(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 18
Águas incertas


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Cada Acidente de Fresno.



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— Tá tudo pronto já, pai? — Almir questionou, colocando as varas de pesca na parte de trás da caminhonete e fechando-a.

— Trouxe as iscas — Lysandre anunciou, aproximando-se dos dois com um pote fechado em mãos. Como ninguém estava com muita vontade de procurar minhocas, optaram por simples pedaços de pão e queijo.

— Põe isso lá atrás com as varas — Chico instruiu, no que o fazendeiro entregou o pote para Almir, que pulou para dentro da carroceria da caminhonete, de onde seguiria viagem até o rio. — Já tá tudo aqui, né?

— Ainda falta a Clarice — Almir lembrou-o, encostando as costas na borda lateral da carroceria e esticando as pernas.

— Ela está chegando. — Lysandre apontou ao longe, de onde a figura da veterinária poderia ser vista abrindo a porteira.

A moça acenou, no que o fazendeiro retribuiu, com um sorriso espontâneo se formando em seu rosto tão logo avistou a amiga. Chico percebeu e balançou a cabeça.

— Já vou entrar na caminhonete, seu Lysandre — o caseiro anunciou. — Vai deixar o carona pra doutora Clarice e ir atrás com o Almir?

Lysandre assentiu à pergunta e Chico entrou no lado do motorista, logo ligando o rádio um pouco alto, incomodando os passarinhos pousados em uma árvore ali por perto.

— Desculpa o atraso — Clarice pediu assim que se aproximou do veículo e do fazendeiro próximo à caminhonete. — Minha vó preparou um lanchinho pra gente e eu tive que esperar ela terminar — explicou, erguendo uma vasilha transparente. Lysandre abriu a porta do lado do carona, deixando que a moça entrasse. — Oi, Chico...

O fazendeiro deixou que os dois se acomodassem e foi para a parte de trás, subindo na carroceria e sentando-se ao lado de Almir, que estava bem acomodado próximo às varas de pesca e do pote com iscas.

— Toca pro rio, motorista! — Almir gritou para o pai na parte da frente, gerando risos nos presentes do veículo.

A caminhonete começou a funcionar, tendo que fazer uma breve pausa na saída da fazenda, para que a porteira fosse fechada. Após deixarem a propriedade para trás, seguiram livremente pelo caminho de terra batida, balançando conforme os pneus passavam por algum buraco da estrada. Para sorte dos quatro, aquele era um dia agradável, com um sol bom o suficiente para aquecê-los e fazê-los retirar o agasalho que trajavam. Como passariam boa parte do tempo sob o sol, pouco teriam que se importar com o vento que cortava o ar vez ou outra.

Lysandre observava o céu pontilhado de nuvens por ali e acolá, crente de que o tempo nublaria mais tarde.

— Deve ser bom viver aqui, né? — Almir puxou assunto de repente, quebrando os cinco minutos de silêncio que mantiveram até ali.

Ainda era audível a viola da música alta, que vinha do rádio do carro, e alguma conversa entre Chico e Clarice, com frases soltas que pareciam confusas, ouvidas dali de trás.

— Sempre preferi a cidade, tenho que admitir — Lysandre respondeu, observando o universitário, que parecia mais absorto em apreciar as árvores que cercavam o caminho.

Vez ou outra passavam em frente alguma propriedade, mas, na maior parte do tempo, visualizavam apenas árvores ou um campo aberto, coberto por mato até onde a vista alcançava e com gado pastando aqui e acolá.

Almir riu, olhando rápido para o fazendeiro sentado ao seu lado. Os dois não se consideravam realmente amigos, apesar das interações nas duas vezes em que o rapaz veio para visitar o pai em seu tempo como caseiro e de Lysandre como fazendeiro. Como ele passava mais tempo ocupado em matar a saudade de Francisco, entretidos em passatempos juntos, pouco interagia com o dono da fazenda.

— Eu gosto de morar na cidade também — Almir respondeu. — Mas o interior tem alguma coisa diferente, não sei explicar exatamente o que... — ele olhou para o céu, observando as nuvens dançando com o vento. 

— Talvez sejam as memórias boas do tempo em que vivia aqui com seu pai e sua mãe — Lysandre levantou a hipótese.

— Não sei, pode ser que sim... — O universitário meneou a cabeça, pensando em concordar. Almir fora embora com a mãe para a capital aos nove anos de idade, portanto, tinha memórias firmes de sua infância. O fazendeiro não estava tão errado assim. — Por que você prefere a cidade?

Lysandre considerou a questão por certo tempo, tentando enumerar algumas razões para seu argumento.

— Simplesmente acho que o campo não é muito para mim — respondeu lacônico. — Sinto falta de acordar com o barulho, do pulsar da cidade... Apesar de me sentir um pouco sufocado por ela.

Almir observou o outro, rindo logo depois.

— Você sempre é meio poeta, né? — Lysandre ergueu a sobrancelha com a pergunta misturada a uma afirmação. — Eu até penso em me mudar pro interior às vezes. Mas depois penso que me sentiria meio isolado, cidade muito pequena.

Almir sempre fora do tipo extrovertido, ao contrário do fazendeiro. Rodeado de amigos na cidade e sempre em movimento.

— E não teríamos competições de handebol para você participar — Lysandre completou, sabendo através de Chico que o rapaz amava participar de campeonatos do esporte.

— Fora que não teria muito trabalho na minha área, né? — Ele se viu obrigado a concordar. — O máximo que eu poderia conseguir é uma vaga como professor de educação física na escola. Nem academia aqui tem.

— Deve haver uma a duas cidades de distância — o fazendeiro permitiu-se brincar, rindo com o rapaz ao seu lado. O veículo parou e a música alta cessou junto. — Vamos a pé daqui pra frente.

Lysandre anunciou, pulando da carroceria. Como era a primeira vez de Almir pescando por ali, pouco sabia do caminho que deveriam tomar.

Chico ajudou os rapazes a pegarem as varas de pesca, com ele e o filho levando-as e deixando Clarice e Lysandre responsáveis pelo lanche e pelas iscas.

— Vocês já vieram muitas vezes pra cá? — Almir questionou para a veterinária e o fazendeiro ao lado.

Os quatro seguiam uma trilha totalmente visível pelo meio do mato, provavelmente marcada lá com aquele propósito.

— Dá pra dizer que a gente perdeu um monte de tardes aqui, né, Lys? — Clarice cutucou o amigo com o ombro, sorrindo para ele. — A gente costumava vir nadar no rio nas férias. Uma vez ou outra a gente veio pescar.

— Eu costumava vir aqui com os meus irmãos e o meu pai, quando a gente era pequeno — Chico se intrometeu. — Mas isso faz anos já, quase não tenho tido tempo pra isso ultimamente — finalizou, também compartilhando algumas memórias.

— Meu pai levou a mim e ao Leigh ao rio uma vez, quando éramos crianças. — Lysandre permitiu-se sorrir nostálgico com a recordação. Clarice e Chico mantiveram um silêncio respeitoso, analisando a reação do fazendeiro. Desde que a veterinária se lembrava, era a primeira vez que o via falar do pai dessa forma após sua morte. — Acabamos não gostando muito da experiência e não voltamos mais — finalizou e ergueu o olhar para os outros, vendo que Clarice dirigia-lhe um sorriso encorajador.

— Espero que a gente consiga te fazer mudar de ideia — ela disse, afagando o ombro do amigo. 

— E vamos ter o que comer na janta também — Almir soltou empolgado, finalmente enxergando o rio à sua frente.

Seus arredores eram cercados por um mato um pouco alto, que logo deveria ser podado por algum dos moradores. Uma grande árvore oferecia sombra, com as águas correndo caudalosas logo abaixo. Lysandre poderia jurar que era o mesmo ponto onde estivera em sua última memória com Clarice, antes que ela fosse embora.

— Isso só se a gente conseguir algum peixe grande — a veterinária advertiu. — Se a gente pegar algum pequeno, devolve pra água.

O grupo parou e Chico e Almir deixaram as varas de pesca sobre o solo. Clarice ficou sem saber o que fazer com as vasilhas e Lysandre tirou um pequeno lençol do bolso, dobrado inúmeras vezes, e espalhando na grama debaixo da árvore. 

— Parece que alguém por aqui é prevenido — ela brincou e deixaram as vasilhas sobre o pano. A moça abriu o pote com as iscas. — Quem quer ser o primeiro?

Almir e Chico foram os primeiros, com o caseiro ocupando-se em mostrar ao filho como encaixar a isca no anzol. Clarice e Lysandre ocuparam-se eles mesmos em fazer o trabalho sozinhos, jogando suas linhas lado a lado.

— Lembra daquela vez que a gente pescou junto? — Clarice perguntou, com a voz baixa para que apenas ele ouvisse.

Poderia usar como desculpa que não queria espantar os peixes, porém, a não ser que estivesse gritando, não teria esse problema.

— Terminamos sem peixe e tomando um banho de rio no final. — O fazendeiro soltou uma risada baixa e soprada, observando-a de soslaio.

Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, dando a ele uma visão perfeita de seu perfil. Observou com perfeição a bochecha esquerda se elevar, deixando claro que ela sorria. Porém, o que mais o atraiu foi a visão perfeita de seu pescoço, livre quando a moça amarrou a blusa verde na cintura.

— E nunca mais pescamos aqui depois disso. Só tomamos banho de rio — ela finalizou e logo viram a água se movimentar em círculos. Contudo, não era tão próxima a eles.

— Acho que peguei alguma coisa! — Almir exclamou, segurando a vara de pesca e sem saber o que fazer.

Antes que seu pai desse um jeito de ajudá-lo, Clarice foi mais rápida, deixando sua vara de pescaria sobre a grama úmida e auxiliando o rapaz.

— Puxa! — ela orientou, recolhendo a linha.

Lysandre apenas observou a confusão de mãos que o objeto se tornou e os dois que pareciam não se importar com isso. Com um movimento de braço, Almir puxou a linha da água, vendo apenas o anzol balançando no ar.

— Deve ter escapado — Chico afirmou, voltando a atenção para sua própria linha, já que o filho resolveu o problema. — Tenta jogar de novo.

Clarice deu um sorriso encorajador e o universitário observou cada traço da moça em seu movimentar natural. Atirou a linha de volta para a água, os cabelos na altura do queixo balançando com o movimento.

— Tá te atrapalhando? Eu tenho um elástico. — Ela retirou um elástico preto do pulso, onde carregava duas pulseiras prateadas. 

— Obrigado — Almir agradeceu e soltou uma das mãos do aperto na vara de pescar, estendendo-a na direção da moça.

— Se quiser eu prendo pra você. Tô com as duas mãos livres — Clarice ofereceu e o Almir assentiu, agradecendo-a.

A moça se posicionou atrás do rapaz, juntando seus cabelos quase loiros com a mão num rabo de cavalo. Lysandre observou cada gesto da amiga, até que ela enlaçasse os fios com o elástico e saísse de perto dele. O fazendeiro desviou os olhos para o rio assim que ela voltou para perto dele, pegando a vara de pesca do chão.

— Que cara é essa? — ela questionou, recolhendo a linha e jogando-a novamente.

— Nada — Lysandre respondeu, mordendo a bochecha por dentro.

A veterinária encarou-o com as sobrancelhas franzidas, porém, o fazendeiro apenas se concentrou nas águas paradas. Seu aperto na madeira da vara era mais forte do que o necessário, coisa que não passou despercebida para Clarice. Muito menos a tensão em sua mandíbula e o olhar fixo em um único ponto. Estranhando a mudança de postura no amigo, apenas se concentrou em sua própria linha.

Não muito depois, as águas começaram a se mover em pequenos círculos perto do anzol de Lysandre.

— Parece que mordeu, seu Lysandre — Chico pontuou de onde estava, sua própria linha mais parada do que o vento que cessara.

— Puxa, Lys! — Clarice exclamou e viu quando Lysandre começou a recolher a linha.

O fazendeiro foi girando a carretilha, dando um puxão por fim e fazendo com que o peixe chegasse à superfície. No meio do caminho, enroscou no mato à beira do rio.

— Deixa que eu tiro. — Almir se prontificou, deixando sua vara de pesca no chão e aproximando-se do anzol do fazendeiro.

— Cuidado, filho — Chico alertou. — Essa parte é perigoso de escorregar — declarou, pronto para socorrer o rapaz caso algo acontecesse.

— Não vai dar nada não, pai — Almir murmurou e abaixou-se, tentando retirar a boca do peixe da ponta do anzol.

O que o rapaz não esperava, entretanto, é que não era tão fácil quanto parecia. Tentando aproximar o pé da beirada, não mediu onde pisava, afundando o pé na água e se desiquilibrando, caindo com parte do corpo para dentro do rio. O pai gritou o nome do filho e foi socorrê-lo.

— Você tá bem? — Clarice foi a primeira a questionar. Ela e Lysandre deixaram suas varas de pesca de lado, sabendo que peixe nenhum se aproximaria com aquela movimentação toda.

— Até que a água não tá tão ruim — Almir tentou aliviar, levantando-se e mostrando a calça e a camiseta pingando água do lado direito. — Alguém quer nadar? — ofereceu e Clarice foi a primeira a se empolgar com a ideia.

— Pena que a minha vó não vai ter peixe nenhum pra cozinhar hoje pra janta — ela lamentou e Chico começou a recolher as varas de pesca abandonadas pelo chão.

— Mais tarde a gente pode comprar peixe na vila — Almir inventou como solução, puxando a barra da camiseta para dar um mergulho.

Lysandre apenas observou, a mandíbula cerrada mais do que deveria, em um gesto que sequer percebia que fazia.

— Vamos entrar, Lys? — Clarice ofereceu, aproximando-se da água. 

O fazendeiro viu Almir entrar para mais dentro do rio e sabendo que Clarice seguiria o mesmo caminho.

— Vou ajudar Chico a guardar as coisas — disse simplesmente, se afastando e deixando que a veterinária encarasse suas costas se afastarem.

Clarice observou-o por alguns segundos, estranhando aquela tensão nos músculos do amigo.

— Vai entrar? — Almir perguntou.

A veterinária balançou a cabeça, sabendo que ainda havia partes de Lysandre que não compreendia.


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Notas finais do capítulo

Cada Acidente, Fresno: https://youtu.be/4qjxsBlB-pU
Resumo desse capítulo: Lysandre sendo Lysandre xD Vou nem falar nada e deixar pra vocês fazerem isso no comentário e o próximo capítulo falar por mim xD
Até mais, povo o/



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