Aurora Borealis escrita por Kyra_Spring


Capítulo 8
Capítulo 7: Trovão distante




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            Havia muito tempo que não havia um evento que mexesse tanto com a Forks High School quanto aquele baile de Halloween. Os alunos do último ano, sob a liderança de Jessica, organizavam e tomavam conta de tudo, e todo o colégio estava virado do avesso.

_Fala sério, Bella, você tem que admitir que vai ser o máximo – Jessica também estava particularmente tagarela naqueles dias – Vamos envolver a cidade inteira, trazer alguma animação a esse fim de mundo!

_Jess, eu não gosto dessas coisas – Bella se justificava, tentando se esquivar – Além do mais, eu não sei dançar, e fico péssima de fantasia!

_Qual é? Vai ser legal! – a outra retrucou – Faça um esforço, você tem que ir! – e, num tom sussurrante e maroto – Além do mais, tem uma fila de garotos que querem te convidar. É só ver a cara deles, até mesmo o novato, o Dean, fica te secando! Você já viu o jeito que ele olha pra você?

_Cale a boca – a primeira riu, embora tivesse engolido em seco ao ouvir o último nome – Se eu for, e não estou dizendo que vou, é claro que irei com o Edward. Sou uma garota comprometida, esqueceu?

_E que compromisso, hein? – Jessica deu uma longa olhada gulosa na direção de Edward, que naquele momento estava na porta da sala conversando com Alice, fazendo com que Bella lhe desse um beliscão nas costelas – O que foi? Eu não sou cega, tá bem?

_Continue dando em cima do meu namorado e eu mato você – a garota riu – É sério, a festa de vocês vai ser bonita demais pra eu chegar e estragar tudo.

_Pense direito, tá bem? – disse Jessica, por fim, quando o professor entrou – Eu não vou te perdoar se você não for!

            As duas riram, e logo Jessica levantou-se, cedendo o lugar a Edward. Perto dele, porém, o comportamento da garota era bem diferente, e ela nem sequer o olhava nos olhos. O vampiro deu um sorriso divertido, enquanto sussurrava no ouvido da namorada:

_Às vezes a mente dessa garota é um pouco assustadora...

_Seu canalha! – ela sussurrou em resposta – Você ficou ouvindo a nossa conversa?

_Ouvi o suficiente para saber que tenho pelo menos uma aliada para te arrastar para o baile de Halloween – respondeu ele – O que eu preciso dizer para te fazer vir comigo?

_Ultimamente não tenho ânimo para nada – ela suspirou – E não entendo o seu súbito interesse por esse maldito baile!

_Eu já disse, é o nosso último ano, então temos que aproveitar – o tom dele era malicioso – E você vai comigo nem que seja arrastada! Além do mais – a voz dele ficou mais baixa – quero ser o primeiro a convidá-la, antes que o Newton, ou qualquer outro, façam isso no meu lugar.

_Isso não é um convite, é uma imposição – retrucou ela – Está bem, eu já disse que vou. Até porque Jess transformaria a minha vida num inferno, se eu não fosse.

            A aula seguiu sem maiores incidentes. O clima entre Dean e Edward continuava tenso, e os dois se evitavam nas aulas. Apesar disso, ele continuava se aproximando de Bella, e ela, para não quebrar o disfarce, não o repelia. Mas, a cada dia, ficava mais assustada, e tentava sutilmente afastar-se sempre que podia. Esse era um dos motivos pelos quais não queria ir ao baile: quanto menos tempo ficasse por perto, menos tempo teria que encará-lo.

            Ele não disse nada a ela, mas podia pressentir que ela desconfiava de alguma coisa. E era verdade: ela podia sentir que havia qualquer coisa muito fora do lugar. Bella se recusava a repetir as perguntas que já havia feito tantas vezes, mas elas permaneciam escritas na testa dela. Dessa vez, até que se sentia feliz por não poder ler os pensamentos da moça. Se soubesse os seus temores, e descobrisse que não poderia fazer nada para afastá-los, iria se sentir extremamente miserável.

_Bella, tenho um convite irrecusável pra fazer – na hora da saída, Angela a interpelou – O que acha de irmos a Port Angeles escolher umas fantasias para o baile?

_Isso é uma conspiração do destino ou o quê? – disse a própria Bella. Edward se afastou de propósito, divertindo-se com a cena, enquanto ela lançava um rápido e furioso olhar em sua direção – Vocês estão mesmo decididos a me arrastar a qualquer custo para esse baile, não é?

_Ei, não olhe para mim! – Edward simplesmente deu de ombros, debochado – Tem algum problema se eu não levá-la hoje? Preciso resolver umas coisas...

            “De novo cheio de segredos comigo...” ela pensou, levemente aborrecida, enquanto acenava afirmativamente com a cabeça, e ele ia embora, não sem antes beijá-la rapidamente e se despedir cordialmente de Angela.

_Isso é um golpe muito baixo – disse Bella, por fim – Está bem, droga, eu vou. Mas você sabe a minha opinião a esse respeito, então nem comece com aquele papo de que vai ser legal e tudo o mais.

_Se você não quiser, eu não digo nada – Angela riu – Mas Jessica já espalhou aos quatro ventos que conseguiu convencê-la a ir, e eu acho que é um pouco difícil desmenti-la agora. É ela quem deu a idéia de chamá-la para irmos ver as fantasias juntas.

_Jessica... – a primeira gemeu – Quem precisa de inimigos perto dela...? Ah, está bem, eu vou. Hoje, às cinco da tarde, está bem? Eu levo vocês.

_Anime-se, por favor – o tom da segunda era de conciliação – Pense bem, é o nosso último ano...

_Todo mundo já disse isso, Angela. Não me faça mudar de idéia.

            A garota apenas riu, bem-humorada. Céus, será que ela era a única pessoa em todo aquele lugar que não compartilhava daquela excitação infantil por um baile de fantasias? A última vez que Bella se divertiu no Halloween acontecera dez anos antes, quando ela ainda saía para pegar doces – e, nesse ano em particular, ela fez a desagradável descoberta de que chocolates com a data de validade vencida são ótimos para causar uma intoxicação alimentar homérica.

            Bella voltou para casa sozinha – e os barulhos da sua caminhonete já a faziam pensar se havia sido uma boa idéia se dispor a levar as amigas a Port Angeles. Quando chegou em casa, até abriu o capô do veículo, simplesmente para deixar ainda mais claro que definitivamente não entendia nada de carros. Desistindo de tentar bancar a especialista em carros, entrou em casa, e começou as suas tarefas. E, pontualmente às cinco horas da tarde, ela, Angela e Jessica seguiam na direção da cidade vizinha, para uma noite de garotas.

            A única coisa fora dos planos é que havia outras garotas envolvidas na equação.

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            O trajeto até a cidade fora feito praticamente num monólogo de Jessica. Angela e Bella respondiam como podiam, mas deixavam a outra falar à vontade – e sabiam perfeitamente que isso a fazia feliz. Mas Bella não se preocupava com as fofocas da amiga, e sim com os ruídos de metal se soltando em sua caminhonete.

            Assim que chegaram, Jessica já foi sumindo em direção a algumas lojas, dizendo rapidamente que as encontraria ali em duas horas. Angela apenas riu e guiou a outra para outra rua. As duas seguiram uma boa parte do caminho em silêncio. Era uma virtude da garota: ela não precisava preencher o silêncio com frivolidades, e sabia entender o silêncio, quando ele era necessário. Mesmo assim, ela ainda foi a primeira a falar:

_Bella, está tudo bem? – ela a encarou. Os olhos castanhos estavam compreensivos – Sei lá, de uns tempos pra cá você parece tensa, preocupada... – Bella engoliu em seco, e a outra imediatamente se emendou – Ah, droga, eu estou sendo indiscreta! Me perdoe...

_Ah, não, está tudo bem! – definitivamente, Angela não estava sendo indiscreta. Ela sabia manter a delicadeza numa conversa – Pelo contrário, é até bom falar com alguém – e, de repente, ela percebeu que estava avançando o sinal. Poderia até ser bom falar com alguém a respeito do que a afligia, mas não era sensato e nem saudável. Então, mediu as palavras – Sabe aquele garoto, Hook?

_Ah, sim, o novato – a outra confirmou – Não sei, ele é meio... difícil de ler.

_Eu sei – a primeira confirmou, ainda analisando o que dizia – É que entre ele e o Edward tem... alguma coisa, sabe? É uma história antiga, coisa de família, e eles se reencontraram agora. Tenho medo que algum deles faça alguma bobagem da qual se arrependam depois.

            “Uma maneira segura e nada chocante de resumir uma disputa mortal entre duas famílias de vampiros bem no meio da cidade”, ela pensou, sentindo-se um pouco culpada. Era impressão ou a cada dia estava ficando mais dissimulada e falsa?

_Entendo... – Angela aceitou a explicação – Brigas de família são mesmo perigosas. É difícil saber até que ponto você não está envolvida e quando você está. Eu sei disso, se você soubesse de cada coisa que os meus parentes idiotas fizeram... Mas duvido que eles façam alguma coisa. Edward já provou ser a civilidade em pessoa, e Dean também age como um gentleman o tempo todo.

_Eu não sei... – aquilo saiu quase sem querer – Não quero que Edward saia machucado. E Dean... eu sei lá, ele é tão magnético, mas como você disse, ele parece esconder todo um lado mais... sombrio.

_Sombrio. Essa é a palavra – concordou a amiga – Ele sempre é muito educado, muito risonho, se dá bem com a turma inteira, mas tem alguma coisa estranha, indefinida... Sombria, como você disse... Mas, se quer a minha opinião honesta, e se a disputa entre os dois é tão grave quanto você está dando a entender, acho que o melhor a fazer é deixar bem claro de que lado você está, para os dois. Eu percebi que Dean olha bastante para você, mas de um jeito estranho, indefinível.

_Até parece – e, pela primeira vez naquela noite, Bella inventou uma mentira absurda – Eu converso com ele, mas já deixei bem claro que o que eu quero é totalmente diferente. Além do mais, aquela irmã dele é um nojo. Você já viu o jeito que a Emma me olha, como se eu tivesse antenas e pústulas na cara?

_Ela olha todo mundo assim – retrucou Angela – Corrigindo: ela olha todas as garotas assim. Ela é bem mais gentil com os meninos da sala, se é que você me entende. Ei, o que acha dessa? – elas enfim pararam diante de uma vitrine, e Bella engoliu em seco. Era uma fantasia de vampira, cheia de detalhes brilhantes de um certo mau-gosto – Ficaria ótima em você.

_Sem chance – respondeu a garota – Acho que, se estou indo contra a vontade, posso pelo menos ir arrumada decentemente, não concorda?

_Tem razão – Angela deu uma risada gostosa – Vamos sugerir essa pra Lauren, então. Ficaria perfeita, já que ela gosta tanto de aparecer...

            Bella, então, sugeriu que elas procurassem roupas em brechós para montar as próprias fantasias. Ela estava decidida a ir de qualquer coisa que fosse o mais diferente possível de vampiros, e aceitaria até uma fantasia de Frankenstein, se tivesse essa opção. Por fim, deparou-se com um vestido longo púrpura, com um corte antiquado, mas ainda assim razoavelmente bonito e elegante. Escolheu também uma echarpe negra, e Angela escolheu algumas roupas mais velhas e mais baratas.

_Zumbis estilo Resident Evil – explicou ela, enquanto saíam – Tá, eu odeio esse filme, mas essa com certeza é a fantasia mais fácil e barata de se fazer. E você, planeja ir de quê?

_Ora, se é o Dia das Bruxas, é melhor fazer um tributo a elas, não é? – ela sorriu – Só preciso encontrar algumas outras coisas, e depois vamos resgatar a Jessica de onde quer que ela esteja e ir jantar, OK?

            Elas pararam, então, numa loja de bijuterias, onde Bella comprou os últimos detalhes – anéis baratos com grandes pedras coloridas, colares com estrelas e todo tipo de contas, um ou dois broches com desenhos abstratos o suficiente. O resto seria fácil. Difícil mesmo seria localizar Jessica entre as vitrines, se ela se empolgasse demais durante as compras. Por sorte, as duas a encontraram três quadras adiante, e seguiram em frente, até pararem em frente a uma outra loja, da qual Bella se lembrava vagamente de outra viagem...

_Artigos esotéricos, Jess? – Angela ergueu uma sobrancelha – Desde quando você curte essa doideira?

_Nossa, você é tão cética... – a própria Jessica riu – Se vamos para uma festa de Dia das Bruxas vestidas a caráter, é melhor ver algumas coisas que bruxas de verdade usam. Que mal há em dar só uma olhadinha?

_Você sabia que 90% das histórias de terror começam com a frase “que mal há em dar só uma olhadinha?” – a primeira retrucou, em tom de galhofa – E não, não acredito nessas bobagens. Além do mais sou religiosa, se meus pais ficarem sabendo eu fico de castigo até a formatura.

_Vamos entrar, tá bem? – “ceticismo... curiosidade... se elas soubessem de dois por cento do que há lá fora, provavelmente tratariam tudo isso pelo menos com um certo respeito!”, ela pensou, enquanto decidia pelas amigas a entrar, com uma voz firme – E, depois, vamos jantar, combinado?

            O lugar era estranho, para dizer o mínimo. Assim que entraram, foram atingidas em cheio por uma lufada de ar cheirando a incenso. O local era preenchido pelo som de música new age, mensageiros-dos-ventos e o barulho de uma pequena fonte artificial correndo em algum lugar.

_Minha mãe adoraria esse lugar – disse Bella, sem conseguir esconder um pequeno sorriso divertido, ao pensar em Renée, a sua adorável e desmiolada mãe, enquanto observava as pilhas de livros, cristais, jarras e montes de objetos que ela não fazia idéia do que eram.

            Ela começou a caminhar pela seção de livros, e divertia-se com títulos que falavam de óvnis, viagens espirituais, curas por cristais e outras coisas que, na concepção dela, não faziam o menor sentido. As representações de sarcófagos e estátuas egípcias a distraíram por alguns instantes, e depois deles a profusão de cristais de todas as formas, cores, tamanhos e texturas.

            Foi então que Bella se virou, e viu alguém que com certeza não esperava estar ali.

            Era uma garota, que parecia ser no máximo dois anos mais velha que ela. O cabelo era negro, acetinado, preso numa trança, e o rosto, redondo e amistoso, exibia um amplo sorriso. Os olhos repuxados deixavam clara a sua ascendência oriental. Mas era inconfundível, de qualquer forma: o uniforme púrpura daquela loja não a impedia de perceber a pele branco-marfim, as olheiras profundas, os olhos dourados, a expressão suave e pétrea de uma estátua grega, a beleza etérea, inexplicável, acima da perfeição.

            Uma vampira, bem ali na sua frente. A coincidência era quase ridícula.

_Olá! Posso ajudá-la? – o tom jovial da vendedora lembrou um pouco o de Alice – É a sua primeira vez aqui, não é?

_Na verdade, sim – respondeu ela, sem saber ao certo como agir – Estou um pouco perdida, e na verdade até já estou indo embora...

_Ceticismo e curiosidade – a vendedora riu – Os dois motivos que mais atraem novos fregueses até uma loja como essa. Os céticos querem algo para rir, os curiosos querem respostas que definitivamente não encontrarão aqui. Mas não estou errada ao dizer que você não é nem cética e nem uma curiosa tola, não é? Tem alguma coisa nos seus olhos... algo diferente.

            Ela engoliu em seco, odiando ser analisada por aqueles olhos de ave de rapina. Mas logo o olhar de análise deu lugar a um outro, de interesse e curiosidade. Ela disse, por fim:

_Bem, como você parece ser marinheira de primeira viagem, eu recomendo a seção de livros – ela apontou as estantes – Alguns podem parecer pura viagem, mas outros abrem mesmo os horizontes de uma pessoa. Sabe, existe muito mais lá fora do que parece. Corpo, mente, alma, as possibilidades são tão amplas que qualquer coisa pode acontecer.

_Eu acredito nisso – Bella disse isso rápido demais, fazendo a outra erguer uma sobrancelha – Você sabe, ter algo mais lá fora. Eu só não sei ao certo o que é.

_Cicatriz interessante essa, na sua mão – a moça oriental fixou os olhos em sua mão – Posso ver?

_Isso é um pouco constrangedor – a outra se retraiu, intimidada – Acho que não posso permitir.

_Sabe, alguns dizem que eu sou sensitiva – a primeira disse, em tom de confidência – Confie em mim, eu prometo que não vou machucá-la – Bella estranhou essa frase, e se perguntou o que pensaria se não fizesse idéia do que aquilo realmente significava. Estendeu, então, a mão para ela, hesitante, e deixou que a atendente, de olhos fechados, percorresse com os dedos as linhas. Os dedos dela eram frios e lisos, como mármore, e se demoraram em sua cicatriz. E, então, levantou os olhos, e abriu um sorriso, dizendo – Acho que sei o que você precisa. Venha comigo.

            A vendedora percorreu rapidamente as estantes de livros com os olhos, e escolheu alguns volumes, depois caminhou – ou, o que talvez parecesse mais adequado, deslizou – até a seção de cristais e escolheu duas pedras, colocando-as num saquinho de papel pardo junto com um pequeno folheto. _Vejo tempos confusos para você – ela disse, grave – Você já escolheu o lado em que quer ficar, e isso é bom, mas esteja preparada, pois nenhuma escolha fica sem consequências. Vejo também que você tem uma vida repleta de amor, mas esse amor pode destruir ou salvar. Isso só dependerá de você – e, então, reassumindo o tom jovial – E, a propósito, o meu nome é Kiyone. Sempre que quiser, volte aqui.

            Bella só foi se lembrar de procurar algo para a sua fantasia de Halloween depois que já estava no restaurante, dividindo uma paella com as amigas. Ela nem gostava muito de frutos do mar, mas estava tão distraída com o encontro inesperado na loja de artigos esotéricos que apenas limitava-se a catar os camarões da bandeja.

_Lojinha interessante – Angela foi a primeira – Apesar do cheiro estranho e daquela música que me fez ficar com vontade de dormir nos primeiros três minutos, foi legal. Pelo menos comprei um chaveiro de cristais bem bonito.

_Vou voltar aqui um dia desses – Jessica começou a tagarelar – Garanto que dá pra conseguir tudo o que é necessário para um contato imediato de terceiro grau...

_A atendente foi bem simpática – disse Bella, tentando parecer indiferente – Kiyone. Ela me atendeu superbem, mas acabou me empurrando um monte de coisas bizarras e caras.

            O jantar seguiu sem maiores incidentes, e assim foi a segunda rodada de passeio, dessa vez por algumas livrarias e lojas de CDs, até que enfim chegou a hora de ir embora. O tempo estava fechando perigosamente, e assim que voltaram os temores de Bella em relação à caminhonete também vieram à tona. Mas agora eles vinham misturados, confusos, como se realmente não soubesse se o carro era o maior problema daquela noite.

            Quem era Kiyone? Por que ela estava lá? Seria uma mera coincidência?

            E ela com certeza sabia que Bella entendia aquele mundo. A cicatriz era fácil de reconhecer, para um vampiro. Mas, por que não disse nada? Será que a idéia da existência de uma humana que conhecia o mundo sombrio em que eles viviam era absurda demais para ser considerada?

            E, se ela aceitava essa idéia, de que lado estaria?

            Bella percebeu que os olhos da atendente não eram escuros, ou vermelhos. Pelo contrário, eles tinham aquela cor de topázio que se acostumara a ver nos olhos dos Cullen. Talvez aquilo fosse um bom sinal, talvez houvesse um reforço inesperado naquela guerra. Talvez...

            Mas ela já estava farta de perguntas e suposições, e queria respostas.

            As três garotas conseguiram milagrosamente chegar a Forks ilesas. Já estava um pouco tarde, e Charlie não fez muitas perguntas, quando Bella chegou em casa. Ela correu direto para o seu quarto, espalhando sobre a cama a pilha de pacotes, já se arrependendo profundamente de ter perdido uma tarde só para aquilo. Desembrulhou o vestido púrpura, e experimentou-o na frente do espelho, olhando o seu próprio reflexo com tanta desaprovação que não seria surpresa se o espelho se partisse bem ali na sua frente. E, mesmo com todos os acessórios, a imagem parecia não melhorar nada.

            “Isso é ridículo”, ela pensou, aborrecida, enquanto colocava sobre a mesa do computador os livros e CDs que comprara, aproveitando também para tirar o vestido (que, na sua cabeça, já era chamado de “coisa roxa, horrível e disforme”). Os únicos pacotes que continuaram intocados foram os da loja de artigos esotéricos, mas Bella não sabia o porquê. Era como se ela tivesse medo de abri-los, de descobrir alguma coisa assustadora neles.

            Então, arriscou-se a abrir pelo menos o com os cristais. Eram dois tipos diferentes de pedras, e Bella percebeu que aquilo era uma brincadeira de mau gosto, uma infeliz coincidência ou – o que estava mais disposta a considerar – um presságio para o futuro. Já fazia muito tempo que abandonara o ceticismo, e aquilo era quase certamente um sinal, só não sabia ao certo do quê.

            Uma ônix negra. Um citrino amarelo.

            As duas variáveis do seu destino, cada uma representada por um cristal. Os Hook. Os Cullen.

            Ela recolocou os cristais dentro do pacote, e o guardou na sua gaveta, como um tesouro. Então, se havia algum sentido em confiar nas previsões daquela vampira desconhecida, tudo podia ficar ainda pior, pelo fato de que os dois estavam perigosamente próximos, não apenas dela, mas também um do outro.

            Havia também um folheto, explicando o significado místico de cada um dos cristais. Mas ela não prestou atenção nisso, e sim em uma linha escrita a caneta, rapidamente:

            “Se essas pedras têm algum significado em particular para você, e eu presumo que tenham, procure-me. Talvez eu possa ajudar. Kiyone.”

            “Com certeza eu vou”, pensou ela, guardando com cuidado o folheto junto com os cristais. Mas não podia se arriscar ainda mais a confiar em alguém que nem sequer conhecia. Tinha que ser cautelosa. Os olhos poderiam mentir? Talvez. Justine tinha olhos azuis. E, agora se lembrava, o irmão mais novo dos Hook, Simon, também tinha os olhos claros, e até assustados. Era tudo tão confuso e tão assustador que até a sua própria sombra podia ser ameaçadora...

            Foi então que lançou um olhar de relance para a janela. Edward estava lá, observando-a com um ar divertido no rosto.

_Meu Deus, Bella, para que funeral você foi convidada? – ele pulou para dentro do quarto, olhando interessado para o vestido estendido sobre a cama – Alice adoraria colocar fogo nesse vestido.

_Cale-se, Edward – retrucou ela, mal-humorada, embolando a peça de qualquer jeito e a jogando dentro do armário – Isso foi graças à sua idéia estúpida de me levar ao baile de Halloween.

_Ainda brava por causa disso? – dessa vez, o ar divertido se converteu num grande sorriso, o que só a deixou ainda mais brava – Se você der pra trás agora, todos vão ficar decepcionados.

_Se está querendo me impedir de mudar de idéia a esse respeito, está falhando miseravelmente – ela bufou, tentando não parecer feliz demais por ele estar ali mais cedo do que o costume e sim irritada para fazer com que ele se sentisse culpado – As fantasias prontas estavam horríveis, então eu e Angela decidimos improvisar. Tomara que isso pelo menos me faça parecer uma bruxa ou algo que o valha.

_Não seja neurótica, o vestido é bonito – o sorriso no rosto dele se recusava a esmorecer. Sim, era um pouco de egoísmo e até de crueldade por parte dele, mas a verdade é que se divertia muito ao ver a namorada ficando histérica por coisas tão sem importância – Eu só não consigo imaginá-la usando alguma coisa como essa – e, então, sorriu mais ainda, dizendo – Então era sobre isso que Alice falava quando me pedia para não deixá-la escolher sozinha a sua fantasia... é, agora faz bastante sentido.

_Você tem consciência de que a sua irmã é totalmente desequilibrada, não tem? – Bella gemeu, escondendo o rosto vermelho nas mãos – Eu só quero passar por essa noite, só isso.

            Foi então que ela percebeu que o sorriso nos lábios dele morreu, dando lugar a uma expressão intrigada. No segundo seguinte, ele já estava ao lado dela, tocando sua mão, exatamente no ponto em que havia a cicatriz da mordida. E, uma fração de segundo depois, ele levou a mão dela até perto de suas narinas, aspirando profundamente, para depois arregalar os olhos e dizer:

_Com quem você esteve hoje?

_É uma história bem louca – ela respondeu – Eu e as meninas fomos a Port Angeles, você sabe. Passamos por uma loja, e a vendedora veio falar comigo. Ela é vampira também, mas... não sei, ela não parecia ser ameaça.

_Você tá dizendo que tem vampiros em Port Angeles? Aqui perto? – ele não conseguia compreender, essa era a verdade – E como não ficamos sabendo? Como Alice não viu nada?

_Eu não sei – Bella foi honesta – Eu a conheci por acaso, e acho que ela nem faz idéia da existência de vocês por aqui. Mas ela não parecia perigosa. Se não fosse assim, como ela estaria trabalhando normalmente numa loja humana? E quanto a Alice não ver nada, o meu palpite é o de que ela não cruzaria o caminho de vocês tão cedo se não houvesse a minha interferência, que também foi acaso.

_Sabe o nome dela, pelo menos?

_O nome dela é Kiyone. E ela disse que, se eu quiser conversar, é só procurá-la.

_Você não vai sozinha. Acho que já temos problemas demais com outros vampiros para correr riscos.

_É uma condição bem justa. Você vem comigo?

_Espere um pouco, será que eu ouvi direito? – ele deu uma risada alta – Bella Swan tendo uma atitude sensata e responsável? Diga-me, você foi abduzida recentemente e não me contou?

_Às vezes você é um cretino! – ela mesma não conseguiu se manter séria, e riu junto – Será que eu posso pelo menos saber de que você irá vestido no baile?

_Não – ele respondeu simplesmente, rindo por dentro dos olhos fuzilantes dela – Será uma surpresa.

_Só espero que você não torne a situação ainda pior do que ela já parece – ela sibilou, mas logo depois deu um longo suspiro cansado.

_Que bagunça a nossa vida se tornou desde que eles chegaram, não é? – Edward interpretou o gesto de Bella, e disse num tom amigável e compreensivo. Ela, porém, respondeu, com uma risada:

_Como se ela fosse muito certinha antes deles... – mas logo ficou séria – É... tem razão, está tudo meio doido desde que essa história começou.

            Um trovão soou, ao longe. Outra noite chuvosa se insinuava.

_Se as coisas continuarem assim, temo que outras pessoas além de nós sejam envolvidas – a voz de Edward estava baixa, pensativa – Muitas pessoas, na verdade.

_Tem uma coisa que eu não consigo entender – disse Bella – Como eles conseguem ficar desse jeito, entre humanos, se eles se alimentam de sangue? Como eles não perdem o controle?

_Prática, eu acho – respondeu o outro – Todos eles têm muito mais tempo de transformação do que eu, então suponho que deve ser mais fácil. Mas, entenda, tem qualquer coisa neles que é anormal até para os nossos padrões. Veja Justine e seus olhos azuis, por exemplo. Talvez seja algo nos genes, que foi transmitido a Dean e Emma.

_Dean e Emma são filhos de verdade dela? – disse ela, estranhando – Quando você disse que eles eram filhos da Justine, pensei que eram como você e seus irmãos e Esme...

_Não, os dois são filhos dela, sim. Já Simon, não, ele foi transformado – ele explicou – Talvez, se soubermos um pouco mais a respeito deles, descobriremos exatamente o que querem. Mas o mecanismo de transformação de qualquer vampiro é complexo demais. Nem mesmo nós sabemos ao certo o que acontece durante a nossa transição – ele olhou pela janela, apreensivo. As nuvens estavam pesadas e baixas, e os trovões soavam.

            Ele se recusava a olhar para ela. A chuva começou a cair, e Edward acompanhava com os olhos a queda das gotas de água, sem realmente vê-las. Ele estava mais assustado do que nunca. Não se lembrava de ter sentido tanto medo em sua vida nem quando era humano. Sabia que podia perdê-la ao menor erro. Ela era tão frágil... tão quebrável, como ele mesmo dissera um dia...

            Mas o que mais o assustava não era o risco que todos corriam. Ele era capaz de lidar com o perigo, como já fizera outras vezes. Mas havia coisas que o torturavam a cada dia. Eram pequenos diabinhos passeando pela sua mente, provocando-o, trazendo à tona lembranças dolorosas e vergonhosas que ele lutava com todas as forças para esquecer.

            Ele podia ser igual a Dean. Na verdade, apenas uma linha muito tênue os separava. No fundo, os dois eram idênticos. E só estavam em lados opostos por força das circunstâncias. Engoliu em seco, tentando esmagar aqueles pensamentos, mas os diabinhos permaneciam correndo, escarnecendo dele. Lançou um olhar imperceptível a Bella. Não, ela não podia nem sonhar que ele pensava aquelas coisas, ou ficaria ainda mais assustada.

_No que você está pensando, Edward? – ela perguntou, de repente. Droga, por que ela tinha que ser tão perspicaz? Recompondo-se rápido, ele a encarou, com um olhar inocente e um sorriso, e disse:

_Em nada. Só... pensando um pouco na vida – ela não se convencera, isso estava óbvio, mas não se atrevia a fazer mais perguntas. Então, levantou-se, e deu um beijo na testa dela, dizendo – É você quem tem de parar de pensar em bobagens – e, olhando novamente para a janela – Agora preciso ir. Promete que vai tirar essas besteiras da cabeça?

_Vou tentar – ela hesitou um pouco antes de responder – Fique mais um pouco...

_Não posso – ele disse, quase pedindo desculpas. Beijou-a rapidamente e caminhou na direção da janela. Antes de sair, porém, disse – E fique tranquila, eu sei que vai dar tudo certo.

            Ele sumiu entre as sombras, e Bella deixou-se cair na sua cama, exausta. Em sua mente, a confusão aumentava dia após dia. Ela tinha medo, mas sem saber ao certo porquê. É claro, a ameaça era real, ela podia sentir, mas não era apenas isso. Edward estava tão solícito, tão compreensivo... E, além disso, ainda agia como se não houvesse nada de errado, até debochando da situação. Mas ela era capaz de ver além daquela aparente tranquilidade. Havia uma sombra escondida naqueles olhos cor de topázio, uma sombra inalcançável e venenosa que pouco a pouco tomava conta dele. E Edward lutava contra essa sombra, tentando preservar a sua humanidade e apegando-se ainda mais a Bella, mas... até quando?

            E, então, um pensamento sombrio atingiu a sua mente, junto com um trovão mais alto.

            Talvez, ela estivesse mais próxima de perdê-lo do que imaginava. E, provavelmente, não havia nada que pudesse fazer para impedir.


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