porque não matou antes.

Eu não conseguia ver saída. De todos os ângulos, eu terminava no caixão.





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Notas finais do capítulo

Ok, entendo que queiram me esganar. Sou a filha perdida do George R.R Martin.

Mas eu estava realmente bem ocupada com a faculdade, tenho que digitar um monte de coisa para trabalho, aí perco a motivação de escrever para lazer. É um ó.



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