Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 24
24




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Malvina estava com o pressentimento que ia ter um dia ruim antes mesmo de levantar da cama e pelo resto do dia tudo se confirmou, começando por Pérola com um desagradável sorriso de lagarto informando que o “chefinho” queria vê-la imediatamente, Malvina pressentiu o que seria, Dandara estava agindo como megera na noite anterior e Jonas que sempre foi muito legal tinha a olhado como se a odiasse quando foi buscar o filho e a esposa, ela concluiu que Dandara tinha contado a verdade para o primo do marido. Ela nem se deu ao trabalho de deixar a bolsa na mesa, entrou direto para o escritório de Nicolas e trancou a porta.

Eles se encararam em silêncio, ela sentou diante da mesa dele e arqueou uma sobrancelha para o copo de uísque com gelo na mesa, não era nem oito horas da manhã ainda e ele parecia estar naquele estado onde tomar algo forte era o que causaria melhor efeito em alguém de ressaca.

— Vai me despedir ou me interrogar? – ela questionou cruzando as pernas.

Seu tom petulante pareceu despertar o futuro ex-chefe de Elisabete.

— Você sabia que o meu filho é o menino criado por sua irmã?

— Soube alguns dias atrás.

— E não pensou em me contar?

— Contar o que? Artur é responsabilidade de Dandara e Jon, são eles quem decide o que é melhor para o menino, fico satisfeita que minha irmã tenha decidido por te contar a verdade.

— O melhor? Eu sou o pai dele, o melhor para ele é ser criado por mim e não por aqueles dois – ele levou as mãos á cabeça bagunçando os cabelos escuros – Jonas é meu primo, minha família e preferiu ficar ao lado daquela vadia contra mim, me negou a criação de meu filho.

— Senhor Navarro – ele ergueu a cabeça ao tom frio dela – Dandara e Artur é a família de Jon. Ele se casou com minha irmã e tem no menino um filho assim como para eles são para Artur seus pais. Se chamar minha irmã de vadia novamente, serei obrigada a agir com violência e não quero isso.

— Está me ameaçando? – ele riu – Eu devia ter imaginado, sendo irmã daquela mulherzinha era de se esperar que fosse como ela.

Ela sabia que aquilo era uma ofensa, mas não se deixou levar pela raiva dele, em vez disso riu suavemente se obrigando a relaxar.

— Não. Eu não sou nem um pouco parecida com Dandara, apesar de sermos gêmeas. Teresa sabia disso tanto que foi á minha irmã que ela confiou o filho por que sabia que Dandara, sua melhor amiga, era acima de tudo, boa. No lugar de Dandara eu teria entregado seu filho aos cuidados de alguém confiável que desejasse filhos e não pudesse tê-los, no lugar de minha irmã eu teria quebrado a promessa feita á memória de uma amiga e te matado. Vê, minha irmã é leal e sua lealdade a impede de ceder á certos impulsos, eu não tenho esse senso de devoção.

Nicolas a olhou com espanto e descrença, então sussurrou:

— Quem é você?

— Eu sou alguém com quem você não está preparado para lidar. Faça um favor a si mesmo e não provoque a ira de Dandara – ela se levantou para sair – Estou demitida?

— Não – ele a surpreendeu – Meu problema com sua irmã não afetarão o seu trabalho, mande que Roberto venha aqui.

Assim que avisou ao advogado que o chefe o chamava, ela mandou uma mensagem para a irmã que se preparasse para um confronto judicial futuro pela guarda de Artur. Na hora do almoço, ela estava sendo meio que interrogada por Roberto que queria uma avaliação geral do que tinha acontecido, já que Nicolas era uma fonte escassa de detalhes e um tanto emotivo ao tratar daquele assunto em particular. Ela contou a versão completa que era a verdadeira e deixou que o advogado tivesse consciência de que uma batalha contra os pais adotivos da criança seria um erro.

A frieza de Nicolas para com ela era tão palpável que os outros funcionários do escritório a olhavam interrogativos e cautelosos, as fofocas de corredor iam de termino do relacionamento por traição á suspeita de espionagem comercial. Não era exatamente segredo que ela e o chefe eram amantes assim como era óbvio que o temperamento dele era explosivo. Enquanto eles falavam dela e ela seguia seu trabalho substituto com a praticidade de sempre, ela mantinha foco em um assunto paralelo, a questão da CW.

Passou o dia acompanhando as noticias pela internet em sites mundo á fora de jornalismo, manteve contato constante com Carolina que liderava a equipe de caça e com seus superiores imediatos na Divisão – sua mãe e seu tio Vitor –, além de muitas trocas de mensagens com Oliver que estava resolvendo o mais rápido que conseguia seus assuntos para vir se encontrar com ela, ele não estava nada contente com o caos emocional que ela sentia.

‘mal dormi esta noite, não ligo para o que diz você precisa de mim e eu irei até você’ — foi a ultima mensagem do intrometido que ela recebeu. Preferia que ele não viesse, mas Oliver era teimoso e agora estava preocupado, enquanto não a visse e tocasse pessoalmente não aceitaria a palavra de ninguém sobre seu bem estar.

— Eu levarei você até sua casa – o tom de Nicolas atrás dela quando saia no fim do expediente a fez parar.

— Estou de moto.

— Então a seguirei, quero ver meu filho.

Malvina se virou e olhou para ele longamente, a determinação dele era estável o bastante para funcionar como um escudo contra sua persuasão, ela suspirou aborrecida, usar seu truque para conseguir o que queria não ia funcionar agora. Podia arrumar mais dor de cabeça e leva-lo ao filho o que deixaria Dandara muito chateada ou podia apenas dar a dor de cabeça para outra pessoa, decidindo pela segunda opção tirou o celular do bolso e ligou, colocando a chamada em viva-voz.

Oi, tia Mavis— Artur atendeu animado – Quer falar com meu pai?

— Ele está ocupado, Artur?

Não, meu I-9 Jotter descarregou e ele me deixou assistir no celular dele que não é tão bom quanto um I-9 por que ele é humilde e não sobrinho preferido de um cara rico. PAPAI! TIA MAVIS QUER TE FALAR.

Felizmente só Sônia e Fernanda ainda estavam no escritório ás portas fechadas terminando um relatório e não ligaram para o eco do grito infantil que ouviram. Nicolas estava imóvel olhando o aparelho na mão da secretária como se o celular fosse se transformar em uma criança. A voz grave de Jonas soou segundos depois.

— Aconteceu alguma coisa, Malvina?

— Nicolas quer ver Artur, ele está aqui ao meu lado.

O silencio longo que seguiu a informação foi quase insuportável.

— Nos encontramos com vocês no shopping Madalena em vinte minutos, na loja de Cris.

Nicolas não ficou surpreso pelo primo aceitar aquilo, fazia parte da personalidade de bom moço de Jonas sempre ceder á vontade alheia. Malvina desligou sem se despedir, o cunhado estava usando outra vez aquele tom de quem dá uma ordem que não deve ser questionada apenas obedecida – ás vezes tinha a impressão que Jonas absorvia os piores aspectos de sua esposa. Como o shopping em questão ficava próximo ao consultório e ao prédio onde Jonas morava, não houve nenhuma surpresa em chegarem a já encontrarem os dois sentados no confortável sofá da loja de calçados e acessórios.

Cris se virou da conversa que tinha com o amigo e colega de uma banda de jazz – Jon toca instrumentos de sopro e piano –, o homem alto e robusto com tatuagens de arte gótica e um estilo metaleiro se levantou para cumprimenta-la com um abraço apertado, ignorando seu acompanhante por que já conhecia o primo rico de Jon e não gostava dele.

— Maligna!

— Crise!

Nicolas que tinha visto o filho pela porta de vidro e entrou com os olhos grudados nele, teve que desviar sua atenção para a cena. Era a primeira vez que via a secretária demonstrar uma emoção positiva para com outra pessoa... Ele já tinha visto Cris antes, num clube que ele foi com Ulisses, não lembrava o que tinha deixado ele mais chocado á época, Ulisses tê-lo levado á uma boate gay, o primo tocando piano para uma Drag Queen que se apresentava ou agora por ter reconhecido o homem por trás das roupas e maquiagem brilhante.

Cris questionou se queriam que ele saísse, Jonas dispensou a sugestão com um gesto de mão, ele tinha adiantado um resumo do problema para o amigo e não tinha por que fazê-lo sair de sua loja para dar privacidade á algo que se dependesse dele nem aconteceria. Malvina se escorou atrás do balcão ao lado de Cris enquanto Jonas se dirigia ao filho:

— Artur, Dana e eu, falamos com você sobre seus outros pais, se lembra?

O menino que até então estava muito satisfeito em olhar para as bolsas e óculos na vitrine, sentindo o ímpeto infantil de experimentar todos eles como os adultos faziam na frente do espelho, ficou tenso e lançou um olhar de esguelha para Nicolas que tinha ficado mais do que surpreso por saber que o menino não era ignorante sobre quem eram seus pais biológicos. Artur se agarrou á mão de Jonas olhando para onde a gêmea de sua mãe e o tio Cris estava.

— Ele vai me levar com ele? Mamãe não vai gostar se deixarem ele me levar embora.

Malvina riu baixo, o sobrinho saber quem era Nicolas era uma dessas coisas que se podia esperar quando dizia respeito á irmã e ao marido que usavam a verdade tanto como arma quanto como escudo, a graça estava no fato de Artur estar usando o fato de que Dandara costumava ser uma fera ao se tratar dele para manipular a situação e garantir que ninguém o levasse embora – não que ela ou Jonas fossem permitir.

— Ele não vai levar você a lugar nenhum Artur, a menos que seja sua vontade – Jon aguardou a negação veemente dele – Então, Nick só queria te conhecer, falar com você.

Artur olhou para a tia que lhe piscou um olho e sorriu, então inflou o peito e falou solene, sem largar a mão de Jonas.

— Eu sou Artur Pardal, eu tenho nove anos e estudo na terceira série. Não gosto de chocolate nem de futebol, faço capoeira e balé, papai está me ensinando tocar piano e gosto dos vilões por que heróis são idiotas, menos o Batman que não precisa de superpoder para ser o melhor – ele fez uma pausa para respirar e continuou – Quando eu crescer eu vou ser escritor para inventar mundos, não tenho permissão de assistir um monte de filmes e séries e animes até ter quinze anos mesmo que digam que é permitido para idades menores. Ele já me conhece agora, podemos ir embora?

Jonas riu, se da pressa do garoto em se livrar daquela situação ou da cara de espanto do primo, Malvina não sabia dizer. Nicolas prestava toda atenção ao que o filho falava, por isso não perdeu nenhuma informação da torrente de palavras que a criança despejou. Escritor? O que aconteceu com os sonhos de meninos em serem pilotos, bombeiros, astronautas, jogadores de futebol, claro, Artur não gostava de futebol e nem de heróis ou chocolate. Que tipo de influência ele sofreu daquela mulherzinha horrenda que o criou? Mas tinha uma questão mais importante que o fez passar por cima de tudo mais e olhar para o primo para questionar:

— Nove anos? Não é oito?

— Contamos o tempo diferente de vocês – ele se virou para Malvina cuja presença ele tinha até esquecido – Contamos idade a partir do nascimento e não um ano após.

Ele abriu a boca para questionar quem eram aquele “nós”, mas se refreou ao lembrar de ter feito a uma questão parecida ao primo semanas antes em um funeral e algo naquele mesmo dia dito por Malvina sobre respeitar seu povo ou algo parecido, agora que estava menos envolvido pela atração que sentia pela secretária esquiva ele começava a se dar conta que na verdade todo o pouco que sabia sobre ela era um monte de coisas não faladas, questões sem respostas e informações que não coincidiam com a imagem que ele tinha dela.

— Você não gosta de chocolate? Não come doce?

— Claro que como doce. Minha tia é pasi... pasti... Como é a palavra chique para o que tia Kira faz, pai?

— Patisserie.

— É. Eu como muito tipo de doce que ela sabe fazer e que não tem chocolate.

— E gosta de dançar balé?

— Óbvio – ele estreitou os olhos e ergueu o queixo, gestos que para seus nove anos o tornavam mais fofo do que insolente – As pessoas devem fazer o que elas gostam e não o que outras pessoas querem que elas façam.

— Artur... – Jonas o repreendeu.

— Ele falou daquele jeito que os idiotas que acham que meninos não devem fazer balé falam, ele não ia falar para o tio Cris que homens não deviam usar maquiagem e vestido por que o tio Cris é maior e mais forte.

— Artur!

— Eu não quero mais falar com ele – o menino fechou os olhos, comprimiu os lábios e começou a cantarolar uma cantiga de roda.

— Mavis, me ajuda – Jonas apelou.

Malvina sorriu e se aproximou deles, Nicolas estava chocado com a atitude do filho que parecia ser tão inteligente quanto arrogante. Definitivamente, ele estava sendo muito malcriado e mau criado pelos pais adotivos, pensava.

 - Vi Irma lá fora, que tal irmos pagar um sorvete para elas enquanto Jon e Nicolas conversam?

A informação fez Artur abrir os olhos âmbar-mutáveis e abrir um sorriso enorme antes se sair correndo da loja gritando:

— Uirapuru!... Tchau tio Cris.

Malvina arqueou uma sobrancelha para Jonas que deu de ombros olhando para fora, onde o filho cruzava o corredor para falar com a agente encarregada de vigia-lo, uma adolescente que parecia ter rodas nos pés de tão rápida se movia e que não desgrudava do celular.

— Irma está ensinando-o a se mover como ela – explicou.


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