Paradoxo Temporal 2: O Projeto K1 escrita por Vanessa Sakata


Capítulo 27
Promessas quebradas e almas trincadas




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Sob um céu nublado, ele avistou a única coisa que ainda permanecia de pé, mesmo depois de tantos anos resistindo às intempéries e ao fogo. Aquele portal ainda estava intacto apesar de tudo. Suas telhas continuavam no mesmo lugar e a madeira, apesar do desgaste natural, estava longe de demonstrar qualquer sinal de fraqueza, mesmo com tantas marcas. Os portões também de madeira, presos por dobradiças tomadas pela ferrugem e quebrados onde deveria haver fechaduras, permaneciam abertos, dando entrada a um conjunto de ruínas.

Respirou fundo, sob os olhares de Ginmaru e Katsura, que o acompanhavam. Há muito tempo não vinha por estas bandas.

Tão logo passou por aquela entrada, as ruínas ganharam vida. Mais precisamente, reviveram através de suas lembranças, como a primeira vez em que pusera os pés naquele local. Lembrava-se de como era pequeno e franzino e abraçava uma katana que tinha quase sua altura, um presente que recebera do homem que o carregara nas costas até ali. Alto, cabelos longos na cor marrom-acinzentada, olhos verdes e um sorriso gentil eram as características daquele homem chamado Yoshida Shouyou, aquele que o acolhera como um pai acolhia a um filho.

Por um bom tempo aquele fora seu lar após ser tirado dos campos de batalha onde saqueava os cadáveres para conseguir algum alimento. Antes daquele local se converter em ruínas encarvoadas, fora onde poderia viver como um menino deveria viver, aprender o essencial do caminho de um samurai e começar a construir seu caráter.

Naquela época, Gintoki passou a conviver com mais dois garotos que viviam naquelas proximidades. Um deles sempre tivera cabelos pretos longos, era o mais aplicado e inteligente, além de uma personalidade mais apaziguadora. Katsura era como um ponto de equilíbrio entre as personalidades de Gintoki e de outro garoto que era seu rival no dojo, mais baixo, cabelos curtos, escuros, com um tom arroxeado e olhos verdes... Que crescera e estava à sua frente. Takasugi Shinsuke já o aguardava, acompanhado de Bansai e Matako.

O albino voltou a ver as ruínas da Shoka Sonjuku tal como eram atualmente, nada mais do que ruínas de madeira encarvoada. E, a julgar pela expressão que o líder do Kiheitai tinha em seu rosto, percebeu que não era o único a ser tomado pela dolorosa nostalgia que o dominava. Depois que Shouyou fora preso, a escola fora incendiada e, dali para frente, vários eventos levaram àquele momento terrível onde começara a ruptura entre os então amigos/rivais.

 Mais precisamente trinta anos atrás, na primeira guerra em que lutaram.

Katsura testemunhara aquele acontecimento.

Ginmaru conhecia as três versões daquele fato.

Os três discípulos de Yoshida Shouyou eram jovens samurais que mergulharam de cabeça em uma guerra para salvar seu mestre.

Shouyou fizera Gintoki prometer que protegeria Katsura e Takasugi.

Takasugi fizera Gintoki prometer que protegeria Shouyou-sensei.

Os três foram capturados e o jovem albino que envergava vestes brancas salpicadas de sangue, que lhe renderam o apelido de Shiroyasha, fora obrigado a fazer uma escolha.

Mataria seu sensei, ou seus companheiros?

Sua katana deveria beber o sangue de alguém.

Ergueu a espada. Uma promessa seria quebrada para outra ser cumprida.

“Obrigado”, Shouyou dissera quando Gintoki decidira qual promessa cumprir enquanto lágrimas rolavam de seus olhos rubros e sua katana descia para seu ato fatal.

Desde então, Takasugi nunca o perdoara.

Katsura compreendera.

Gintoki carregava aquele fardo nas costas.

― Pensei que se atrasaria, Gintoki. – Shinsuke disse debochado.

― Vamos ao que interessa, Takasugi. – Gintoki ignorou a ironia. – Por que me chamou pra vir pra cá?

― Não é óbvio? Vamos acertar nossas diferenças. – ele desembainhou sua espada do tipo shikomizue. – Aqui e agora!

― ESPERA! – Ginmaru protestou. – VOCÊS DOIS VÃO LUTAR?!

Katsura colocou uma mão sobre seu ombro.

― Deixa, Ginmaru. É o jeito de eles acertarem as contas.

― Ah, sim... – o jovem revirou os olhos e falou sarcasticamente. – Matar um ao outro é melhor do que serem minimamente civilizados, não é? Eu já sou órfão de mãe desde que nasci, não tô afim de ficar órfão de pai, não! Se aquele emo baixinho e caolho tentar matar o meu pai, juro que minha katana vai cortar o pescocinho dele!

Ginmaru respirou fundo para tentar conter sua indignação. Estava frustrado por ver que aparentemente seus esforços de promover uma trégua entre aqueles dois cabeças-duras estavam indo para o lixo. Mas, por outro lado, Katsura não demonstrava outra atitude a não ser de manter-se calmo.

Se ele conhecia tão bem os dois homens que estavam prestes a lutar e não aparentava estar aflito, então isso poderia significar que aquela luta poderia não resultar necessariamente em morte.

― Tudo bem... Eu vou tentar não ficar maluco por causa disso. Mas se meu pai estiver em perigo, vou entrar no meio.

― Parece que não seremos os únicos dispostos a evitar que isso acabe mal. – o líder Joui disse enquanto seus olhos recaíam sobre Bansai e Matako.

Gintoki encarava Takasugi desembainhar sua shikomizue sem alterar seu semblante. Seus olhos rubros não deixavam de encarar aquele olho verde remanescente do homem que agora era seu adversário. Tirou de seu cinto a sua fiel bokutou Toyako, da qual dificilmente abria mão para lutar. Apesar de ser de madeira, aquela espada não devia quase nada a uma de aço.

Os dois se posicionaram em suas posturas de batalha. Iriam acertar as contas realmente daquela maneira.

― Se você vencer, Takasugi – Gintoki disse. – Nós podemos dar uma trégua. Mas se eu vencer...

― ... Não cruzamos mais nossos caminhos, é isso? – Shinsuke indagou. – É justo.

Os dois correram um de encontro ao outro, fazendo suas espadas se colidirem pela primeira vez, com o impacto produzindo uma forte lufada de vento. Em seguida, a shikomizue e a bokutou se chocavam entre si com golpes poderosos e rápidos, num vigoroso jogo de ataque e defesa. A adrenalina percorria os corpos de ambos, relembrando a época em que eram rivais na Shoka Sonjuku. Entretanto, aquelas lutas da infância davam lugar a um duelo mais calculado entre dois adultos na faixa dos quarenta e tantos anos de idade. Sakata Gintoki e Takasugi Shinsuke tinham muita experiência acumulada, tanto de vida quanto de batalhas e sabiam muito bem que táticas poderiam ser adotadas em cada situação de combate.

As duas espadas acabaram travando uma à outra, fazendo com que seus donos ficassem cara a cara. Ambos sorriam como duas feras que agora se sentiam à vontade para lutar com toda a força e habilidade que possuíam. Os olhos rubros de Gintoki, normalmente num tom próximo à cor vinho, passavam a exibir um brilho próximo ao carmesim. Mudança de tom semelhante acontecia ao olho direito de Takasugi, indo do verde-oliva a um tom mais próximo ao verde-folha. As expressões de ambos mostravam o quanto estavam dispostos a darem o melhor de si naquele embate, transparecendo o esforço que faziam para sair daquela posição.

Foi quando o Yorozuya se aproveitou de sua envergadura um pouco maior e acertou um chute contra o peito de seu oponente. Shinsuke recuou alguns passos de distância, enquanto o albino avançava para aproveitar a abertura e golpeá-lo no rosto com a bokutou. Entretanto, aquele golpe acabou por não ocorrer, pois uma lâmina de aço conseguira ser capaz de bloquear a tempo.

As mãos do líder do Kiheitai se estremeceram ao segurar fortemente sua shikomizue para bloquear aquela bokutou. Quase havia esquecido que seu oponente de cabelos prateados tinha grande força física, e aquele ataque fora bem poderoso. Lembrava-se das várias vezes que os dois se enfrentaram quando garotos, e como na maioria das vezes o de permanente prateada levava a melhor e isso só fazia com que ele jamais desistisse, mas buscasse superá-lo.

Takasugi aproveitou a nova proximidade entre os dois, travando novamente a espada adversária. Não seria uma diferença de alguns centímetros de altura que o deixaria em desvantagem naquela luta. Impulsionou sua espada para cima, para depois se desvencilhar de Gintoki e, com a sua bainha, acertar em cheio o rosto dele. Não demorou muito para vir o revide e sentiu o golpe da bokutou contra sua mandíbula.

Os dois pararam um pouco para recuperar o fôlego. Gintoki limpava um pouco do sangue que começava a sair de uma das narinas e do lábio inferior que se partira com o golpe recebido. Shinsuke buscava suportar a dor da pancada que recebera e cuspiu o sangue que brotava de um corte interno na boca, por conta de uma mordida acidental quando fora acertado. Ambos sabiam do que eram capazes, um conhecia bem ao outro, mesmo não tendo tanto contato devido aos caminhos diferentes que tomaram após a morte de Shouyou-sensei.

Aliás, fora a morte do homem que havia sido importante para ambos que fizera com que a relação entre eles se deteriorasse em meio a ressentimentos e rancores, com uma boa dose de birra.

 

A conversa que Shinsuke tivera com Ginmaru a respeito dos acontecimentos do passado fora diferente do que esperava. Esperava que o garoto defendesse ferrenhamente o pai, ou que dissesse que Gintoki não era aquilo que ele descrevera em sua versão dos fatos, mas o jovem não fizera qualquer objeção.

Uma guerra era capaz de amadurecer muita gente à força, e ele mesmo sabia disso.

Tão logo ele deu as costas a Takasugi para ir embora, disse:

― Muitas vezes somos obrigados a fazer determinadas escolhas, Takasugi-san, mesmo que nos odeiem depois por isso.

Isso o fez refletir sobre o passado, e sobre como passara trinta longos anos sendo estúpido, tal como o pai daquele jovem. Talvez ele tivesse sido ainda mais idiota do que o antigo Shiroyasha. Era óbvio que Gintoki não teria qualquer gosto em matar alguém que lhe fosse querido.

Foi quando uma pergunta invadiu seus pensamentos: E se Gintoki realmente tivera naquele dia que escolher entre duas promessas a cumprir, como Zura lhe dissera certa vez?

 

Os dois retomaram o embate com a mesma intensidade do início. Takasugi estava determinado a desfazer o equilíbrio daquela luta e vencer seu rival, mas não era nada fácil superar alguém que lutava em um nível igual ao seu. A shikomizue novamente se colidiu contra a bokutou mais algumas vezes, até ser travada pela espada de madeira. Com um pouco mais de esforço, conseguiu desarmar Gintoki e, sem perda de tempo, deu-lhe uma cabeçada que o deixou atordoado.

 

Após receber aquele bilhete de Takasugi, seguiu-se mais um breve momento de silêncio entre pai e filho. Os dois albinos se serviram de mais uma dose de saquê e beberam sem trocar nenhuma palavra. Gintoki decidira ir às ruínas da Shoka Sonjuku para resolver de uma vez por todas as pendências com o líder do Kiheitai.

― O que o Takasugi te disse sobre dezoito anos atrás?

― Que não tinha controle sobre os instintos de um Yato. Disse de um jeito que não parecia estar querendo lavar as mãos, sabe...? Era como se falasse do tal Kamui como se fosse uma pessoa que não tivesse cumprido a sua parte em um trato.

Se fosse verdade o que Ginmaru ouvira de Takasugi, talvez ele não tivesse de fato culpa pela morte de Kagura. Será?

 

A cabeçada que recebera fora forte, de tal modo que, por sob os cabelos prateados, na testa, abriu-se um pequeno corte, mas suficiente para começar a escorrer sangue. Takasugi sempre fora cabeça-dura, e agora Gintoki descobria isso no sentido literal. Mas isso não ficaria assim, e o Yorozuya acertou-lhe um soco cruzado de direita contra o rosto do rival com uma força devastadora, derrubando-o no chão para ganhar tempo suficiente para recuperar sua bokutou. Avançou contra Shinsuke no mesmo instante em que ele se refazia daquela pancada atordoante e novamente sua bokutou encontrou a shikomizue. As duas espadas se cruzaram várias vezes, numa dança alucinante que era o jogo entre ataque e defesa de ambos os ex-combatentes.

Os dois se afastaram novamente por alguns segundos, só para em seguida correrem e colidir suas espadas mais uma vez. Entretanto, o golpe fora tão forte que gerara mais uma lufada de vento, levantando poeira e levando longe uma parte da bokutou de Gintoki, que se quebrara. Ginmaru não pensou em mais nada e, decidido a acabar com aquilo, sacou a katana e correu até onde estavam seu pai e Takasugi. Quando a poeira baixou, o jovem estacou e viu o Yorozuya parado com as mãos levantadas em sinal de rendição, enquanto o líder do Kiheitai lhe apontava a shikomizue.

― Você ganhou, Takasugi. – o albino disse sorrindo. – Vamos começar nossa trégua.

Shinsuke embainhou sua espada e sorriu em resposta. Nem parecia que os dois estavam, instantes atrás, no maior quebra-pau. O jovem Sakata nada disse e embainhou de volta a katana enquanto via Takasugi indo embora, junto com Matako e Bansai. Gintoki se aproximou dele com um suspiro aliviado.

― Ainda bem que terminou... Já estava com medo de tudo dar errado.

― Como assim, pai?

― Gintoki – Katsura atalhou. – Você queria essa trégua, não queria?

― Estava tão na cara assim?

― Takasugi não ganharia assim de você, até onde lembro.

― Não, não me venceria como me venceu.

― Peraí – Ginmaru questionou. – O que quer dizer isso?

― Que eu vou precisar comprar uma bokutou nova. – Gintoki respondeu.

― Isso é óbvio, pai. A menos que...

― Eu sabotei minha própria bokutou e deixei o Takasugi me vencer. Se era isso o que você tava pensando, acertou.

Num primeiro momento, Ginmaru ficou sem reação, mas depois que assimilou o que acabara de ouvir, entendera bem o que seu pai fizera. Ele queria se acertar com Takasugi e, ao que indicava aquele sorriso ao fim do embate, o líder do Kiheitai também estava disposto a uma trégua.

Pelo jeito, novos aliados se somariam em definitivo a eles para defender o Distrito Kabuki e evitar a queda para a Junta e seus comandados.


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