Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 9
009. De Quem é a Culpa?




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Versa estava relativamente menos irritada naquela manhã, segundo o que Alexei havia notado. Depois do sábado regrado de revelações, beijos e loucuras com Ignácio, o vampiro teve de encarar a mais dura das realidades cara-a-cara com a terapeuta, sem conseguir tirar a mensagem de Roman dos pensamentos. Não havia respondido, inclusive, pois ainda procurava as melhores palavras ou a melhor maneira de conseguir dizer que não estava tão interessado assim...

Mas no fim ele sabia que ainda estava. Pois, por melhor que tenham sido das horas com Ignácio, Alexei não pôde dizer com certeza que estava convicto de que ele era sua melhor decisão no caminho para a reinvenção e reencontro em sua nova vida. Passou todo domingo em claro, maratonando Queer as Folk, comendo geleia de amendoim pura com sorvete de creme, curtindo a própria fossa e lutando contra as próprias indecisões, tentando, quase que inutilmente, decidir o que fazer dali a diante. Tinha esperanças que Versa ajudasse à clarear seu caminho. Se ele estava dividido entre os dois, com qual deles devia ficar?

− E por que você precisa ficar com um? – foi tudo que Versa disse, contrariando todas as esperanças de Alexei, que acreditava que tudo ficaria mais nítido depois daquela sessão. A terapeuta usava uma camisa florida e cheirava à alecrim e sálvia. Parecia ligeiramente mais arrumada que o habitual. Alex teve a impressão, inclusive, de que ela usava um batom um tom mais escuro que o comum. O vampiro encarou a mulher com um olhar julgador e irritado.

− Meu deus porque você sempre tem que abrir uma terceira opção? – questionou, não ignorando por completo o questionamento de Versa, que, por mais que doesse, fazia sentido. Alexei havia ficado preso à Dominic por tanto tempo e, quando finalmente se viu livre, estava querendo se prender... De novo? Versa Coumarine riu e cruzou as pernas com delicadeza.

− Esse é meu trabalho – afirmou convicta – Mas você ainda não me respondeu. Por que? – questionou novamente. Alexei mordeu os lábios e sentiu uma pontinha de ansiedade correr pela espinha, com uma vergonha assolando os pensamentos. Não sabia responder no fim das contas – Quando você ficou tão dependente de alguém? – perguntou, fazendo Alexei se lembrar da conversa com Sehu outro dia, em que ficou claro que ele sempre foi dependente de alguém, pois chegava a depender de Dominic até para dirigir. O vampiro engoliu seco, alisou a nunca e forçou as memórias.

− É que eu nunca estive sozinho, sabe, sempre foi eu e alguém do meu lado – afirmou. Versa tinha olhos atentos e curiosos – Eu e Ramona, eu e Nico, eu e Dominic... Eu e Teresa... Acho que não sou uma pessoa boa quando estou sozinho.

− Bem, mas você não precisa estar sozinho para não depender de alguém, Alexei – ela disse, pigarreando baixinho e fazendo algumas anotações na ficha de Alex – Sabe, eu digo depender na questão emocional. Não estar completo, sabe, sempre tentando se preencher com alguma coisa, com alguém, com algum sentimento. É mais uma questão de amor próprio, de autoconhecimento, autossuficiência – Alexei lembrou-se vagamente da discussão com Dominic, em que disse uma coisa semelhante ao ex, que não perceber fazer tanto sentido quanto agora:

“Porque você não sabe ser suficiente para si mesmo e procura sempre alguma coisa para preencher essa sua vidinha e esse seu coraçãozinho fragilizado de merda”

Alexei engoliu seco e se surpreendeu ao perceber que havia acusado o ex de uma coisa que ele mesmo sofria. Seria seu coração tão fragilizado e vazio quanto o de Dominic? Por que ele tinha tanto que estar com alguém para ser completo?

− Eu disse uma coisa assim pro Dominic outro dia – contou, coçando os fiapos de barba que surgiam no queixo. Versa sibilou um murmúrio como se pedisse para que ele continuasse e o encarou – Como eu faço, sabe, para não ser tão dependente de alguém? – questionou. Versa pensou, alisou o próprio rosto e suspirou.

− Não sei – afirmou no fim, deixando Alexei de queixo caído e olhar desapontado – Me diz você: o que você acha que precisa fazer para não depender tanto assim de alguém? – questionou. Alexei ponderou por alguns instantes, inquieto, e se lembrou como sua visão sobre Ignácio alterou quando percebeu que ele era um humano cheio de falhas, diferentemente de sua visão extremamente perfeita, e também como o sentimento da necessidade de não ser suficiente para o homem se desfez tão fácil quanto flocos de neve quando percebeu que, no fim, não há perfeição em ninguém e exigir isso era a maior das baboseiras.

− Até alguns dias atrás eu ficava me cobrando perfeição em tudo, sabe? Um dos caras que estou interessado, nossa, ele parecia a pessoa mais perfeita do mundo... Mas percebi que ele tem inseguranças, medos e todo tipo de coisa... Aí então eu percebi que não precisava ser perfeito porque, caralho, ninguém é – afirmou convicto – Eu não tenho certeza, mas, talvez eu deva depender só de mim mesmo? Não sei... Eu achava que não era suficiente para alguém como ele... Aí percebi que só precisava ser suficiente... Para mim mesmo – questionou confuso. Versa sorriu ao paciente.

− Exato – ela respondeu animada – Bem, mas isso é o que você disse. É também o que você acha? – Alexei podia ter mentido que sim, mas tinha certeza que ficaria evidente no olhar confuso e ainda marcado por um pouco de insegurança. Engoliu seco e abriu um sorriso envergonhado. Versa compreendeu a mensagem de imediato – Não precisa se envergonhar... Essas coisas levam tempo, te disse. Comece aos poucos e vá longe... Você ainda está no começo da sua reinvenção, Alexei, mas tenho certeza que já há resultados incríveis. Terminamos aqui por hoje, tudo bem? Tenho um compromisso mais tarde... – contou. Alexei estava certo: ela estava, sim, ligeiramente mais arrumada que o normal... Talvez para um encontro ou coisa assim. O vampiro sorriu para à terapeuta, que se limitou a lhe encarar com um olhar confuso – Que foi?

− Nada – e riu, deixando o consultório – Até semana que vem! – afirmou.

Teresa estava livre no horário de almoço. Alexei se juntou à amiga e Day Flores, que compartilhavam sanduíches cheirosos e apimentados de carne e pimenta mexicana.

− Ele me contou que não é assumido – afirmou. Teresa mordeu um pedaço do sanduíche com um olhar curioso e levemente entristecido – Fiquei bem triste por ele, sabe... É tão horrível não ter apoio da própria família... – contou.

− Nem me fale – Teresa disse, bebendo um pouco de suco amarelado – A família do Adam não é muito amigável, por se dizer – contou entristecida – Duvido que teria apoio deles para alguma coisa... Planejar o casamento tá só o inferno... A mãe dele é impossível de se tragar... Uma Dulla Swanna em dobro – a moça voltou a comer do sanduíche e mal esperou terminar de mastigar para afirmar: − Mas eu já sabia isso dele. Dona Consuela é beeem católica... Não fico surpresa que ele tenha medo de assumir.

− Acho que ele tem mais medo por ela do que por si mesmo, sabe – Alexei disse, bebendo um pouco de café doce como mel – Ele disse que perdeu o irmão e que depois disso ela viu nele o filho de ouro... Ele não quis nunca decepcionar ela.

− Ah! O Carlos, verdade... – Teresa contou, com certo pesar nas palavras – Ele foi uma paixonite pesada minha... Era um cara muito legal. Dona Consuela ficou desolada, sabe... Acho que o que mais doeu foi que não aceitaram velar ele no cemitério da família – Alexei arregalou os olhos, confuso.

− Não aceitam pessoas suicidas nos cemitérios católicos... Nem sequer fazem missa para a alma – foi Day Flores que interveio, pegando Alexei de surpresa. Até ela conhecia Ignácio e fazia segredo? Todavia, seus pensamentos se centraram no absurdo de uma família não poder dar a devida despedida para alguém tão importante por razão única e exclusivamente dogmática religiosa. Engoliu seco e agradeceu o que fariam com o corpo de um vampiro gay... Queimariam, provavelmente.

− Mas enfim... Mudando de assunto – Alexei disse, estalando as pontas dos dedos e encarando Teresa com um olhar curioso – Você acha que eu sou muito dependente de outras pessoas? – as moças trocaram olhares confusos. Teresa revirou os olhos e pareceu pouco interessada em responder.

− Bem... – ela começou envergonhada. Não precisou terminar para que Alexei percebesse a opinião da amiga – Acho que no fundo todo mundo sempre é... – ela disse, tentando amenizar. Day Flores concordou.

− Eu mesma não viveria bem sem meus livros – ela interveio, com um olhar curioso – ou minha abuela – contou. Teresa pigarreou e deixou o sanduíche de lado, limpando as mãos e encarando o amigo com um olhar compadecido.

− Migo, sério... Não se preocupa com esse tipo de coisa – suplicou, com uma expressão confusa e carregada de confiança – Tá, você era dependente do Dominic para, bem, muitas coisas, mas essa era uma versão sua que não existe por completo mais, não é? – questionou. Alexei meneou o olhar, coçou a nunca e ponderou, sem saber exatamente se o Alex de antes havia desaparecido por completo...

Lembrou-se, naquele exato instante, de momentos em que sua versão mais assustadora e que lhe causava mais dor parecia ressurgir das cinzas como uma fênix poderosa, como quando não pôde controlar a sede vampírica diante de Leia e quase chupou seu sangue, ou quando como ficava hipnotizando com o cheiro das veias pulsantes de Ignácio e Roman. Ele tinha certeza que havia deixado essa sua fase para trás, apagada pelo tempo e marcada única e exclusivamente por memórias que ele mesmo não tinha, mas as nuances do destino pareciam trabalhar para que nem tudo se perdesse com o passar dos anos, deixando sempre uma sementinha do mal guardada ali, junto às receitas de bolo, arrependimentos e desejos reprimidos. O açougueiro de Mônaco, no fim, sempre foi e sempre será sua versão mais marcante... E eterna, como o tempo.

− Eu... – Alexei ponderou, engoliu seco e forçou um sorriso – É... Eu acho que não... – afirmou sem sequer uma pitada de certeza nas palavras. Day Flores terminou o almoço, bebeu um pouco de água e puxou o celular do bolso, entrando num site de escritoras. – Você escreve, Day? – Alex questionou, querendo mudar o assunto. A jovem aprendiz sorriu, envergonhada, e anuiu, com olhos tímidos e bochechas rosas.

− Bobagens... – ela contou. Teresa encarou o amigo com um olhar desconfiado, mas nada disse, se limitando a observar a conversa dele e da garota.

Não havia mais como enrolar para que aquele momento não chegasse, ou continuar fingindo que nada havia acontecido e seguindo a vida a diante. Alexei, no fim do expediente, se viu na obrigação, quase moral, de responder à mensagem de Roman, que já havia ignorado faziam três dias. Todavia, se viu numa confusão ainda maior, acabando por gastar mais tempo raciocinando e debatendo consigo mesmo qual seria a resposta mais adequada para a mensagem que havia recebido. Claro que a ansiedade que consumia seu ser como chamas ardentes consumindo a carne ajudava – e muito – na construção dos muros que impediam que aquela mensagem fosse enviada e chegasse em paz a seu destinatário. Alexei havia estado tão confiante em certos momentos... Que chegava a ser vergonhoso estar com receio de enviar uma mensagem de cento e cinquenta caracteres.

− Ainda aguardo nossa conversa – Alexei releu, talvez pela milésima vez só naquele dia. Queria muito responder algo do tipo “vamos casar hoje?”, mas se perguntava se isso soava carente demais... Bem, Alex não era a melhor pessoa em medidas que não se tratassem de ingredientes para bolos. Se questionava se estava se precipitando demais, se torturando e se deixando consumir por uma ansiedade assoladora por virtude de um caso que sequer sabia que teria futuro. Pensava também na hipótese que havia trabalhado com Versa, de tentar viver independente de alguém... E, principalmente, pensava em Ignácio Cruz, seu homem dos olhos iconoclastas e hereges.

O sábado que passou com Ignácio foi, de longe, um dos melhores de toda sua imortalidade. Se sentiu amado de uma maneira que nunca havia se sentido antes. Sentiu uma profunda conexão com Ignácio e se compadeceu por completo de toda sua dor, toda sua insegurança e todo seu medo... Mas mesmo assim não tinha certeza que se estar nos braços dele era o que o destino guardava para si, numa estranha sensação de medo de acabar por fazer essa escolha e, no fim, se arrepender, percebendo que havia entendido tudo errado.

Lembrou-se, momentaneamente, da música que ouvira quando ainda tinha dúvidas quanto o fato de o término com Dominic ser recente demais para que ele se entregasse a Ignácio, pela primeira vez: melhor se arrepender do que passar vontade. Será que era mesmo? Alexei tinha muitos arrependimentos em vida... E, sinceramente, preferia ter passado vontade em muito deles. Se tornar vampiro é o principal. Como ele odiava Nico, como ele odiava os Vanzeller, como ele detestava sua natureza confusa, eterna e imortal... Como ele detestava depender de tudo para viver plenamente, pois quando vivia por si só acabava sempre vítima da própria condição e se tornava figuras como... O Açougueiro de Mônaco.

Percebeu que estava enrolando demais para tomar uma atitude. Suspirou profundamente, pegou o celular, digitou uma mensagem e enviou, forçosamente:

− Quer jantar na minha casa?

− Claro!

Alexei não correria o risco de afastar Roman sem sequer ter certeza de suas intenções, então optou por encomendar comida pronta do restaurante no fim da rua. Era melhor do que se arriscar a cozinhar algo e acabar intoxicando o possível pretendente, ou ainda lhe servir macarrão instantâneo com ketchup num possível primeiro encontro. Talvez já deve ter mencionado... Mas o vampiro era terrível quando a cozinha se estendia da confeitaria e chegava aos jantares e almoços casuais. Dominic era quem cozinhava no dia a dia. Mais uma coisa que me fazia dependente dele— Alexei pensou, terminando de ajeitar os pratos na mesa, quando, finalmente, bateram na porta.

− O cheiro tá ótimo! – Roman afirmou ao entrar no apartamento, com seu típico sorriso fofo e simpático, com olhos curiosos e amigáveis. Trajava um sobretudo escuro, com um macacão-jeans meio apertado e um colar dourado no pescoço. Alexei sentiu um murmurinho percorrer seu estômago. Optou por fingir que se tratava apenas de fome, não de ansiedade, e poupou Roman de um papo, levando o homem direto para a mesa de jantar.

− O que achou? – Alexei perguntou, após uma rodada de conversas aleatórias enquanto comiam do macarrão caseiro com pasta de ervilha e azeitona, com orégano e alecrim aromatizando. Roman sorriu animado.

− Perfeito! – contou, bebendo um pouco do vinho que Alexei abriu especialmente para a ocasião e limpando seus lábios com o guardanapo – Mas... E como você anda? Sabe, falamos de muita coisa, mas não do que acabou me aproximando de você! – questionou. Alexei sentiu seu coração de aquecer em amores em razão da preocupação de Roman para consigo. Suspirou, alisou a nunca e decidiu que ia poupar o pretendente de detalhes sórdidos e tediosos dos últimos dias de sua vida.

− Caminhando – respondeu, enquanto bebericava do vinho e tentava se concentrar em não parecer exaustivamente em crises existenciais, de autoestima, confusões e conflitos sentimentais, e acanhado ou perdido no que tange ao destino e futuro. A verdade era que Alexei caminhava... Só que mais na contra mão que na linha correta. – Sehu agradeceu muito pelo que você fez por ele... Ele ficou livre da crise asmática e arrumou uma desculpa para tomar mais mel... A Leia que ficou, bem, irritada, mas acabou cedendo – Alexei contou, tentando disfarçar a crise interna que consumia seus dias. Roman pareceu estar feliz com a melhora de Sehu, ainda que resguardasse uma expressão modesta e eternamente simpática.

− Que bom – disse por fim, estalando os dedos e se dando por satisfeito da refeição – Você demorou um pouco para responder a mensagem – ele riu – Achei que tinha ficado irritado com minha visita ou coisa do tipo... – Alexei engoliu seco, envergonhado. Não queria mentir que tinha esquecido ou não visto a mensagem, mas também não queria revelar que estava dividido entre responder ou não e, depois, perdido em relação ao que deveria escrever.

− Não, jamais... – ele disse por fim, encarando Roman com um olhar repleto de carinho e compaixão – Você tem algo que... Ah, não sei. Diferente – confessou. Roman abriu uma expressão confusa e coçou a nuca, com olhos perdidos e brilhantes como de um cachorro abandonado. Alexei engoliu seco. Aquele rosto tão fofo e apaixonante lhe atraía tão profundamente quanto os belos e torneados braços de Ignácio Cruz, tal qual aquela voz envolvente, o cheiro açucarado do sangue em suas veias e o mistério por trás de todo Roman. Quem ele era, no fim das contas? Até agora o vampiro não havia descoberto (E estava hipnotizado demais por aqueles olhos e por aquele sorriso para simplesmente lhe fazer questionamentos. Tudo que queria era estar envolto nos braços de Roman para sempre).

Ouviu uma notificação de mensagem recebida no celular e ignorou. Mais uma. Outra. Uma terceira. Uma quarta e por fim uma quinta. Alexei suspirou, com um olhar irritado, por estar sendo interrompido num momento tão fascinante quanto aquele, em que podia consumir toda luz e toda beleza de Roman com olhares tão vorazes quanto de feras famintas. Pegou o celular, desbloqueou por um instante, percebeu que eram mensagens de Ignácio, revirou os olhos e guardou o celular no bolso novamente. Havia dado o dia de Ignácio e agora focava por completo em Roman – ainda que no fundo de seu coração sentia como se algo estava errado. Engoliu seco e voltou à Roman.

− Bem, acho que devo ficar feliz com seu... Elogio? – e sorriu. Alexei não podia aguentar mais. Tudo em Roman lhe atraía como o mar se sentia atraído pela lua. O aroma doce de suas veias, a luz de seus olhos, a paixão de seu sorriso e a magia de sua voz. Ignácio era ardente e apimentado, Roman Medina era doce e aveludado. Quando se deu conta, já estava de pé, com os pés conduzidos pela paixão do momento, tal qual outrora, em que fora hipnotizando pelo calor dos braços de Ignácio, se aproximando de Roman e se atirando em seus braços como uma mulher reencontrando o marido que voltava da guerra. Roman se surpreendeu e arregalou os olhos quando sentiu os lábios de Alex encontrando os seus...

... e recuou alguns centímetros, com uma expressão confusa e admirada, com uma certa dose de medo e arrependimento. Alexei continuava na ofensiva de provar do mel de seus lábios, entorpecido pelo momento – e pelo fato de não ter bebido sangue ou comido veludo vermelho desde o sábado de manhã pois havia esquecido −, não se dando conta da distância de Roman e de seu desinteresse.

− Alexei – Roman disse, com certa dificuldade por estar com lábios preenchendo os seus – Me... Me desculpe... Eu – ele disse, afastando Alexei com certa facilidade, visto que tinha muitos centímetros a mais que o vampiro. Alex o encarou com um olhar confuso, com as pupilas dilatadas e as presas levemente saltadas na gengiva. Sentia seu sangue queimar como sol de verão.

− O que... O que houve? – Alexei questionou. Roman se levantou, envergonhado, suspirou profundamente e limpou o rosto.

− Me desculpe. Acho que eu entendi tudo errado – ele disse por fim, com um olhar entristecido. Alexei engoliu seco, mais nitidamente percebendo a situação do momento e se livrando do entorpecimento do lado vampiro. O homem coçou as madeixas e andou pelos lados da casa, absurdamente envergonhado e com algumas lágrimas nos olhos – Não posso fazer isso, me desculpe.

Alexei sentiu um aperto de desesperança no coração.

− Eu não entendo... Você não é, sabe, gay? Ou não me acha bonito ou alguma coisa assim? – questionou, mais magoado que irritado. Roman se aproximou, envolveu as mãos de Alexei na sua numa demonstração meramente fraternal, com olhos lacrimejantes, mas sem perder todo brilho e toda paixão.

− Não, não é isso, jamais... – ele disse por fim, suspirando profundamente e procurando as melhores palavras para o ardor do momento – Eu queria muito que desse certo... Mas o problema não é você... Sou eu... Eu tenho outra pessoa – confessou.

Alexei sentiu uma faísca de ódio percorrer sua espinha e crescer descomunalmente como uma fogueira incessante enquanto atravessava seu corpo. Por um instante se colocou no lugar da pessoa que aguardava Roman em casa, acreditando que ele era o melhor dos maridos possíveis, enquanto ele estava ali, se atracando com um vampiro qualquer. Lembrou-se de tudo que Dominic lhe fez passar, toda a dor de ser o traído, de ser abandonado, esquecido e enganado. Tudo pesou sobre si como se um piano caísse do teto e esmagasse seu ser com uma sinfonia macabra de fundo. Sentiu as lágrimas maltratarem seus olhos e saírem tão dolorosas como se fossem de vidro. Sentiu seu sangue ferver e queimar a pele. Sentiu seus poros abrindo e seu estômago revirando. Todos os momentos que soube das traições de Dominic vieram à tona e ele se sentiu consumido pela tristeza condensada de todos numa só conversão aterradora. Seu coração teria virado pó.

− Vai embora – foi tudo que Alexei conseguiu dizer sem transparecer toda a mágoa e toda raiva, a voz chorosa e arrependida. Roman também chorava, ininterruptamente, como se estivesse tão arrependido quanto o vampiro diante de si. Não havia feito nada muito comprometedor, no fim, mas o simples relance de que poderiam ter feito pesou para os dois de uma maneira impossível de segurar.

− Um dia, por favor, me deixe explicar – suplicou, pegando o sobretudo do sofá e atravessando o apartamento, envergonhado sob a própria pele. Se ele pudesse teria enfiado a cara no chão e desaparecido com o vento. Alexei o acompanhou até a porta para ter certeza de que não se arrependeria da própria decisão e se envergonharia para sempre dos próprios atos.

A porta se abriu e novamente os três se viram juntos: os dois algozes do destino e o vampiro confeiteiro. Ignácio Cruz estava diante da porta de Alexei, com um olhar esperançoso e feliz, que perdeu por completo, dando lugar a uma expressão de decepção e tristeza, quando percebeu Alex, ainda excitado pela sede vampírica de outrora, e Roman saindo do apartamento. Sentiu seu coração ser perfurado por milhões de facas envenenadas. Havia sido trocado... Abandonado... Novamente.

Nada mais pareceu fazer sentido quando Alexei se deu conta da presença, agora amargurada de Ignácio, boquiaberto, diante da cena, que sequer percebeu as lágrimas nos olhos de Roman ou de Alex, limitando-se a fazer julgamentos da situação do momento. Como, após um sábado tão mágico e apaixonante, podia ser trocado por outra pessoa?

Alexei finalmente despertou do ódio que consumia sua alma e lhe deixava entorpecido pelos próprios sentimentos e apagado da realidade como se dormisse e vivesse um pesadelo. Ignácio ainda estava ali, inconformado.

− Ignácio...

− Vim te contar que estava pronto para me assumir pra minha mãe – ele contou, com um olhar entristecido, segurando as lágrimas – Mas acho que você já tinha companhia melhor – sentenciou amargurado, deixando a presença de Alexei em passos pesados para fora do corredor do prédio.

Alex se encolheu na própria vergonha, sentou, desajeitado, no chão, escorado pela parede. Se envolveu nos próprios braços numa posição quase fetal, arrolou as mãos na cabeça e deixou as lágrimas percorrerem todo o caminho dos olhos até encharcarem o chão do apartamento. Tudo, absolutamente tudo que rondou os últimos dias, anos, décadas e séculos, voltou a sua mente como uma tormenta destruidora e violenta, trazendo-lhe lembranças dolorosas e engatilhando todas as suas piores memórias, dos piores instantes de sua vida. Se sentiu consumir pelo medo, pelo pavor, pela deseperança, pela tristeza, pela raiva, pela paixão... Sentiu a fome vampírica tomar seus pensamentos e consumir seu lado humano, seu lado Alexei.

− De quem é a culpa? Era completamente minha — Alexei pensou. E toda gota da sanidade se foi num rompante de momento.

Se levantou, foi até a cozinha, abriu o armário de bebidas e se viu diante da necessidade de se entorpecer de álcool até que tudo no mundo parecesse desaparecer... E assim o fez. Em determinado instante ele apagou...

 

... e quando seus olhos abriram estava em qualquer lugar, menos em casa. Estava sem camisa, cheirava mal e sentia os olhos arderem, com a pele coçando e os cabelos absurdamente desgrenhados, cobertos por uma substância azulada. A cabeça doía e a labirintite atacava, fazendo todo o mundo girar ao seu redor. Engoliu seco, pensou em gritar por ajuda e se envolveu nos próprios braços.

− Alexei? – era a inconfundível voz carregada de anos de cigarro de Versa Coumarine. Alex levantou o rosto, arregalou os olhos e pareceu, finalmente, conseguir focar em um ponto e enxergar a terapeuta diante de si. A mulher tinha um olhar assustado, ao passo que admirando – O que é isso no seu rosto? – questionou. Até aquele instante não havia percebido nada além da substância azul no cabelo, mas, ao passar os dedos pelos lábios, sentiu uma mistura viscosa, quase seca, avermelhada e com cheiro de cobre. Alex arregalou os olhos e quis voltar a chorar quando percebeu do que se tratava.

− Sangue – sentenciou, sentindo toda consciência pesar e corromper sua mente.

 

 


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