(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 11
Vai voltar


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Espero a Minha Vez de NX Zero.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785932/chapter/11

Diferente do que Chico prevera, não choveu mais naquele dia. A única coisa que caía do céu era apenas uma garoa fina que ia e vinha vez ou outra. Aproveitando a ajuda do tempo, Lysandre e o caseiro desatolaram a caminhonete do meio da estrada, sujando-se de lama no percurso.

Com muita insistência de Chico, o fazendeiro entrou para tomar um banho e descansar. Seria um pouco difícil trabalhar enquanto fungava a cada minuto e com o corpo pesado, mais pra lá do que pra cá.

Pulando o almoço, sem muita vontade de comer qualquer coisa, Lysandre deitou-se em sua cama e cobriu-se até o pescoço. Estava frio daquele jeito mesmo ou estava com febre? Deveria ter abaixado um pouco quando tomou banho... A cabeça também pesava e, sem vontade de fazer qualquer coisa, cabeceava entre sono e inconsciência. Teve a impressão de ver Chico entrando para dizer algo, que sequer compreendera. Talvez fosse um sonho. 

Talvez fosse realmente um sonho, só podia ser, quando viu Clarice entrar pela porta do seu quarto. Dona Gleice também entrou logo atrás da neta, com a voz ecoando pelas paredes daquela casa quase vazia. Talvez não estivesse sonhando. A casa não era daquele jeito quando sonhava.

— Lys, menino, o que você tem? — a senhora chegou logo perguntando e se aproximando da cama do rapaz. Clarice ficou parada ao pé do móvel, segurando um prato coberto com um pano e uma garrafa térmica. 

— É apenas um resfriado, dona Gleice — o fazendeiro tentou tranquilizá-la. A mulher colocou a mão sobre sua testa, na tentativa de sentir a temperatura. — Não há com o que se preocupar.

— Você tá cheio de febre — ela diagnosticou, retirando a mão da fronte dele e analisando o rosto. As bochechas estavam um pouco coradas. E não era vergonha dessa vez. — Tomou algum remédio?

— Não... Prefiro não me automedicar, no máximo um xarope — ele respondeu simplesmente. A verdade era que não cuidava tão bem assim de si mesmo. Mas Lysandre não admitiria isso em voz alta, seria um pedido explícito para levar uma bronca da mulher.

— Eu trouxe um chazinho pra você. — A senhora apontou para a veterinária, ainda no pé da cama. — Clarice chegou reclamando de dor de garganta e preparei meu chá de limão com mel pra ela. É tiro e queda pra dor de garganta. Trouxe um pouco pra você, quando ela disse que tava doente.

— Eu agradeço, dona Gleice — o fazendeiro disse e, prevendo o que viria a seguir, continuou. — Poderia pegar alguns copos na cozinha? Assim todos podemos beber juntos — questionou, dirigindo-se à Clarice.

— Pode deixar que eu pego, tem problema não. — A senhora logo se adiantou e saiu do quarto, deixando os dois no quarto.

Clarice segurou o riso e balançou a cabeça, sabendo das intenções da avó para deixá-los sozinhos. Não era de hoje que dona Gleice gostava de vê-los juntos. Apenas era difícil acreditar que a senhora ainda mantinha as esperanças. Bem, ela nunca gostou de Wallace mesmo. E talvez devesse ter ouvido a avó naquela ocasião...

— Você está bem? — Lysandre questionou, atraindo os pensamentos da moça de volta para o presente.

— Tirando a garganta, sim — respondeu, aproximando-se da lateral da cama. Deixando a garrafa térmica sobre o criado mudo, sentou-se na cama ao lado, segurando o prato no colo.

Era estranho que Lysandre quisesse ficar no quarto de sua infância, com uma cama de solteiro, quando tinha uma de casal a sua disposição. Bem, levando em consideração tudo o que aconteceu, não era de se estranhar...

A veterinária analisou o ambiente, percebendo que ainda mantinha boa parte da aparência de que se lembrava: as paredes pintadas de um verde claro, as duas camas bem arrumadas, os criados mudos, o guarda roupa de mogno, uma escrivaninha cheia de coisas em cima — Lysandre nunca fora assim tão organizado com os próprios pertences —, a janela enorme de frente para as camas, que estavam na mesma parede da porta...

Lysandre pigarreou e a moça cessou sua contemplação ao refúgio do amigo. Era estranho e engraçado perceber que ele mantinha tudo naquela casa do mesmo jeito que se lembrava de que sempre foi.

— Não esperava que sua avó fosse me visitar hoje — o fazendeiro puxou assunto e ajeitou o travesseiro, mudando para uma posição sentada na cama.

— Ela nem pensou duas vezes quando eu disse que você tinha ficado doente por causa da noite passada — ela explicou. — E ainda me fez detalhar tudo o que aconteceu, enquanto ela preparava o bolo pra você. — Apontou com a cabeça para o prato coberto que ainda segurava. — Deixei as roupas da sua cunhada no outro quarto, se não tiver problema...

Lysandre negou com a cabeça e os dois ficaram em silêncio. Clarice observava-o de canto de olho, percebendo como o amigo parecia estar cansado. Ao mesmo tempo, observando o silêncio naquela casa, não deixava de pensar na conversa que tiveram na noite anterior...

— Trouxe só pra vocês dois. — Dona Gleice apareceu repentinamente, trazendo duas canecas de chá em mãos e impedindo qualquer conversa mais profunda que Clarice tencionara iniciar. — Vocês dois que precisam melhorar essa garganta.

A senhora entregou uma caneca para cada um e a veterinária ergueu a dela ao longe, fazendo um brinde imaginário com o amigo. Os dois sorriram um para o outro e cada um bebeu de seu chá. Nenhum detalhe passou despercebido aos olhos de dona Gleice, que era mais perceptiva do que aparentava. Era incrível como aqueles dois tinham tanta afinidade mesmo depois de anos sem se verem...

— Se quiser eu posso fazer uma sopinha pra você, Lys — a senhora ofereceu. — A Clarice pode trazer quando vier trazer o leite pro bezerrinho.

— Não há necessidade, dona Gleice — Lysandre interviu. 

— Que é isso, menino, não custa nada — a senhora interrompeu. — Clari já vai vir amanhã de manhã pra deixar o colostro com você antes de ir embora, ela pode trazer a sopa também.

— Não sabia que Clarice ia embora — o fazendeiro respondeu, olhando meio enviesado para a veterinária, ainda sentada na cama ao lado.

— Foi coisa de última hora, Lys. Uma amiga minha vai casar e ela me chamou como madrinha, não posso perder — ela explicou. — Eu pensei que o casamento só fosse sair lá pra setembro, mas eles tiveram que adiantar um pouco as coisas... Mas é só por alguns dias, final de semana que vem eu volto — finalizou com um sorriso e Lysandre respirou um pouco aliviado.

Era engraçado que apenas a mera menção de Clarice se afastar causava uma sensação desconfortável. Perguntava-se se era algo relacionado a uma memória que fora a última de sua amiga por anos...

...

Lysandre jogou os cabelos molhados para o lado, tirando a franja lateral de cima dos olhos enquanto saía de dentro do rio.

— Nossos pais vão dar uma bronca na gente por ter entrado na água fria — Clarice comentou de onde estava, encostada no tronco de uma das árvores às margens. As roupas de cima estavam penduradas no galho da em que ela estava, prontas para serem vestidas.

— A água não está tão gelada assim — o rapaz respondeu, sentando-se ao lado da amiga e também encostando as costas no tronco.

— Sei... Fala que não tá, mas a sua pele tá toda gelada, olha só — ela retrucou, encostando a palma da mão no ombro desnudo do amigo. Foi uma sensação gostosa de sentir a palma quente contra sua pele e Lysandre percebeu-se querendo mais do contato quando a adolescente devolveu a mão para o colo.

Os dois riram juntos e ficaram em silêncio. Lysandre olhou de soslaio para Clarice, percebendo que ela estava mais calada do que o normal. Falante como era, sempre estava procurando algo para conversar. E aquilo não era algo apenas daquele dia. 

O rapaz olhou para as águas calmas à frente, refletindo o céu azul anil. Olhou para os cavalos da fazenda Guimarães, que os trouxeram até ali, pastando não muito distante, e voltou a olhar para a amiga, que encarava os próprios pés, perdida em pensamentos.

— Está tudo bem com você? — ele perguntou, finalmente reiniciando um diálogo entre eles. — Tem andado bastante calada nessa última semana.

Clarice deu um sorriso triste — o que o rapaz estranhou, pois aquela expressão era coisa rara de passar pelo rosto da amiga — e começou a trançar os cabelos úmidos, os olhos perdidos no horizonte.

— Andei pensando... É uma sensação meio estranha quando se termina o ensino médio, né? — ela começou o assunto, não surpreendendo tanto o rapaz. — Você não sabe direito o que vai fazer no próximo ano, pra onde vai...

Os dois estavam de férias da escola, com Lysandre tendo terminado o primeiro ano e Clarice o terceiro. Ainda era meados de dezembro, com mais dois meses de férias pela frente para serem aproveitados com um total de nada para fazer e zero estudo. Porém, não para Clarice.

— Você não estava decidida a cursar Medicina Veterinária? — ele questionou, recebendo um aceno positivo como resposta. Apaixonada pelos animais desde criança, não fora muito difícil adivinhar qual profissão a menina iria seguir quando terminasse a escola.

— Eu sempre achei que fosse pra faculdade lá em Marilândia do Oeste, sabe? É aqui do lado, eu poderia ir e voltar todos os dias... —ela deixou no ar, no que Lysandre teve que pegar e continuar a conversa.

— Mas... — ele incentivou, contudo, os olhos dela estavam distantes dos seus. — Você passou o ano todo dizendo que estava tudo planejado.

— Estava planejado pra mim, né? — Clarice soltou um riso sem humor. Pegando algumas pedrinhas ao seu lado, começou a atirá-las para o riacho. Nem todas acertaram. — Mas meus pais querem que eu vá estudar na capital. E eles querem se mudar pra lá também. Acho que se cansaram do interior — soltou como uma piada sem graça.

O rapaz ergueu as sobrancelhas, surpreso pela revelação. Agora entendia porque a amiga estava tão pensativa na última semana. Eram muitas decisões a serem tomadas.

— Então você vai embora? — questionou, querendo ouvir uma resposta negativa. 

Seria egoísta da sua parte em querer que a amiga ficasse, quando poderia ter um futuro brilhante pela frente. Mas não saberia como seria viver distante de Clarice. Não saberia como seria não vê-la todos os dias, como seria olhar para a fazenda dos Guimarães ao longe e saber que ela não estava lá. Como seria não poder conversar sobre tudo e mais um pouco, compartilhar aqueles momentos de cumplicidade, onde riam sobre qualquer coisa e brincavam sobre outras. Em quase oito anos de amizade, não sabia como seria ficar distante um do outro por mais do que algumas semanas. 

Clarice hesitou antes de responder, aparentemente procurando pelas palavras.

Cogitara por dias como tocar no assunto, mas ali, pega de surpresa, sequer sabia o que dizer. Como seria Lysandre longe dela, sozinho na escola? Com a hostilidade dos colegas por ser diferente, poderia contar nos dedos os alunos com os quais o rapaz conversava. Nos dedos de uma mão. Como ele ficaria sozinho? O irmão estava indo embora para a cidade também, com a formatura no ensino médio. Que amigos mais ele teria? E melhor, como seria para ela viver distante de Lysandre? Engraçado pensar que se apegaria tanto a uma pessoa...

— Nada me impede de voltar nas férias e nos feriados, né? — Clarice tentou amenizar, porém, percebeu que suas palavras não surtiram totalmente efeito. 

Lysandre abaixou a cabeça, com a água caindo de sua franja para o rosto. A menina segurou a mão do amigo, entrelaçando seus dedos nos dele. Por que não faziam isso mais vezes? As duas mãos pareciam se encaixar tão bem uma na outra...

— Eu nunca vou te abandonar, Lys. — O rapaz voltou os olhos coloridos para ela e Clarice prendeu a respiração, tomando consciência do que estava falando. — Eu prometo. Eu vou voltar pra você.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero a Minha Vez, NX Zero: https://youtu.be/WQd_Wy9fiw8
Acharam que iam passar ilesos depois daquela chuvarada? Clari e Lys que lutem pra tomar vacina contra a gripe -q
E como será essa semana desses dois distantes, hein?
Até mais, povo o/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "(Re) Nascer" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.