Laços escrita por Kaline Bogard


Capítulo 7
Novo acordo, dessa vez entre amigos


Notas iniciais do capítulo

Olá! Sentiram saudades?

Digam que sim, hein!! ♥



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Uma vez que a desconfiança se instalou Kiba não pôde partir. Deu meia volta no carro e retornou para o estacionamento. Queria tirar a prova e descobrir a verdade sobre a solitária pessoa que ficava até tarde no mais alto da cobiçada empresa.

Parou o carro em uma das inumeras vagas disponíveis, tomou Sumire nos braços e regressou para dentro da “Aburame & Yamanaka TechControl”. Sabia que ainda tinha funcionários por lá. E um segurança ficava a noite toda, monitorando e garantindo a integridade do local. Tecnologias importantes eram projetadas ali, algumas ainda em processo sigiloso.

Tomou o elevador direto para o último andar. Todo aquele piso era dividido entre a sala de Aburame Shino e a de Yamanaka Ino. Assim que saiu, Kiba se deparou na antessala elegante, onde uma secretaria particular geralmente ficava a postos na grande escrivaninha de mogno, que naquele instante estava vazia.

Seguindo o rastilho de luz que escapava pela fresta, Kiba dirigiu-se a primeira porta e bateu de leve duas vezes.

— Desculpe atrapalhar! — pediu antes de abri-la. Se Shino estava mesmo passando por um surto, talvez não conseguisse sequer responder algum cumprimento.

O cenário que o acolheu era deslumbrante em sua simplicidade séria e discreta. A sala era grande, como bem podia-se deduzir.  A escrivaninha no centro dela, maior do que da recepção, ostentava um moderno notebook e estava repleta de papeis. A parede de trás era dominada por uma parede de vidro, que de certo ofereceria uma vista e tanto de Tokyo a quem dela se aproximasse. Nas paredes laterais, duas portas de comunicação fechadas impediam de saber para onde cediam espaço (e não era algo que preocupasse Kiba naquele instante).

Acomodado em uma poltrona confortável de alto espaldar, estava Aburame Shino, que desviou sua atenção para o recém-chegado, analisando-o através dos óculos de sol.

— Boa noite — Kiba cumprimentou sem hesitar, entrando na sala e só parando ao alcançar a escrivaninha — Vim ver se está tudo bem.

— Está — Shino respondeu depois de breve hesitação — Obrigado.

O rapaz ponderou na afirmação por segundos. Estava claro que seu chefe não passava por um bom momento. A face translucida permanecia permeada de gotículas de suor concentradas na fronte. Ele pareceu bem durante a festa, agora; ao recolher-se  para o abrigo da própria sala, a máscara havia cedido.

— Vamos jantar — Kiba se ouviu convidando, para surpresa de ambos — Eu pago.

Ele cursou a faculdade por tempo o bastante para saber que o Transtorno que vitimava Shino disparava sobre certos gatilhos. Os pensamentos repetitivos eram uma tortura que podia tirar a sanidade de homens ponderados. E introduzir um novo foco servia como paliativo imediatista que aliviava até que a medicação mais intensa e terapia intensiva colocassem o paciente de volta nos trilhos.

— Não creio que...

— Não seja besta! — Kiba interrompeu a recusa. Deu a volta na mesa e, num ato de pura ousadia, estendeu Sumire para que Shino a pegasse — A festa estava ótima! Mas os petiscos só abriram o apetite. A gente tá com fome!

Shino segurou a criança completamente preso pela surpresa. Fazia tempo que não tinha outro ser humano no braços. E um daquele tamanho então... nem podia se lembrar da última vez que segurou uma criança. Sumire era leve! E tinha os olhinhos presos nele, captando-lhe as reações com curiosidade. Um toquinho de gente muito atento a tudo ao seu redor. Ela enfiou o dedão na boca e sugou. Um filete de baba escorreu e Shino quase sorriu.

— Tudo bem — cedeu — Vamos jantar — a frase veio com certo receio. Apesar disso, levantou-se fácil da cadeira acolchoada. Algo impensável para si nos últimos dias, quando a simples intenção de sair da empresa antes que estivesse completamente vazia exceto pelo vigia da noite era impossível. Tinha a impressão de que se levantasse antes do tempo, algo horrível aconteceria com seu pai. Todos os pensamentos repetitivos e compulsões se ligavam a perda do pai. Aburame Shibi era sua referência de família. Mesmo sendo sério e reservado, Shino sentia um amor e um respeito imensos pelo pai, o homem que o educou e o cuidou; sem o qual seria completamente solitário.

Naquele instante, com a ajuda de Kiba, que lhe estendia a mão de um jeito figurativo; conseguiu se levantar e vencer os pensamentos destrutivos.

— Caralho! Perfeito — Kiba esfregou as mãos — Hoje a gente pode comer no restaurante conveniado, o que acha? Mas vou querer sem ser com desconto. Vou pagar do jeito certo, como um convite normal. Não somos chefe e subordinado agora!

O discurso animado os acompanhou enquanto saiam da sala e tomavam o elevador. Sumire continuava no colo de Shino, agora abraçada ao pescoço do homem, com a bochecha descansando na curva de seu pescoço.

— Podemos deixar os carros no estacionamento, não é? — Kiba foi dizendo ao passarem pelo saguão de entrada — O restaurante fica perto. E o Yamato-san fica vigiando a noita toda. Fica fácil voltar aqui e pegar.

Shino ergueu as sobrancelhas pela intimidade com que o outro se referiu ao funcionário da segurança. Pelo jeito Inuzuka Kiba era do tipo que fazia amizades rápido.

Não respondeu a questão, até porque não teve chance. Kiba requisitou a palavra de novo, voltando a falar sobre coisas aleatórias como o tempo ótimo que fez naquela semana.

Como o restaurante era perto, logo chegavam ao local e foram conduzidos a uma boa mesa. O garçom trouxe uma cadeirinha infantil com trava, para acomodar Sumire e anotou os pedidos: dois especiais do dia no capricho. E não, não seriam para desconto em folha. Kiba fazia questão de pagar pelo jantar.

— Sei que eu disse que nesse instante não somos patrão e funcionário, e eu tentei pra caralho ficar na minha, mas não to aguentando! To muito empolgado que a creche começa a funcionar amanhã! Vai dar tudo tão certo, prometo. Obrigado mesmo pela confiança! E...

A empolgação diminuiu um pouco. Preocupou Shino.

— O que houve?

— Não se importa se eu falar sobre trabalho?

— Claro que não — Shino soou sincero. A voz animada daquele rapaz lhe invadia a mente, requisitava cada espacinho e varria para longe os pensamentos torturantes do Transtorno Obsessivo Compulsivo. Quando Kiba estava perto, não havia as ameaças de morte em cada pequeno gesto que fizesse contra os rituais nos quais se via preso.  Shibi estava a salvo.

— Ah! Caralho, eu consegui alugar uma quitinete— nesse ponto puxou um lenço do bolso da calça e usou para limpar o queixo de Sumire, que brilhava de baba — Não é nenhum palácio, mas é muito melhor do que o carro. Sabe aqueles advogados que representam a Firma Uchiha? Um tal de Itachi falou comigo, eles querem processar o Governo, porque o Kabuto era um agente autorizado do Estado e agia em nome dele, é tipo um abuso de poder. Ele disse que eu posso ganhar uma grana com isso.

O funcionário do restaurante se aproximou com os pedidos.  Assim que se afastou, Kiba demorou alguns segundos esfriando bocados de arroz e salmão para dar para a filha comer. Aquele era um traço cuidadoso que ninguém podia adivinhar em um rapaz tão impulsivo, de ar selvagem. Era encantador.

— Está com receio de seguir com o processo? — Shino perguntou enquanto também se servia da refeição.

— Tive um pouco de medo sim — admitiu — Não é fácil expor que eu cheguei no fundo do poço e estava levando minha filha comigo. Mas o advogado disse que o Kabuto precisa pagar. E isso pode evitar que outras pessoas sejam vítimas. Eu devo isso à sociedade.

— Entendo — Shino imaginou a dose de coragem que ele precisava ter para dar entrada em algo assim. Podia se tornar um verdadeiro escândalo — Caso precise de ajuda pode contar com meu testemunho e o que for necessário.

— Obrigado... — Kiba soou baixinho, evitando olhar na direção de Shino — Podemos discutir melhor no jantar de amanhã...

Jogou a possibilidade no ar. Aburame Shino não mordeu a isca.

— Não posso fazer isso — o homem declinou o convite — Prometi que não o usaria como muleta para o meu transtorno. Não é justo depositar esse peso em você...

— Pare. — Kiba cortou o pequeno discurso — Pare. Não jogue essa porra na minha cara, Shino. Isso que eu fiz foi muito filha da puta. Me desculpa. Shino, eu tava no fundo do poço, morando na rua com a minha filha. E você me ajudou sem pedir nada em troca, sem saber quem eu era, caralho! Claro que pode me usar como muleta ou o que for para te ajudar a superar o transtorno.

O rompante surpreendeu Shino. Por algum tempo ele não soube o que responder, até que resolveu ser honesto:

— Não te ajudei visando o meu beneficio. Fiz por você e pelos funcionários da firma. Não precisa retribuir, não espero que seja paliativo.

— Eu sei, porra — Kiba falou mais rude do que gostaria — Eu sei. E isso torna o que eu fiz pior ainda. Se você pode ajudar alguém, por que não? É a sua filosofia. Aprendi nesse mês que trabalhei na sua empresa. E eu fui muito babaca te virando as costas. Posso te ajudar! Por que não? Aceita. Você não consegue sair da empresa por causa dos pensamentos repetitivos... então eu te tiro de lá. Use a minha gratidão, a minha amizade... o que for preciso pra se apoiar e superar a crise. Me deixa entrar na sua vida, cara. Como patrão e funcionário na empresa, mas como amigos fora dela.

Kiba terminou de expor seu ponto de vista sentindo-se um tanto ofegante. Não temeu ter passado qualquer limite. Sempre foi honesto em seu jeito de ser e agir. Falou firme, embora não de modo ofensivo. Não muito, não é?

Shino relaxou na cadeira. A mão descansou sobre a mesa, com o par de hashi momentaneamente esquecido, assim como a comida. Os olhos por trás dos óculos escuros foram de Kiba que o observava com atenção para Sumire que conseguiu alcançar um pedaço de omelete e, entre erros e acertos, conseguia mordiscar pedaços com os dentinhos que nasciam e eram a causa de tanta baba. Ainda guardava a sensação quentinha de tê-la no colo, um pesinho cheiroso e calmo, aconchegado contra seu peito, envolvendo-o não apenas com os bracinhos gorduchos, mas com a presença tão nova no mundo, embora muito marcante.

Desde o primeiro momento em que conheceu pai e filha seus pensamentos mortificantes foram varridos para longe. Não como se ambos se tornassem uma nova e delirante obsessão. Não. Era uma sensação que nunca sentiu antes. Preocupou-se com eles, foi cativado pela luta, pela garra, pela determinação... a alegria de viver mesmo frente a obstáculos dantescos. A forma como estavam em sua mente era diferente. Era como...

Como um farol.

Sim. Shino entendeu a analogia; ali, sentado na mesa partilhando a humilde e deliciosa refeição. A personalidade vivaz e cativante irradiou desde o primeiro instante. Foi luz em meio as sombras trazidas pelo transtorno. O atingiu em cheio, impressionando-o a ponto de esquecer premissas sombrias que ameaçavam seu pai sempre que enfrentava os rituais diários.

Rituais que o aprisionavam, limitavam seu mundo. Tiravam sua liberdade.

Até que Inuzuka Kiba apareceu. Um morador de rua, sem eira nem beira (a não ser o carro, sua única posse material relevante) e mostrou a maneira de quebrar essas correntes. Talvez não de “quebrar”, todavia de amenizá-las. Torná-las suportáveis de um jeito que sua vida não fosse tão miserável. Kiba não era a cura, não podia jogar o fardo dessa ilusão sobre os ombros do garoto.

Mas ele era alguém que oferecia ajuda, sabia das dificuldades que acompanhariam os passos de Shino e se mantinha disposto a seguir em frente.

— Obrigado — Shino agradeceu, cedendo por fim — Eu aceito a sua amizade.

Kiba sorriu largo, exibindo as pressinhas afiadas que lhe dava um ar ainda mais selvagem. Então voltou a devorar o jantar, sem grandes alardes; embora feliz de mostrar que não era ingrato.

E aquele jantar foi a melhor refeição que Aburame Shino teve em muito, muito tempo.


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Notas finais do capítulo

Se tudo der certo o próximo é o último ♥

See ya! :D



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