Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 22
22




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Não havia nada de relevante sobre ela. Malvina era uma pessoa comum, sem redes sociais, com hábitos saudáveis e minimalistas que tinha algumas multas por excesso de velocidade. Seu investigador não tinha encontrado nada que pudesse chamar atenção e isso era irritante. Ele tinha a desagradável sensação de que havia algo sobre ela... Contudo, quando se olhava de perto ela era tão comum quanto uma desconhecida qualquer que cruzava seu caminho durante o dia.

Não que Nicolas quisesse que sua amante tivesse uma vida secreta mirabolante, mas... Aquela sensação não passava, havia algo oculto sobre Malvina, talvez ela fosse cautelosa. Nem todo mundo expunha a via em mídias sociais ou era imprudente para ter uma lista de crimes e pecados, e o que lhe causava aquela certeza de que tinha algo perturbador sobre ela era o fato dela ser irmã de Dandara.

Aquela enfermeira era diabólica e perigosa. Desde a primeira vez que a viu que ele mantinha toda a distância possível dela, no começo pensou que ela estava apenas controlando o primo pelo pau, por isso julgou-a apenas manipuladora. Então... havia aquele ar psicótico dela de quem era capaz de arrastar alguém para o inferno só pelo prazer de ouvir os gritos de um torturado, se Malvina tinha uma vida comum e insignificante, a gêmea era um fantasma.

— Já vou – gritou enquanto fechava o notebook, franzindo o cenho antes de atender a porta.

Não haviam anunciado a presença de ninguém pela portaria, por isso pensou de imediato que fosse Malvina, apesar de ser domingo e ela ter dito que ia ficar com a gêmea-cozinheira e Elle que voltava para casa com o bebê. Ela sorriu para ele daquele modo que mal se podia dizer que estava sorrindo ou mostrando os dentes.

— Entre – ele chamou e ela passou por ele, evitando seu toque – Aconteceu alguma coisa?

— Muitas – o tom suave estava mesclado com diversão, o que não era típico da secretária – Antes que tente me beijar, vamos esclarecer algo. Eu não sou a Mavis.

Ela parou de olhar ao redor e se virou para encará-lo. Instintivamente ele recuou para perto da porta.

— Dandara.

— Uma das pequenas vantagens de ser gêmea é poder ter acesso á vida alheia sem chamar atenção – ela comprimiu os lábios, qualquer rastro de semelhança com a irmã se tornando superficial com aquele simples gesto – Temos muito que conversar Nick.

— Não tenho nada para falar com você, saia da minha casa – ordenou tentando abrir a porta.

— Irei quando eu quiser ir, não antes e não por sua vontade. Agora seja um bom anfitrião e me convide para sentar e me ofereça algo para beber.

— Não guardo veneno em casa – ele comentou enquanto gesticulava para que ela se sentasse – Não tenho nada para te oferecer.

Nicolas não notou que estava sendo influenciado. Ela suspirou com chateação, esperava mais resistência da parte dele para seu domínio.

— Comecemos com uma conhecida de ambos – o tom dela não se alterou – Tessa.

Nicolas reagiu ficando tenso á menção da falecida ex-amante.

— Conheceu Tessa?

Dandara recostou-se, cruzando as pernas longas que estavam semicobertas com um vestido de renda com fendas generosas que as deixavam á mostra.

— Ela morava na rua de cima da casa onde cresci. Ela costumava ser nossa babá quando vovó se ausentava, mais tarde se tornou membra do nosso clã quando foi expulsa de casa por sua gravidez.

O maxilar de Nicolas travou com tanta força que parecia prestes a quebrar os dentes. Dandara esperou que ele dissesse algo, mas o contador não lhe traria tal prazer. Então ela prosseguiu:

— Tessa resistiu á me contar sobre quem foi o cretino que a engravidou e se recusou a assumir o bebê, ela era orgulhosa demais para admitir que tivera crido no amor de um príncipe fajuto. Mas eu tirei a verdade dela.

— Aquela cadela estúpida tentou me dar um golpe – ele esbravejou com indignação – Se veio me fazer ameaças, você está perdendo seu tempo.

— Primeiro, se ousar se referir á Tessa como cadela ou estúpida ou semelhante desonra qualquer á sua memória eu vou te jogar vinte andares janela abaixo e segundo, eu não faço ameaças apenas aviso o que pretendo fazer para que ninguém seja pego de surpresa.

Nicolas estreitou os olhos numa tentativa de ser ameaçador, mas só conseguiu que ela arqueasse uma sobrancelha com desdém antes de continuar falando naquele tom hipnoticamente suave e divertido:

— Você sabia que ela tinha sido diagnosticada com transtorno bipolar? – ele franziu o cenho – Sim, ela foi. Passou por alguns especialistas antes de ser confirmado o transtorno por que é raro um caso de bipolaridade em alguém com menos de 20.

— Eu não... Ela nunca...

— Te contou? Por que contaria? Para ser tratada como alguém com uma doença complexa que a torna instável? Tessa tomava estabilizadores de humor, fazia acompanhamento psiquiátrico e estava estável. Até você entrar na vida dela e bagunçar com tudo.

— Se ela tivesse me contado...

— Não vamos entrar nesse jogo de culpa, Nick. Quando a conheceu você viu apenas uma empregada bonita na casa de seus pais, você a seduziu com juras de algo que não podia dar á ela. Enquanto ela suspirava pelas lembranças de você entre lençóis dizendo que ela era única, você estava fazendo as mesmas declarações idiotas para outra. Tessa te amou, mais do que a si mesma.

— Eu a amava – se defendeu – Tessa era importante para mim, mas esse amor que você diz que ela sentia não era real. Ela abriu as pernas pro primeiro cara rico que apareceu.

— Você recebeu uma ligação dela pedindo para se encontrarem no lugar de sempre e quando chegou lá a pegou com outro numa situação comprometedora e nunca deu a ela a chance de se explicar por que você a viu e sequer se preocupou em descobrir como ela foi parar seminua na cama com um cara que ela mal conhecia.

A expressão sombria de Nicolas teria feito qualquer pessoa recuar, Dandara riu.

— Jasmim pode ser uma pequena vadia sem imaginação, mas seu ciúme cego e falta de confiança colaborou muito para que ela conseguisse o que queria.

— O que a Mimi tem haver com isso?

— Corrija-me se eu estiver errada. Antes de conhecer e conquistar Tessa você e Jasmim transavam, ela tentou impor algum controle sobre você e ficou bastante chateada quando você terminou com ela. Alguns dias antes de você flagrar Tessa, sua prima tentou uma reaproximação focada apenas em amizade e apresentou o riquinho nojento como novo affaire, nojento este que alguns dias depois estava deitado ao lado de uma inconsciente Tessa. Depois do flagrante, muito mal elaborado, você nunca mais viu o affaire de Jasmim que se apressou em te ajudar a enxergar o quão desleal e ambiciosa era Tessa e que não deveria se surpreender se ela viesse correr até você dizendo estar grávida.

Nicolas arregalou os olhos, fez caras e bocas tentando acompanhar o ritmo da conversa para compreender onde aquela megera queria chegar. Jasmim, a irmã caçula de Jonas, e ele costumavam a ficar, mesmo sendo primos. Era um segredo deles, não havia como ninguém saber, nem mesmo Jonas que era seu melhor amigo sabia disso.

— Como? Quem disse a você sobre Mimi e eu?

Dandara revirou os olhos.

— Tessa foi te procurar para contar da gravidez, ela estava tão eufórica que acabou contando para Jasmim que questionou a razão de tamanha felicidade. E aconselhada pela pequena vadia, Tessa resolveu esperar o mês seguinte, no dia de seu aniversário para te contar que seria pai. Ela considerava um presente isso. Então Jasmim armou seu plano de fingir não te querer mais, e tentou embriagar Tessa para que ela fosse para a cama com outro, só que com os estabilizadores que Tessa tomava, ela acabou dopada e totalmente sem memória do ocorrido e antes que se atreva a dizer merda, saiba que não aconteceu nada. Depois de uma taça de vinho, ela apagou e só tiveram tempo de leva-la para o quarto e desnudá-la antes que você chegasse.

Nicolas se lembrou daquele fim de tarde como se fosse apenas mais cedo, Tessa estava nua, o lençol mal cobrindo ela e o amante, ele se levantou e tentou se cobrir deixando apenas mais claro que os dois estavam nus e Tessa sequer se moveu, deitada de bruços. Seria verdade de Dandara? Ele foi enganado?

— Sim, foi – ela respondeu e ele piscou, não tinha dado voz á seu pensamento – Como eu prometi á Tessa que não ia te matar, fui procurar sua prima idiota para exigir dela a verdade. Foi assim que acabei conhecendo o único Navarro descente e veja só, ele nem usa esse sobrenome.

— Envenenou meu primo contra mim – resmungou, ainda procurando uma brecha naquela revelação.

— Não mesmo. Eu forcei Jasmim a me contar a verdade e como Jon achou que eu podia machucar sua irmãzinha ouviu a confissão dela sobre como planejou para que você achasse que Tessa era uma oportunista querendo dar o golpe da barriga. Minha amiga tola estava tão feliz que seria mãe que não notou nada, nem mesmo quando você passou a rejeitá-la com desculpas esfarrapadas. E então ela se quebrou quando você a humilhou na frente de todos seus conhecidos ao afirmar que ela era uma vagabunda e a enxotar deixando claro que não se importava com a cria dela.

— Não pode ser verdade – disse com a voz rouca da emoção que se esforçava para conter.

Tessa havia se matado, ele sabia. Engoliu em seco pensando que ela tinha o feito com seu filho no ventre.

— É a verdade. Jon foi atrás de você no exterior para convencê-lo a voltar, mas você não o ouviu, o dispensou e mandou que se livrasse de Tessa antes que ela causasse problemas para sua família. Você cometeu um erro ao não dar ouvido á Jon.

Sim, Jonas tinha ido atrás dele. Fazia só um mês que ele estava nos Estados Unidos, ainda recuperando da facada que fora descobrir a traição de Tessa, quando o primo chegou tentando convencê-lo a voltar e conversar com a garota que se dizia mãe de seu filho. Ele ainda estava com muita raiva, muita mágoa para querer fazer qualquer coisa que não fosse ocupar seu tempo e mente com estudos e mais estudos.

— Ela se matou – a voz saiu engasgada com um soluço.

— Sim, ela se matou. A primeira vez que tentou foi no dia em que você a jogou na rua, mas eu fui alertada e a socorri. Depois disso ela entrou em graves crises, abandonou os medicamentos e ia de semanas deitada na cama querendo apenas silêncio e escuridão á dias de pura alegria planejando decoração do quarto do bebê, fazendo listas com nomes, perdendo sono com ideias loucas sobre como seria o futuro, então vinha a calmaria e parecia tudo normal até que de repente já não saia da cama novamente.

Nicolas sentiu a quentura de uma lágrima escapando e deslizando pelo rosto, secou-a. O que ele tinha feito?

— Foram meses de pura tortura. Mas aqueles meses, onde ela vagava entre a depressão e a euforia, fez falta no período pós-parto. Depois que Artur nasceu ela o rejeitou, não comia, não tomava banho e só dormia quando o corpo exausto se desligava. Não importava o quanto tentássemos, ela começou a definhar silenciosamente. Um dia, de repente, ela saiu do quarto e pegou Artur nos braços. Fiquei tão apavorada com aquilo que... Por um momento realmente pensei em terminar com a dor dela e mata-la.

Dandara secou as próprias lágrimas e voltou a olhar para Nicolas, em qual cuja mente se assentava as palavras da enfermeira. Artur era filho de Tessa. Artur, o menino de olhos âmbar que chamava Jonas de papai, era filho dele e de Tessa. O seu filho que ele rejeitou movido por mágoa, estupidez e uma armação, estava vivo.

— Jon e eu somos guardiões de Artur, padrinhos. Tessa ficou uns dias conosco, ela parecia finalmente ter saído da fase depressiva e estava se estabilizando. Eu estava tão ocupada com tudo o resto que não notei que era o primeiro solstício depois do nascimento de Artur e que ele seria Nomeado. Tessa passou a criação e responsabilidade do filho para nós caso algo lhe viesse a acontecer, na manhã seguinte quando fui chamá-la para tomar café... Ela tinha um conhecimento peculiar sobre venenos. Usou escorpiões. Deixou uma carta na qual me lembrava da promessa de não te matar.

Ela enfiou a mão na bolsa e tirou de dentro uma carta ligeiramente amassada, Nicolas reconheceu a letra pequena e bem desenhada de Tessa, ela adorava escrever á mão. Dandara estendeu á ele para que lesse e embora ele temesse o que leria naquela folha, pegou.

 

Olá querida pessoa á ler,

Espero francamente que esteja lendo e não surtando pelo corpo rígido – se meu cálculo de tempo estiver correto – estendido na cama.

Para começar é veneno de escorpião, levei mais tempo para extrair o veneno do que para achar essas coisinhas ariscas.

Tia Cléo, eu peço perdão pela fraqueza de não conseguir superar e pela dor de cabeça que lhe causei desde que generosamente abriu as portas de teu lar á mim.

Dana, você prometeu que não o mataria. Eu sei que ele merece sofrer pelo meu sofrimento, mas mesmo agora ainda o amo e não conseguirei ter paz em saber que você vai destruí-lo. Ele ainda é pai de Artur, por favor, não mate o Nick.

Não me importo com a ideia de que você ensinará Artie odiar a imagem do pai, te conheço o bastante para saber o quão mesquinha você é para colocar Nick na vida de nosso filho só para depois ter o prazer em ver nosso menino rejeitá-lo. NÃO FAÇA ISSO.

Jon, eu espero que você chegue a ler isto e se o ler, considere este o último desejo de uma moribunda. Não permita que Dana destrua a vida de Nick, eu sei e compreendo que ele não merece minha consideração depois de tudo, mas, por favor, mantenha o ódio dela longe da vida dele. Eu te imploro.

Eu sei que fui fraca por desistir de tudo, mas é melhor assim. Confio em vocês para cuidarem de Artur e mantê-lo em segurança e ensiná-lo a trilhar os caminhos da Tradição. Sei que ele será uma pessoa melhor do que eu ou Nick.

Amem meu filho por mim,

Ana Teresa Pardal.

Dandara observava a expressão dele ao ler, quando notou que chegou ao fim, comentou:

— Ela era péssima com despedidas.

Nicolas estava em um estado de confusão, não conseguia saber como reagir diante de tudo. Tessa o amava. Mimi que tinha sua confiança o enganou. Artur, seu filho rejeitado estava vivo...

— Você tem muito em que pensar Nick. Eu te darei o tempo que precisa para processar as informações então me procure – ele piscou quando ela puxou a carta e ergueu os olhos para ela – Não me obrigue a mata-lo.


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