Aurora Borealis escrita por Kyra_Spring


Capítulo 9
Capítulo 8: A bela e a fera




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            Estava sendo cada vez mais difícil para Edward manter as aparências.

            Ele ainda tentava se decidir entre evitar Bella ou permanecer ao lado dela o máximo de tempo que pudesse. Ela já estava percebendo que havia alguma coisa errada, e cedo ou tarde ele não seria mais capaz de mentir. Mas ela jamais entenderia a dimensão do que ele sentia, o medo, a apreensão. E ele já havia cometido tantos erros... Mesmo agora, quando pensava que seus instintos estavam controlados, percebia que seria muito fácil fazê-lo voltar a ser o monstro de antes.

            Seu maior inimigo não era Dean Hook. Seu maior inimigo era ele próprio.

            Por isso, estava sendo tão especialmente atencioso com Bella e com o resto da sua família. Era uma espécie de redenção antecipada, uma mostra de que ainda estava lutando contra o seu lado negro, e que continuaria assim enquanto resistisse. Mesmo assim, porém, nada conseguia aplacar o seu instinto assassino contra Dean, e só Deus sabia o quanto era difícil permanecer impassível quando o outro estava por perto.

            O plano de Emmett prosseguia, e lentamente Bella conseguia progressos. Dean permitia que ela se aproximasse cada vez mais, na certa acreditando que ela não poderia ser uma ameaça. Ela também aprendia a lidar com seus medos, e agia perto dele com cada vez mais naturalidade. Era apenas questão de tempo até que ele deixasse escapar algum detalhe. Edward o conhecia, e sabia que ele era descuidado e arrogante. Bella, por sua vez, estava disposta a ir até o fim, e comprava o jogo do outro.

            Essa era a pior parte. Além de tudo, Edward sentia uma onda de ciúme infantil e infundada tomando conta dele. Era um sentimento novo e muito desagradável, com o qual ele não conseguia lidar. Tinha que admitir, em relação às emoções ainda era imaturo e muito tolo.

            A chuva prosseguiu, ininterrupta, até o dia do baile de Halloween. A noite estava fria, ventava muito e estava muito escuro, um clima perfeito para a ocasião. Alice estava transbordando de uma empolgação quase irracional, e na sala de casa terminava de retocar os últimos detalhes de sua fantasia (uma fantasma vestida de branco, com cabelos escuros e longos e pés descalços).

_O que é isso, Alice? Samara Morgan? – ele debochou, e ela apenas mostrou a língua – Você já foi mais criativa do que isso...

_E você, não vai se vestir? – ela mudou rápido de assunto – Lembre-se, a idéia de ir foi sua.

_Eu sei, mas estaremos em missão oficial, lembra? – ele a encarou – Jasper não vai com você?

_Ele não é lá muito festeiro, você sabe – ela deu de ombros – Uma pena. Acho que vai ser bem engraçado... Quero ver quantos irão fantasiados de vampiros.

_Você é terrível, sabia? – Edward riu, enquanto subia as escadas e se fechava em seu quarto. Ainda pôde captar um último pensamento de Alice, que dizia “não tenho culpa se eles tentam...”.

            Sua fantasia fora toda pensada para Bella. Seria uma surpresa. A roupa era simples, discreta, mas ele sabia que ela iria adorar. É, talvez Alice tivesse razão. Seria uma noite engraçada e interessante, e ele tentaria torná-la inesquecível.

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            Bella não estava em casa, naquele dia. Depois de pensar em todo tipo de doenças que poderia fingir, intoxicações que poderia sofrer ou acidentes que poderia provocar, chegou à conclusão de que, querendo ou não, teria que ir ao baile de qualquer forma. E, como uma conspiração do destino para que ela se sentisse ainda mais humilhada e miserável, Jessica ainda tivera a brilhante idéia de implorar para que ela a ajudasse com a sua fantasia, aproveitando para sugerir que ela também fosse se preparar em sua casa.

             Jessica lutava com uma armação de arame e tule branco, tentando fazer com que ela permanecesse parada em suas costas. Ela estava vestida de fada – ou pelo menos era o que estava tentando – e os cachos do cabelo estavam cobertos com glitter e arrematados com uma tiara de estrelas. Ela parecia saída de uma peça de teatro infantil, e fazia questão de andar saltitante para fazer jus ao personagem que escolhera. Angela também as ajudava. Usando roupas propositadamente manchadas e rasgadas, os cabelos bagunçados e algumas cicatrizes artificiais desenhadas pelo rosto e pescoço, sua fantasia era mesmo a mais fácil e prática de todas.

            Bella já trajava o vestido púrpura, e terminava de cachear os cabelos. Parada em frente ao espelho, não conseguia se reconhecer, e a cada minuto odiava aquela idéia mais e mais. Por que estava se submetendo àquilo? Algo lhe dizia que aquela noite de Halloween seria um desastre completo. Colocava os anéis coloridos e os colares, e a echarpe sobre os ombros, e Jessica lhe emprestou uma vassoura para completar a indumentária. Por fim, ao se ver totalmente pronta, desejou profundamente que realmente fosse uma bruxa, para poder sumir dali em um instante, voando.

            E então, rápido demais, era a hora de ir para o ginásio. Angela as levou em seu carro, e Bella constatou, aliviada, que a amiga também não estava se sentindo nada confortável com a situação. “Que ótimo, pelo menos eu não sou a única que está se sentindo um flamingo entre pinguins”, ela pensou, rapidamente, quando o carro parou.

            O ginásio, que já era palco dos seus desastres atléticos e esportivos, também seria o cenário de mais aquele. Decorado com abóboras, morcegos e teias de aranha, tinha uma iluminação avermelhada, que se chocava com faixas de panos escuros espalhadas pelo lugar. Ainda havia poucas pessoas, mas a banda já tocava, animada.

_Por que você não veio com o Edward? – perguntou Angela, assim que Jessica sumiu em direção à pista de dança improvisada – Não foi só por causa da Jess, isso eu sei.

_Ele disse que queria me surpreender – respondeu Bella, sem conseguir esconder um sorriso de satisfação – E que, por isso, ele chegaria um pouco depois de mim.

_Ah, sim, eu devia imaginar – Angela sorriu, mas logo depois tornou a ficar séria – E... aquela história de família envolvendo o Edward e o Dean?

_Honestamente, eu não sei – ela respondeu, com sinceridade – Mas vou seguir o seu conselho, deixar clara a minha posição. Não vai servir para muita coisa, mas quero que Edward saiba que eu estarei ao lado dele incondicionalmente.

            Angela a encarou, analisando-a. Será que ela era capaz de compreender o nível daquela disputa? Será que ela podia, em algum momento, imaginar o rastro de sangue e de morte que Dean estava deixando, e que Edward já deixara, no passado? Será que ela fazia idéia do perigo que estava correndo, naquele exato momento, porque havia dois grupos de seres sobrenaturais irrealmente belos e terríveis prestes a se enfrentar numa batalha?

            Não. Ela não fazia. Naquele momento, seus pensamentos estavam apenas naquele baile. E, por isso, Bella era muito grata.

            As duas foram até o bar, que nada mais era do que uma divisória no canto do ginásio, em que a professora de química vendia as bebidas. Imediatamente, Angela pediu uma batida, mas Bella, receosa, limitou-se a pedir um refrigerante.

_Você não bebe? – a amiga zumbi perguntou assim que se afastaram, e Bella respondeu, sacudindo a cabeça:

_Não gosto. Prefiro ficar cem por cento lúcida. Além do mais, vocês vão precisar de alguém sóbrio pra dirigir no fim da festa.

            Elas ficaram conversando amenidades por cinco minutos, até que Angela apontou a porta, maliciosa, e disse:

_Bem, parece que você acabou de arranjar uma companhia mais agradável do que eu para essa noite...

            A garota se virou na direção da porta, e por alguns segundos ficou catatônica, perdida em meio à admiração. Ele havia se superado. Vestido num impecável smoking preto sobre uma camisa branca, com o cabelo cor de bronze penteado para trás e uma máscara branca escondendo metade do seu rosto, ele parecia ao mesmo tempo a materialização dos seus sonhos e medos. Ao lado dele, estava uma criatura muito pálida, vestida de branco e com cabelos longos e escuros. Alice, provavelmente.

            Ela não percebeu quanto tempo ficou ali parada, embevecida por aquela visão, e só voltou à realidade quando o ouviu sussurrar, levemente sedutor:

_Olá, Christine. O que achou da surpresa?

_Christine? – ela ergueu uma sobrancelha – Não quer que eu comece a cantar aqui, quer?

_Apenas se você quiser – ele a beijou, pela metade, porque a máscara acabava bloqueando metade da sua boca – E você não me respondeu. Gostou?

_É claro que sim – ele a puxou pela mão, lentamente, em direção à pista de dança, fazendo Bella gemer mentalmente – O que aconteceu com a Alice? Complexo de Samara Morgan?

_Acho que sim – ele começou a conduzi-la numa dança rápida, mas segura – Você mesma disse. Ela é desequilibrada, lembra?

            A roupa de Bella era longa e terrivelmente desconfortável, e ela sentia que muito em breve daria um passo em falso, pisaria na barra do vestido e se estatelaria no chão. Edward, porém, parecia estar decidido a não deixá-la cair de maneira nenhuma. Ele a mantinha olhando fixamente para seus olhos dourados, hipnóticos... Assim permaneceram durante três ou quatro músicas. Em uma delas, mais lenta, ele a abraçou com mais força que o normal, mantendo-a o mais perto de si que pudesse. Ele podia sentir o coração dela batendo contra o seu peito sem vida, enquanto absorvia o máximo do calor dela que podia. E ela, por sua vez, ao sentir aquele abraço frio a aprisionando como grades de mármore branco milimetricamente polido, sentiu-se segura, protegida. Naquele momento, ela se esqueceu de que aquele era um baile de Halloween e que ela usava um ridículo vestido roxo fora de moda, e pensava apenas que ela estava lá, e Edward também, e que ela o amava mais do que tudo.

_There’s no time for us... there’s no place for us... what is this thing that builds our dreams, yet slips away from us? – ele cantava em seu ouvido, sussurrando, para que apenas ela o ouvisse.

_Não sabe o quanto estou feliz por estar aqui comigo – ela sussurrou, de volta, mas ele não respondeu. Em vez disso, seguiu cantando, junto com a banda:

_Who wants to live forever... who wants to live forever... ooh – ela percebeu que a voz dele falhou por um instante mínimo, mas não o interrompeu mais, apenas encostou seu rosto no peito dele, fechando os olhos e deixando que ele a guiasse. Ela confiava nele. Na verdade, naquele exato momento, confiava sua vida a ele. Naquele instante, deixou que a voz dele a embalasse, e a levasse para longe...

_Eu estou com tanto medo – ela disse, por fim, sussurrante, como uma confissão – Tanto medo...

_Não tenha medo – ele respondeu, no mesmo tom – Eu estou aqui, sempre. Não há por que temer.

_Tenho medo de te perder...

_Você não vai. Eu juro.

_Eu te amo.

_Eu também te amo – e, por fim, Edward sussurrou um dos versos da música – Forever is our today...

            A música terminou, e deu lugar a outra, mais agitada, mas eles não se separaram. Em vez disso, permaneceram abraçados, alheios ao resto, até que alguém cutucou Edward:

_Estão brincando de estátuas? – era Alice, totalmente à vontade – Isso é um baile, e não uma galeria de arte.

            Edward, então, deu uma risada, e voltou a conduzir Bella. Ele podia sentir os pés dela pisoteando os seus, mas não se importava. Essa era uma das vantagens de ser alguém como ele perto de alguém como ela: nenhum dos acidentes que ela pudesse provocar o afetaria muito. No meio da música, porém, estacou, como se tivesse levado um choque. Bella entendeu na hora.

_São eles, não são? – ela perguntou, e Edward confirmou com a cabeça. Ela, então, olhou na direção da porta, discretamente, e sentiu nojo de Dean Hook.

            Ele estava vestido de vampiro. E aquilo lhe pareceu a maior piada de mau gosto do mundo.

            A roupa era escura, e a capa era negra, forrada internamente de vermelho. O cabelo estava também penteado para trás, e ele ostentava presas postiças. Vestida de vampira também estava sua irmã, Emma, e ela usava um vestido vermelho justo e uma capa negra, e também usava presas falsas. O único que não participava da brincadeira era Simon, vestido de verde. Bella reconheceu nele Presto, o bruxo não muito competente do desenho Caverna do Dragão, e de repente pensou que ele parecia bem mais infantil e inofensivo que os outros.

_Mas ele é muito abusado! – sussurrou Edward, entredentes – Mas essa noite é nossa e eles não vão estragá-la, OK?

_Combinado – Bella também fora tomada por uma onda de determinação – Essa noite é nossa.

            E, então, Edward intensificou o ritmo de dança, conduzindo-a magistralmente. Ela também prometeu a si mesma que iria pelo menos fingir que sabia o que estava fazendo. Era o que Angela tinha dito, e era o que estava fazendo. Já havia escolhido o seu lado, e agora queria que todos soubessem. Talvez Dean viesse logo, e ela diria não. E ele não insistiria.

            Mas o que ela não imaginava é que uma nova variável acabava de entrar na equação.

_Olá, Isabella – Emma a interpelou, com os olhos estreitos e debochados – Acho que não vai se importar em me emprestar o seu namorado para uma dança, não é?

_Acho que vou me importar, sim – Bella se irritou, sentindo de repente uma onda cáustica de ciúme percorrendo o seu corpo, e segurou com força a mão do namorado.

_Que é isso? – Emma abriu um sorriso falso demais – É só uma dança, em nome da velha amizade entre as famílias... O que acha, Edward?

_Você a ouviu, Emma – ele disse, sorrindo triunfante – Não faço nada sem o aval dela.

            Mas a garota vampira era persistente, e rápido demais o puxara pela mão em direção ao meio da pista, deixando Bella sozinha e aparvalhada. Sim, agora era oficial: odiava os Hook com todas as forças, e odiava Emma Hook ainda mais que os outros.

            E as coisas pioraram ainda mais.

            No instante seguinte, sentiu a própria mão ser puxada na direção oposta, por uma presença gelada. Estremeceu, porque sabia quem a estava puxando, mas naquele momento a raiva e o ciúme sobrepujavam o medo. Dean a puxou mais para perto de si, sorrindo, e disse:

_Você não vai poder me negar uma dança, srta. Swan.

_No momento eu só quero matar a sua irmã, Dean – ela retrucou, ríspida – Quem ela pensa que é?

_É só uma dança – ele a conduzia com perfeição – Do mesmo jeito que estamos fazendo agora. Nada vai mudar entre você e seu namorado... ou vai?

_Com certeza não – ela disse, enfática, desvencilhando-se dele – E não estou no clima para dançar.

_Ah, vamos – ele a puxou novamente, com mais força. Bella hesitou, tentando imaginar se ele tentaria usar sua força ou velocidade sobre-humanas entre todas aquelas pessoas – Você é tão escorregadia... tão intrigante... é sério, você me deixa muito fascinado.

_Você me assusta, Dean – ela disse, tentando pela segunda vez se afastar, dessa vez sem conseguir. Lançou-lhe um olhar venenoso – Não gosto do seu atrevimento.

_Por que você leva tudo tão a sério, Bella? – parecia que, quanto mais ele resistia, mais ele se esforçava para se tornar irresistível – Por que você tem medo de mim?

_E por que eu não teria? – ela o encarou – Você não me deu nenhuma boa razão para isso.

_Você é bem rápida nas suas respostas – a voz dele abaixou até quase um sussurro – Mas eu ainda vou fazer você mudar de idéia a meu respeito. Por favor, é só uma dança. Você não pode recusar.

            Ela não podia, mesmo. Seu cérebro estava entorpecido, e a voz dele era tão terrivelmente sedutora que era cada vez mais difícil resistir. E, sem que ela pudesse perceber, uma das mãos dele estava ao redor da sua cintura, e a outra, em seu ombro. Ele a levava de uma forma que era ao mesmo tempo suave e opressora, quase sem deixá-la se mexer.

_Você não vai poder lutar contra mim – ele sussurrava, a voz dele como mel escorrendo em seus ouvidos – Não por muito tempo...

_O que você quer de mim? – ela perguntou, quase sem voz, tentando se soltar inutilmente.

_Você vai descobrir em breve – e continuou passeando pelo salão, sem deixar que ela se movesse entre seus braços pétreos – Tem tanta coisa que eu quero te dizer... te mostrar... coisas além da sua imaginação. Eu posso te mostrar o céu, se tiver coragem o bastante para ir até lá.

            “Você não pode me mostrar um lugar onde nunca esteve”, ela pensou. Mas, quase contra a sua vontade, pouco a pouco seu corpo foi relaxando, cedendo à pressão que os músculos dele faziam sobre os seus. Ele continuava sussurrando ao seu ouvido, quase inaudivelmente, mas ele não precisava de palavras para deixá-la fora do ar. Era o mesmo charme que ela vira Edward usar tantas vezes. A diferença é que, agora, ela sabia exatamente qual era a função desse charme: uma isca doce e sensual para presas inocentes e desavisadas. Uma isca viciante, entorpecente... deliciosa.

            E, então, ela percebeu algo que, agora, parecia terrivelmente óbvio.

            Aproximar-se de Dean Hook foi o maior erro da sua vida. E esse erro a destruiria.

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            Enquanto isso, do outro lado do salão, Emma era conduzida por Edward. Ele dançava com ela como um profissional, mas tentava mantê-la o mais longe de si que pudesse. Aquela garota vulgar e irritante o enojava profundamente, mas ele continuava quase abraçado a ela, encarando-a e sorrindo.

_Viu? Eu disse que não seria assim tão ruim – ela sussurrou em seu ouvido – Bem melhor do que aquela humanazinha insignificante, não acha?

_É claro que não, Emma – respondeu ele, no mesmo tom – Aliás, estar com você é um pouco mais detestável do que estar dentro de um pântano cheio de sanguessugas. Não, me enganei... É muito mais detestável estar com você!

_Vocês são sempre tão arrogantes – ela bufou, cínica – Mas você ainda vai implorar para ficar comigo.

_Nem se a minha vida dependesse disso – ele retrucou, fazendo-a rodopiar – Amo a Bella e ela me ama, e isso é o suficiente pra mim. E quero distância de vocês todos.

_Quanto tempo você acha que isso vai durar, Edward? – o tom de Emma ficou ainda mais sarcástico e venenoso – Há coisas que você nunca poderá dar a ela... e coisas que ela nunca poderá te dar. Não entende? Cedo ou tarde, você vai ver que precisa de alguém como eu, e não alguém como ela!

_Chega – ele a empurrou, e a encarou. Seus olhos estavam escuros e furiosos, mas sua voz permanecia impassível, calma – Você precisaria nascer de novo para chegar aos pés dela.

_Você deve ter ficado cego ou louco – o tom dela era de puro desprezo, mas depois voltou ao cinismo disfarçado em gentileza – Mas tem uma coisa sobre ela, uma fraqueza que nem você pode negar.

_Você é realmente irritante – ele voltou a conduzi-la, apenas para sussurrar no ouvido dela – Mas não vai conseguir me separar da Bella. Coloque isso na sua cabeça de uma vez por todas.

_Ela tem uma fraqueza impossível de contornar, Edward – a voz dela também adquiriu um tom baixo e sensual – Ela é mortal. Frágil. Cedo ou tarde, ela vai morrer. E você não poderá fazer nada. Aliás – ela acrescentou, com uma risada de ódio – acho que isso irá acontecer muito em breve...

            Então, ele a empurrou com força. Ela ria; o cabelo escuro lhe caía sobre os olhos, fazendo com que sua aparência estivesse ao mesmo tempo encantadora, hipnótica, assustadora e terrível. A capa escura e vermelha delineava as curvas de seu corpo. Mas Edward, perto dela, sentia-se enojado, como se ela fosse tão bela quanto a Medusa e seus cabelos de serpentes.

_Aceite, você é igual a mim. Juntos, somos indestrutíveis – ela continuava a falar. Fez menção de tocar o rosto dele, mas ele se esquivou, sibilando:

_Eu não sou igual a você, garota. E é melhor ficar longe de mim, ou vou ter que fazer isso do modo mais difícil.

_Nós ainda vamos ficar muito próximos – ela disse, rindo, enquanto se afastava gingando – Muito...

            Assim que Edward viu Emma longe o bastante dele, saiu correndo em direção à porta. Já chovia, e o ar gelado e muito úmido era como um sopro de paz em seu rosto. Emma era mesmo muito abusada e atrevida ao ameaçar Bella daquele jeito...

_Você está bem, Edward? – Alice apareceu – Eu te vi com a Emma...

_Não quero falar disso – ele a cortou – Bella estava certa, foi um erro vir aqui essa noite!

_Nada disso, você vai voltar até lá e tirá-la para dançar – ela foi enfática – Ela está te esperando.

_Não dá pra eu voltar desse jeito – ele insistiu – Não até colocar a cabeça no lugar. Aquela nojentinha da Emma me tirou do sério... Não quero fazer nenhuma besteira, e...

            Mas a frase morreu em seus lábios, porque logo depois Alice estacou, os olhos perdidos e uma expressão apavorada no rosto. Edward pôde perceber que ela balbuciava “não vá... não vá...”, e tentou ler a sua mente, sem conseguir. Tudo o que conseguiu captar foi o silêncio. E, tão rápido quanto surgiu, a visão se fora, e a expressão de Alice continuou calma e serena.

_Você vai ter que me dizer o que viu – foi a primeira coisa que Edward disse – Agora mesmo.

_Não foi nada – ela retrucou – Além do mais, temos um trato, lembra?

            “Esse maldito trato... que péssima idéia!”, ele pensou, irritado, e tentou de novo:

_Você estava vendo alguma coisa muito séria, e eu não sou tão idiota assim. Você prometeu que, se fosse algo grave, iria me contar.

_Não, eu prometi que se fosse algo que mostrasse alguém se ferindo e que pudéssemos impedir, aí sim eu contaria a você – ela respondeu – E não foi o caso. Agora volte lá e dance com a sua garota, antes que ela se aborreça e fique um mês sem falar com você.

            Ele limitou-se a concordar com a cabeça, e voltar ao salão. Na certa, Dean se aproveitara da situação e a arrastara também, e quando ele entrou no salão, teve essa confirmação. Por um instante, hesitou, e parou na porta. Talvez fosse melhor voltar. Se seguisse em frente, corria o risco de cometer um erro imperdoável, e colocar todos em risco. Talvez fosse melhor não se aproximar...

            “Não”, ele pensou. “Eu posso lidar com isso. Eu posso lidar com isso.

_Com licença? – ele se aproximou rapidamente, em silêncio, surpreendendo-os. Dean tinha, entre os dedos, um dos cachos do cabelo de Bella, e ela apenas o observava, petrificada – Acho que é a minha vez de dançar com a srta. Swan, Dean.

_Oh, é claro que sim – o moreno soltou-a, e ela precisou se amparar em Edward para não cair – É bem justo, afinal vocês dois formam um casal tão bonito...

_Se você está com tanta vontade assim de morrer, é só pedir – o outro sussurrou, entredentes – Se você a machucar, eu acabo com a sua raça. É um aviso.

_Ora essa, Cullen, não seja ridículo – o primeiro riu alto, para depois sussurrar de volta – Nós dois sabemos como essa história vai terminar. Sugiro que vá encomendando o seu túmulo.

_Ah, eu vou – retorquiu Edward, cínico – E vou fazer questão de colocar um laço e dar de presente pra sua mãe, para ter onde te enterrar.

_Será que dá pra vocês dois pararem? – e então, já farta daquilo, Bella interveio, colocando-se entre os dois. Ela não precisava olhar para sentir o ódio que emanava de cada um deles, mas era sua obrigação moral impedi-los de provocar uma desgraça – Não é a hora e nem o lugar para isso, droga!

_Tudo bem, Bella, eu já estou indo embora – disse Dean, abrindo um sorriso – A gente conversa outra hora, tá bem? – e, então, tentou dar um beijo na bochecha da garota, que esquivou, fazendo-o apenas sorrir outra vez e dar as costas.

            Assim que ele estava longe, Bella abraçou Edward, com força, e ele correspondeu, sem dizer nada. O vampiro mantinha os olhos fechados, o rosto baixo, sem deixá-la ver o que ele realmente sentia. E ela, por sua vez, queria ao menos tentar protegê-lo de tudo aquilo, oferecer um lugar seguro, uma coisa constante e pacífica em sua vida.

_Chega dessa palhaçada, Bella – ele disse, por fim – Não posso mais aceitar que você continue se expondo. Eu vi o jeito que ele te olha, e honestamente, não consigo tolerar isso.

_Mas...

_Sei que não é sua culpa, mas ele te olha de um jeito muito estranho... como a refeição de Ação de Graças, como você mesma disse. Por favor, afaste-se dele. Isso está perigoso demais.

_Está bem – ela concordou – Eu vou tentar. Mas, agora, não vamos falar dele, por favor. Só fique comigo... me abrace.

_Você está tremendo... – ele constatou, ao senti-la se agitar em seus braços – Está com frio?

_Não, não – era mentira, ela estava com frio, mas se contasse ele a soltaria, e isso era algo que ela não permitiria naquele momento – É só... é só... – nem ela sabia o que era, então disse – Não importa. Só me abrace mais um pouco.

            Edward obedeceu, solícito. Ele não se importava em obedecê-la, servi-la. Mas... até quando aquela proximidade seria segura? O perfume dela era como absinto, entrando em suas narinas, passeando pelas suas veias secas, embriagando-o e viciando-o. Mas ela não se aproveitava do poder que tinha sobre ele. Ela o queria ao seu lado, e não abaixo de si. E ele queria também. Mas, até quando poderia ficar por perto antes que o instinto falasse mais alto que a razão? Até quando?

_Vamos embora daqui – ele disse, de repente – Vamos dar um passeio, só nós dois, longe daqui.

_E para onde? – ela perguntou, adorando a idéia de sair daquele lugar.

_Apenas andar um pouco sob a chuva – ele sorriu, tirando a máscara – Você quer destruir esse vestido, de qualquer forma... Não vamos longe, e vamos voltar cedo.

            Ela olhou na direção da janela, de onde era possível ver que a chuva caía com força sobre Forks, outra vez. E, de repente, um passeio sob a chuva com o seu namorado vampiro parecia infinitas vezes mais interessante do que aquele baile idiota. Sem responder, ela o pegou pela mão, e puxou-o até um canto, onde Jessica dançava, e disse:

_Diga a Angela para não me esperar – e, com um sorriso maroto, deixou-a, arrastando Edward pela mão até o lado de fora.

            Seus cachos desapareceram depois de cinco minutos de caminhada. Ela sentia frio, a roupa grudava no corpo, e já andava descalça, mas não se importava. Ela concentrava-se em observar Edward, os cabelos cor de bronze molhados e rebeldes, o smoking dependurado em um ombro, a camisa branca já meio transparente, definindo e exibindo a forma dos seus músculos. E, com essa visão, tudo parecia bem, e o mundo parecia um lugar maravilhoso.

_Sabe, depois que você se acostuma, a chuva se torna até agradável – ela disse, levantando o rosto e fechando os olhos para que as gotas geladas caíssem sobre suas pálpebras – Mas ainda tenho vontade de voltar para o Arizona e ver o Grand Canyon. Eu estive lá com a minha mãe, algumas vezes. É lindo.

_Sabe que eu nunca visitei o Grand Canyon? – ele disse – Sempre quis ir, mas é um pouco impossível passar pelo Arizona despercebido, se é que me entende – e riu – Quem sabe um dia...

_Ainda vou levá-lo lá – ela disse – Prometo. Você me leva a tantos lugares, acho que é minha vez.

_Não sei se isso vai acontecer... – ele disse, num tom que esperava que ela não fosse ouvir, mas percebeu o seu erro ao vê-la parar onde estava e se virar, ultrajada:

_Do que você está falando?

_Não é nada – ele respondeu, mas ao ver que os olhos dela continuavam fixos nele como uma mira a laser, emendou – Eu só não quero te expor indo a um lugar desses.

_Olhe, me desculpe por hoje no baile – ela imaginou a irritação dele, e decidiu colocar tudo em pratos limpos – Eu juro que tentei me esquivar, mas...

_Esqueça isso – ele a interrompeu, a voz um pouco mais seca do que gostaria. Então, para se corrigir, disse, num tom mais amistoso – Sei que você não fez nada. E sei que aquele imprestável do Hook não iria perder uma chance como essa – e, mais baixo – Eu é que deveria te pedir desculpas. Não devia ter cedido à Emma, também.

_Tá tudo bem – ela deu de ombros, tentando ignorar o monstro de olhos verdes que tomava conta dela sempre que se lembrava daquela cena – Só sei que será muito mais difícil voltar a falar com ele agora.

_Então vamos deixar pra lá essa história – era por aquela oportunidade que Edward esperava – Nós não iremos cobrar mais nada de você. É sério, nem temos como agradecer o que você já fez até agora!

_Pode parar por aí mesmo – ela parou no meio da rua, encarando-o – Eu vou continuar.

_Com cento e cinquenta diabos, Bella! – ele também parou, e exclamou irritado – Olhe em volta! Esteve óbvio o tempo todo que isso era estupidez, mas agora está declarado! As coisas saíram do controle, aliás, as coisas nunca estiveram sob controle!

_E você tem alguma idéia melhor? – ela fixou seus olhos castanhos nos olhos dele – Não há mais volta! Eu já me envolvi! E, agora, mesmo que eu pare de vê-lo, ele continuará a me perseguir. Não temos escolha, Edward... Temos que seguir em frente.

            Ele abriu a boca, numa tentativa de contrariá-la, mas não soube o que dizer. Limitou-se, então, a emitir um murmúrio rouco e aborrecido e a continuar andando. Ela, porém, não desistiria tão facilmente. Segurando com delicadeza a mão dele, disse:

_Logo poderemos deixar tudo isso para trás – ele a encarou, e de repente flagrou-se acreditando nas palavras dela – E, quando tudo isso terminar, a primeira coisa que vamos fazer é viajar para o Arizona. Que se dane o sol, que se danem as pessoas! Você verá o Grand Canyon, porque eu te levarei até lá! Até porque – acrescentou, com um sorriso malicioso – já faz muito tempo que eu quero viajar com você, só nós dois.

_Você é mesmo impossível – ele disse, por fim, sem conseguir evitar um sorriso – Está bem, vamos conhecer o Grand Canyon quente e ensolarado, mas até lá, ficaremos com a pequena e chuvosa Forks que conhecemos e amamos.

            Eles seguiram caminhando sob a chuva, de mãos dadas, em silêncio. Era tão estranho... tantos preparativos para uma droga de baile, e no fim das contas o momento mais memorável da noite era exatamente uma caminhada sob o céu chuvoso. De repente, Bella percebeu que já não conseguia achar a chuva assim tão ruim. E também não poderia considerar a noite um completo fracasso.

_Mas se aquela nojenta chegar perto de você outra vez – ela lembrou-se de dizer – acabo com a raça dela. Uma garota fervendo de ciúme é uma verdadeira arma de destruição em massa, então é melhor ela não querer ficar me testando.

_Quando você fala assim eu até acredito – ele riu alto – Pode deixar, ela não vai se aproximar de mim. Apesar de eu achar que Charlie adoraria que você arrumasse um pretexto para me deixar. Até imagino o brilho nos olhos dele, se ele pensasse que não passo de um canalha infiel.

_Ah, cale a boca! – ela também deu uma sonora risada – Charlie é meu pai, é óbvio que ele não vá muito com a sua cara. Acho que é alguma coisa nos genes, sabe.

_E o fato de ele pensar que eu provoquei a sua saída da casa dele e, por uma infeliz conjunção de fatores, indiretamente quase matei você não tem nada a ver com isso? – o sorriso dele se alargou, embora uma sombra fugaz tenha passado por seus olhos – Admita, eu dei motivos para ele querer me ver pelas costas.

            Ela não disse nada, e limitou-se a dar um sorrisinho de escárnio. Será que, porque Charlie não gostava dele, Edward se tornava ainda mais atraente?

_É melhor irmos embora, ou você vai se resfriar – ele disse, por fim – Temos uma missão amanhã cedo: ir a Port Angeles e falar com a tal... você sabe... da livraria esotérica. Tudo bem?

_Tudo bem – ela concordou – Obrigada por ir junto comigo.

            Ele apenas deu de ombros, dizendo “ah, isso não é nada”, enquanto a escoltava até o carro e ligava o aquecimento. Bella tremia furiosamente, e os cabelos pingando sobre o rosto davam a ela uma conotação de fragilidade e desprotegimento. Ela ficava tão linda assim... tão delicada, tão meiga... tão absurdamente humana...

            O percurso até a casa dela foi terrivelmente curto. Ele queria ficar mais, queria continuar a ver aquele ser meigo e trêmulo por muito tempo, queria abraçá-la, aquecê-la... e então, lembrava-se de que não poderia nunca aquecê-la realmente. Essa constatação, apesar de óbvia, o deprimia.

_Está tudo bem? – ela perguntou, inocente. Droga, teria que mentir outra vez...

_Ah, sim, estou bem – e sorriu – Agora vá logo para casa, tome um banho quente e coloque roupas secas. Amanhã cedo, eu venho buscá-la.

            Ela o beijou, em despedida, e ele se demorou mais tempo que o normal em seus cabelos. Apesar de os cachos terem se desfeito e agora estarem reduzidos a uma massa úmida, castanha e desgrenhada, ainda conservavam o mesmo perfume, uma mistura da lavanda da sua pele e do morango do xampu que ela usava. E ele se obrigou a permanecer ali e vê-la partir, tropeçando na bainha do vestido (“não seria mesmo a minha Bella se não fosse assim”, pensou com um sorriso) e entrar em casa, antes de se atrever a voltar à estrada.


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