Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 22
Olhos de falcão


Notas iniciais do capítulo

Leiam as notinhas finais, por favor!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785950/chapter/22

A parte boa de casar-se próximo à casa de onde veio era a aura de compreensão que pairava pelos convidados quando os noivos diziam que já estavam se sentindo cansados das comemorações. Todos subitamente assumiam um ar sério e assentiam com a cabeça – ainda que alguns não fossem casados, entendiam completamente o que era estar cansado após o casamento. Era simplesmente cômico de se ver. Ainda assim, não deixei de ficar agradecido com o gesto.

— E então, já pode me contar qual é o negócio com a Alice? — foi a primeira coisa que Adele indagou quando nos sentamos no cabriolé. Uma carruagem para poucas ruas a frente seria demais, até mesmo para os Bretonne. — Estou me sentindo parte de um livro investigativo!

— Ainda não.

— Quanto mistério, sr. Banks... Desse jeito não vou ter outra opção a não ser me sentir enciumada!

Gargalhei com sua escolha de palavras. Se não estivesse levando o cavalo, eu teria oferecido minha mão para que ela a segurasse.

— Não vejo porque eu estaria interessado em Alice Bethencourt ou porque eu teria motivos para agir debaixo dos panos quando eu já tenho uma esposa que vale por dez mulheres como ela. E há outra coisa: ela está interessada em outra pessoa.

— Oh, é mesmo? — Adele inclinou-se para meu lado, com aquela expressão de quem quer fingir surpresa. — Não seria seu querido irmão Thomas, seria?

— É muito perspicaz de sua parte palpite tão certeiro, sra. Banks. Mas não vou dizer mais nada a respeito deste assunto, então pode se morder de curiosidade.

Foi a vez dela de gargalhar, erguendo as mãos em defensiva. Fazia um calor danado e eu queria me enfiar debaixo de uma banheira de água gelada, porém naquele momento apreciei bastante o sol em seu papel de iluminar a aliança em seu dedo. Aposto que ela me pegou sorrindo sozinho, porquanto que comentou em tom pretensioso:

— Ora, querido, a minha perspicácia te encanta!

Eu apenas ri e não a respondi. Mas aposto que ela leu nas entrelinhas que aquilo era verdade. Sei disso porque Adele riu com maldade em retribuição, encostando-se ao meu ombro na falta da mão que eu não podia lhe oferecer.

Estava para ser um dia e tanto.

— Quartos conjugados?

Repeti em descrença quando a governanta me informou que todas as providências já estavam ajeitadas para nossa estadia na Casa Bretonne. É claro, era uma gentileza nos cederem a casa para não viajarmos no meio da noite – eu sequer sabia se haviam viagens marítimas noturnas para Londres –, porém não pude deixar de me decepcionar em voz alta com a provisão.

— Sim, senhor — explicou-me ela com a voz calma e monótona. — É uma casa bem antiga, senhor, só temos a suíte principal e a secundária, e ambas tem quartos conjugados... Todos os outros quartos são próprios para uma pessoa só, acreditei que seria ofensivo, senhor...

É, e seria.

— Não tem problema, senhorita Vasselot — sorri de lado, esfregando as mãos uma na outra. — Eu só não sei como funciona...

E então, ela passou a narrar todos os detalhes de como funcionava um quarto conjugado. Adele, por outro lado, parecia ou terrivelmente entediada ou terrivelmente concentrada. Com seu véu de noiva e as mãos na cintura, a cena parecia muito mais cômica do que deveria ser de fato. Quando tudo se acertou, Adele prosseguiu escada acima como se tivesse controle de tudo. Secretamente, dei graças aos céus por ela não esperar que eu a carregasse escada acima – eu era meio magrelo e tinha medo de enviuvar antes das núpcias. Pior: tinha medo de ser um parricida sem querer...

Com muita educação, segui-a escada acima e tentei não me tremer nos joelhos até o quarto. Como as portas eram unidas, hesitei um tanto ao observar a parede que os separava. Duas portas e uma cortina.

Meu Deus.

— Eu vou me trocar e já volto para ficar contigo um pouco, tudo bem? — Adele sorriu de lado, com toda a doçura que lhe foi possível. — Eu... Sinto muito pelas coisas não serem iguais à Inglaterra moderna, Alex.

— Não se preocupe. Eu também preciso tirar essa gravata.

— Sabe que eu fiquei pensando que você bem que parecia estar prestes a sufocar?

Gargalhei com gosto, concordando com a cabeça.

— Eu estava! Juro que nunca quis tanto casar de camiseta e bermuda numa praia!

— Há lugares em que as pessoas se casam assim? — Adele sussurrou encantada. — Que coisa mais maravilhosa!

— Acredito que sim — comentei me sentando na ponta da minha cama.  Quase me bati com o dossel no processo, mas procurei não me abalar. — Podemos procurar esses lugares juntos, o que acha?

Seus olhos brilharam, coisa que fez meu coração revirar dentro do peito. Antes que eu pudesse me dar conta do tempo e da situação, Adele aproximou-se de mim como se fosse um predador explorando sua presa. Eu sei, eu havia dito que garotas bonitas não me assustavam mais e que eu estava pronto para qualquer baque, mas...

Não era apenas uma garota bonita. Era minha esposa. Contra isso não havia discussão: para o bem da minha vida, era bom que eu tivesse um medo sadio dela. Não era intimidação, era...

Respeito. O medo de decepcioná-la. De comprometer nosso relacionamento, que praticamente começava agora.

Tudo isso me colapsava com apenas um par de olhos castanho-claros.

— Está falando sério...?

Assenti com a cabeça, encantado com a expressão em seu rosto.

— É claro que estou. Se não for presencialmente, prometo fazer isso através das palavras de outra pessoa... Entendo muito pouco de viagens, porém conheço o suficiente de livros para afirmar que eles têm um poder extraordinário de percorrer quilômetros em algumas páginas...

— Ah, Alex... — Adele fungou, atirando-se ao meu pescoço. Segurei-a pelas costas, com medo de que ela nos derrubasse. — Vou para qualquer lugar, se for com você. Eu...

Então, ela soltou-se do meu pescoço e segurou-me delicadamente pelos ombros. E então passou a sustentar minhas bochechas com comoção. Prendi o fôlego.

— Alex, eu... Sei que já disse algo semelhante antes, porém... Agora nós estamos casados e eu gostaria de pontuar isso nas qualidades de meu marido — ela sorriu, acariciando minhas bochechas. — Eu sinto... Tanto... Por ter me demorado a ver que estava aqui e que era tão... Bom e tão gentil. E tão inteligente e atencioso... Eu prometo que daqui em diante me esforçarei para estar à sua altura e para que nunca se sinta menos que isso. E, se sentir, eu gostaria que me desse alguns sinais. Por que... Acredito que seja para isso que serve uma esposa, não...?

Aproveitei que ela já estava perto para lhe dar um beijo na testa. Até aquele momento, todos os beijos que tínhamos trocados não haviam sido tão íntimos, então me considerei no direito de fazer isso.

— Eu acredito que podemos atribuir o significado que nós quisermos, Deli... Nenhum casamento é igual ao outro. Eu, particularmente, gosto dessa ideia que está sugerindo. Sendo bem sincero... Não espero de você nada além de... Você.

As palavras saíram da minha boca antes que eu sequer tivesse a oportunidade de controlá-las. O bom é que eu não precisava mais controlá-las. Se ela quisesse corresponder ou não, já não estava mais nos meus âmbitos. Eu sempre mantinha em mente o que meu pai me dizia quando eu era mais novo: um bom casamento é feito de dois amigos que, muito convenientemente, se amam romanticamente. O primeiro passo e meio já estava dado, não?

— E eu digo o mesmo — Adele sussurrou, abrindo um sorriso de escanteio.

Foi minha permissão para fazer o que desejava há tempos. Primeiro, beijei novamente sua testa. Depois, beijei acima de suas pálpebras – a de cílios de borboletas, como eu reparei na primeira vez na sala do piano –, cada uma das bochechas e também a ponta de seu nariz. Adele riu baixinho durante o processo, e confesso que foi adorável a sensação do calor de suas bochechas aumentarem a cada passo. Secretamente, eu torcia para que ela não notasse meu nervosismo presente nos batimentos cardíacos. Ainda que ela tivesse meu coração em suas mãos, eu não gostaria de estragar a segurança que tentava passar para ela. Era essa minha tarefa.

Mas, querendo eu ou não, como ela bem havia definido... Não esperamos muito do outro além de nós mesmos.  Seus olhos cor de âmbar iluminaram minha alma, e acredito que algo meu deve ter lhe transmitido alguma mensagem.

E isso, bem...

No final das contas, ignoramos os quartos conjugados.

┗━━━━━━༻❀༺━━━━━━┛

Assim como o sol tinha de dar lugar à lua, nosso ânimo deu lugar ao sono felizmente nos horários certos. Apesar de ser possível escutar os transeuntes no andar de baixo – certamente terminando de comemorar o casamento – e Gigi chorando em algum cômodo ao longo do corredor, dentro do quarto dividido em dois éramos paz e harmonia. Com minha mão livre, alcancei seus cachos castanhos e os acariciei com toda preguiça que me era possível.

— Eu... Posso te contar uma história? — Adele murmurou, olhando para cima e para mim. — De quando eu era bem pequena e vocês tinham acabado de chegar às nossas vidas?

Assenti com a cabeça, me ajeitando para a hora da história. Ainda que o “ajeitar” fosse me elevar alguns centímetros na cama.

— Minha mãe sempre me contava de uma amiga que ela tinha na minha idade... E ela dizia que ela era mais do que uma amiga. Era uma irmã. A sua mãe, é... Tanto é que eu ganhei o nome dela. Minha mãe... — sua voz falhou, escolhendo as palavras. — Disse que ela sumiu. E que sentia muita falta dela. Acho que eu já comecei a amá-la desde então...

Sorri sozinho. Eu nunca tinha escutado essa história do ponto de vista dos Bretonne, muito menos a versão de Adele a respeito do assunto. Pelos meus cálculos, ela deveria ter uns cinco ou seis anos quando tia Sienna restabeleceu contato com a minha mãe. Era admirável que ainda fosse uma recordação fresca em sua memória.

— Eu disse à minha mãe que gostaria de conhecer quem é que me presenteou com esse nome — ela continuou, após um suspiro. — Ele significa “nobreza”, e eu achava sinceramente de muita falta de originalidade de minha mãe dar a uma nobre o nome de “nobreza”. Francamente.

— Seria terrível, mesmo — tive de rir junto. Seu tom de voz indignado era simplesmente adorável.

— Não é? E então, nós... Minha mãe, na verdade... Escreveu uma carta para a sua. Acredito que ela tenha demorado a chegar porquanto que não sabíamos o paradeiro de sua mãe... Sequer sabíamos que ela já era casada e que tinha dois filhos. Sua mãe jamais respondeu a carta, pelo contrário... Veio direto para cá e trouxe consigo não apenas dois filhos, mas dois filhos grandes e dois de colo. Eu me lembro de ter ficado fascinada com minha mãe os segurando com toda emoção do mundo, pois estava grávida de Gabrielle e parecia... Parecia que elas tinham muito em comum. E eu fiquei olhando... Olhando encantada para aquele novo mundo que me foi apresentado e em tão pouco tempo se tornou a melhor parte de mim.

Beijei seus cabelos, contente com a história.

— Recordo-me de primeiro conversar com Thomas. Ele era mais falante e tinha a minha idade, então de certa forma era mais fácil. E você, de certa forma, permaneceu como eu estive quando chegaram. Ficava observando e transitando entre a sua mãe e a minha — Adele riu fraco. — Você sempre me pareceu... Inalcançável. Por isso decidi que não iria tentar me aproximar muito. Tudo isso se agravou quando Gabrielle nasceu. Vocês dois eram inseparáveis, então... Eu deixei estar.

Foi a vez dela de ajeitar-se na cama, fitando-me com os olhos de falcão.

— Queria não tê-lo feito — Adele sussurrou, apoiando-se em meu peito. — Perdi muito ao longo desses anos... Não cometerei o mesmo erro duas vezes.

Assenti com a cabeça, comovido com suas palavras. Então, para não perder o costume, brinquei:

— A aliança significa “ponto sem retorno”, querida.

— Querido, se permanecer hábil com suas palavras e ações, essa não será uma opção.

Gargalhamos baixo, deixando que o sono envolvesse-nos gradativamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, a história é +13, então vocês que entendam como quiserem kakaka

Enfim! O aviso que eu gostaria de dar é que provavelmente não conseguirei postar o capítulo do mês que vem. Vou tentar ao máximo deixar dois capítulos prontos para postar em novembro, mas talvez isso não aconteça, tá bom?
O que acontece: Esse mês, meu coelho ficou doente, então estou dando o máximo de atenção de consigo para ele. Sobrou muito pouco tempo para adiantar algum capítulo para o mês. "Ah, tia Camellia, por que então você não escreve no próximo mês?" Para quem já está no Nyah há algum tempo sabe que em outubro rola o Desafio Drabble, e esta autora que vos fala é uma participante. Quem participa sabe que, apesar de serem histórias curtas, a gente gasta muito tempo trabalhando tanto nelas quanto lendo as outras histórias.
Então... é isso! Vou deixar esse aviso em todas as minhas histórias em andamento, então se topar com esse aviso duas vezes saiba que é apenas preguiça de um aviso personalizado em todas. Muito obrigada pela paciência e a gente se vê em novembro!
(ou em outubro, caso se você for ver o que vou aprontar esse ano xD)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bravado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.