Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 23
23




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Quitéria

Era uma daquelas coisas idiotas que só acontece na ficção, quando querem estender a história e criam tramas paralelas para justificar a permanência de um ou outro personagem. Só podia ser.

Em que mundo justo o universo os trairia daquele modo tornando seu alvo um deles?

Segundo os registros, Wilma Salles atendia por Vilmara Lobo, filha de Miguel Lobo de uma pequena cidade nortista, a adolescente Vilmara havia fugido de sua cidadezinha por que sonhava com a grande cidade e assim trocou de nome e acabou indo trabalhar numa boate no oeste, onde mais tarde conheceu um grupo de errantes e foi viajar com eles até conhecer João Pedro com quem se casou.

Do casamento nasceu André que por acaso descobriu seu legado genético e tentou usá-lo em beneficio próprio, acidentalmente alertando raptores que vieram averiguar a situação e selaram o garoto aos treze anos por pedido de Wilma que além de ter renunciado seu clã também conhecia a natureza desvirtuada do filho á quem ela imaginou estar protegendo tirando dele o poder que ele desconhecia e não podia corromper.

As coisas ficaram mais complicadas depois da morte da mulher. Seu marido já estava envolvido no submundo do crime e seus inimigos usaram sua família para atingi-lo. Então João Pedro se mudou para o litoral leste, bem longe do sul, onde poderia recomeçar seu império criminoso e proteger o que restou de sua família que no caso era André.

Infelizmente para o chefe do crime, ele só foi descobrir que quem era o filho de verdade quando já era tarde demais para isso. Então tentou consertar o que podia. Infelizmente não teve tempo. Morreu antes de proteger o futuro de sua organização e de seus netos.

E André?

André quer poder e encontrou uma brecha nas leis que coloca seu neto, Rafael, como herdeiro de todos os bens e considerando que seus filhos não nasceram com o poder assombroso que ele experimentou quando era criança e que sua mãe lhe tirou... Talvez Rafael possuísse um pouco desse poder.

André havia passado trinta anos de sua vida estudando sobre sua mãe, o povo dela e descobrindo sobre esses clãs mundo afora. Dotados com habilidades sobre-humanas, conhecimento sobre coisas diversas. Essas criaturas sem nome específico para ser identificados tinham leis e suas leis estupidas havia o tornado um excluído.

Quando fora pego, era um pouco mais que uma criança, nem podia ser considerado adolescente, mas fora julgado como adulto. Sua mãe testemunhou contra ele apontando pequenos desvios de condutas que ele em sua pouca idade considerava normal. Então, aqueles juízes-júri-carrascos fizeram alguma coisa com ele, palavras cantadas numa linguagem que ele desconhecia, o vento frio cortando sua pele e o gele o queimando de dentro para fora.

E ele era uma criança normal, comum como todas as outras crianças desprezíveis. Aquela força que o tornava superior, aquela capacidade de cheirar e escutar melhor que os outros, aquela estranha habilidade de fazer os outros obedecê-lo e segui-lo como um rei apenas com um comando de voz... Tudo foi tirado dele.

Trinta anos buscando um meio de voltar a ter aquele poder. A gravidez de Glória tinha o deixado eufórico, cria que seu filho herdaria o poder que lhe foi roubado, mas não aconteceu assim. Elias era uma criança comum assim como sua irmã que nasceu alguns anos depois. Anos depois, quando a aberração chamada de Elisabete que ele gerou se atreveu a casar-se com outra mulher, ele tentou impedir.

Então ele descobriu o que ele procurava por tantos anos. Ele viu com seus olhos quando a idosa que chamavam de Cléo desviou um carro, que teria atropelado uma criança, com um gesto de mão fazendo o veiculo bater num poste. Então colocou seus subordinados para investigar a vida da família Coelho e a ausência de informações, o mistério em torno daquelas mulheres e o poder claramente existente naquele bairro maldito que o tornava quase uma fortaleza contra quem não morava dentro de seus limites...

Ele tinha encontrado o caminho do poder novamente. Ele o teria.

Isso eram planos desordenados de um homem ambicioso que não conhecia absolutamente nada sobre contra quem ele estava orquestrando uma batalha. Enquanto André planejava raptar seu neto para forçar os filhos – Elle e Elias – lhes entregasse o comando do crime deixado por JP Figueroa, e forçar a família Coelho a lhe devolver o poder que o povo delas tirou dele quando ele nem sabia exatamente o que era, os membros da Divisão agia.

Quitéria estava no trabalho, tinha passado todo o tempo do nascimento de Rafael até sua saída do hospital, em licença especial. Foram dezoito dias tranquilos cuidando do filho e da mulher que amava e apesar da vontade de querer ficar com eles o tempo todo como uma sentinela babando de amor, sabia que tinha que trabalhar.

Elle estava em companhia de Maria que tinha folga a cada duas segunda-feira e que também adorava ficar babando por Rafael, fazendo planos com Elle sobre o bebê que ainda nem sentava-se para o futuro, combinando ambas sobre até como seria as futuras namoradas do bebê – não que ela pudesse zombar, por que a própria tendia á discordar de como seria o futuro dele, ainda que soubesse que não podia controlar o futuro de ninguém.

Suas irmãs estavam cuidando da vida delas, ainda que houvesse algo estranho com as duas recentemente, uma tensão desconfortável. Malvina estava esperando algo de Dandara que aparentava não ter pressa nenhuma para colocar fim em seja lá o que fosse.

Já tinha passado da meia-noite quando ela e Henry entraram no bairro de Ipês. Assim que entraram na rua onde moravam todos seus sentidos ficaram em alerta para a ameaça do trio de aparência notável na frente de sua casa.

— Sentinelas da Tau – comentou consigo mesma já desfivelando o cinto de segurança e se preparando para sair do carro.

— Acho melhor você esperar aqui – Henry começou falar, mas antes que completasse a sentença, Quitéria já tinha descido e ia em direção a um homem alto e musculoso.

Sem outra opção, o cozinheiro a seguiu. Alguma coisa devia ter dado errado, do contrário ele teria sido alertado de algum perigo. Quitéria franziu o cenho, podia sentir a presença de Elle e Rafael dentro da casa e apesar do medo da mulher, podia dizer que estavam bem.

— Identifique-se Sentinela – o tom não possuía um terço da autoridade que as irmãs possuíam, mas o líder daquele grupo respondeu á altura do respeito que tinha pelas mulheres daquela família.

— Lúcio Markhor – ele saudou com uma breve reverência.

Quitéria engoliu em seco e se esforçou para não dar um passo para trás ou se encolher diante daquele homem que se encaixaria bem na definição moderna de Deus Grego, mais especificamente um deus da guerra.

— O que aconteceu? Por que estão aqui? – ela questionou seguindo para dentro da casa, fazendo o homem a acompanhar.

— Licanço nos enviou para o caso do alvo fazer algum movimento inesperado, há pouco fomos chamados pelo garotinho e viemos verificar.

Ela não conseguiu acompanhar o que ele dizia por que fora pega de surpresa por Elle que saltou em seus braços, chorando. Ela envolveu a amada num abraço apertado, olhando ao redor buscando alguma informação que justificasse aquela reação. Claro, que o choque de seja lá o que fez as sentinelas entrar em ação era justificativa suficiente para Elle estar histérica, mas ainda assim ela estava com a sensação de que faltava algo.

Carol havia colocado o pessoal á seu serviço para vigiar sua casa, o que era muito bem vindo. Alguma coisa ruim aconteceu e Artur os chamou... Se virou para onde uma mulher de cabelos curtos e claros falava baixinho com o menino que parecia assustado e se agarrava ao bebê-conforto onde Rafael dormia inabalável pela bagunça que acontecia ao seu redor.

— Onde está Maria? – questionou preocupada ao detectar quem faltava ali.

Sentiu Elle ficando tensa em seus braços, antes de se afastar praguejando de modo que a fez arregalar os olhos surpresa, Elle raramente usava palavrões. Ela olhou para Lúcio que tinha uma expressão divertida enquanto observava a delicada explosão da jovem mãe.

— Maria tentou sequestrar Rafael – ele explicou – Ela derrubou Elisabete com um golpe na cabeça e felizmente Artur estava acordado e gritou. Viemos o mais depressa possível.

— Aquela traidora usou Artur como escudo – Elle contou indignada.

— Ela teria levado o bebê – contou a mulher de cabelos curtos – Felizmente o pequeno guerreiro aqui a assustou o bastante para nos atrair e obriga-la a mudar os planos. Foi muito corajoso, querido.

A bajulação não surtiu efeito, Artur ainda parecia aterrorizado e tentando muito não ceder ás lágrimas. Quitéria queria saber o que mais tinha acontecido, mas conhecia bem o que era estar apavorado com algo que tinha acontecido fora de seu controle. Ela sentou ao lado do sobrinho o pegando no colo e confortando do melhor modo possível, enquanto verificava o filho adormecido.

— Vai ficar tudo bem, Artur – ela tentou – Sua mãe já deve estar a caminho.

Um olhar na direção de Lúcio que assentiu. Aquilo era um alívio, saber que Dandara já tinha sido alertada do ocorrido.

— Conte para mim o que aconteceu, pode fazer isso?

Artur choramingou enquanto explicava que escutou o choro de Rafael e foi ver se a tia Elle precisava de ajuda, mas então viu ela caindo enquanto Maria batia na cabeça da tia com o cavalo de porcelana da decoração do quarto. Antes que a confeiteira se aproximasse do primo, ele começou a gritar por socorro, então, em vez de pegar o bebê, Maria se virou para ele e o agarrou.

Ela tinha uma faca que colocou no pescoço dele enquanto saiam pelos fundos, mas não foram longe por que os seguranças apareceram e deixaram-na ir para que não machucasse Artur. Ela foi com ele até o carro, dirigiram até sair do bairro quando ela jogou ele na rua, depois fugiu. Milena, a mulher de cabelos curtos, o trouxe de volta enquanto o resto do grupo perseguia Maria, e Isabela o curou do ferimento que tinha causado quando foi empurrado para fora do carro.

Quitéria olhou para o grupo, identificou Isabela como a mulher pálida que estava na porta conversando em voz baixa com Henry e outro homem que mantinha um braço ao redor dela de modo protetor, curandeiros sempre ficavam exaustos depois de usar suas habilidades e pela falta de ferimento em Elle, a cozinheira imaginou que aquela mulher tinha feito mais do que curar um ralado no braço do sobrinho.

Lúcio que ouvia a narração assustada de Artur se virou e saiu da casa, seguido de seu grupo. Quitéria mordeu os lábios e hesitante, deixou o sobrinho com Elle que ainda parecia desnorteada, mas completamente segura de poder proteger as crianças ainda que fosse apenas para gritar como uma histérica.

Maria tinha sido capturada, ela estava desmaiada nos braços de um homem magro demais e com olhos dispares que a deitou no chão e esperou a ordem seguinte de seu superior.

— Posso desperta-la, Markhor ou esperaremos por Licanço para o interrogatório? – uma garota com uma espinha no queixo e que não devia ter dezessete anos ainda, perguntou parando atrás do homem magro.

— Descanse Uirapuru, você precisa recarregar.

— Eu estou bem – ela garantiu com um sorriso cansado.

— Obedeça ao seu superior menina – um homem mais velho que chegou com eles, ordenou – Se precisarmos de você, chamaremos.

— Está bem, pai, digo, senhor – ela resmungou atravessando a rua e entrando num furgão na qual Quitéria sequer havia reparado até então.

Quitéria olhou com interesse para Maria e decidiu que deixaria que a Divisão lidasse com o assunto, apesar de querer muito interrogar aquela traidora, mas não precisava pensar muito para saber que a ex-amiga era ambiciosa e se André lhe ofereceu uma boa grana para levar seu neto até ele, ela o faria sem remorso.

— Que pena – comentou enquanto voltava para junto de Elle e as crianças – Eu gostava dela.

Dandara que ia comemorar, ela sempre teve uma implicância simulada com a confeiteira. Até conseguia ouvir o sermão da mais velha sobre sua péssima sina de fazer amizades desnecessárias com pessoas que a trairiam por pouco menos que algo significativo.


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