Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 16
Capitulo 15 - Arranhões




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— Christine

Larguei o pescoço de Alexander e me virei. Layla estava encostada na parede, me fitando com uma expressão que meu cérebro demorou alguns instantes para indentificar porque — modéstia a parte — as pessoas não costumavam me olhar decepcionadas com frequência. 

— Uh, eu estava ensinando para ele como se estrangula alguém — sorri. Esperava não parecer um diabrete constrangido pego no meio de uma cena de crime. 

Para quem nunca passou por uma situação dessa — a maioria das pessoas, espero. Exceto os praticantes de BDSM, talvez —, aviso que ser pego estrangulando alguém é uma coisa muito constrangedora. Você fica parecendo meio… homicida? Talvez no meio de uma preliminar questionável? 

Enfim, constrangedor. 

De qualquer forma, Layla não pareceu engolir a desculpa do ensinando a estrangular. Continuou lá, imóvel e me encarando. Alec esfregou o pescoço ligeiramente e, muito sabiamente, diga-se de passagem, deu o fora da sala. 

— Vai ficar me olhando com cara de Juízo Final para sempre? — perguntei. 

Aquilo começou a passar de constrangedor para levemente irritante. O cara me ameaçava e eu que ficava como a malvada. 

— Você não é uma pessoa violenta, Christine. 

— Bem, parecem que algumas pessoas merecem a versão mais malvada de mim. 

— Isso é uma péssima justificativa para sair voando nos pescoços alheios. 

Me joguei na no sofá e estendi os braços. 

 — Até que demorou para você começar a defender ele — ergui uma sobrancelha — tenho minhas dúvidas se sua reação seria a mesma se a vítima não fosse ele.

Ela respirou fundo. Perda de paciência, talvez? 

— Acho que demorou para você tentar desviar o assunto — ela suspirou de novo — mas isso realmente não me surpreende. 

Isso não me surpreende. Conseguia sentir a raiva fervilhando lentamente. Um dia, eu era o anjo impecável, minhas brincadeiras e maldadezinhas eram engraçadinhas. E pufff, agora sou vista como um ser malvado e cruel que demonstrava sinais disso antes. 

— Sabe o que mais me estressa? — encarei o teto — É que você nem me perguntou o que ele fez para mim. Na sua cabeça, só eu que sou a errada.

— Nunca falei que ele estava certo. Não sou estúpida para acreditar que ele estava inocentemente jogando xadez e você surgiu das sombras para estrangular ele. Mas a questão aqui é seu comportamento. 

— A questão nunca é o comportamento dos garotos — dei uma risada irônica — Ele ameaçou minha vida bem claramente. Se até o cara que minha mãe mandou aqui para me proteger quer me matar, o que posso esperar, hein, Layla? Se eu não desse um sustinho nele, era questão de tempo até ele resolver cortar minha garganta enquanto durmo. 

Ela suspirou de novo.

— A questão não é ele. Ele foi criado para ser assim. 

Revirei os olhos. 

— Ah, o indivíduo determinado pelo ambiente. De qual livro naturalista você tirou esse ideal? 

Verdade seja dita, discutir comigo deve ser bem irritante.

Layla se sentou no outro sofá e se inclinou na minha direção. 

— Você sabe qual é a idade máxima que um descendente de deuses pode chegar?

— Um… ouvi dizer que Ilithya tem mais de 400, então, sei lá, uns dois mil?

Ela riu.

— O problema, Christine, é que ninguém sabe. Porque ninguém chegou aos mil anos, todos acabam sendo mortos antes. Não temos a menor ideia se descendentes de deuses podem ter uma morte biológica natural — Ela deu uma pausa quando reclamei que nenhuma morte é natural no ponto de vista biológico — Que seja, não sabemos se existe um equivalente da "morte de velhice" humana para descendentes de deuses porque todo maldito descendente de deuses foi morto por alguém. Ou se suicidou. 

Encarei ela.

— Tenho que admitir que isso são índices bem altos de violência. 

— Para de agir como se tudo no mundo fosse uma piada para você. Isso é sério. Meus pais preferem viver na dimensão mortal na maior parte do tempo porque eles têm medo de serem obrigados a participar de alguma carnificina territorial. Grande parte das crianças são testadas logo cedo em um monte de provas absurdas e com risco de vida para verificar se eles têm alguma "habilidade" acima da média que dê alguma vantagem para a família — Ela fez uma pausa — Uma das minhas primas perdeu o braço porque a mãe dela estava convicta que ela tinha alguma habilidade relacionada a altas temperaturas. E depois que ela virou uma criança aleijada, a má sorte veio em onda e ela também morreu em um acidente de carro, porque a fraqueza ou qualquer deficiência é visto como uma vergonha para essa sociedade. 

— Eu prefiro não ter parente do que ter parente maluco — comentei.

Ela riu.

— Ah, Chris, minha prima não é a única criança a desaparecer. Existem dois motivos para a baixa população de descendentes de deuses: baixa fertilidade e desaparecimento de crianças fracas.

Sendo sincera, eu já tinha uma premonição que a sociedade dos descendentes de deuses tinha uma cota de psicopatia. Todo aquela coisa de tortura, tentativa de assassinato e etc não me deixou boa impressão. Mas, caramba, em pleno século XXI, assassinatos de crianças. 

Lembro que uma vez li sobre os espartanos, sobre como os patriarcas decidiam quais bebês iriam viver e quais iriam voar penhasco abaixo. Aquilo parecia tão primitivo pra mim, mas, segundo meu professor de história — Olá, Alfredinho, se você está lendo —, os espartanos viviam em um contexto histórico diferente, onde a sobrevivência dependia da força e das capacidades físicas perfeitas. Já os descendentes de deuses nem podiam alegar isso, poderes não são fundamentais para sobrevivência. Cá estou eu, sem poderes, viva e inteligente, igual um monte de mortais por aí. Quantas crianças com demonstrações de poderes maiores que as minhas mas abaixo do padrão deles não tinham sido desaparecidas?

E poxa, a própria família que provavelmente dava fim nelas, é necessária uma dose bem alta de psicopatia para dar fim em uma filha, sobrinha, neta... Talvez Trivia não estivesse tão errada com a lógica: "descendente de deuses bom é descendente de deuses morto".

— Por isso, Christine — Layla disse — que tenho fé em você. Você estudou comigo, eu sei que você gosta de sociologia, filosofia e os seus blá blá de humanas. Você tem potencial para ser mais do que uma governante violenta aleatória. Nós vivemos em uma esfera política em que a persuasão e a lógica não significa muita coisa, tudo funciona de acordo com a vontade dos mais poderosos. Você pode até usar psicologia comportamental para alienar eles ou sei lá, mas só não seja uma governante sanguinária. 

Aí foi minha vez de rir.

— Não vou ser uma governante sanguinária nem se eu quiser — falei — Nem tenho lá muita certeza sobre a parte de governante também. 

Também não tinha lá muita certeza sobre minha vida e integridade física. Se eles eram capazes de matar crianças consideradas defeituosas, eu nem queria saber o que fariam com a fraude de Diana. 

E, ah, céus, eu nunca quis ser política — exceto uma vez que me empolguei depois de assistir House of Cards — e isso faz um sentido absoluto porque não sou muito carismática. Pelo menos acho que não sou. E também não sou poderosa. 

Ah, eu estava lascada. Muito lascada. 





Os livros que li moldaram a escritora que sou hoje. Eu tenho pavor de me tornar um "ninguém dá um passo na Terra Média sem que seja escrito" igual o Tolkien — com todo o respeito, é claro. Sempre gostei de escritores do tipo Graciliano Ramos, que são sintéticos e vão direto ao ponto. As vezes, tenho medo de terminar e ver que esse livro só tem 40 folhas. Ampliar a letra e diminuir a folha?

Mas, então, voltando ao assunto, o dia 1 na Sicília passou sem mais problemas. No dia 2, eu precisava dar continuidade ao plano e apesar de ser legal fazer pegadinhas de pias sangrentas, acho que iria ficar um pouquinho suspeito demais. 

Aí fui forçada a compartilhar meu plano — segundo Layla, eu deveria ter feito desde o início, mas acho que isso iria tirar a magia da coisa — e como vocês devem supor, fui recepcionada com zoação, falta de fé, convites ao psiquiatra… bem, o previsto.

Mas, verdade seja dita, não dava pra fazer coisa melhor. Como você rouba uma adaga do deus dos roubos sendo que você nem sequer sabe onde está a bendita coisa? Até Vanessa teve que admitir que iríamos precisar da colaboração mínima de Hermes, nem que fosse fazer ele falar acidentalmente — uma idéia ingênua. Ah, lá que o deus da trapaça vai dar essas mancadas.

A parte trágica foi a necessidade de companhia. Eles não me deixaram mais ir sozinha com a Idia. No dia 2, Alec, Idia e Layla me acompanharam enquanto a Vanessa ficou na casa. A criatura ruiva disse que se todos saíssem, alguém poderia invadir a casa e armar uma emboscada. 

Tenho que admitir que ela é esperta. Ou paranóica.

Bom, além de ser constrangedora, a estadia no restaurante foi uma decepção. Hermes não se aproximou, o que eu supunha que iria acontecer já que era só o dia 2 e tinha muita gente na mesa. E a parte constrangedora ficou a cargo da Layla e Alec, que ficaram mudos igual duas múmias. 

Se bem que eu não esperava que Alec ficasse especialmente falante depois de tudo. Layla era mais preocupante — eu nunca tinha levado vácuo na minha melhor amiga. Estava até me perguntando se ela achava que eu tinha tendências psicopatas. 

A parte interessante começa depois que saímos do restaurante. 

Pra começar, estava chovendo pra cacete de uma hora para outra e ninguém tinha um maldito guarda-chuva porque o céu estava ensolarado antes. Admito que clima nunca foi minha área favorita da geografia, mas aquilo não parecia ser o clima comum do mediterrâneo. 

Não sei se foi essa neurose, mas comecei a sentir uma sensação esquisita. Uma pressão na garganta e no peito.  Minha boca também estava seca. Início de infarto? Ansiedade?

Ansiedade parecia uma ideia válida. Mesmo assim, não abri a boca. Céus, eu ainda conseguia sentir a vergonha de quando saí do restaurante da rodovia que teve apagão. Eu não iria ter um piripaque por uma chuvinha. 

Mesmo que o céu estivesse escuro de tão branda que estava a chuvinha. 

"Puta que pariu, Zeus. Isso não tem graça, aumentar meus níveis de adrenalina", pensei. 

Em algum determinado momento, ouvi um miado de gato. Não aqueles miados normais, mas um miado de sofrimento. Olhei para Idia e ela estava normal, um pouco ensopada, mas normal. 

— De onde está vindo o som? — perguntei porque provavelmente os vrykolakas tinha uma audição melhor. 

— Continue andando — Alec bufou. 

Ah, eu não ia mesmo. Amo gatos, jamais iria deixar um gatinho sofrendo no meio da chuva. Que Trivia e sua cambada — caso ela fosse a responsável pelas amáveis alterações climáticas — fosse para o quinto dos infernos.

Parei e prestei atenção ao meu redor. Perto de uma lixeira encostada no poste, vi uma movimentação. Aí eu corri naquela direção. 

Tinha um gatinho convulsionando. Ele era cinza, por isso que demorei para ver, ele se misturava com a cor da calçada. E o bichinho estava babando, provavelmente algum filho de uma meretriz tinha dado veneno para o gatinho. 

— Layla, procura no Google a clínica veterinária mais próxima — me agachei do lado do gato — ou a farmácia para comprar carvão ativado. 

Layla, como era uma criatura eficiente, tirou o celular da bolsa e começou a procurar. Isso era admirável, a maioria das pessoas nem iria conseguir digitar a senha do celular direito. Afastei o corpo do gato da lixeira para evitar que ele se batesse lá. 

— Tem uma clínica aqui perto. Só umas três ruas de distância. 

— Ótimo. 

Ainda bem que era perto, chamar um Uber iria demorar demais para o gato. E as ruas estavam anormalmente vazias. Quando notei isso, senti um calafrio.

Aí me aproximei mais do gato para pegar ele no colo. Na verdade, tentei, porque Alec me empurrou para longe. 

— Nem pense nisso. Você vai se arranhar toda. 

Descendentes de deuses são criaturas controversas, ameaçam sua vida mas não querem que você leve alguns arranhões. Bipolaridade pura.

— Eu não me importo.

Peguei o gato no colo e me levantei. Posicionei-o de modo que ele ficasse na altura da minha cintura, desse jeito, não teria risco dele cortar alguma artéria do meu pescoço com as unhas durante os espasmos. 

— Mostra o caminho — falei para Layla. Senti a primeira unhada — e corre.

Layla saiu disparando na minha frente. Eu sentia como se minha cintura estivesse sendo retalhada, mas cerrei a mandíbula e me motivei a correr. Era melhor ficar com alguns arranhões do que com arranhões na consciência. 

Eu não iria conseguir dormir por dias se soubesse que larguei gato convulsionando na chuva. 

Admito que pensei em parar e largar o gatinho porque aquilo doía pra caramba. Pode parecer drama para alguns, mas a força do animal dobra durante uma convulsão. De qualquer forma, eu estava feliz por ele não estar me mordendo também.

— Calma, gatinho — sussurrei. 

Já falei que parecia que minha barriga estava queimando? Eu nunca tive tolerância a dor, nunca apanhei na vida pra valer. Pensando bem, já apanhei em torneios de artes marciais, mas nada se compara com unhadas de gato descontrolado. 

E quando viramos a esquina da rua da clínica, vimos três figuras encapuzadas paradas bem na nossa frente. 

 


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Notas finais do capítulo

Oi, estoy viva. Não tenho desculpas para dar — já que estou de férias — então só me resta admitir minha própria preguiça.

Dêem um sinal de vida também. Eu gosto de ver que alguém está lendo minhas maluquices haha.



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