Deuses de carne e osso escrita por Luiz Henrique


Capítulo 18
Doze - Aima




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No interior de um chalé requintado, Adélia contemplava o crepitar das chamas da lareira, enquanto saboreava o doce ardor do uísque, descendo por sua garganta. Aima estava sentada ao seu lado no sofá, cada uma das mulheres, em uma das extremidades do móvel.

Em dado momento, uma pessoa com feições ambíguas, entre o feminino e o masculino, invadiu o seu campo de visão, trajando camisa social e sapatos bem encerados.

— Chamou, Adélia? — ele perguntou, dando-lhe um sorriso prestativo.

— Você demorou, Savon. O que estava fazendo quando eu o chamei?

— Sinto muito! Eu estava distraído, pensando nos meus sobrinhos...

Adélia bateu o copo na mesa, provocando uma rachadura no vidro.

— Nenhum deles se importa de verdade, com você ou comigo. Quantas vezes tenho que repetir isso? Toda a sua família agiu com frieza, enquanto o sistema bancário tentava arrancar todo o dinheiro, que batalhamos para conseguir. Imagine como eles reagiriam agora, se soubessem que pretendemos lutar juntos contra a tirania dos deuses.

— É claro. Não foi minha intenção soar impertinente. Você me libertou da prisão, sou muito grato por isso!

Aima lançou um olhar de canto para Adélia, apenas para mostrar que sabia, que ela estava manipulando as informações.

— Muito bem, querido. — a mulher, de cabelos loiros, uniu as palmas — Não se esqueça que eu também estive conversando com os militares, recentemente. Você já descobriu como irá tirar proveito de seu novo arsenal?

— Sim. Sei que pareço desatento, às vezes, mas sou bom com tecnologia. — como se para demonstrar, ele estalou os dedos, e a televisão sobre a cômoda, se acendeu — Farei o possível para provar a todos, o quanto posso ser útil!

Savon repetiu o gesto, confiante.

Contudo, diferente da primeira tentativa, o aparelho se apagou e começou a fumegar.

Ele coçou a jugular, constrangido.

— Eu espero que tenha razão... — Adélia resmungou.

— Não foi tão ruim. — a xamã rebateu.

— Desde quando você é do tipo otimista?

— Eu não sou. Estou tentando ser mais realista. Desde nosso último encontro com a sacerdotisa, percebi que o universo não pode ser tão ruim, afinal. Finalmente, pude fazer justiça pelo que aconteceu com Evalun. Ao menos, durante um breve momento.

Adélia havia observado que a xamã parecia mesmo mais determinada, naquela tarde. Embora nunca fosse dizê-lo, em voz alta.

— Pode ir embora, Savon. Já tivemos o bastante. Diga a Isandro que também preciso falar com ele.

As duas aguardaram, sozinhas, durante alguns minutos.

Não demorou muito para que Isandro aparecesse. Os cabelos escuros estavam cortados em linha reta, acima dos olhos esbugalhados, que davam a ele, um aspecto assustado permanente; seus dedos finos envolviam uma pasta empoeirada.

— Não se preocupe comigo, senhora! Já atualizei todos os dados disponíveis sobre os nossos inimigos, onde foram avistados pela última vez, com quem estiveram conversando e quais podem ser os seus próximos passos, segundo as câmeras de vigilância que a Savon conseguiu hackear. Precisa de mais alguma coisa?

Aima piscou, como se estivesse perdendo alguma coisa.

— A Savon...?

— Ele aceita ser chamado de ambas as formas. Não se prenda muito aos detalhes ou não vai conseguir acompanhar o que Isandro tem a nos dizer.

Antes de continuar falando, Adélia desviou sua atenção para o rapaz diante dela:

 — Não foi para isso o convoquei. Como previsto, nossos inimigos estão mais vulneráveis do que nunca. O deus Sol está emocionalmente fragilizado e, portanto, suscetível as nossas investidas. Sei o quanto você está animado para o que faremos em seguida, mas quero que reserve um tempo para descansar.

— Descansar? — ele inclinou a cabeça, como se não reconhecesse o significado da palavra.

— Exato! Eu o conheço há tempos. Foi de extrema importância em investimentos passados, quando precisei de alguém para falsificar os documentos necessários, e agora, para cuidar da nossa papelada. Está sempre dando o seu máximo, em tudo o que solicito....

O rapaz se animou.

— Mas você não é uma máquina, Isandro. Consegue imaginar como seria para mim, se o nosso objetivo final fosse frustrado por seu desejo extremo de agradar?

— É claro! Dou muito valor ao meu trabalho! — o rapaz abaixou a cabeça — Só espero que não tenha te decepcionado tanto.

 Adélia gesticulou para Aima, como se estivesse prestes a vomitar.

— Está sendo dramático. Eu estou lhe fazendo um favor. Ainda lutaremos, lado a lado, no campo de batalha, mas por hoje, sua ajuda não é mais necessária. Estamos entendidos?

Isandro se curvou, levemente, e se recolheu.

— Devo admitir que estou impressionada. Você é mesmo boa no que faz, Adélia. — a xamã parecia querer usar outro termo, mas não o fez — Esse garoto...pareceu tão sincero. Eu nunca suspeitaria que há algo de errado com ele.

— Não se deixe enganar, não fui eu quem fiz dele, o que é. Não está entre minhas competências, a capacidade de manipular as emoções, mas eu sei como direcioná-las em prol dos meus ideais. Savon é esforçado, Isandro é subserviente, Darrion é...

Como se tivesse sido invocado, um homem grande e cabeludo, deu as caras, vestindo um paletó enlameado.

— Não terei direito a uma conversa, Adélia? — ele exibiu os dentes podres.

Em sua mente, Aima concluiu o que Adélia estava pensando:

“Darrion é assustador”.

— Terá direito a um banho e apenas isso. — ela retrucou, tentando mostrar firmeza — Agora desapareça! Antes que eu chame os outros.

O homem ficou roxo de ódio.

— Por que me rejeita tanto? Você cuidou de mim, me ensinou tudo o que tinha que saber para sobreviver nas ruas e agora me trata com indiferença, porque não consigo ser tão incrível quanto os seus novos ajudantes!

Os lábios de Adélia tremeram.

— Isso machuca, não é mesmo? Todas essas memórias que você não consegue tirar da cabeça. Mas até um tolo como você, pode me ajudar a realizar algo grandioso.

Adélia segurou o pulso de Darrion e novos detalhes penetraram o seu inconsciente. Os olhos leitosos se arregalaram, os cabelos se agitaram como serpentes.

— Estou as suas ordens, Adélia.

Quando ele sumiu, Aima observou Adélia, tentando conter as lágrimas.

— Você o odeia. Todas essas memórias ruins que você implantou na cabeça dele são uma forma de vingança. — a xamã perguntou, embora não esperasse uma resposta — Darrion é seu pai.

— Você descobriu o meu segredo. — ela forçou um sorriso — Não sou, naturalmente, loira.

Aima apertou sua mão.

Foi a primeira vez que se tocaram.


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