Bilhetes de Janeiro escrita por Lara


Capítulo 2
Um




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O dia se iniciou e minha mente permanecia presa nos acontecimentos do dia anterior, como se eu tivesse acordado de um sonho muito maluco.

Ainda parecia inacreditável demais que o príncipe da John Wooden High School tivesse se tornado da noite para o dia em um garoto grosseiro e rebelde.

A minha curiosidade e a mágoa por ter sido tratada de forma tão brutal mesmo tendo as melhores intenções me faziam pensar se tudo não passou de um momento ruim ou se Matt Garner na verdade nunca mostrou na escola quem ele é realmente.

— Vi? 

A voz de meu pai me desperta, enquanto balançava a mão em frente ao meu rosto. 

 — Você ouviu o que eu disse?

— O quê? 

— Está tudo bem? Você parece tão aérea hoje. Aconteceu alguma coisa? — questiona o homem com preocupação. — Você sabe que pode me contar qualquer coisa, certo?

— Até mesmo sobre garotos? 

O rosto de Hector Johnson assume um tom avermelhado. Seus olhos se arregalam diante da pergunta e ele tosse, engasgando-se com a própria saliva, surpreso demais para acreditar em minhas palavras.

Ele então engole seco e me encara visivelmente nervoso. 

 — Seu... seu problema é... sobre garotos? — pergunta com cautela. 

Começo a rir, tentando amenizar o clima pesado que havia se formado entre nós.

Ele com certeza não estava pronto para lidar com as minhas perguntas sobre garotos, por isso, finjo que realmente havia achado a situação engraçada e bebo um pouco de suco, antes de voltar a encarar meu pai. 

— Você tinha que ver sua cara — comento, dando uma risada forçada.

Ele me encara confuso, provavelmente ainda atordoado com a possibilidade de ter que lidar com minhas perguntas sobre garotos. 

 — Então não é sobre garotos? — questiona meu pai, como uma criança assustada. 

Assinto.

Ele suspira e me encara com um sorriso aliviado. 

— Graças à Deus! Não sei se percebeu, mas não estou pronto para ver minha garotinha tendo problemas com garotos.

— Eu quase não notei isso – ironizo, bebendo mais um pouco de suco. 

 Definitivamente, o assunto "garotos" estava proibido para conversas nessa casa.

A reação exagerada de meu pai me mostrava que jamais conseguiria conversar com ele sobre Matt ou qualquer outro garoto. 

— Mas se o problema não é garotos, por que você está tão distraída hoje? Desde que acordou, parece estar em outro universo. 

O homem me encarava com os olhos estreitos, desconfiado de minha resposta.

— Não é nada. Eu apenas estou com sono — minto, sorrindo nervosa. — Mas sobre o que você estava falando? Desculpa. Eu não prestei atenção. Por acaso, aconteceu alguma coisa? 

— Não. Não aconteceu nada. Eu estava apenas me desculpando por não ter cumprido a promessa que eu te fiz. 

Meu pai me encara com os olhos repletos de culpa. 

— O que aconteceu ontem? 

— Alguns adolescentes irresponsáveis da sua escola fizeram uma festa do outro lado da cidade com bebidas, drogas e fogos de artifício. Como era de se esperar, essa combinação não deu certo e eles acabaram colocando fogo em uma casa que, felizmente, estava vazia na hora do incêndio.

— Isso é sério? — questiono. — Mas alguém se feriu? 

— Nada muito sério. Alguns dos adolescentes irresponsáveis sofreram algumas queimaduras, mas vão ficar bem — responde o homem, dando de ombros. 

— Ainda bem.

— Espero que eles tenham aprendido a lição. Dessa vez eles tiveram a sorte de ninguém se ferir gravemente ou que uma tragédia ainda maior acontecesse. No entanto, não sabemos se eles terão a mesma sorte em uma nova ocasião. 

 — Eu também espero — concordo, terminando de comer os meus waffles. — E não se preocupe sobre ontem. Está tudo bem. Pela falta de aviso, imaginei mesmo que estivesse ficado preso no trabalho.

— Mas a comida estava deliciosa. Eu fiz questão de comer tudo o que tinha na mesa assim que cheguei em casa — afirma o homem, dando um sorriso orgulhoso. 

Apesar da falta de jeito, ele se esforçava bastante para ser um bom pai. Então, mesmo que me chateasse o fato dele dificilmente cumprir com as promessas que faz, eu sabia que ele estava dando o máximo de si para cuidar e garantir um bom futuro para mim. 

— Fico feliz que tenha gostado — respondo com sinceridade. 

Vendo que ele havia terminado de tomar seu café, levanto-me para começar a arrumar a mesa.

— Bom, eu vou levar essas louças para a pia e levar o lixo para fora. Não tenho mais nada para fazer mesmo. 

— É raro te ver tão disposta para limpar a casa. Está se sentindo entediada? — questiona meu pai, curioso. 

 Suspiro, dando de ombros. 

Recolho as xícaras e pratos que estavam em cima da mesa. 

— Por que não chama uma amiga para passar a tarde com você? 

 — Eu faria isso se tivesse amigos — ironizo.

Hector me encara com aquele olhar penoso que eu odiava receber. Durante os dois meses que passei no orfanato, as pessoas sempre me encaravam assim. 

— Não me olhe assim. Eu estou bem. Não preciso que sinta pena de mim. 

— Não é pena. Apenas estou preocupado que uma jovem bonita, inteligente e divertida não tenha amigos na escola. 

Meu pai cruza os braços e me encara com repreensão.

— Eu vou sobreviver. Não é o fim do mundo. Além disso, para eles, eu sou apenas uma esquisita que transita entre eles todos os dias. É melhor ser invisível do que incomodada pelos valentões da escola. 

— Não gosto desse seu tipo de raciocínio — comenta. — Você deveria viver um pouco mais. Pode parecer bobagem, mas ter amigos é uma excelente forma de se aproveitar a vida. 

— É melhor você terminar de se arrumar ou vai acabar se atrasando para o trabalho. 

Mudo de assunto, insatisfeita com o caminho que aquela conversa estava tomando. 

— Eu vou levar o lixo para fora. Fecho a sacola de lixo da cozinha e, após vestir meu casaco e calçar minhas botas, saio da casa. 

Ouço meu pai resmungar alguma coisa, mas nem me dou ao trabalho de saber o que era. 

Essas conversas sobre a minha vida social sempre me deixavam frustrada. Não é que eu não queira ter amigos. Eu apenas não consigo me aproximar das pessoas.

É difícil sair da minha zona de conforto e me expor, ainda mais agora que todos já possuem seus grupos de amigos. 

Fecho a porta que estava atrás de mim e me encolho ao sentir o vento gélido se chocar contra a minha pele. Aperto mais o casaco contra o meu corpo e observo a fina camada de neve que cobria a rua silenciosa e deserta. 

Tremendo de frio, caminho vagarosamente até a lixeira que fica de frente a minha casa. Jogo o saco no local e, sem conseguir evitar a minha curiosidade, passo a encarar a residência de meus vizinhos. 

Não sei quanto tempo passei apenas observando a casa semelhante à minha, repassando em minha mente todas as vezes que pude encontrar Matt Garner em minha escola e seus comportamentos, tentando encontrar algum momento em que o rapaz se mostrou tão hostil como na noite anterior, mas nada vem a minha mente. 

Chamados preocupados do nome de Matt se tornam cada vez mais alto, chamando minha atenção. 

Matt deixa a casa de forma atordoada, vestindo um casaco fino demais para o frio que se fazia no momento e botas coturnos pretas. 

Ele corre até a bicicleta que estava no canto da casa, ignorando os gritos da irmã mais velha. 

O garoto começa a pedalar, mas devido a neve, Matt pede o controle e escorrega em minha direção. 

Mesmo ele tentando jogar a bicicleta na direção contrária à minha, eu sou atingida. 

Surpresa pelo ataque repentino, caio sobre Matt, que arfa de dor pelo impacto.

Prendo minha respiração ao notar que o garoto apertava minha cintura e me encarava com seus lindos olhos esverdeados arregalados.

Correspondo ao olhar, sem saber realmente como reagir.

Tudo havia acontecido tão rápido e ao mesmo tempo parecia que tudo ao meu redor estava em câmera lenta. 

Meus olhos percorrem o rosto de Matt, observando cada detalhe presente.  

Os olhos dele pareciam me analisar também, completamente perdido na realidade que nos cercava.

Permanecemos nessa troca de olhares por alguns instantes, até que ouço a voz da mesma mulher com quem ele discutiu na noite anterior.

Ela corre em nossa direção com a irmã mais nova no colo e com os olhos repletos de preocupação.

 Temendo a possibilidade de meu pai sair e me encontrar nessa situação, apoio minhas mãos no peito do rapaz e me levanto.

— Matt? O que foi que aconteceu? Vocês estão bem? — pergunta a mulher, observando o rapaz se levantar.

Ela me encara preocupada. 

— Você se machucou? 

— Não. Eu estou bem — afirmo, ainda atordoada. 

— Graças à Deus!

A linda mulher suspira e sorri aliviada. Ela então se vira para o irmão novamente e o encara com repreensão. 

— Você ficou louco? Para onde você está indo? Olha só o que sua irresponsabilidade ocasionou! 

Ele me encara uma última vez e parece se lembrar o que iria fazer.

Ignorando completamente a irmã e a mim, Matt pega a bicicleta que estava jogada no chão e pedala com agilidade para a rua que levava a avenida principal da cidade.

— Matt, volta aqui! Para onde você vai? Eu preciso trabalhar! Você tem que ficar com a Liz!

A mulher grita furiosa pela falta de respostas do adolescente, mas ao ouvir os resmungos da criança em seus braços, que lutava contra o sono, ela entra em desespero e passa a sussurrar uma canção para acalmar a linda garotinha em seus braços.

— O que está acontecendo aqui? Eu ouvi alguns gritos — questiona meu pai, aparecendo ao meu lado de repente.

Levo minha mão ao coração e o encaro com repreensão, que sorri sem graça, dando de ombros como um pedido mudo de desculpas.

— Desculpe o transtorno, sr. Hector. Não aconteceu nada demais. Apenas meu irmão cabeça oca saindo de casa às pressas sem avisar para onde está indo.

A linda mulher dá um sorriso envergonhado.

— É realmente muito bom te ver depois de tantos anos, sr. Hector.

Ignorando a interação de meu pai com a mulher, observo a linda criança que parecia totalmente alheia ao que acontecia ao seu redor.

Loira e de olhos azuis brilhantes, ela me encarava com curiosidade enquanto lutava contra o sono.

Ela usava um casaco grosso, calça jeans e um cachecol felpudo. Suas bochechas gordinhas e rosadas eram adoráveis. A garotinha parecia uma boneca de tão fofa que era.

— Cecília Garner? A pequena Ceci?

— Isso mesmo — concorda a mulher, sorrindo nostálgica. — É bom vê-lo de novo.

— Então foi a sua família que se mudou para a casa ao lado? Imaginei que tivessem vendido essa casa — comenta meu pai, sorrindo alegre. — Quanto tempo eu não te vejo! Essa pequena é a sua irmã mais nova ou sua filha? 

— Minha irmã mais nova, Liz — apresenta Cecília. 

Ela balança o bracinho da criança em seu colo, mas a garotinha estava muito sonolenta para dar atenção a irmã. 

— Ela acabou de acordar, então ainda está bem enjoada. 

— Eu entendo. 

Meu pai acaricia os cabelos loiros de Liz, que resmunga e encosta a cabeça no ombro de Cecília, escondendo-se.

— Você se tornou uma mulher muito bonita, Ceci, apesar de não ter mudado tanto, além de ter crescido alguns bons centímetros. Faz realmente muito tempo que eu não te vejo. 

— Sim. A última vez foi no...

Ceci para de falar, dando um sorriso entristecido, como se fosse difícil falar no assunto. 

— No enterro de Izzy — completa meu pai, correspondendo ao sorriso de Ceci. 

Surpreendo-me com a resposta. 

Não esperava que a irmã mais velha de Matt conhecesse a filha de Hector. 

Eu não sabia muito sobre Izzy, além de que havia morrido após lutar por muito tempo contra a leucemia. 

Depois da morte da filha, ele mudou muito.

A dor foi forte demais. Nem mesmo sua esposa na época parece não ter aguentado a situação e pediu o divórcio.

— Mas fico feliz em te ver novamente. Não sabia que estava na cidade. Quando perguntei sobre o seu paradeiro, César me contou que você tinha ido para Chicago estudar jornalismo

— E fui.

Ceci sorri, mas logo sua expressão se torna cansada ao encarar a irmã, que brincava com uma mecha do cabelo dela.

— Mas com a separação dos meus pais, a situação ficou complicada em casa e eu tive que voltar.

A garota suspira e ajeita a irmã no colo, que parecia estar cansando seus finos e delicados braços. Ela dá um fraco sorriso e encara meu pai, demonstrando um pouco do abalo emocional que sofria. 

— Entendo — murmura meu pai. 

— É apenas temporário. Eu vou ficar cuidando das crianças até o meu tio Zeki vir para a cidade. Ele vai assumir a guarda das crianças até a justiça tomar uma decisão. O que deve ocorrer no início de fevereiro. Até lá, eu ainda vou continuar trabalhando aqui pela cidade, na filiada do jornal em que eu trabalho em Chicago.

— Eu soube da polêmica separação de Amara e Robbie. Eu sinto muito. Eu imagino o quanto esteja sendo difícil.

Meu pai lamenta, sorrindo compadecido pela situação dos irmãos.

— Está tudo bem. Alguns casais não foram feitos para ficar juntos. E meus pais são o maior exemplo disso. O que me preocupa é como a situação toda ocorreu — conta Ceci com os olhos cheios de preocupação.

— Eu imagino. Pelo pouco que eu vi na mídia, não deve estar sendo fácil lidar com a invasão de privacidade. 

— Nem me fale. Com os escândalos, Matt e Liz não tiveram mais paz. A mídia está em cima deles e meus pais estão brigando na justiça pela guarda das crianças, mas não de uma forma saudável. 

Ela bufa e posso ver a indignação em seus olhos. 

— O pior é saber que estão nessa briga apenas pela fama e para conseguir mais dinheiro. Era compreensível a indignação de Ceci. 

A separação do casal Garner tem sido um assunto bastante comentado nas últimas semanas não só na cidade, como no país inteiro. 

 O pai de Matt, Robbie Garner, é o presidente Skyline Laboratory, um dos maiores laboratórios de pesquisa do país. 

Após ser pego com diversas mulheres em seu escritório, a mídia passou a investigar ainda mais a vida dos Garner e descobriram que Robbie não era o único infiel nesse relacionamento. 

Amara mantinha um caso com Mason Baker, um jovem de vinte anos e meio irmão de Mandy Miller, uma das melhores amigas de Matt. 

 Desde então, tudo o que Amara Garner tem feito é viajar pelo mundo com Mason e se envolver em escândalos nas inúmeras boates que o casal frequenta. 

— Eu vi algumas notícias no jornal. Deve estar sendo bem difícil para você e seus irmãos — comenta meu pai, observando a garota com atenção. 

— Bom, eu já não morava com eles, então não senti tanto. Mas Liz tem chorado muito e quase não tem falado. A pequena ficou muito assustada com o assédio da mídia.

Ceci acaricia as costas da irmã com os olhos repletos de revolta. 

Ela então sorri fracamente e suspira. 

— E Matt... 

 A mulher de cabelos curtos ondulados e olhos azuis semelhantes aos de sua irmã parece ponderar sobre como explicar o estado do irmão. 

Imediatamente volto minha atenção para ela, curiosa para entender a mudança brusca do capitão de natação da escola. 

— Ele é o que mais se prejudicou com essa história e está passando por um momento bem difícil. Seu temperamento se tornou bem explosivo. Ele se faz de durão, mas no fundo, ele é bem sensível. 

— Tenho certeza de que é só uma fase. Logo ele vai superar — garante Hector, tentando transmitir algum apoio a garota. 

— Assim espero. 

Ceci suspira e encara o relógio em seu pulso. Ao verificar o horário, ela solta um gemido frustrado. 

— Algum problema? — pergunta meu pai com curiosidade. 

— É que eu preciso trabalhar e estava contando com Matt para cuidar de Liz hoje, mas ele saiu correndo igual um louco depois de receber uma ligação e nem me disse para onde estava indo. Agora não tenho com quem deixar minha irmã e já estou atrasada. 

 Ceci suspira novamente e encara a irmã com o pensamento distante. Provavelmente estava pensando no que deveria fazer. 

— Eu vou precisar de alguém para cuidar dela o mês inteiro, porque eu passo o dia todo fora e Matt está constantemente treinando para os campeonatos dele. Por acaso você não conhece alguém de confiança para cuidar de Liz aqui em casa, sr. Hector? 

O celular de Ceci toca e ela suspira ao pegar o aparelho e reconhecer o nome na tela. 

— É o meu chefe. 

Depois de um diálogo curto, onde Ceci parece ouvir uma bronca de seu chefe, a garota parece ainda mais cansada ao fim da ligação. 

 Ela então encara meu pai com desespero, parecendo não saber o que fazer. 

Era nítido que ela precisava ir, mas a pequena garotinha loira em seus braços não poderia ir com ela. 

— Por que não deixa Liz com a Vi? 

— Vi? 

— Oh, desculpa, eu não apresentei vocês. Vi, essa é a Ceci, a melhor amiga de Izzy quando... bem... 

Hector suspira e força um sorriso, tentando ignorar a tristeza ao se lembrar da filha. 

— E Ceci, essa é a minha filha, Violet, mas ela prefere ser chamada de Vi. Ela é uma garota muito responsável, é excelente com crianças e uma cozinheira excepcional. Vi é um exemplo de dona de casa. 

— Mesmo? 

— Sim. Infelizmente, minha filha é muito tímida e não tem amigos, então está bastante entediada e solitária nessas férias. Tenho certeza de que seria muito bom para ela cuidar da Liz, enquanto seu tio não chega na cidade para cuidar das crianças. 

— Muito prazer em te conhecer, Vi. 

Ceci me cumprimenta, dando um sorriso gentil. 

— Prazer — murmuro, envergonhada. 

— Bom, eu confio muito no sr. Hector e se ele diz que você pode cuidar da Liz, eu acredito nele. Você poderia fazer esse favor para mim? Por favor? 

— Eu? 

Eu não esperava esse tipo de proposta do meu pai. 

Aceitar cuidar de Liz significava ficar na casa de Matt durante o dia inteiro. 

 Dada as confusões que ocorreram em apenas algumas horas e os comentários de Ceci sobre as atitudes recentes de seu irmão, eu não sei se estava disposta a passar o mês inteiro convivendo com o temperamento difícil do adolescente. 

 — Por favor, Vi. Eu prometo que pagarei você muito bem por ser a babá de Liz — insiste a mulher, desesperada. 

— Faça isso, Vi. Vai ser bom para passar o tempo nessas férias e você não ficará sozinha — incentiva meu pai, sorrindo. 

— Tudo bem — concordo, dando-me por vencida. 

— Obrigada, Vi! Você me salvou! 

 Ceci suspira aliviada. 

Ela então beija a testa da irmã, que a encara confusa. 

— Liz, a tia Vi vai cuidar de você enquanto Matt e eu estivermos fora. Seja uma boa menina e não dê trabalho a ela, entendeu? 

— Ceci? 

 A menina chama a irmã, encarando-me incerta sobre o que estava para acontecer. 

— Aqui, Vi. 

Ceci estende Liz para mim, que não parece nada feliz com a vinda para o meu colo e começa a chorar desesperada, jogando o corpo em direção a irmã mais velha. 

 — Não chore, Liz. Eu prometo que volto o mais rápido possível. 

 — Não se preocupe. Ela logo se acostuma com a Vi e vai ficar bem — tranquiliza meu pai. 

— Você tem razão. Ela só não está acostumada — responde Ceci, sorrindo nervosa. — Vi, fique à vontade lá em casa. Não tem muita coisa, porque nos mudamos ontem e foi muito de repente, mas pode mexer no que quiser. 

— Certo. Tem algo que eu preciso saber? 

— Sim. Liz tem alergia a amendoim e a frutos do mar, então só tem que tomar cuidado para ela não comer nada disso. Ela é difícil para comer frutas, legumes e vegetais, mas faça o possível para que ela coma. E se precisar de qualquer coisa ou tiver qualquer dúvida é só me ligar. Eu vou deixar o meu número de celular com você. 

 Ceci pega um post it e uma caneta que estavam em seu bolso e anota seu celular, enquanto eu tentava acalmar Liz, que chorava querendo a irmã. 

 Quando a irmã mais velha de Matt termina de escrever, ela estende o papel e encara Liz com tristeza. 

Pego o post it e observo a letra bonita da garota. 

— Eu prometo cuidar dela. Não sabia o porquê de ter dito aquilo, mas minhas palavras parecem ter acalmado Ceci, que sorri e deixa mais um beijo na testa da irmã, antes de correr para a própria casa e aparecer segundos depois com sua bolsa, um casaco mais grosso que o que usava e as chaves do carro. 

— Tchau, Liz. E obrigada, sr. Hector e Vi. Farei o possível para chegar cedo em casa — grita Ceci, entrando no carro. 

— Tchau, Ceci. Dirija com cuidado — despede-se meu pai, acenando quando Ceci passa por nós. 

Assim que meu pai, Liz e eu ficamos à sós, encaro o homem em um pedido silencioso de socorro. 

É verdade que me dou bem com crianças. Brincava muito com elas nos dois meses que passei no orfanato, mas jamais fui babá e com certeza a garota que chorava em meus braços não estava nenhum pouco feliz por estar com uma desconhecida. 

 — Bom, eu vou trabalhar — anuncia o homem. — Até mais tarde, querida. E boa sorte. 

— O quê? Não! Não vá. Não me deixe aqui sozinha com uma criança que está chorando querendo a irmã dela — imploro. 

Liz se debatia em meus braços e gritava pelo nome da irmã. 

— Eu preciso trabalhar, Vi. E eu tenho certeza de que você dá conta — afirma meu pai sorrindo. 

 E antes que eu pudesse argumentar, Hector corre para o carro e vai embora, deixando-me sozinha com Liz. 

 Suspiro cansada e começo a balançar a criança de um lado para o outro, enquanto murmuro uma melodia qualquer para tentar acalmá-la, assim como Ceci tinha feito. 

Surpreendentemente, a ação parece surtir efeito e após lutar muito contra o sono, Liz acaba dormindo em meus braços. 

 Um suspiro de alívio abandona meus lábios. 

Observo a rua que continuava deserta e me viro para a casa dos Garner. 

 Estava começando a esfriar ainda mais e Liz não estava vestida de forma apropriada para ficar naquele frio. 

Assim, ignorando o meu desejo incontrolável de correr para a minha casa para aproveitar o calor de minhas cobertas, ando com cuidado até a casa de Liz, temendo que ela acordasse. 

 O meu primeiro dia como babá estava apenas começando e eu já sentia o cansaço me atingir. 

Conformada com a situação, resolvo explorar a casa que durante os próximos dias será o meu mais novo local de trabalho. 


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