(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 19
Tentar


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Miopia de Menores Atos.



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Lysandre girou uma das tarraxas do violão, testando a afinação das cordas e treinando o riff que tinha à sua frente. Sua função na Crowstorm era apenas a de letrista, ficando com Castiel a parte de compor melodias, porém, nada o impedia de escrever ele mesmo uma música completa. Poderia contar nos dedos de uma mão as vezes em que isso ocorrera. Aquela noite poderia ser adicionada à conta. 

Os versos vinham com mais facilidade desde a noite na quermesse, e não compreendia exatamente a razão, mas, não reclamaria nem um pouco disso.

— Essa é a música que você vai tocar na quermesse? — Rosa perguntou, repentinamente aparecendo sentada no sofá. Ou talvez ela já estivesse ali há algum tempo e o fazendeiro sequer ouvira seus passos se aproximando. Parando para perceber, não ouvia mais nenhuma conversa vinda da cozinha.

— Onde está Leigh? — Lysandre perguntou, ajeitando o violão no colo.

— Arrumando as malas no carro — ela respondeu e cruzou as pernas, encarando-o com um olhar semelhante ao de Marília Gabriela em seus programas de entrevista. — Essa é a música que você vai tocar na quermesse? — repetiu a pergunta. — Um senhor encontrou comigo e com o Leigh antes de ontem e perguntou sobre isso.

O fazendeiro balançou a cabeça pela curiosidade da cunhada, mas era de se esperar. Seu Juca não desistiria dele tão fácil.

— Não vou tocar — respondeu sucinto.

— Por que não? Você canta tão bem, Lys-fofo — Rosa tentou convencê-lo, aproximando-se e tocando em seu braço. — Lembra daquele show que a Dulce organizou no colégio e você foi o vocalista da banda? — ela tentou recordar e Lysandre deu um sorriso de canto, lembrando-se perfeitamente da ocasião.

— Você fez questão de costurar figurinos extravagantes para nós — ele relembrou com um olhar brincalhão, fazendo Rosa dar um tapa de brincadeira e endireitar-se no sofá.

— Não ouse falar mal dos meus figurinos! — ela reclamou e o fazendeiro apenas balançou a cabeça. A moça fez questão de não deixar a conversa morrer. — Alexy encontrou com a Dulce quando ele viajou com o namorado para o Rio.

Os olhos de Lysandre se fixaram na cunhada no exato momento em que a frase deixou seus lábios. Rosa analisou rapidamente o semblante do fazendeiro, não notando demais alterações.

— Como ela está? — ele questionou.

— Tá estudando Artes Visuais na Federal — ela mediu as palavras antes de continuar. — Alexy a encontrou enquanto ela saía com o namorado — despejou a informação, escrutinando os mínimos detalhes do cunhado, procurando por qualquer alteração.

— Fico feliz que ela esteja bem. — Foi a única resposta que Lysandre deu, em seguida soltando notas aleatórias de seu violão.

Rosa arqueou as sobrancelhas, vendo que era hora de mudar um pouco o assunto. Ou virar um pouco a pergunta de pessoa.

— E você? Não encontrou ninguém por aqui que conquistou um lugar no seu coração? — Rosa tentou arriscar de uma forma leve e engraçada, ganhando apenas um menear de cabeça como resposta. Observadora como era, não deixou passar o sorriso de canto nos lábios do fazendeiro, mesmo que ele estivesse de cabeça baixa, pretendendo estar mais ocupado com as cordas do instrumento. — Você parece bem próximo daquela veterinária, a Clarice.

— Somos amigos próximos — rebateu com rapidez, os olhos ainda presos nas cordas, que começavam a formar alguma melodia.

— É? Então por que você voltou todo estranho da pescaria hoje mais cedo? E ficou todo calado enquanto o Chico e o filho dele contavam o que aconteceu na pescaria e dando umas olhadas pro Almir, parecendo que ia fuzilar ele com os olhos? — Rosa jogou como quem não queria nada, mas bem ciente de onde iria chegar com aquilo. Lysandre parou de tocar, encarando-a. A moça ergueu uma sobrancelha, ousando-o a responder.

— Deve ser impressão sua — disse simplesmente, voltando a atenção para o violão.

— Finge que me engana, Lys-fofo. — Ela cruzou os braços, esperando que ele fosse rebater a afirmação, porém, nada fez, se não continuar a formar uma melodia no violão. Era algo doce e delicado de se apreciar.

— Amor, já está tudo... — Leigh chegou perguntando, aproximando-se do sofá.

Rosa o parou com a mão, indicando com o dedo para que ele ficasse em silêncio. O casal trocou olhares, encarando o fazendeiro em seu violão no outro sofá, concentrado na melodia que tomava forma. Lysandre continuou e repetiu uma mesma sequência de acordes duas vezes, no que poderia ser um refrão.

— Você devia tocar essa música na quermesse — Rosa comentou assim que o cunhado parou de tocar, entrando em uma parte incerta na canção. A moça se levantou do sofá, deixando um beijo de despedida na bochecha dele. — Até mês que vem, Lys-fofo. Se cuida — aconselhou, começando a sair do cômodo. — Vou te esperar no carro, amor — disse para Leigh e ainda completou com mais um conselho para Lysandre. — E vê se não fica tão enrolado com a Clarice.

Por fim, saiu, deixando a porta da frente aberta, por onde entrava um vento gelado. Leigh se aproximou do irmão, sentando-se no lugar vazio ao lado dele. O estilista observou o retrato que os assistia da parede, logo acima da televisão. Em seguida, voltou o olhar para Lysandre, que anotava algo em suas folhas de composição. O fazendeiro percebeu que era observado.

— Concordo com a Rosa de que você deveria tocar essa música na quermesse — comentou, iniciando um diálogo entre eles.

Lysandre suspirou, deixando o lápis de lado.

— Estou inseguro quanto a isso — assumiu sem rodeios. — Não toco em frente a uma plateia há quase dois anos.

— Você estava bem mais nervoso na primeira vez em que se apresentou em público — Leigh recordou, ganhando apenas um sorriso nostálgico do irmão. — Por que não tenta? Não deveria deixar a oportunidade passar. — Os dois se encararam, olho no olho e um entendimento mútuo entre eles.

— Estive pensando sobre a conversa que tivemos na varanda naquela noite... — Lysandre trouxe à tona, encarando a imagem sobre a TV. Leigh seguiu o mesmo caminho. — Estou tentado a aceitar sua proposta. — O estilista sorriu ao ouvir a frase do irmão, porém, o fazendeiro fez questão de continuar. — Mas não me importo de esperar. Você está ocupado com a nova filial e não é hora para iniciar novas despesas.

— Ainda temos tempo para resolvermos esse detalhe. Muito tempo — Leigh respondeu, colocando a mão sobre o ombro do irmão. — Fico feliz de te ver um pouco melhor. — Lysandre o olhou de soslaio, curioso pela afirmação. — Não deixa a vida passar, Lysandre. Se você quer mesmo ficar aqui... — Antes que o fazendeiro soltasse a resposta de sempre, surpreendeu-se quando foi envolto em um abraço. — Te mando uma mensagem amanhã de manhã.

Por fim, os dois se separaram do abraço e Leigh se levantou do sofá. Lysandre fez a mesma coisa, deixando de lado o violão e as composições.

— Tenha cuidado na estrada agora à noite — o fazendeiro aconselhou, deixando a sala na companhia do irmão.

— Você deveria tocar aquela música — Leigh insistiu, ganhando apenas um menear de cabeça como resposta.

Os dois saíram para o exterior, sendo abraçados pelo frio da noite do primeiro final de semana do inverno. As estrelas e a lua brilhavam sobre suas cabeças, iluminando parcialmente o caminho até o veículo.

— Irei tentar terminá-la primeiro — Lysandre respondeu, resignado com a insistência do casal.

— Até o próximo mês, Lysandre — Leigh se despediu do irmão, olhando para trás uma última vez. Logo, entrou no carro, batendo a porta e girando a chave na ignição.

O fazendeiro acenou, observando o Corsa ter seus faróis acessos e começar a se afastar. Quando passaram pela porteira da fazenda, foi questão de segundos para sumirem de suas vistas. Voltando para dentro de casa, Lysandre retornou para sua composição inacabada, continuando na parte C, que parecia não se encaixar de jeito nenhum. Assistido pelos retratos, insistiu naquela canção.

...

 Lysandre desligou o motor da caminhonete e suspirou, pensando se fizera mesmo uma boa escolha ou não. Ponderara sua decisão durante toda a noite do dia anterior e boa parte daquela manhã de segunda-feira. Leigh mandara mensagem, como havia dito, mas sequer tocara no assunto. Quem iniciou tudo foi Lysandre. 

Com a música finalmente composta, a primeira em anos — depois de ter varado a madrugada de domingo adentro, procurando completá-la —, por que não arriscar? Estava inseguro, não podia negar, mas agora já estava feito. Acabara de retornar da vila após falar com seu Juca. O objetivo principal daquela viagem era apenas comentar sobre a venda dos queijos na quermesse — que estava autorizada, ainda bem —, porém, é claro que o homem não deixaria de tocar no assunto da apresentação. Talvez de forma um pouco impulsiva, Lysandre aceitou.

Agora, além da canção que compusera no dia anterior, ainda tinha mais quatro músicas para ensaiar e adicionar ao seu repertório em seis dias. Talvez escolhesse algo da sua antiga banda? Quem sabe...

— Lysandre — Almir cumprimentou com a cabeça quando o fazendeiro se aproximou dos degraus da varanda da frente. 

De tão absorto em seus pensamentos, sequer medira para onde seus passos o levaram e sequer viu o rapaz escorado no cercado da varanda, comendo de sua goiaba enquanto admirava a vasta propriedade da fazenda.

— Almir — ele devolveu o cumprimento, junto de um menear de cabeça.

— Clarice veio e foi embora quando você estava lá na vila — o rapaz avisou e o fazendeiro parou, pronto para entrar pela porta da frente. Sentiu suas unhas arranharem nas palmas sem mesmo se dar conta do gesto.

— Ela deixou algum recado? — Lysandre questionou.

— Não. — Com a resposta negativa do rapaz, o fazendeiro estava prestes a abrir a porta, mesmo que suas unhas apertassem as palmas e isso incomodasse. Mesmo que ele se sentisse incomodado e não quisesse admitir isso para si mesmo e para os outros. — Não sabia que tinha um pé de goiaba aqui na fazenda — o universitário trouxe outro assunto à baila, mordendo mais um pedaço da fruta que segurava.

— Foi plantada pelo meu pai há vários anos — o fazendeiro respondeu lacônico, sem muita vontade de seguir em um bate papo.

— Posso conversar com você? — Lysandre voltou-se para o rapaz, percebendo que ele agora escorara as costas na madeira, observando-o aquele tempo todo.

O fazendeiro apenas assentiu, postando-se ao lado do universitário e apoiando os braços cruzados sobre a madeira da cerquinha.

— Onde está seu pai? — Lysandre perguntou. Mesmo que estivesse distraído, não vira Chico na fazenda.

— Na cozinha, passando o café. Ele disse que você demorou hoje — explicou e o fazendeiro tirou o celular do bolso, olhando as horas. Era quase cinco da tarde e sequer percebera o tempo passar. Talvez a falta de fome tivesse nublado um pouco essa percepção. — Você estava com ciúmes da Clarice ontem — Almir jogou na conversa do nada, mudando para o assunto que o fizera pedir por aquele diálogo.

— Perdão? — Lysandre ergueu um pouco a voz e as sobrancelhas, surpreso pela forma direta com que Almir dissera sua afirmação. O rapaz não era de rodeios nas conversas, sincero e direto, pelo que pudera perceber. 

— Eu só fiquei vendo a sua reação ontem, quando a gente estava pescando — ele explicou, terminando de comer a goiaba. — Você não parava de olhar pra ela e ficou de cara amarrada o tempo inteiro quando eu estava por perto. — Lysandre franziu o cenho e Almir apontou com a cabeça. — Tá vendo só?

— Não vejo como isso pode ser um indicativo de algo — o fazendeiro respondeu seco, nada à vontade com aquela conversa.

— Ciúmes ou não, te garanto que não tem necessidade disso — o rapaz foi firme em sua afirmação, surpreendendo até Lysandre. É, ele claramente não tinha medo de pisar em ovos com outras pessoas. — Não há necessidade de se demonstrar essa insegurança, ainda mais quando a outra pessoa também gosta de você. — Lysandre arregalou os olhos, pronto para dar aquela conversa por finalizada e deixar Almir para trás com suas suposições sobre ele. — É bem claro o jeito como vocês se olham, sabe? Desde sábado eu percebi isso.

— Talvez você esteja enganado em suas suposições, Almir — o fazendeiro respondeu com certa frieza, que não passou despercebida para o rapaz. Ele apenas franziu o cenho e continuou a conversa.

— Bem, você que sabe... Eu apenas quis tirar esse assunto a limpo pra não ficar esse clima estranho entre a gente — o rapaz explicou, surpreendendo o fazendeiro. — E é apenas um conselho também. Mas você quem sabe como vai agir daqui pra frente.

— Obrigado — Lysandre agradeceu pelo conselho oferecido, sequer pensando se levaria aquilo a sério ou não.

Com uma despedida de acenos de cabeça, ele entrou na casa, deixando Almir sozinho na varanda.

Lysandre estava ciente de seus sentimentos, ciente das reações que tinha à sua melhor amiga. E aquilo não era coisa do presente. Estava ciente desde a semana em que ela partira para a cidade e ele ficara sem sua companhia novamente. Estava ciente que os mesmos sentimentos ainda estavam ali. 

Se apaixonara por outra pessoa no meio do caminho, tivera seu coração partido e reencontrou Clarice. As coisas não pareciam serem as mesmas, com a estranheza de início. Contudo, o tempo mostrou que, apesar de terem que encarar suas novas versões, ainda eram os mesmos por dentro. Os sentimentos ainda eram os mesmos. Amadurecidos pela maturidade que adquiriram ao longo dos anos. Renascidos conforme desvendavam a nova persona de quem conheciam tão bem durante boa parte de suas vidas.

A grande questão para Lysandre não era assumir seus próprios sentimentos. Não tinha medo deles. Não daqueles sentimentos em particular. A grande questão era não querer estragar a amizade dos dois, caso nada desse certo. Uma amizade que ainda permanecia a mesma por todos aqueles anos...

Entre tentar e permanecer na zona de conforto, preferia a segunda opção.


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Notas finais do capítulo

Miopia, Menores Atos: https://youtu.be/dyvD0Tc9NE8
Parece que alguém finalmente reconheceu o óbvio, né?
Sei que está todo mundo morrendo de fofura, mas, venho jogar a bomba de uma vez... A fic está chegando ao final e teremos mais dois capítulos e um epílogo a partir de aqui :( Preparem os corações porque teremos as últimas emoções nessa fazenda...
Até mais, povo o/



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