Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 19
Estamos no mesmo time


Notas iniciais do capítulo

Oioi gente ♥ quase que fecho o mês sem postar os capítulos, me perdoem pelo atraso.
O capítulo de hoje teve fortíssimas influências de "Team", da Lorde, nele, então se quiserem o link da música com tradução: https://youtu.be/RTr1k0jWCXg
Boa leitura!



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— Quando éramos crianças — Thomas começou a contar, enquanto garoava do lado de fora. Nada comum sob o céu londrino, felizmente. — A frase que a mamãe mais dizia quando estávamos para ficar doente era “melhor prevenir do que remediar”. Ela nos enchia de laranjas, chás de hortelã com mel, peixe... Sempre fomos crianças saudáveis. Acho que a única que ficava mais doente era a Maélie, justamente porque ela não saía muito de casa. Lembra?

Assenti com a cabeça. Eu não iria atrapalhá-lo, por mais que não estivesse acompanhando sua linha de raciocínio.

— Uma das primeiras vezes que fomos até Paris, pelo que consigo me lembrar, foi uma ocasião muito triste. Antes de chegarmos às partes nobres da cidade, paramos em Calais... Ah, Alex, se lembra de todos aqueles mendigos se escondendo nas docas? Sofrendo com o frio e com a doença? Quando chegávamos à Belleville reclamávamos no frio... E quem estava nas ruas? Morrendo e ninguém se importava em sequer saber seus nomes? Caramba, isso me deixava muito possesso...

— O assunto ficou tão pesado de repente — engoli em seco, ao passo que ele pigarreou como pedido de desculpas. — Quantos anos você tinha, Tom?

— Ah, uns quatorze.

— Acho justo... Na verdade, eu mesmo não pensava nessas coisas. Só era um reclamão interno.

Thomas riu fraco, apertando meu braço com leveza.

— Não é minha intenção acusar ninguém, Alex. Relaxe.

Assenti com a cabeça. Nossa época de brigas por coisas bobas, como um comentário mal colocado, já havia passado. E eu não sentiria falta nenhuma disso.

— Enfim. Eu fiquei com isso na cabeça uns bons anos, sabe? — então, ele abraçou um joelho como quando era criança e se irritava e não podia reclamar em voz alta. — Sobre como eu podia ajudar de alguma forma. Eu ficava olhando o pai e a mãe conquistando um fragmento do mundo com as ideias deles, coisinhas tão simples aos olhos de quem produzia carros, máquinas para fábricas que exploram as pessoas... Eu queria ser como eles, que projetavam ajudas para as pessoas pequenas aos olhos da indústria. Mas, no mundo de hoje, é mais respeitoso aos pais que os filhos sejam... Advogados. Engenheiros. Pais de família. Eu não... Nunca quis nenhuma dessas opções.

Ah, como eu o compreendia nesse aspecto. Naquele momento, nunca pareceu que éramos tão parecidos, apenas com alguns detalhes aqui e ali e para nos diferenciar.

— Quando me dei conta disso, eu percebi que... Talvez eu nunca fosse o filho mais velho que a mãe e o pai desejavam que eu fosse — seu tom de voz baixou consideravelmente. — Ainda assim... Depois que você decidiu que queria fazer Psicologia, eu percebi que estava sendo um idiota. Se o pai e a mãe sentiram o maior orgulho da sua decisão, por que eles não iriam sentir das minhas?

— Você está começando a me assustar...

— Calma, estou chegando lá. Vou conectar os pontos. Aquela situação em Paris foi o começo da minha descoberta do que eu queria fazer, mas como eu achava que precisava ter vergonha do que estava fazendo eu... Confesso que agi muito por debaixo dos panos. Eu esperei. Esperei. Comecei a fazer Biologia e a aprender e anotar tudo que precisava. Aí, quando eu tinha vinte anos, eu... Conheci a Alice. E então começamos a colocar o nosso plano em ação.

Um arrepio me transpassou o corpo. Agora, noivo, era difícil não me lembrar da situação com Alice. Acho que aquilo iria me perseguir até eu ficar com os cabelos brancos...

— Alice faz Farmácia. Nas férias de verão, eu gostava de ir até Sorbonne e pegar uns livros emprestados, para me inteirar das coisas que eu não aprendia na Universidade... Foi lá que nos conhecemos. Os livros de Biologia ficam na área de Medicina, é claro — ele suspirou, soltando o joelho. Ah, Alice... Ela também sempre seria uma bagunça na vida de Thomas. Acho que, por ser um assunto inacabado, ele ainda enxergava como algo a resolver. — Conversa vai, conversa vem, dividimos nossas particularidades. Quase como quando éramos crianças e, justamente, e conversávamos sobre o que queríamos fazer no futuro. E as ambições dela pareciam muito com as minhas ambições, Alex...

Prendi a respiração. Acho que agora eu começava a entender onde ele queria chegar.

— Alice é uma herdeira de pais liberais. Ela... Sempre soube muito bem o que queria fazer da vida: estudar, trabalhar, viajar. Nada de casar nos planos. Nada do que nós estamos acostumados aqui, onde nós... Estudamos, crescemos, às vezes trabalhamos, casamos, temos filhos e envelhecemos passando nossos bens e confiando que eles cuidarão bem do dinheiro da família. Foi tão... Tão...

Sua voz embargou. Tentei completar a frase para ele, também para não deixá-lo falando com as paredes.

— Foi um grande choque de culturas, não foi?

— Foi sim. Quando contei do descaso com a saúde na França, ela concordou prontamente. Faltava higiene, disse ela. Principalmente, faltava prevenção. E eu só fazia que sim. Porque era exatamente isso! O que seria mais fácil e mais eficiente do que prevenir ao invés de remediar? Então, nós demos início a um plano. Eu e ela tínhamos dinheiro. Poderíamos nos unir e poupar fundos para prevenção. Como era algo arriscado e você e Adele estavam muito perto de descobrir, inventamos a história do namoro... E eu sinto muito por isso.

Franzi a testa. Muita informação.

— Sente? Está se referindo a...?

— Eu tenho sentimentos por Alice. De verdade. Mas, depois que ela mostrou-se liberal demais, por exemplo, julgando que podia beijar a mim e depois você e agir como se nada tivesse acontecido. Ah, Alex, eu fiquei possesso. Mas isso serviu para mostrar que eu não podia esperar que alguém respeitasse os meus sentimentos quando eu mesmo não respeitava os sentimentos dos outros.

— Então você sabia que Adele era apaixonada por você — concluí sozinho.

— É claro... Mas não sabia até onde eu podia me aproveitar disso sem causar danos. Nem todo mundo gosta de flertar na esportiva. É saudável quando os dois lados flertam sem esperar compromissos. Quando um dos lados se apega e o outro o despreza, é só... Patético.

— Foi por isso que descontou em mim quando fui sincero e te contei sobre o beijo...? Porque achava que o relacionamento com Alice era recíproco?

Thomas aquiesceu, aparentando estar profundamente envergonhado. Eu não o julgava.

— Ah, Tom... Se tivesse me contado eu teria entendido.

— Eu sei que sim — ele sorriu de lado, afundando-se um tanto no cobertor. — Sei que sim, Alex. Mas abrir o jogo com você seria a mesma coisa que me expor todo. Você sempre foi muito bom em saber quando um de nós estava mentindo, eu não podia agir de outra forma. Iria... Destroçar o coração da mãe e do pai se eles descobrissem que o meu suposto amor era uma farsa. E, a propósito... Sinto muito pelo que eu disse.

Franzi a testa, olhando para ele.

— Sobre...?

— Ah, sobre eu ter dito que você talvez... Hum... Não se apetecesse com mulheres. Eu... — automaticamente, suas bochechas inflamaram em vermelho. — Sei que é algo que acontece, mas jamais diria isso num tom pejorativo. Sabe... Se fosse verdade, eu iria continuar o amando. Quer dizer... Família é para sempre, não é?

Seu comentário me comoveu. Thomas e eu havíamos mudado muito durante o último ano. E, desta vez, podia dizer que estávamos mudados para melhor. Subitamente, um comentário de minha mãe me voltou à memória, acredito que quando estava aprendendo a andar de bicicleta e levei um tombo que me deixou uma cicatriz no joelho. Até mesmo as coisas ruins, meu amor, nos servem de aprendizado. Principalmente as coisas ruins.

Saí de minha cama para ir me sentar ao lado dele, gesto que foi apreciado por ele. Abrindo um espaço, ele sorriu de lado.

— Eu já me esqueci disso — sorri de volta, estalando os ombros. — Alice disse o mesmo. Aí sim eu me senti horrível.

— Ah, meu Deus — ele gargalhou, jogando os cabelos cacheados para trás. — Só pode estar de brincadeira comigo.

— Acho que ela quis dizer no sentido de... Ah, o único motivo para eu não ter gostado de tê-la beijado só podia se dever ao fator da sexualidade. Acredito que em nenhum momento ela levou em conta que eu era seu irmão e que, farsa ou não, ela tinha uma reputação a zelar.

Thomas suspirou, dando de ombros.

— Ela não é uma boa dupla para segredos. Nesse, pelo menos. O nosso original está muito bem guardado.

— Sei... Eu vi vocês dois juntos quando ela veio para cá, sabia?

— Santo Deus, você estava me espionando?

A pergunta me pegou de calças curtas. Foi inevitável gaguejar e me embolar todo na resposta.

— É... Sim. E-eu não me orgulho disso, m-mas em minha defesa você não me deixou escolha, e-eu estava preocupado com você, Tom.

Em resposta, Thomas apenas gargalhou. Uma risada longa e completamente desavergonhada. Fiquei me perguntando como nosso assunto sério transformou-se numa lista de confissões, mas subitamente agradeci em silêncio por ele ter rido. Se ele tivesse me censurado àquela altura, eu era bem capaz de me sentar e chorar até alguém ver o que é que estaria se passando.

— Acredito que tenha sido muito engraçado — pigarreando, ele se recompôs. — Desculpa, é que eu fiquei imaginando você de boina e sobrecasaca me seguindo por aí. Levou um bloquinho também? Para anotar os meus movimentos e comparar?

— Estou começando a me arrepender da minha decisão de te contar isso, Thomas...

— Enfim! Vamos... Terminar essa história, antes que eu precise roubar alguma bebida do armário do pai.

— Se Evan já não fez isso com todas...

Thomas deu de ombros um tanto frustrado.

— Para finalizar... Alice e eu estamos investindo em... Tratamentos e prevenções experimentais para tifo. Eu e Alice acreditamos que a resposta está na higiene... No caso, na falta de higiene — ele franziu a testa. — Quer dizer... Por qual outro motivo só os moradores de rua contraem essa doença? De onde ela vem? Para onde ela vai? E por que não há cura? Realmente, a melhor forma de se lidar com o “problema” é ficar esperando até que eles sufoquem até morrer enquanto estamos todos nós nas nossas casas sãos e salvos discutindo sobre a invenção do zíper? Céus, há tanto de mais importante acontecendo, eu não poderia... Em sã consciência... Preocupar-me mais em manter o dinheiro na família.

Assenti com a cabeça, com lentidão. As pesquisas de Thomas no jardim de Belleville, nos parques de Londres e nos laboratórios de Sorbonne eram para combater tifo. Não para fabricar substâncias dependentes, ou algo do gênero. Meu Deus! Todo esse tempo e eu achava que sua tensão era algo ilegal. E Alice! Alice era dissimulada ao ponto de ir até Belleville para servir de álibi.

Pensando em tudo isso, engoli em seco e confirmei novamente com a cabeça. Foi a vez de Thomas me olhar com curiosidade.

— Em que está pensando?

— Estou pensando que... Se tudo que eu estiver planejando der certo, acredito que você e Alice tenham uma parceira em potencial. Que, além de interessar-se pela área, questiona as mesmíssimas desigualdades... De quebra, pode ter muito dinheiro para investir.

Thomas ergueu uma sobrancelha, virando-se para me observar.

— Não brinque com isso. Não está bravo? De quem está falando?

— Está louco? — foi minha vez de rir de sua reação. — Está se preocupando à toa, Tom. Qualquer um estaria orgulhoso de suas decisões... E sim, estou falando muito sério. Mas preciso antecipar que, com isso, também terei de te adiantar que também tenho minhas confissões a fazer.

Pareceu ser o suficiente. Após ir buscar dois copos de leite quente, servi para nós como se fosse duas doses de uísque. Então eu o contei.

Sobre Adele ter proposto investigá-lo bem antes de mim.

Sobre o curso de Enfermagem que a prometi como presente de casamento.

E sobre como eu a amava, bem antes de ela o amar.

E Thomas ouviu tudo com atenção. Senti todo o peso sair de meus ombros. Então, sem que pudéssemos prevenir, nós dois fazíamos parte do plano um do outro. E as chances de darem certo haviam acabado de duplicar.


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Notas finais do capítulo

Eu amo os meus meninos ♥ a gente se vê no próximo!



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