Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 8
008. Não Dá Pra Resistir!




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Vivi havia chegado vinte minutos antes do horário combinado, o que, para Alexei, só denotava a tamanha imprecisão com que a estagiaria do ex sempre trabalhou. Para a moça de cabelos longos e negros e olhos puxados não havia meio termo, ou chegava atrasada ou absurdamente adiantada. Vestia um lindo casaquinho vermelho, com uma saia curta de mesmo tom, os cabelos presos à uma tiara azul-marinho e batom escuro – uma aposta arriscada para o tom noturno, Alex diria se entendesse de maquiagem.

Alexei sequer tinha terminado de ajeitar as mesas, após a confusão de mais cedo com Sehu, que atrasou o funcionamento de toda confeitaria. Ainda usava, inclusive, o avental de gatinhos, sujo de farinha. Felizmente, o movimento havia diminuído substancialmente com o cair da tarde e chegar da noite, restando menos de três ou quatro pessoas numa mesa, provando, lentamente, do sabor de algum bolo clássico à lá Alexei.

− Alexei... – Vivi cumprimentou. A garota era baixinha, tinha olhos espertos e um sorriso amistoso, mas não era a pessoa mais confiável do mundo.

− Vivi... – Alex respondeu de trás do balcão, terminando de ajeitar os utensílios que estavam fora do lugar. Ao ver a moça suspirou profundamente, coçou a nuca e disse – Já conversamos, tudo bem?

− Eu espero – ela disse, se convidando a sentar numa das mesas e abrindo o cardápio – Tem alguma coisa vegana? – Alexei revirou os olhos, suspirou e foi para a cozinha. Vivi riu baixinho.

Vivi se deliciava com um bolo de amêndoas, feito sem uso de qualquer produto de origem animal, quando Alexei se aproximou e sentou-se na cadeira a seu lado, cruzando as pernas e encarando a moça, no aguardo de explicações para aquele tão desesperado convite para uma conversa. Tinha teorias de que Dominic usaria a estagiária para tentar conseguir perdão... Ou coisa pior.

− Gostei do cabelo – Vivi disse. Alexei sorriu – Precisava falar com você. Urgente.

− Pode falar – ele disse sem muita embromação. Vivi deixou o bolo de lado, limpou os cantos da boca com um guardanapo e bebericou um pouco de água, como se procurasse as melhores palavras para usar naquele instante. Sua expressão não era das mais agradáveis.

− É sobre o Dominic – e isso era absolutamente óbvio para Alexei, que fez a melhor cara de surpresa fingida possível. Vivi alisou as próprias pernas e encarou Alex nos olhos – Ele tem estado, sabe, muito estranho.

Alexei lembrava-se vagamente da última vez que esteve separado de Dominic, antes do rompimento final, encontrou o ex com pesadas olheiras de dias e noites em claro. Domi nunca foi uma boa pessoa em lidar com a própria consciência e isso lhe trazia prejuízos inimagináveis para a própria sanidade. Diferentemente de Alex, que tinha muitos momentos da própria história apagados da memória, como um borrão negro e misterioso, Dominic lembrava-se exatamente de cada um dos dias de sua vida – e isso era uma tortura altamente desesperadora.

− Ele não tem dormido... Mas você provavelmente já sabia disso – Vivi sentenciou. O que era óbvio – Só que... Dessa vez... Tem algo a mais. Não sei. Ele anda mais emotivo, mais raivoso... Parece estar sendo consumido por uma raiva interna que é insaciável... – e isso sim era uma novidade aos olhos de Alexei. O vampiro coçou os olhos, curioso. Os términos dos dois costumavam sempre trazer os mais típicos sintomas e consequências, mas dessa vez estava tudo diferente para ele, era de se esperar que estivesse para Domi também.

− Vivi, eu... Eu sinceramente não sei como te ajudar com isso... – Alexei disse, tentando não parecer exageradamente desinteressado (O que ele estava, afinal, estava começando de novo, e trazer os fantasmas de seu passado à tona não faria nada além de comprometer sua reinvenção). Vivi suspirou – E talvez não seja nada demais... Como no outro dia. Você achou que ele estava mal, quando só tava por aí, bebendo.

− Não, sério – Vivi afirmou, com um olhar preocupado – A situação tá bem mais estranha que parece... Aquele dia, quando ele voltou para o estúdio, ele não estava sozinho. Ele voltou com um rapaz...

Alexei riu com a força da própria raiva. Lembrou-se do dia que encontrou Domi aos beijos com um jovem vampiro, o estopim para o fim e também começo de tudo.

− E não era o Edric — ela afirmou. Alexei encarou a jovem com um olhar de julgamento, pensando no fato de que ela sabia do caso extraconjugal do ex e nada fez para lhe ajudar. Quiçá ajudaria a esconder dele. Vivi pareceu perceber a gafe, coçou os olhos e pigarreou – Bem, enfim... Ele parecia ser, no mínimo, uns cento e vinte anos mais novo que o Dominic... – o que, para Alexei, era algo novo também, pois as traições de Dominic se limitavam a pessoas que tinha, no mínimo, aparência de trinta anos. Até Edric, a qual alcunhou “rapaz vampiro”, ele atribuía a casa dos trinta e um. Todavia, o assunto da idade não fez que Alex sentisse nada além da própria insegurança, com medo de não poder se relacionar com ninguém que aparentasse ter menos idade que ele (E que, provavelmente, teria) sem virar assunto por isso.

− Vivi... Não é a primeira aventura do Dominic com um humano, você deve saber disso melhor que ninguém... – foi uma alfinetada indiscreta. Vivi sentiu, ficando levemente inquieta na cadeira da cafeteria. – Agora, quanto a idade... Bem... Acho que quanto mais novo ele for, mais ele vai durar para que o Dominic não se sinta sozinho. Espero que isso faça ele feliz – mas não esperava, realmente. Na verdade, não se importava tanto com o destino do Dominic (Ou queria acreditar que não se importava, sendo que, lá no fundo, sentia uma pontinha de raiva, inveja e ciúmes).

− Eu... Mas... Ah, deixa pra lá – Vivi, percebendo que a conversa estava completamente improdutiva, juntou suas coisas, pegou sua bolsa de mão e deixou o dinheiro do pedaço de bolo – Só, por favor, fique atento. Não sei o que vai acontecer agora... Mas sei que nada mais vai ser como era antes. – afirmou, fazendo menção ao sair, mas dando meia volta e se aproximando de Alexei, com um olhar culpado e arrependido – Espero que um dia você possa me perdoar por tudo e entender que na minha posição eu não tinha muita margem de escolha... – disse, deixando a presença de Alex antes que ele pudesse responder, perdoar ou maldizer algo.

Alexei engoliu seco e pensou naquelas palavras a todo instante enquanto terminava de atender os últimos clientes e fechava a confeitaria, após o fim do expediente. Havia focado por completo nas coisas ruins que Dominic fez para si, que sequer parou para pensar em como ele pôde ter feito do mesmo a outras pessoas, como Vivi, que era obrigada a ser complacente e silenciosa com suas infidelidades. Alex não tinha certeza de Domi seria capaz de demitir Vivi por algo tão egoísta, mas também não duvidava. O pensamento disso fez seu estômago embrulhar freneticamente, fazendo com que toda fome que sentia sumisse e o obrigasse a se limitar a macarrão instantâneo e chá de camomila no jantar, enquanto maratonava, pela sétima ou oitava vez, Girlmore Girls.

 

Entediado da monotonia que consumia sua sexta feira, cuja única emoção foi a crise asmática de Sehu e o encontro com os dois bonitões de sua nova vida, Alexei passou a pensar nas possibilidades que rondavam seu coração nos últimos dias. Sentiu-se culpado por ter dado um fora em Ignácio sem sequer ter dado chance dele se explicar e acabado tirando conclusões extremamente precipitadas... Não era algo que ele fazia com frequência, pré julgar, mas alguma coisa em Ignácio despertava isso em Alexei: inconfiança. Achar que sempre há algo errado ou alguma teoria da conspiração por detrás dos motivos pelos quais havia interesse dele em um vampiro sem graça e sem muito a oferecer. Talvez fossem seus bíceps perfeitos, ou os braços exageradamente bonitos, ou o sorriso branco, ou os cabelos cacheados, ou a pele bronzeada... Ou os olhos... Olhos iconoclastas, quebradores de dogmas e hereges. Se houvesse uma nova inquisição, Ignácio seria o primeiro a ser mandado para a fogueira por ter olhos que afrontavam tão sistematicamente o sentimento religioso.

Ignácio Cruz era extremamente perfeito – e, por mais que Alexei venha trabalhando dia pós dia nisso, não tinha autoestima o suficiente para acreditar que teria chance.

Já Roman se mostrou uma surpresa – e isso era estranho em certas doses. Alexei sequer lembrava-se da imagem do “senhor de quase dois metros”, que se revelou um homenzarrão de sorriso encantador e olhar apaixonante. O interesse surgiu tão repentinamente que parecia extremamente frágil e próximo a desaparecer a qualquer instante, ainda que ele o agarrasse com toda sua força... Talvez o interesse por Roman tenha surgido para preencher o buraco no seu peito que Ignácio deixou... Que havia, por sua vez, ocupado o buraco deixado por Dominic. Oh. O coração de Alexei era uma maldita versão sentimental da lua: cheio de buracos que não se preenchem sozinhos. Ele detestava esse sentimento.

No outro dia já sabia o que fazer, após deliberar por boa parte da noite em claro. Ajeitou os cabelos diante do espelho, tomou banho, escovou os dentes, comeu qualquer coisa, vestiu sua camisa de peixes-palhaço e suspirou, observando sua própria imagem no reflexo do espelho.

− Força – disse a si mesmo – Você consegue. Virar a página.

Dessa vez chamou por Ignácio à moda antiga, em vez de bater, novamente, na porta de vidro que estava na calçada – e agora bem colocada na entrada da já reformada clínica de massagens. Apertou a campainha, ajeitou as madeixas rosadas, chegou se estava com bafo, suspirou e tentou – inutilmente – acalmar o coração, que batia com a velocidade de uma britadeira desenfreada. Sentia seu sangue correr como cavalos de corrida e o estômago revirar freneticamente. Ignácio Cruz atendeu a porta trajando apenas uma bermuda de pijama – ainda eram sete horas, no fim de tudo – e Alexei realmente lamentou por ter aquela vista escultural maltratando seus pensamentos tão cedo num sábado.

Em um primeiro momento Ignácio pareceu estar confuso e não reconhecer quem batia à sua porta, mas sorriu quando se viu diante de Alexei. A expressão denunciava que acabava de acordar.

− Inferno — Alexei pensou – Quem acorda gostoso assim? Bem... Pães acordam... – se perguntou e se respondeu, engolindo seco e fazendo tudo para se concentrar no que estava decidido a realizar: deixar Ignácio livre para seguir outros caminhos, ou, em outras palavras, terminar tudo com ele para poder ir atrás de Roman com a consciência tranquila. Mas aquele abdome... Aquele peitoral... Aquela pele... Aquele cheiro... Ah... Alexei estava ficando desconcertado e desconectado da realidade e embarcando numa viagem sem regresso para o país da paixão, cujo motorista, cobrador e passageiro eram, simultânea e unicamente, Ignácio Cruz.

− Alexei! – ele disse animado, se aproximando do portão chacoalhando as chaves da entrada, com um sorriso no rosto que pareceu iluminar aquela manhã nublada. Mais próximo a seu algoz, Alex conseguiu sentir o cheiro de seu sangue pulsante e também de toda essência masculina que ele guardava para apaixonar todos os com quem se relacionava. Meu deus. Ignácio Cruz era o diabo. Por isso amar seu sorriso parecia a maior das heresias carnais. Engoliu seco e começou a suar frio.

Puta que pariu— pensou, cara a cara com Ignácio, que se recostou na porta de entrada e encarou Alex com um sorriso digno de mocinho de novela mexicana. Estava ali, há pouco menos de dez centímetros daquele peitoral torneado e daquele pescoço com veias extremamente pulsantes. Havia vinte anos que não bebia sangue direto da fonte... Mas beberia, se o fornecedor fosse Ignácio, já que, para Alexei, chupar sangue tornou-se algo de escala extremamente íntima e quase sexual. O vampiro sentia seu corpo arder em paixão e excitação, mas estava paralisado pelo momento. Havia vindo com um intuito claro e distante de hesitações e arrependimentos... Mas fazer parecia mil vezes mais difícil que imaginar.

Estava atônito, prisioneiro da própria paixão. Ignácio Cruz não fez qualquer menção a cortar o silêncio que havia se instaurado, muito pelo contrário, havia entrado na brincadeira e manteve seu olhar apaixonante sobre Alexei, no aguardo de algum sinal da vida. Alex estava numa sinuca de bico. Como ele queria ter uma crise asmática agora... Sentia tudo em seu corpo fluir e gerar atrito suficiente para queimar a adrenalina necessária para correr uma maratona... Mas ele continuava estagnado, como um carro sendo acelerado, mas com o freio acionado.

Ignácio fez menção a dizer algo, mas em vez disso ergueu seu braço e coçou a nuca, flexionando seu bíceps exageradamente incrível e bonito, deixando a mão atrás da cabeça e a axila com alguns pelos diante dos olhos de Alexei.

Ah, esqueci de mencionar:

Alexei tinha um estranho, constrangedor e frenético fetiche por braços e, mais obscuramente, por axilas. Bem, pode ser cômico, mas, ser movido por um desejo profundo e secreto, é uma das coisas que mais energiza os corações e, simultaneamente, movimenta as pessoas estagnadas para que cometam atos que jamais cometeriam quando sãs de suas consciências. Era o melhor combustível para a loucura. Oh, deus, e como era.

Foi como o encontro dos dois astros reis num crepúsculo fatal e único: Alexei se atirou nos braços de Ignácio, que o acolheu com o maior dos prazeres carnais, e o envolveu em seus beijos frenéticos e imparáveis, enquanto consumia toda sua libido numa junção carnal e insuperável de prazer puro atenuado a pequenas doses de medo e consciência pesada. Ignácio tinha os lábios mais doces que qualquer bolo que Alexei havia preparado em vida. Seu abraço era forte e com uma pegada envolvente e quase obsessiva. O vampiro fez todo seu corpo ceder forças para contemplar toda a virtude do amor do apaixonante homem de corpo escultural. Quando abriu os olhos, encontrou Ignácio Cruz encarando, com um brilho apaixonado nos olhos, toda imensidão intensa que envolvia nos braços, e se rendeu a mesma sensação, aproveitando cada segundo daqueles beijos estalando em seu rosto, sua boca e seu pescoço.

− Ok. Nós ainda estamos na rua – foi tudo que Ignácio conseguiu dizer, ofegante. Alexei pareceu se envergonhar, limpou um pouco o rosto e encarou o amante por alguns segundos, sem nada dizer, novamente. – Ah, dane-se – o homem disse, puxando o vampiro para junto de si mais uma vez e praticamente carregando Alex para dentro da clínica, com a facilidade de quem levava um boneco de papel, enquanto sentia seu corpo ser envolvido por completo pelos beijos daquele que levava consigo. Sentia seus braços, seu pescoço, seus bíceps e, principalmente, suas axilas serem tocadas pelos beijos carregados de energia virtuosa e fetichista.

“Melhor se arrepender do que passar vontade”, "Não dá pra resistir ao seu amor" foram as últimas coisas que Alexei conseguiu pensar com clareza, antes de ser atirado na cama e sentir o corpo forte e pesado de Ignácio deitar sobre si, tendo todo o calor do amante cobrindo seus pensamentos e dominando sua mente como um mentalista. Sentiu sua calça ser arrancada e fez todo esforço do mundo para tirar a própria camisa, enquanto não tirava as mãos de Ignácio nem sequer por um segundo. O amante retirou a bermuda, deu um profundo beijo no vampiro, deitou-se cara-a-cara com Alex, e disse, ofegante:

− Posso ser passivo hoje? – suplicou. Alexei sorriu e envolveu o amado num beijo frenético, dominando seu corpo musculoso, que pareceu não pesar mais que uma bandeja cheia de cupcakes, e o jogou na cama com a força de mil homens, o envolveu em beijos e mordidas ardentes, olhou no fundo dos seus olhos e sentiu toda energia sendo transferida de um corpo para o outro, como o eclipse, como yin-yang, como a roda dos mundos, como o ciclo da vida, como a gema encontrando com o ovo dentro do bolo. Sentiu suas presas de vampiro se agitarem na gengiva e todo corpo acordar num frenesi desenfreado e insaciável. Diante dele Ignácio parecia tão... Frágil... Como alguém que ele gostaria de amar e cuidar por toda a vida... Como alguém que não lhe provocaria todos aqueles sentimentos ruins que comprometeriam sua segurança e sua autoestima.... Ignácio Cruz era perfeito. E ficava mais perfeito ainda quando Alexei estava junto.

 

Alexei havia ido à cozinha preparar alguma coisa para quebrar o jejum de Ignácio, que havia acordado e se alimentado única e exclusivamente dos lábios do amado. Vestia apenas uma das bermudas do amante, tinha os cabelos rosados desgrenhados por razão de tudo que havia acontecido há pouco, e sentia uma densa sensação de felicidade, sendo estragada por uma pequena pulguinha de preocupação.

Havia feito o certo? Ele se questionava. Estava convicto em terminar tudo com Ignácio, por não se sentir como alguém bom o suficiente para tê-lo em seus braços, mas não pôde resistir a mais de cinco segundos diante daquele homem, que tanto atraía e roubava sua sanidade. Se perguntava o que faria em relação a Roman. Se bem que... Conhecia ele há tão pouco tempo, não havia motivos para cogitar a ideia de que ele seria o amor de sua vida – mas, bem, Alexei não era a melhor pessoa para lidar com as nuances do tempo. Ele tinha toda a eternidade pela frente, mas preferia fazer tudo o mais rápido possível e aproveitar cada segundo de sua imortalidade. Não queria se frustrar apostando todas as fichas numa relação extremamente duradoura e com um início tênue e lento, como fora com Dominic, com quem conheceu todos os países europeus antes de trocarem a primeira noite de sexo, para depois se arrepender por ter gastado tantos anos... Ainda que tivesse muitos (ou todos) pela frente.

Outrossim, Roman ainda era uma figura emblemática que roubava grande parte de seus pensamentos e lhe fazia acreditar numa felicidade conjunta entre os dois, com aqueles trejeitos carinhosos, de sorriso fofo e olhos apaixonantes, diferente de Ignácio, que por mais ardor que haja entre seus lençóis, ainda lhe despertava certa incredulidade, efemeridade, como se tudo não passasse de um desejo do momento que se perderia com o nascer do sol. Eles eram o eclipse. E o eclipse nunca durava o suficiente para uma história de amor.

Alexei terminava de bater alguns ovos com farinha, leite e gotas de chocolate, quando Ignácio se aproximou, usando apenas cueca – que pertencia ao vampiro, por se dizer – e uma camisa branca desabotoada. Se espreguiçou, bocejou e envolveu Alex num abraço forte e apertado, enquanto ele terminava a massa para o que quer que estivesse fazendo.

− Agora sim, bom dia – Ignácio disse, se afastando de Alexei com um sorriso no rosto e comendo algumas gotas de chocolate. Sentou-se numa cadeira no canto da cozinha e ficou encarando, admirado, o cozinheiro fazendo o melhor de sua arte – E eu que pensei em comer torrada no café... – Alexei riu, pegou uma forma de metal e começou a fazer pequenos montinhos com a massa dourada.

− Bem, quando se trata de café da manhã ou lanche da tarde eu não costumo decepcionar – afirmou, terminando de criar os montinhos e colocando a forma dentro do forno já pré-aquecido. Limpou as mãos, suspirou e sorriu para Ignácio, sentando-se na cadeira bem diante de si.

− Acho que você não costuma decepcionar em muita coisa – Ignácio afirmou, com olhos tão brilhantes quanto estrelas, enquanto encarava Alexei, que coraria se pudesse – Mesmo tendo fugido de mim... Algumas vezes... – brincou. Alex coçou a nuca, envergonhado.

− É... Digamos que não sou a pessoa mais confiante do mundo... Nisso sim sou uma decepção – confessou. Ignácio sorriu, levou a mão ao rosto do vampiro e acariciou suas bochechas, com um olhar carregado de admiração. – Desculpe por isso, sabe. Invadi seu espaço pessoal e tirei conclusões extremamente precipitadas... Te julguei por tão pouco... – afirmou. Ignácio recuou a mão por um instante, confuso, mas voltou a acariciar, agora os cabelos rosados do vampiro, com um olhar curioso.

− Do que você tá falando? – questionou. Alexei suspirou. Era hora dele encarar a verdade. Ele engoliu seco e suspirou novamente.

− Achei que você tinha esposa, filho, família, essas coisas – Ignácio se afastou por um instante, riu extremamente confuso e encarou o celular, com o papel de parede dele com a irmã e os sobrinhos, lembrando-se vagamente de ter o encontrado desbloqueado no dia que Alexei fugiu de si pela primeira vez, e tudo pareceu fazer sentido.

− Ah – e então riu novamente, com o absurdo da situação. Encarou Alexei com um olhar amigável e tocou sua mão – Não foi a primeira vez que isso acontece. As pessoas costumam achar isso de mim... Eu tenho tanta cara de marido gay no armário assim? – questionou. Alexei riu. – Acho que não, já que a maior parte da minha família ainda pensa que sou hetero...

Alexei se admirou com aquela informação. Ignácio, por cima de tudo, parecia bem resolvido com sua sexualidade, sua vida e seus caminhos, mas naquele instante, com aquele olhar confuso e aquela informação surpresa, pareceu alguém tão complexo e inconstante.

− É sério? – questionou confuso. Ignácio anuiu, com um olhar mais entristecido.

− Nem minha mãe sabe, inclusive – contou – Acho que só minha irmã e meus sobrinhos... Não tive coragem de contar pra ela até hoje, acredita? – e riu, mas com um ar entristecido, encarando o chão, envergonhado – Todos os momentos que ela pode, ela me cobra “e as namoradas?” “vai trazer a namorada quando?”... – Ignácio abriu um meio sorriso, com o coração apertado e a angústia transparente no olhar, então, olhou Alexei nos olhos – Ontem mesmo fiquei bem nervoso quando ela disse que estava numa confeitaria aqui no bairro... A sua, claro... Fiquei pensando em como ia reagir se te visse... Não queria ser um babaca que fingiria que não te conhecer, não sou esse tipo de cara, inclusive, mas também não teria coragem o suficiente para falar “olha mãe, o cara que estou interessado” – e aquelas palavras ressoaram na mente de Alexei com um eco longo e repetitivo: o cara que estou interessado; o cara que estou interessado; o cara que estou interessado; o cara que estou interessado, o que o fez sorrir, mas sem perder o compadecimento por Ignácio e o entendimento da complexidade de sua relação com a mãe.

− Eu sinto muito – Alexei disse, por fim, apertando a mão de Ignácio com carinho e tentando lhe trazer paz – De verdade. Esconder quem se é sempre dói mais do que qualquer ferida que você teria por estar pleno em sua essência. – afirmou. E disso Alexei entendia muito bem. Vampiro e gay é a mistura da vergonha na sociedade (Hipócrita) atual. Ignácio Cruz suspirou, com olhos molhados, cheios de lágrimas que ele lutava ao máximo para segurar. Ali, diante de si, pareceu tão frágil, tão palpável... Tão humano.

− Quando você percebeu que era gay? – ele questionou, numa tentativa evidente de se distrair do assunto e poder se envolver mais na vida de Alex. O vampiro suspirou, coçou a cabeça e imaginou o quão problemática fora sua vida antes de se tornar vampiro e sua jornada pela descoberta sexual.

− Jura não achar estranho? – suplicou. Ignácio anuiu, sorridente. Alexei suspirou, buscando as melhores palavras e o melhor dos eufemismos – Eu ainda não era, sabe, vampiro, mas foi com o homem que me transformou... Isso lá por mil novecentos e sete, oito... Não lembro exatamente... Eu devia ter uns vinte e cinco, nunca sequer havia estado com uma mulher ou mesmo com um homem... Minha mãe tinha acabado de morrer e eu e minha irmã fugimos da França por conta de várias confusões do nosso pai e fomos parar lá na Romênia... Na casa de um tio materno extremamente rico... Ele se chamava Nicosuor Vanzeller— Alexei pareceu rir com a lembrança. Ignácio tinha olhos atentos e curiosos – Tio Nico. Ele era um vampiro bem jovem, inclusive... – engoliu seco, envergonhado – E soube bem como acolher a mim e a Ramona... – Ignácio arregalou os olhos, assustado.

− Vocês...? – questionou. Não precisou terminar para que Alexei soubesse do que se tratava, se limitando a anuir, envergonhado.

− Eu era jovem, inexperiente e ele um homem bonito que tinha aparência da minha idade... Não me orgulho, como disse... Mas não foi minha culpa... Eu só descobri que ele era meu tio, que vínhamos procurando há tempos, depois que tudo aconteceu... – Alexei pareceu extremamente indignado e irritado – Ele ficou meses jogando comigo e com minha irmã, fingindo ser outra pessoa e estar nos ajudando a procurar por nosso tio, quando no fim ele estava mais perto do que imaginávamos... Fez a mesma coisa com a Ramona – suspirou profundamente, envergonhado. Ignácio acariciou o rosto do vampiro, tentando amparar sua tristeza. – Alguns anos depois ele me transformou em vampiro, junto da minha irmã, e fugimos dele... Depois não tenho muitas lembranças... Enfim... Muito problemático. Ele não era uma pessoa agradável.

Ignácio suspirou.

− A minha história não é tão, sabe, interessante – contou, coçando a nuca e deixando aqueles belos braços à mostra novamente – Bem, também não tive muito contato com garotas na juventude... – ele riu – Eu era bem feinho e todas elas só tinham olhos pro meu irmão... Cara... Ele era perfeito – Ignácio dizia com um brilho intenso e admirado nos olhos – Era inteligente, bonito, tratava a todos bem, era feliz e bem sucedido... Era o orgulho da minha mãe, sabe... Eu me espelhava muito nele... Dona Consuela tinha poucas alegrias em vida, mas o Carlos era uma delas... Claro que eu e a Vera não ficávamos atrás, mas ela amava ele demais... – então, o semblante orgulhoso deu lugar a um olhar triste – Mas aí... – Ignácio não tinha forças para sequer falar do acontecido. Alexei apertou a mão do homem, tentando lhe passar confiança e apoio.

− Não precisa falar se não quiser – ele disse compadecido. Ignácio olhou Alexei no fundo dos olhos. Ele parecia mais imperfeito que nunca.

− Tudo bem, eu... Eu só... Ele se matou – contou. Alexei arregalou os olhos, estupefato, Carlos parecia tão saudável, feliz e amado, por que havia feito o que fez? – Ele tinha depressão desde o dia que nosso pai foi embora, sabe... Tomava remédio todo santo dia, mas só minha mãe, ele e a terapeuta dele sabiam disso... Eles quiseram poupar todo o resto da família de algo tão, tão, tão...

− Coletivo – completou, limpando com as pontas dos dedos as lágrimas rebeldes que saíam dos olhos de Ignácio Cruz.

− Sim, exato... Eu imagino tudo que a gente podia ter feito e não fez, sabe? – contou – Mas, enfim... Depois que ele morreu... Nossa, minha mãe perdeu o chão... Eu me tornei um “estepe”, ocupando o lugar do filho favorito dela... Nunca tive coragem de assumir minha sexualidade, pois sempre tive medo da reação que ela teria... Sabe, ela não tinha mais o Carlos para se apoiar... O que seria dela? – Alexei engoliu seco e envolveu Ignácio num caloroso abraço, carregado de compadecimento, amor, carinho e conforto, enquanto alisava suas costas desnudas e tentava gastar toda sua energia para consumir a tristeza do homem. – Eu sou um covarde, sabe... – ele sentenciou.

− Não! – Alexei afirmou, apertando ainda mais Ignácio em seus braços – Você é muito corajoso. Tenho orgulho de você – disse. O homem suspirou e deixou as lágrimas mais copiosas saírem como gotas voluptuosas de uma tempestade passageira – Você abdicou de muita coisa pelo bem da sua mãe, Ignácio, caramba, isso é de um altruísmo tão poderoso... Você tem que se orgulhar disso, mas, acima de tudo, se orgulhar de quem você é – Alexei se desvencilhou do abraço e encarou os olhos do amante, com confiança e seriedade – Você não pode deixar nada, absolutamente nada, corromper sua felicidade, tá bem? Um amigo uma vez me disse, depois de eu me livrar de correntes pesadas e apertadas que carregava por anos, que não devia deixar nada me privar de ser feliz, afinal, já tinha sido privada dela por muito tempo... E eu digo o mesmo a você.

Ignácio Cruz engoliu seco, alisou os próprios cabelos e tentou conter as próprias lágrimas, enquanto os pensamentos travavam uma interminável luta com o coração e os sentimentos mais íntimos. Alexei o envolveu num abraço, novamente, sentindo as gélidas lágrimas escorrerem por suas costas... E finalmente percebeu o óbvio: não existe ninguém perfeito. Ele não era perfeito com Ignácio, tal qual nenhum deles era perfeito sozinho. As pessoas ou os vampiros são seres fadados ao erro, à imperfeição, às falhas. Todos podem ter baixa confiança, mesmo os mais bonitos, como Ignácio, podem ser bem-sucedidos e amados, que não estão privados de adoecerem do coração, como Carlos... Podem parecer conjugues perfeitos... E te traírem na primeira oportunidade... Podem guardar segredos e passados que adorariam esquecer, como Alexei, como Teresa... Perfeição era uma merda – e, exigir ou esperar que alguém seja, só te faz uma pessoa idiota e alienada. Era tudo que Alex tinha concluído disso. Como ele pôde deixar a sua baixa confiança ditar e comandar tantas escolhas da sua vida?

Ainda estava abraçado à Ignácio quando chegou uma mensagem em seu celular. Abriu, por cima do ombro do homem, e sorriu, alheio a própria vontade, quando viu que se tratava de Roman:

− Ainda aguardo nossa conversa— ele dizia na mensagem. Alexei engoliu seco, observou Ignácio e se perguntou o porquê de ainda querer tanto estar com Roman, sendo que tudo que sentia por Ignácio havia mudado após aquela manhã de conversas e revelações.

O forno da cozinha apitou.

− Quem quer biscoito?  − Alexei questionou, nos braços de Ignácio.

 


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