Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 11
011. O Tempo Vai Passar




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Encontrou-se com Edric na casa de Ramona, como haviam combinado. O rapaz vampiro era meio ruivo, com sardas no rosto e óculos redondos de e-girl. Usava uma camisa social florida, bermuda branca e allstar preto – Alexei podia jurar que ele tinha um apartamento na paulista, plantava samambaias e suculentas, tinha um yorkshire chamado Téo e chão de taco no ap. Estavam diante da porta da irmã, Alex segurava uma caixa com Veludo Vermelho fresquinho, direto da confeitaria, mas ainda estava com as roupas do consultório de Versa, pois havia saído tão rápido de casa que nem sequer pensou em se trocar.

− Você bate ou...? – Edric pensou em perguntar, sendo interceptado por Alexei, que tomou a frente, indiferente, e abriu a porta de Ramona com certo desespero e correndo para dentro – Tá bom... – Edric sibilou, indo logo atrás.

Alexei só pôde se acalmar e suspirar, meio aliviado e meio irritado por toda preocupação inútil, quando encontrou Ramona dormindo, com a televisão ligada e o celular sobre o rosto, amassando seu nariz rosado.

− Acontece sempre comigo quando estou bêbado: fico mexendo no celular e quando menos percebo ele cai na minha cara e eu tô grogue demais pra tirar ele de lá – Edric disse num tom amigável e cômico, sentando-se na beirada da cama de Ramona e cobrindo os pés da amiga que jaziam de fora do cobertor – Quando menos percebo já dormi...

Alexei vociferou um tedioso “hum”, num murmúrio interminável e magoado, deixando Edric desconfortável, como se sua presença não fosse querida. O rapaz vampiro coçou a nuca e alisou as madeixas vermelho-ferrugem.

− Você disse não se lembrar de nada ontem, não é? – Alexei anuiu, meio sem interesse na conversa, visivelmente irritado com Edric. O rapaz vampiro suspirou, entristecido – Então acho que devo pedir desculpas, por tudo, de novo... Eu fui o maior dos idiotas fazendo o que eu fiz, Alexei, estraguei tudo que vocês demoraram tanto tempo para construir... – ele disse, em um tom arrependido e desanimado. Alexei lhe ouvia com esmero, mas sem demonstrar fraqueza – É que eu... Ah, eu tava com uns problemas naquele dia, sabe, eu me deixei levar por muito pouco...

− E põem pouco nisso – Alexei disse pela primeira vez, sem perder o tom irritado, referindo-se ao quão pouco Dominic representava para si agora.

− Enfim... Não espero que você me perdoe, agora que você está sóbrio, mas queria te dizer o mesmo que te disse ontem: se eu soubesse a pessoa legal, bondosa e fofa que você era... Jamais teria feito alguma coisa pra te machucar. Teria tentando ser seu amigo muito tempo antes – Alexei lembrou-se momentaneamente de Roman pela descrição dada por Edric, mas se livrou dessas lembranças o mais rápido que pôde. Suspirou, pensou profundamente e sorriu, meio inconformado.

− Tudo bem, Edric – ele disse – Não sei se vou conseguir te perdoar por completo, mas também não posso te culpar por uma coisa que já tava fadada ao fim... – afirmou, lembrando-se como Dominic sempre foi um poço de desamores, decepções e mágoas. – Talvez devesse até te agradecer, sabe? Não fosse você talvez eu ainda estivesse ali, me forçando a algo que não me fazia bem... De novo – e Alexei se lembrou de Nico Vanzeller e sua primeira experiência com um relacionamento tóxico. Alex suspirou, fechou os olhos e se concentrou em se livrar daquelas lembranças dolorosas – Enfim... De onde você conhece a Ramona?

− Ela conhece um pessoal que eu conhecia... De umas festas e coisa do tipo – ele afirmou, aceitando mudar de assunto – Não faz muito tempo, aliás, foi depois, bem, do acontecido do passado que acho que nós dois queremos esquecer... – ele afirmou, provavelmente se referindo a fatídica noite da traição.

Tarde demais: as lembranças voltaram a Alexei num único instante e atravessaram sua mente num flash de momento, mas logo se apagaram e voltaram para a escuridão profunda das memórias do passado. O vampiro suspirou.

Ramona acordou, com olhos pesados e irritados, encarando as duas imagens diante de sua cama com um olhar de poucos amigos.

− Que porra é essa? – questionou, se erguendo levemente com a ajuda dos cotovelos. Os vampiros se entreolharam.

− Bom dia também – Alexei disse – Trouxe bolo! – e só então Ramona esboçou um sorriso.

                Os três provavam do delicioso veludo vermelho de chocolate com tâmaras para sanar o dejejum, diante da cama de Ramona, que continuava deitada e coberta como uma moribunda, mas, até o momento, não mais pareceu exaustivamente desesperada como no telefone outrora. Alexei sentiu-se irritado e decepcionado por ter se preocupado tanto com algo que parecia não ser mais que uma das maluquices da irmã.

                − Você falou sobre um Nimbus, que ele tinha feito alguma coisa – Alexei disse, em tom interrogatório, quando percebeu que já tinha esperado tempo demais para explicações da irmã. Ramona engoliu seco, alisou a testa e esboçou preocupação e arrependimento num olhar amargurado.

                − É sobre o cara que tava atrás de mim a noite toda... Oliver – ela afirmou, deixando o bolo de lado e encarando o irmão com um olhar preocupado – Eu já não aguentava mais... Falei pro Nimbus, meio que brincando: você podia dar um jeito nele? E saí. Tava meio bêbada... Hoje acordei com uma ligação do Nimbus dizendo “Trabalho feito” – afirmou. Edric arregalou os olhos, assustado. Ramona se debulhou em lágrimas repentinas que tentava forçosamente segurar – Eu só queria que ele me deixasse em paz... E se ele morreu?

                Alexei engoliu seco, abstrato a situação, sem compreender quem era Nimbus e porquê os amigos tinham tanto medo dele. Contudo, mesmo sem ter certeza sobre a periculosidade do homem, imaginar que ele seria capaz de “dar um jeito” em alguém não era nada agradável aos olhos – principalmente se você for a pessoa que vai levar um jeito.

                − Tá, me explica direito quem é esse Nimbus, como você conheceu ele... Essas coisas – Ramona suspirou e revirou os olhos, envergonhada. Alexei estava impaciente – Ramona! – suplicou. A irmã anuiu, irritada.

                − Ele é um cara poderoso, só sei disso... Não sei com que tipo de coisa ele trabalha, quais amizades ele tem ou o que ele é capaz, mas sei que não é uma pessoa muito amigável – afirmou a garota, com um olhar distante, pensativo – Ele quem me encontrou. Bem, ele costuma fazer favores... Mas sempre pede alguma coisa em troca... – Alexei engoliu seco. Um agiota qualquer, que agora teriam que pagar para calar um crime que ninguém quis que ocorresse. Suspirou e alisou os olhos.

                − E quanto ele quer? – Alexei questionou. Ramona não conseguiu olhar nos olhos do irmão, extremamente envergonhada.

                − Não é quanto – Edric interveio, com a voz carregada de preocupação – É o que ele quer – afirmou, deixando também o bolo de lado – Foi ele quem me apresentou à Ramona. Quando eu era o único vampiro que ele conhecia só sabia pedir uma coisa: queria que eu o transformasse em vampiro – Alexei arregalou os olhos, assustado.

                − Meu deus? E você aceitou? Você sabe como isso é perigoso! Você pode ser caçado e morto... – afirmou, inconformado. Edric coçou a nuca e olhou ao redor.

                − Bem, ele não queria ir da maneira fácil comigo... Héteros e sua sexualidade frágil... – suspirou − E preferiu checar todas as opções antes de tentar da maneira difícil... Mas eu dei um pouco do meu sangue pra ele, de qualquer maneira – Alexei encarou Ramona com um olhar preocupado.

                − Então ele chegou em mim – Ramona sorriu forçosamente, desapontada – Mas eu não tinha aceito... Eu sempre dava uma desculpa, inventava uma mentira... Mas agora... Agora tecnicamente eu devo pra ele – afirmou. Alexei estava absolutamente incrédulo da situação. Seus olhos expurgavam raiva, ódio e traços delineados de medo. Se questionava como a irmã e Edric podiam ter se metido com gente assim. Não acreditava na burrice dos dois.

                − Vocês são inacreditáveis – foi tudo que Alexei se limitou a dizer, se levantando da cama, limpando as mãos e pegando a blusa de frio de cima da cômoda da irmã.

                − Onde você vai? – Edric questionou. Alexei lhe lançou um olhar de ódio.

                − Bem, NÓS – com ênfase vocal no nós— vamos pra minha casa. E vamos ter fé que esse Nimbus não saiba onde eu moro. Porque com certeza ele sabe onde a Ramona mora.

                Ramona e Edric se entreolharam, preocupados, com o medo transparecendo nos olhos. Não esperaram nem mais um segundo para que pegassem tudo que podiam e corressem atrás de Alexei porta a fora.

                Estavam os três nos últimos bancos do ônibus. Três vampiros com estilos completamente diferentes – Alexei, meio colorido e doce; Ramona, toda de preto e cinza e Edric, cheio de estampas e roupas de marca −, usando óculos escuros para proteger os frágeis olhos da luz do sol e parecendo uma versão light de algum grupo musical dos anos dois mil, como Destiny Childs ou Spice Girls. Não haviam trocado muitas palavras desde que embarcaram. Alexei se limitava a ouvir as músicas pelo fone do celular, encarando a infinitude dos problemas que lhe rondavam e tentando fazer uma listinha mental para facilitar sua resolução:

Dominic saindo com um rapaz extremamente novo, o que não era problema seu no fim das contas, mas não deixou de listar;

Ignácio estar magoado por ter lhe pego com Roman;

Roman ter lhe dado um fora e explicitado que estava colocando Alexei no papel de amante;

Ramona ter uma dívida de transformação com um agiota poderoso que...

... provavelmente matou alguém no nome da irmã;

Não tinha acertado a encomenda de gotas de chocolate para a próxima remessa de biscoitos;

Provavelmente Dulla Swanna estaria arrumando algum problema com a confeitaria naquele exato momento.

Fim.

                Alexei desejava, infinitamente, o colo de alguém que lhe afagasse e dissesse que tudo ficaria bem, enquanto podia chorar em posição fetal e deixar o tempo passar e resolver tudo magicamente.

                Então ele percebeu como era a pessoa mais dependente possível e isso clareou – ao passo que obscureceu – tudo em sua vida. Estava diante de si, de sua dependência e de sua necessidade extrema de colo num momento tão fatídico. Havia tratado disso com Versa outrora, como sempre parecia precisar de alguém para estar ali, do seu lado, pois não encontrava a própria força para se manter de pé. Como sempre procurava preencher seu coração esburacado com outros corações esburacados.

“O coração de Alexei era uma maldita versão sentimental da lua: cheio de buracos que não se preenchem sozinhos. Ele detestava esse sentimento.”

Sim. Sobre tudo, ele detestava ser tão dependente de outras pessoas para se sentir completo. Ele detestava se sentir fragilizado, fraco. Ele queria colo, mas sabia que se o tivesse não ficaria feliz... Só ficaria contentado. Meu deus! Como ele não pôde enxergar isso antes? Como, cada colo que ele achava que lhe empoderava, só fazia era limitar sua força e lhe transformar – quase – em um incapaz: incapaz de viver plenamente, fazer loucuras e expressar felicidade.

O amor, que devia ser a maior das alforrias, se tornou um grito mal executado de uma carta constitucional, que limitava todo seu poder, toda sua confiança, toda sua liberdade. Maldito Dominic. Maldito Nico. O amor deles era uma ditadura que limitava a democracia de sua liberdade.

Ok. Ele definitivamente devia tomar novas atitudes que exacerbariam o melhor de si e não dessem margem para que sua liberdade de escolha e de atitudes, ou mesmo o medo, dessem o ar de suas graças e impedissem sua execução plena. Suspirou profundamente e encarou a irmã e Edric.

− A gente tem que resolver isso... O mais rápido possível – afirmou.

− Comecemos pelo que? – Ramona perguntou, quase como se lesse a mente e a lista de problemas de Alexei... E de fato ela podia fazer isso, num passado muito distante que Alex jurava que ela havia ter deixado para trás. O vampiro encarou a irmã, desconfiado, mas nada disse.

− Primeiro vocês vão lá pra casa... Tenho umas coisas para resolver ainda... – afirmou. Edric e Ramona anuíram. Alexei colou o rosto no vidro e pensou no primeiro passo para assumir as rédeas de sua vida.

− Vou começar com o mais fácil... Encomendar chocolate... – pensou.

Haviam chegado finalmente. Alexei fez três xícaras de café na cafeteira, pegou alguns pãezinhos e manteiga, e botou sobre a mesa, diante de Edric e Ramona, que, apesar do bolo, continuavam com fome de comida humana – já que haviam saciado a sede vampírica com o veludo vermelho. Alex aceitou fazer uma pausa antes de ir à confeitaria, onde tentaria trabalhar, mesmo diante das adversidades da vida. Ramona já havia aceitado – a contragosto – passar alguns dias no apartamento, com medo de que Nimbus aparecesse para cobrar o favor.

− Será que eu poderia, não sei, seduzir o Nimbus? Talvez ele me perdoasse a dívida... – Ramona supôs em um tom cômico. Alexei lhe lançou um olhar julgador – Que foi, cara? Toda tentativa é válida! – afirmou. Edric riu baixinho.

− Não ia dar certo – ele respondeu, comendo um pedaço de pão – Ouvi babados que o Nimbus só tem olhos para, bem, “coroas” – afirmou. Alexei encarou Ramona e riu.

− É só dizer para ele que a Ramona é uma coroa também – disse em tom cômico. Ramona revirou os olhos e deu um tapa no irmão – Que foi? Você é só dois anos mais velha que eu... Deve ter cento e cinquenta e três, dois, por aí...

− Caramba vocês são velhos mesmo – Edric disse friamente. Os irmãos o encararam com raiva – Que foi? É a realidade.

− E você? Quantos anos tem? – Alexei questionou. Edric se empopou todo.

− Sessenta e Três – afirmou, orgulhoso de si mesmo – Nasci no comecinho dos anos sessenta, fui transformado no começo dos anos noventa... – contou, viajando nas próprias lembranças – Que saudades dos anos oitenta, inclusive, época do amor livre. Era humano ainda e fazia parte de um trisal com uma vampira e outro cara... Victoria e Sean... – ele bebericou um pouco de café e sorriu – Foi ela quem me transformou... Mas só depois de uns quatro anos de relacionamento... – afirmou pensativo – Acho que ela queria que eu tivesse certeza absoluta antes de me transformar. Foi uma loucura! Depois começou aquela onda de repressão e caça aos vampiros... Nunca mais soube dela ou do Sean... – contou entristecido. Ramona e Alexei se entreolharam, lembrando-se que, no começo dos anos noventa, viviam em conjunto com Dominic, numa praia caribenha, escondidos das novas fogueiras da inquisição, após o Backlash da revelação da existência de vampiros subsistindo com a humanidade.

Alexei olhou o relógio e percebeu que já eram quase nove.

− Preciso ir – afirmou, deixando o café de lado e correndo para pegar a bolsa.

− Onde você vai? – Ramona questionou. Alexei sorriu.

− Trabalhar, gatona, e rezar para poder pensar numa alternativa eficiente para me livrar de todos os problemas... Tem comida na geladeira, volto no café da tarde... Beijos! – e se foi. 

                Terminava de acertar o pedido de gotas de chocolate para a fabricação de biscoitos com Dayana Flores, quando Dulla Swanna adentrou as portas da confeitaria com seu clássico e típico olhar julgador, repleto de ódio e mazelas da humanidade. Sua aura pesava tanto que parecia próxima a explodir. Sua presença inabalável exalava o mal das dez pragas do Egito e do último CD da Katy Perry. Era uma senhorinha exaustivamente intragável e absurdamente petulante e arrogante, mas ainda assim era uma cliente assídua da confeitaria – e Alexei preferia lhe atender com esmero que ter um vídeo endereçado a si no canal da mulher, cuja audiência se limitavam aos idosos chatos de todos os cantos do mundo.

                − Bolo de cake, por favor – ela pediu. Alexei quis rir, mas se segurou.

                − O que? – ele questionou. Day Flores precisou de afastar para rir em segredo na cozinha, deixando Alex sozinho no balcão. Dulla Swanna encarou o vampiro com um olhar manchado de impaciência.

                − Bolo de cake – disse novamente. Alexei olhou para os lados, buscando o esposo da senhora, cuja mania escancarada de gravar todos os passos da mulher e postar no canal era explícita e irritante. Não o encontrou, então pôde suspirar aliviado.

                − Dulla... Acho que não fazemos isso aqui... – ele disse, tentando amenizar uma reação escrachada de ódio pela mulher. Cake era bolo em inglês. Bolo de cake fazia tanto sentido quanto pão de bread ou chicken de galinha. Dulla Swanna cerrou os olhos, irritada.

                − Que tipo de estabelecimento é esse? Falta de competência! – questionou irritada, com uma veia saltante no pescoço e o rosto enrubescendo feito um pimentão. Alexei revirou os olhos.

                − Tem muitas opções no cardápio, Dulla, gostaria de olhar? – questionou. Dulla lhe lançou o melhor olhar de desprezo, torceu o nariz e fungou.

                − Acho melhor gastar meu dinheiro num lugar em que haja as coisas que eu gostaria de comer! – e saiu, pisando com ódio no cão. Alexei riu baixinho.

                − Maluca.

                Dulla Swanna saiu e no mesmo instante ele entrou: a fatídica figura de quase dois metros de homem, com a imagem doce e amigável, olhar simpático e sorriso fofo, com corpo escultural sobre o macacão jeans e o sobretudo cinza. Com certa dificuldade, atravessou a porta e encontrou os olhos de Alexei, que se encolheu, envergonhado, e engoliu seco, questionando-se o que devia fazer naquele factício instante. Tudo pareceu girar, sentindo os seus sentimentos eclodirem numa explosão incalculável e de grau atômico, que lhe tomou controle dos próprios atos e fez seu corpo acelerar como um motor de um carro potente. Seu estômago revirava de ansiedade, seu coração batia freneticamente e seus olhos ardiam em lágrimas que ele tanto tentava segurar.

                Pensou em fugir, mas não cedeu ao medo. Havia uma lista de problemas a resolver e, fugir na primeira oportunidade, só faria com que eles ficassem mais difíceis de serem finalizados. Suspirou profundamente, se esforçou no máximo para segurar todos seus conflitos sentimentais, engoliu seco e se lembrou das palavras de Versa: “Se tivesse sido suficiente para si mesmo, não teria tanta falta de confiança para com outras pessoa”.

Seja confiante. Seja suficiente. — ele se suplicou, enfrentando todos os demônios da sua existência, suspirando e permanecendo estático no balcão.

− Precisava falar com você – Roman Medina disse de imediato. Alexei engoliu seco e não conseguiu olhar o homem nos olhos, encarando unicamente as anotações que trazia consigo num bloquinho: chocolate, aveia, farinha e milho – Por favor.

− Roman... Eu não sei se estou pronto para te ouvir ainda e... – Roman segurou a mão de Alexei, impedindo que ele continuasse, com certo tom de urgência.

− Preciso que você confie em mim. Por favor. É muito importante – suplicou. E não dava para negar. Os olhos de Roman Medina estavam carregados de desespero e medo. Alexei podia sentir isso – Você é minha última esperança – ele disse. Alexei suspirou, enfrentou seus próprios medos em nome de um bem possivelmente maior, e anuiu.

− O que você quer falar? – questionou. Roman sorriu meio de lado, feliz pela aceitação do vampiro.

− Queria te mostrar alguém, na verdade... – ele disse num tom mais entristecido – A pessoa que eu disse no outro dia – Alexei engoliu seco. Imaginou que se tratava da pessoa com quem Roman havia tentado trair consigo outrora. Sentiu toda a confiança cair por terra e um medo percorrer sua espinha, mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, Roman lhe puxou pelo braço e levou para um canto na confeitaria.

Roman, percebendo que já estavam distantes o bastante para não serem incomodados, tirou o celular do bolso, abriu a galeria e mostrou uma foto para Alexei: uma mulher de cabelos ondulados e pele absurdamente pálida, dormindo naquilo que se assemelhava muito com uma cama de hospital. Definitivamente era uma, Alexei pensou, observando as camisolas típicas de cirurgia que a moça usava. Ela dormia serenamente, com uma sonda atravessando a veia – Alex se surpreendeu ao ver que a agulha era dourada como se fosse ouro. Seus olhos se arregalaram quando se deu pelo óbvio.

− É uma vampira – afirmou, sabendo que só cortes feitos com ouro ou madeira não são curados de imediato pelo metabolismo extremamente rápido dos vampiros.

Tori— afirmou Roman, sorridente – É o nome dela – ele guardou o celular no bolso e observou Alexei com um olhar envergonhado – Foi num acidente numa cirurgia clandestina... Ela teria morrido se fosse humana, mas como é vampira... Ficou em coma. Já fazem cinco anos desde que ouvi a voz dela pela última vez. Um fragmento das agulhas de ouro ficou alocado no cérebro dela – afirmou em um tom amargurado. Alexei se compadeceu e deu um leve tapinha nas costas do homem – Eu bem que tentei seguir em frente, sabe, não só com você, mas com vários outros e outras... Mas eu simplesmente não consigo deixar ela – afirmou. Alexei engoliu seco. Novamente ele havia tirado conclusões extremamente precipitadas e se machucado por isso. Suspirou.

− Ela não tem previsão de melhora? – Alexei questionou.

− Não. A medicina vampira não é tão avançada a esse ponto, sabe... E como ela é imortal... Pode ficar eternamente nesse estado... – afirmou. Alexei envolveu o homem num abraço, ao passo que lhe passava compadecimento, também pedindo desculpas pelo outro dia. Roman se debulhou em lágrimas pesadas e copiosas – Aquele dia que te encontrei, com as rosas, tinha ido levar para ela... E passar o turno da noite. Achei que tivesse sido, não sei, um sinal dos céus para que eu seguisse em frente. Mas eu sabia, no fundo, que não seria tão fácil assim. Eu amei a Tori mais do que amei qualquer coisa na minha vida. Ela é tudo que eu tenho... Sabe qual a pior parte? – Alexei sabia, no fundo da alma.

− Que você é humano e vai estar perdendo ela a cada dia que se passa, enquanto ela aguarda eternamente por você. O tempo vai passar. Você vai passar. A Tori vai continuar. — pensou, mas nada disse, se limitando a estreitar mais o abraço.

− Que um dia ela vai estar lá... E eu não.


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