(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 12
Dias passam devagar


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Acordar Pra Sempre com Você de Biquíni Cavadão.



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Quando Lysandre acordou naquela manhã de segunda-feira, tinha a sensação de que estava pior do que o dia anterior. Passara o domingo inteiro dentro de casa, enquanto uma chuva fina caía do lado de fora.  Não fora tão tedioso quanto imaginou que seria, pois finalmente conseguira terminar uma letra de música. A primeira em meses. Graças à inspiração que tivera na quermesse na noite de sábado. Deveria agradecer a Clarice por isso. 

Engraçado como a veterinária conseguira deixar uma marca em sua vida em pouco menos de um mês desde que se reencontraram. Talvez algumas pessoas fossem assim, marcantes.

Olhando pela janela de frente à cama, percebeu que o dia continuava completamente nublado do lado de fora, junto de um friozinho gostoso, daqueles que davam vontade de permanecer o dia todo debaixo de uma coberta e lendo um livro. Infelizmente, não teria aquela oportunidade por enquanto. Aliás, que horas eram mesmo?

Pegando o celular de dentro do criado mudo, percebeu que era quase onze horas da manhã. Tinha dormido demais.

Depois de se arrumar rapidamente, foi até a varanda para calçar as galochas. Dessa vez lembrara-se de colocá-las no lugar certo. No dia anterior, teve que limpar o chão da cozinha, pois entrara com as botas enlameadas depois de ter cortado lenha. Bem, ao menos tinha uma justificativa pelo esquecimento daquela vez.

Quando estava seguindo o caminho em direção aos animais, após descer a escadinha da varanda dos fundos — e se arrepender de não ter colocado um casaco de lã por cima da camiseta de mangas finas —, viu Chico subindo, trazendo em mãos uma cesta com ovos recém-recolhidos.

— Bom dia, seu Lysandre! — o caseiro saudou. — Acordou tarde hoje — comentou e os dois voltaram para debaixo da cobertura da varanda, entrando na cozinha em seguida.

— Ainda não estou me sentindo muito bem, devido o resfriado — ele respondeu, fungando mais uma vez. Não só estava ruim, como dessa vez seu nariz entupira totalmente. Que belo início de semana.

— Se o senhor quiser, eu posso fazer todo o trabalho de hoje. — Com a proposta, o fazendeiro começou a negar veemente. — É só por hoje, seu Lysandre. Amanhã o senhor já vai tá melhor e volta a me ajudar, que acha? — propôs e, bem conhecendo o caseiro, sabia que ele continuaria insistindo na oferta.

— Cuidarei do Fausto mais tarde — Lysandre finalizou, não querendo ficar o dia todo dentro de casa. Bem, talvez arranjasse alguma coisa para fazer com o passar das horas. Tinha muito tempo que não se lembrava do que era ficar um dia todo sem fazer nada. E preferia não se lembrar. Preferia não se lembrar de nada, aliás.

— Ah, a doutora Clarice veio hoje de manhã bem cedo — Chico avisou, enquanto era ajudado por Lysandre a tirar os ovos da cesta para a bacia onde ficavam guardados. Chacoalhavam alguns para ver se estavam bons ou não. Com o pedido de Lysandre de sempre deixar alguns no galinheiro, nunca tinham ovos demais. — Deixou o colostro pra hoje e a sopa que a vó dela mandou. — Apontou para um tupperware em cima da mesa. — Ela disse que no meio da semana é pra gente ir buscar mais com a tia dela.

Deixando o caseiro e os ovos onde estavam, Lysandre aproximou-se do móvel de madeira que ocupava o centro da cozinha. Havia um pedaço de papel sobre a tampa e Lysandre pegou-o entre os dedos.

“Desculpa não ter me despedido hoje de manhã. Você tava dormindo e não quis acordar. Dei o recado que precisava ao Chico, é só perguntar pra ele.

Volto no domingo. Prometo. 

Não vou te deixar sozinho por muito tempo dessa vez.

C.”

Lysandre dobrou o papel, guardando-o no bolso da calça.

— Vou comprar as coisas que precisa lá no armazém, se o senhor quiser... — Chico falava qualquer coisa, que Lysandre sequer estava prestando atenção. — Seu Lysandre? — chamou, trazendo-o de volta para o presente.

Após o caseiro reiterar o que falava, saiu para continuar o serviço da fazenda naquele final de manhã. Como estava quase na hora do almoço — e não comera nada até ali —, Lysandre resolveu experimentar a sopa de dona Gleice. Oferecera a Chico, já que provavelmente não iria cozinhar nada naquele dia, mas ele negou e disse que arranjava alguma coisa pra comer depois, saindo em seguida.

Apesar da garganta incômoda, o fazendeiro ainda conseguia experimentar um pouco o sabor da comida, mesmo  com o resfriado. Tinha um gostinho de infância. De quando ele e Clarice eram crianças e comiam aquele mesmo prato quando almoçavam na fazenda dos Guimarães durante as frias férias de julho.

Sorriu, se lembrando dos momentos felizes. No silêncio daquela casa, tentou trocar as lembranças que sempre tinha por outras melhores. Enquanto estivesse longe dos rostos que lhe observavam nas imagens, talvez conseguisse.

...

Na quarta-feira, o fazendeiro já se sentia melhor. Tanto que voltara ao trabalho no dia anterior, apesar da fala de Chico de que deveria descansar mais. Teimoso como era, não ouviu. Conseguiu ficar em pé e fazer as coisas sem desmaiar no processo, logo, estava apto.

Apesar da dor de garganta ter cessado por completo, ela deixara para trás uma tosse seca, que estava realmente lhe incomodando. Como não tinha nenhum medicamento para isso dentro do prazo de validade na fazenda, a única solução fora ir até a vila para comprar mais. 

Era engraçado ter tempo livre no meio da tarde. Normalmente, esse espaço de tempo era ocupado por Clarice, dia sim e dia não. No dia em que ela ia, aproveitava a companhia da veterinária. No dia em que não ia, sentia falta. Era peculiar perceber como ela se esgueirara para sua rotina de forma tão sutil e se tornara essencial. Esperava que dessa vez a promessa de retorno não se estendesse mais do que o dito nas palavras da amiga.

Bem, no passado também não teria durado tanto, se ele próprio não tivesse ido embora para morar com o irmão na capital no início do ano seguinte. Porém, fora muito mais preferível cursar os últimos dois anos do ensino médio na capital do que no interior. Conhecera pessoas incríveis, participara de sua primeira banda, apaixonara-se e tivera seu primeiro namoro. E seu primeiro término também.

— Lysandre? — Enquanto recebia o troco e a sacola com o medicamento no caixa da farmácia, virou o rosto para trás, vendo a voz que chamara seu nome. Era seu Juca. — Há quanto tempo eu não te vejo, rapaz. — O homem o cumprimentou com um forte aperto de mão. — Como tem passado os últimos dias?

— Bem — o fazendeiro respondeu e os dois avançaram mais para a saída do estabelecimento, quando outra pessoa se aproximou do caixa. — Apenas um pouco resfriado.

— Com esse tempo... Acaba com a saúde da gente — ele prosseguiu numa conversa casual e cruzou os braços, observando o movimento da vila do lado de fora. Lysandre não continuou, apenas assentiu educadamente. — Te vi com a Clarice nesse sábado na quermesse. Bom ver que você veio também — seu Juca trouxe à tona, para continuar o papo. 

Problemas de cidade pequena: todo mundo sabia da vida de todo mundo. Normalmente, Lysandre era o último a saber das novidades. Para seu infortúnio, não acontecia o mesmo quando se tratava da sua vida.

— Clarice acabou me convencendo a vir. Foi um tempo divertido — respondeu ameno. — Espero que não tenham tido problemas após aquela tempestade.

— Ah não, conseguimos consertar tudo pra noite seguinte. Que chuva foi aquela! — seu Juca respondeu. Sendo um dos principais representantes da associação de moradores da comunidade, era responsável por esse tipo de coisa. — Que bom saber que gostou. Estamos recebendo um retorno bastante positivo.

O fazendeiro apenas sorriu com educação e balançou a cabeça. Seu Juca pareceu não perceber que Lysandre queria ir embora logo.

— Temos tido um bom retorno financeiro também. Pena que gastamos bastante pra pagar a atração musical de fora... — o homem puxou o assunto repentinamente, mas perfeitamente ciente de onde queria chegar com aquilo.

— Era uma boa dupla, a que estava tocando no sábado — o fazendeiro elogiou lacônico.

Seu Juca assentiu e cruzou os braços, olhando de soslaio para o rapaz ao seu lado.

— Concordo com você. Mas estávamos querendo também algumas pessoas da cidade pra se apresentar, sabe? Promover os talentos da nossa comunidade. — Lysandre voltou o rosto para ele, tentando entender aonde queria chegar. — A gente costumava fazer isso nas edições passadas e vamos tentar trazer isso de novo.

— É uma bela atitude. Poucos dão espaço para novos artistas — o fazendeiro respondeu com algo genérico.

— Lembra daquela vez que a Bete te convidou pra se apresentar, quando você tinha treze anos? — Seu Juca puxou do baú da memória. Lysandre recordava-se muito bem da ocasião. Até tocou no assunto com Clarice alguns dias atrás.

Bernadete, esposa de seu Juca e antiga professora do Ensino Fundamental, convidara Lysandre para cantar Nuvem de Lágrimas em frente ao público da quermesse. O menino acabou recusando, dando espaço para outro adolescente.

— Você ainda canta? — o homem perguntou como quem não queria nada e Lysandre finalmente entendeu o porquê dele ter levado a conversa para aquele rumo.

— De vez em quando, como um hobby — o fazendeiro respondeu, sempre sucinto. A verdade é que não tinha muita vontade de entoar qualquer canção que fosse. Principalmente porque sua voz ecoava na casa vazia, fazendo-o se recordar do que não queria.

— Bem, se estiver interessado, ainda não completamos a programação do último final de semana da quermesse... — o homem propôs, no que o fazendeiro negou com a cabeça.

— Não estou muito seguro quanto a me apresentar em frente a tantas pessoas depois de tanto tempo, seu Juca — Lysandre retorquiu, pronto para se despedir e encerrar aquela conversa. — Prefiro deixar a oportunidade para outra pessoa.

— Bem, você quem sabe... — ele suspirou. Pelo menos tentou. — Mas o convite está feito, se quiser aceitar, é só falar comigo ou com a Bete — ofereceu por fim, recebendo um aceno de cabeça como resposta. Percebendo que o fazendeiro estava pronto para ir embora, ainda passou mais um recado. — Antes que eu me esqueça, finalmente recebemos resposta da empresa de internet. Virão instalar nas fazendas mais distantes entre quinta e sexta.

Lysandre apenas assentiu e agradeceu, despedindo-se de seu Juca e grato por finalmente poder retornar para sua fazenda com o xarope. Sentiria-se mais grato ainda quando parasse de tossir.

...

Na sexta-feira, os homens da empresa finalmente vieram instalar a internet. Aquela tarde fora a vez da fazenda de Lysandre e das Guimarães.

À noite, o fazendeiro viu-se com inúmeras mensagens no aplicativo do celular e um mundo inteiro de volta na palma de sua mão. Sem saber o que fazer, desligou tudo e resolveu ir dormir mais cedo.


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Notas finais do capítulo

Acordar Pra Sempre Com Você, Biquíni Cavadão: https://youtu.be/ttYKfcSKsIc
Esse capítulo pode ter parecido meio "nada acontece, feijoada", mas garanto que temos coisas importantes... Wait and see xD
Até mais, povo o/



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