Aurora Borealis escrita por Kyra_Spring


Capítulo 7
Capítulo 6: Inquietude




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            Edward fez o que pôde para não deixar seus pensamentos se voltarem para o Conselho da noite anterior. Por isso, ele se entregou de corpo e alma àquela caçada, agindo com uma selvageria que até o assustou. Ele não soube dizer de onde aquilo vinha, se era a raiva, se era o medo – ou se era algo que sempre estivera lá, dentro dele, sem que percebesse.

            O sabor de ferrugem do sangue daquele animal preencheu totalmente a sua boca. Era delicioso. Sentindo o líquido quente e espesso escorrer pelo canto dos lábios, pensou que talvez a sua vida fosse até mais simples do que pensava. Afinal, se ele se preocupasse mais em aproveitar as coisas boas e em ignorar as ruins, seria tudo mais fácil de encarar.

_Ei, não seja guloso! Deixe alguns pra nós – ele ouviu, às suas costas, a voz risonha de Emmett, e retrucou, no mesmo tom:

_Não tenho culpa se você não consegue caçar direito, seu incompetente – e limpou a boca nas costas da mão, deixando uma pronunciada trilha vermelha sobre a pele branca.

_Fazia muito tempo que eu não te via levar uma caçada tão a sério – observou Rosalie – Isso é o que eu chamaria de descontar a ansiedade na comida.

            “Obrigado, Rosalie”, pensou ele, aborrecido. Será mesmo que ela tinha que lembrá-lo disso? Bem, ela estava certa. O seu humor sempre ficava muito melhor quando ele estava bem-alimentado, e assim ele poderia se controlar melhor. Foi como quando resolveu enfim encarar Bella, uma espécie de precaução. Mas, desta vez, se ele perdesse o controle, as consequências seriam bem mais graves.

_Isso não vai alterar a minha boa forma, Rosalie, pode ficar tranquila – ele disse por fim, num tom de escárnio que fez com que Jasper e Emmett começassem a rir – É só por precaução. E você sabe que estão começando a organizar passeios ecológicos por Forks, então tenho que espaçar mais as caçadas.

_Ah, esses passeios malditos... – bufou a moça, irritada – Eles vão dificultar a nossa vida, com certeza.

_Eles gostam da natureza, Rosalie, seja razoável – disse Emmett – E existem muitos lugares para caçarmos em paz.

_Como acham que Alice está se saindo? – disse Jasper, que tinha acabado de consumir sua cota necessária de sangue – Eu mesmo pedi a ela que buscasse Bella na escola e a levasse para casa.

_Alice é responsável, e sei que está fazendo um bom trabalho – respondeu Rosalie – Ainda acho que, por enquanto, não temos com o que nos preocupar.

_Bem, eu estou satisfeito – disse Edward, por fim – Vou ser um anjinho pelos próximos dias. É melhor não abusarmos muito porque duvido que os turistas vão achar normal uma carcaça cujo sangue foi totalmente sugado. Não vão pôr a culpa em nós, mas provavelmente vão vir montes de pessoas por aqui atrás da Bruxa de Blair, ou coisa assim.

            Os outros riram, e assim que terminaram, todos ajudaram a enterrar os restos dos animais abatidos. Depois, em silêncio, os dois foram para o carro, parado na estrada em frente à entrada da trilha. Edward, porém, não entrou. Em vez disso, pediu para que esperassem por ele. Havia mais uma coisa que precisava fazer.

            Entrou novamente pela trilha, correndo livre e seguro, sabendo exatamente para onde ia. Parou em frente a uma garganta de pedras. Não havia sol, mas o lugar continuava belíssimo, e o som suave da água descendo pela cachoeira era uma melodia doce e hipnótica. O vampiro sorriu, aspirando profundamente o ar úmido e gelado, e tirou as roupas ensanguentadas, deixando-as jogadas sobre uma pedra. Estava muito frio, mas não fazia diferença para ele. Com os olhos fechados, deu três passos para frente e se jogou sem hesitar no lago.

            A água lhe dava uma sensação maravilhosa de liberdade. Enquanto estava submerso, sem poder ver ou ouvir nada além daquele momento, sentia-se leve, tranquilo, despreocupado. Não havia ninguém para recriminá-lo, nada com que precisasse se preocupar. Ali, sozinho e nu, na água fria e límpida, sentia-se maravilhosamente bem, quase vivo.

            Por muitos minutos, não voltou à tona, atravessando toda a extensão do lago várias vezes. Depois, começou a nadar de costas, os olhos ainda fechados, cantarolando quase inaudivelmente uma canção suave, que ele mesmo havia criado. Era uma canção inspirada em Bella, e enquanto nadava a sua mente a procurava, desenhando cada linha do seu rosto, cada mecha do seu cabelo, cada nuance diferente de castanho nos olhos, cada nota diferente da sua voz. Era quase como se pudesse senti-la ao seu lado, mas ao mesmo tempo sabia que ela estava longe da vista e do alcance. Longe demais, talvez. Se ao menos pudesse acessar os pensamentos dela...

            Mergulhou novamente, até tocar os seixos do fundo com os pés. O rosto de Bella permanecia vívido em sua mente, recusando-se a sair. E se ele não fosse rápido o bastante? E se, mesmo com todos os seus esforços, seus piores temores se concretizassem? Tanta coisa dependia dele e de Bella... e havia tantos riscos, e tão poucas chances de sucesso. Ele confiaria a sua própria vida a ela – e, pensando bem, era exatamente o que estava fazendo – mas não poderia se arriscar a perdê-la outra vez.

            “Bella sabe até onde eu estou disposto a ir por ela”, pensou ele, subindo à tona mais uma vez, para submergir novamente logo depois. “Ela não devia ter se envolvido, essa é uma briga minha. Quer dizer... pelo menos aparentemente. Talvez haja mais motivos para eles estarem aqui. Talvez não seja por minha causa apenas, ou por Alice. Aliás, provavelmente não é só por isso. Mas, independente do que os tenha motivado, não muda o fato de que Bella está na linha de tiro... junto comigo”.

            Então, emergiu pela última vez. A desvantagem de suas visitas ao lago era que ele sempre perdia a noção do tempo, então resolveu ir logo. Sacudindo vigorosamente os cabelos, recolocou suas roupas e voltou para o carro, sentindo-se mais leve e mais calmo – mas nem por isso mais seguro a respeito das atitudes que deveria tomar.

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_Isso é ridículo.

_Qual é, Bella, vai ser divertido!

_Fora de cogitação, eu não vou!

_Por favor... eu estou pedindo!

_Não insista, eu não quero saber dessa idéia estúpida.

_Vamos lá, você já enfrentou coisas mais difíceis do que isso.

            No dia seguinte, Edward voltou para a escola normalmente, e percebeu que a refeição reforçada havia ajudado: conseguiu agir normalmente o dia todo, ignorando Dean solenemente. Os irmãos dele não estavam lá, o que tornava tudo muito mais fácil. Bella também parecia mais calma, e só se alterou quando viu um cartaz pregado no corredor...

_Eu não vou a nenhum baile idiota de Halloween – disse ela, aborrecida, arrancando várias risadas de Edward – Eu já não sei dançar, o que me torna ridícula em qualquer festa. Agora, imagine se eu estiver com alguma fantasia boba, aí eu fico ridícula ao quadrado!

_Não diga isso, você é linda – retorquiu Edward, beijando-a na bochecha – E pense bem, é o seu último ano... torne-o memorável! Além do mais, eu vou também, e estou te convidando oficialmente para vir junto comigo.

_Até já sei com que fantasia você viria – ela escarneceu, mas ele não se alterou:

_Temos uma política de respeitar as características da família e não fazer piada com elas.

_Pelo amor de Deus, não me peça isso!

_Sinto muito, já estou pedindo.

            Bella olhou angustiada para o cartaz, o que fez Edward rir ainda mais. Ele sabia que ela tinha repulsa a bailes, mas sabia também que precisava fazê-la aproveitar ao máximo seu último ano na Forks High School, e talvez um bom baile de Halloween com fantasias e decorações fosse o que ela estava precisando.

_Está bem – disse ela, por fim, e seu tom de voz era digno de uma sentença de morte – Eu vou. Mas você se responsabiliza, entendeu?

_Eu sou seu fiel escudeiro, lembra? – respondeu ele, com um sorriso torto – Não vou deixar que nada aconteça à minha princesa – e, com um gesto rápido, puxou a mão dela e a beijou. Bella corou, e estremeceu quando ele se aproximou e falou em seu ouvido – Ele está por aqui, e acho que nosso amiguinho adoraria ver o quanto o casal mais estranho da cidade está feliz.

_Vai ficar provocando ele? – sussurrou ela, desesperada, mas ele respondeu, com um sorriso maldoso:

_É claro que sim. Não é o que ele está fazendo? Eu já disse, esse é um jogo para dois.

            Ela se virou, e viu, na frente do corredor, o outro vampiro, encarando-os com um olhar de puro ódio. Estremeceu sem querer, mas logo sentiu as mãos firmes e geladas de Edward amparando-a, e o olhar teimoso e sério dele encarando-a, como se tentasse invadir sua mente à força. Ele não precisou dizer nada, apenas abraçou-a pela cintura e a conduziu até a sala, impedindo que ela encarasse o outro novamente.

_Agora você vai me contar o que aconteceu ontem – disse ele, assim que a aula de Trigonometria começou – Desde o começo. Alice contou... uma parte.

_Que parte exatamente? – ela gaguejou.

_A parte que, se eu não estivesse de muito bom humor, provavelmente me faria ir atrás do Hook e arrancar a pele dele com as unhas. E do Newton, também. Céus, eu falto à aula por um dia e eles ficam como urubus em cima de você? – ele disse, num tom meio sério, meio divertido. Não era mentira. Ele realmente havia ficado furioso quando Alice contou sobre o atrevido beijo de Dean, mas por sorte seu autocontrole estava fortalecido pela refeição e pelo passeio solitário no lago.

_Não seja bobo – ela também riu – Eu descobri que posso resistir ao poder dele, mas não é muito fácil. E conheci a mãe dele. Ela é estranha... diferente dos outros.

_Bem, ela é muito conhecida entre nós – disse Edward, pensativo – Alice te contou algumas histórias. Alguns a chamam de Rainha de Gelo, outras de Vampira de Olhos Azuis, e alguns simplesmente de demônio. Mas ela é uma das maiores incógnitas entre nós. É como os poderes que alguns de nós tem: não fazemos idéia de onde eles vieram, mas a verdade é que eles estão lá, conosco.

_Alice também me contou que ela é... bem... louca – Bella não conseguiu encontrar uma palavra que definisse melhor – Uma psicótica completa.

_Ela é – confirmou o rapaz, fazendo-a empalidecer – Mas não é tola, e eu duvido que ela promova uma carnificina por aqui.

_Parece que Dean tem algum interesse por mim – Bella se arrependeu das palavras assim que viu os olhos do namorado escurecerem por alguns instantes – quer dizer, não sei, talvez ele me veja apenas como a refeição do dia de Ação de Graças, mas a verdade é que ele está se aproximando.

_Isso facilita as coisas.

_Não para mim.

_Eu te avisei, lembra?

_Você tem resposta para tudo?

_Mais ou menos.

_Então por que não me responde o motivo pelo qual está tão decidido a me arrastar para esse baile?

_Seria divertido, só isso.

_Tem certeza que é só isso?

            Não, não era só isso, mas Edward não contaria seus reais motivos. Por isso, limitou-se a dar um sorriso fingidamente inocente, enquanto dizia:

_Sim, Bella, é só isso.

_Então está bem – ela suspirou, por fim – Mas ainda não gosto dessa idéia.

_Confie em mim, está bem? – ele sorriu – Vai ser divertido, eu prometo. Você não é a Carrie, então não precisa ter medo de uma festa.

_Preciso ir de fantasia?

_É óbvio que sim.

_Essa é uma idéia estúpida.

_Você já disse isso.

_Eu sei, mas parece que você não entendeu até agora.

            Edward não respondeu, apenas riu. Ele realmente estava de muito bom humor, muito diferente de duas noites atrás. Ela também sorriu. Sim, com toda a certeza preferia aquela versão animada e risonha do seu namorado. Ele parecia mais tranquilo, mais esperançoso – e mais inacreditavelmente belo do que antes.

            No almoço, os dois se sentaram juntos novamente. Alice não estava com eles, pois estava caçando. A hora do almoço era, para Edward, um evento interessante: ele não precisava comer, mas todos os dias insistia em pegar uma bandeja. Claro, ele já tentara comer algumas vezes, mas tudo tinha um gosto estranho, que parecia uma mistura de serragem com óleo de rícino. Ele se limitava a observar Bella comer, e naquele dia o apetite dela parecia maior do que o costume.

_Alice estava estranha hoje – disse ele – Assustada. Mas ela não quer me contar suas visões, e nem me deixa ler seus pensamentos. É como se tivesse um firewall no cérebro dela, me impedindo de entrar.

_Acha que ela viu alguma coisa ruim? – perguntou ela, largando pela metade a maçã que comia avidamente.

_Provavelmente. E, provavelmente, relacionada a um de nós dois – respondeu ele – Se fosse diferente, ela não faria tanto segredo. Penso que seja algo que ela quer esconder especificamente de mim.

_Não faz sentido nenhum – observou Bella – Se alguma coisa fosse acontecer, ela iria contar, para que a gente tentasse impedir.

_A menos que seja algo que não possamos impedir – ele disse, pensativo e sombrio. Ela estremeceu, e ele percebeu. “Foi uma péssima idéia”, pensou ele. Não era justo incomodá-la com algo que poderia nem acontecer. “Talvez seja por isso que Alice não queira me contar nada”. Então, sorriu, e tentou parecer confiante – Ah, esqueça isso, Bella, talvez não seja nada.

_É... talvez não seja nada mesmo... – disse ela, encarando-o. “Meu poder de atuação costumava ser melhor”, pensou ele, ao perceber que ela não estava acreditando muito nele.

_Tire isso da cabeça – disse ele, divertido – O que ainda não aconteceu não pode nos fazer mal. E, o que quer que seja, eu e os outros vamos dar um jeito.

            Ela o encarou, e depois sorriu, parecendo tranquilizada. Ele também ficou mais tranquilo. Era muito melhor vê-la assim, com o mínimo de preocupações. E ele também resolveu seguir o próprio conselho. Não havia acontecido nada ainda, então estava tudo bem. O futuro era uma incógnita – e, aparentemente, mais sombrio do que previra – mas o presente estava bem ali, na sua frente. Os olhos dela o encaravam, cobrando respostas que ele ainda não podia dar. O medo estava lá, sempre, como um fantasma o assombrando. Se ela soubesse, seria pior. Então, ele prolongaria aquele tempo o máximo possível – a calmaria antes da tempestade – e fazer dele o melhor que pudesse.

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            Na hora da saída, Edward e Bella se depararam com um aglomerado de pessoas em volta de um carro, que Bella reconheceu. Era o de Angela, e estava com o rádio ligado. Ela se aproximou, e percebeu que era o canal de notícias. Havia muita discussão, e as vozes dos alunos se sobrepunham ao som do rádio.

_Isso é bizarro – disse um garoto.

_Bizarro? Isso é simplesmente insano! – retorquiu uma garota.

_Querem calar a boca? Eu estou tentando ouvir! – esbravejou uma outra.

_Hey, não se debrucem em cima do meu carro! – reclamou Angela Weber, uma garota de cabelo castanho-claro, liso, estreitando os costumeiramente gentis olhos castanhos – Ou vou desligar o rádio!

_O que está havendo por aqui? – perguntou Bella. Jessica estava por lá, pálida, e respondeu:

_Uma onda de assassinatos em Olympia – Edward parou de respirar por dois segundos, e sentiu a namorada fincar as unhas em sua mão – Numa única noite. Até agora acharam quinze corpos, mas pode ser que tenha mais.

_Algum suspeito? – perguntou Edward. Jessica pareceu estranhar o fato de ele dirigir a palavra a ela, mas respondeu rapidamente:

_Não. Os corpos estavam todos picados – eles ouviram um aflito “por que você tem que falar desse jeito?” vindo de outra garota – E, pelo que disseram, a quantidade de sangue surpreendeu até os investigadores mais experientes. Não parece obra de um ser humano.

_Com toda a certeza – concordou Bella, com a voz transformada num sussurro. Ela procurou o Camaro vermelho na rua, mas não o encontrou – Meu pai deve saber alguma coisa sobre isso, eu vou voltar pra casa e ligar para ele. Algum de vocês tem parentes ou amigos em Olympia?

_Eu tenho – disse um rapaz, Tyler Crowley – Bem lembrado, Bella, também vou ligar para eles.

_É melhor irmos embora daqui – Edward sussurrou no ouvido da garota – Agora mesmo.

            Ela o encarou, pálida, e concordou. Os dois saíram depressa do meio daquelas pessoas, na direção do Volvo prateado. Ele não podia encará-la: havia prometido que não perderia o controle outra vez, mas podia sentir qualquer coisa ferver dentro de si, de uma forma que não sentia há muito tempo. “Calma, Edward, calma...”, ele sussurrava para si mesmo, mantendo os olhos baixos e a respiração silenciosa e cadenciada. Assim que eles entraram no carro, Edward travou as portas, e disse, lentamente:

_Isso é apenas uma provocação, Bella – ele estava conseguindo manter a voz sob controle, mas ao olhar de relance para o espelho retrovisor, percebeu que suas íris estavam quase negras – Outras virão. Minha teoria estava correta: não é apenas uma revanche deles contra nós por causa do Max. Se fosse, eles não estariam se expondo tanto. Olympia é uma cidade visada, e mesmo para eles há a chance de serem pegos. Mesmo que humanos não pudessem fazer nada contra eles, cedo ou tarde a notícia se espalharia, e há um nível de sigilo que nós não podemos quebrar.

_Mas não faz sentido nenhum – ela não o encarava; seus olhos estavam fixos no painel do carro – Se eles queriam isso, porque foram até Olympia? Por que não... por que não...

_Por que não resolveram jantar por aqui mesmo? – ele terminou a frase dela, a voz saindo mais áspera do que gostaria – Porque aqui ainda é o nosso território. Eles devem estar planejando alguma coisa. Olympia daria publicidade suficiente para eles, além de estar distante o bastante para não serem suspeitos.

_Seus irmãos não vão deixar isso barato – observou Bella.

_Eles não vão fazer nenhuma besteira porque eu não vou deixar – ele foi firme - Seremos perfeitamente civilizados. Mas não vai demorar até eles atacarem alguém em Forks, e isso me preocupa.

_Eu vou me aproximar mais – ela disse, e Edward não conseguiu conter um resmungo angustiado – E vou arrancar alguma coisa do Dean. Conheci a mãe dele, ela deve pensar que sou inofensiva.

_Não, você não vai! – retrucou ele – Isso está ficando fora de controle, eu não vou deixar.

_Não vamos voltar a essa discussão, Edward.

_É perigoso demais!

_Mas pode ser a nossa melhor oportunidade!

            Ele a encarou, inconformado. Por que ela tinha que ser tão cabeça-dura? O que ela estava pretendendo com tudo aquilo? Se, antes, mantê-la segura já era um desafio e tanto, agora se tornava praticamente impossível! Onde teria ido parar o senso de autopreservação daquela garota?

_Ainda preciso processar tudo isso com calma – ele decidiu, por fim – Ver o que Carlisle pensa disso, pedir a opinião dos outros... Enfim, precisamos de toda a ajuda possível. É melhor que você vá sozinha para casa, hoje, está bem?

_Se não há outro jeito... – Bella acenou afirmativamente com a cabeça – Mas tome cuidado... Dean não foi com eles, então, se puder evitá-lo...

_Eu já disse, serei um perfeito cavalheiro – ele retorquiu, sorrindo, mas ela o cortou, encarando-o:

_Não é com isso que eu me preocupo – os olhos dela se estreitaram – Pode ser que ele não seja tão cavalheiro quanto você.

_Sei me cuidar bem – ele ficou sério – E nem nós nem eles querem começar o conflito. Agora vá, rápido, antes que as pessoas comecem a fazer perguntas.

            Ele a beijou na bochecha, mas ela, atrevida, procurou seus lábios, dando um beijinho estalado, antes de se despedir e sair. Uma vez sozinho, Edward se permitiu encostar a cabeça no volante, e lá ficou por longos minutos, até ouvir uma batidinha no vidro. Era Alice, já de volta da sua caçada, que o observava.

_Você já deve ter ficado sabendo – disse ela, enquanto saíam – Desgraçados...

_Eu vou até lá hoje, Alice – disse ele, atraindo para si o olhar dela – E nem adianta fazer essa cara porque eu não vou mudar de idéia. Já prometi que não vou me exceder, ou seja, pode ficar despreocupada. Você vem comigo?

_Acho que é o melhor que tenho a fazer – ela concordou, aborrecida – Droga, Edward, você adora fazer esse tipo de coisas! Porque nunca planeja e pensa um pouquinho antes de tomar decisões?

_Se eu perder tempo planejando, como você diz, eles continuarão matando pessoas e nós vamos ficar só assistindo – ele se defendeu – Em todos esses anos, nós dois nunca brigamos tanto quanto nessas últimas semanas, e eu odeio isso. Será que dá pra me apoiar nisso, por favor?

_Não é uma questão de apoio, Edward! – a outra bufou, irritada – É uma questão de bom-senso! Até quando você acha que as coisas vão ficar assim? Eles vão nos atacar, e você e eu somos os alvos principais! O que pretende ganhar com isso?

_Respostas – respondeu o primeiro, secamente – E garantias de segurança para vocês e para Bella.

            Alice não discutiu mais, mas ficou emburrada durante todo o percurso. Ela só se manifestou quando ele pegou um caminho diferente, em direção ao centro da cidade de Forks, até um chalé azul-claro com um grande jardim na porta. Eles desceram, e ficaram alguns instantes parados em frente à casa, apenas observando.

_Ainda dá tempo de voltar – sussurrou ela, irônica.

_É claro que não – ele retorquiu, no mesmo tom – Se quiser ir embora, ótimo, mas eu vou ficar.

_Sem chance – ela segurou a mão dele firmemente – Estamos juntos nessa, lembra?

            Ele a encarou. Os olhos de Alice estavam faiscantes, transbordando teimosia. Ele respirou fundo, e concordou. Juntos, eles caminharam até a porta da casa e tocaram a campainha. Demorou um pouco para que pudessem ouvir passos na direção da porta. Quando ouviram o barulho do trinco, porém, hesitaram. Seria aquela uma boa idéia?

_Vocês? – quem abriu foi Simon, o garoto de olhos claros e tímidos e cabelos castanhos presos em um rabo-de-cavalo. Ele os encarava com apreensão e incredulidade – O que estão fazendo aqui?

_Acho que está na hora de termos uma conversinha com a sua família – disse Alice, o tom de voz azedo – E não vamos embora sem algumas respostas.

_Eu sabia que vocês acabariam vindo – disse Simon, mais para si mesmo – Entrem, por favor. Eu vou chamar os outros.

            Eles entraram. A casa era clara e iluminada, e toda a decoração da sala tinha uma certa inspiração na Grécia antiga, com esculturas e pinturas por toda a ampla sala. Os dois sentaram-se no sofá, e Edward sentiu alguma coisa repulsiva e hostil naquele ambiente belo e bem-decorado. Logo, apareceram os dois líderes da família Hook. Um deles era um homem alto e forte, com cabelos vermelho-vivos curtos e um rosto estreito e anguloso, com olhos negros, e ao lado dele estava uma mulher pálida, alta e delicada, com cabelos negros muito longos e olhos azuis pálidos.

_Ora, ora, ora! O que os dois garotos Cullen fazem na minha sala? – disse ela, abrindo um sorriso de ironia – Posso perguntar a que devemos a honra?

_Seu cinismo é realmente espantoso, sra. Hook – disse Edward, no mesmo tom – Ficamos sabendo a respeito da visitinha que fizeram a Olympia, e queríamos detalhes.

_Não sei se isso é da sua conta, Cullen – disse o homem – Aliás, é no mínimo burrice da parte de vocês chegarem até aqui.

_O que é isso, Will? Onde está a sua civilidade? – a mulher o repreendeu – Eles vieram como os garotos bem-educados que são, e serão bem-tratados em nossa casa.

_Mas, Justine... – Will começou, mas ela o cortou novamente, dizendo:

_Não discuta – e, para eles – Queridos, vocês sabem que temos nossas necessidades. Se vocês se contentam com animais imundos, ótimo, isso não é problema meu, mas precisamos de coisas mais refinadas do que isso.

_Será que eu posso pelo menos perguntar o que estão fazendo em Forks? – disse Alice – Duvido que estejam aqui simplesmente por causa das belezas naturais de Washington.

            Justine apenas a encarou, com um sorriso irônico, e os olhos de Alice se estreitaram. Edward flagrou-a pensando “eu vou matá-la aqui mesmo!”, e segurou a mão da irmã com força, encarando-a profundamente, para acalmá-la.

_O QUE ELE ESTÁ FAZENDO AQUI? – alguém, da porta, começou a gritar. Edward se virou, e se deparou com Dean, totalmente furioso. Não conseguiu conter um sorriso de satisfação ao vê-lo naquele estado, e disse, num tom sarcástico:

_O que foi, Dean? Não gostou da visita?

_Olá, Edward – logo depois, a irmã de Dean, Emma, entrou e se aproximou dele. Havia um sorriso malicioso em seus lábios, e um brilho estranho no olhar, enquanto o encarava, gulosa – É ótimo te ver.

_A recíproca não é verdadeira, Emma – retrucou ele, estreitando os olhos e pensando “isso não está acontecendo comigo!” – Será que podemos falar com alguma seriedade aqui?

_É claro que sim – disse Justine – Vamos ser objetivos, então. O que querem?

_Queremos que nos respondam o que pretendem aqui em Forks – respondeu Alice – Não é uma pergunta complicada, então queremos uma resposta direta.

_Não é óbvio? – Will deu um sorriso maldoso – Acertar as contas, é claro. Encontrar um novo lugar para nos estabelecermos, sem concorrentes.

_Essa parte a gente já conhece – cortou Edward – E o que mais?

_Parece que você não é tão burro quanto pensávamos, então – Dean deu uma risada debochada. Foi a vez de Edward ameaçar avançar sobre o outro vampiro, e Alice o segurar – Devemos contar, mãe?

_Ainda não, meu filho – respondeu Justine – Vocês saberão. Isso os envolve também, vocês e toda a sua família. E, obviamente, também envolve a sua namorada, Isabella.

_Fiquem longe da Bella – sibilou ele, sentindo uma onda de fúria correr pelo seu corpo como um choque elétrico – Ela não tem nada a ver com isso. Ela nem sabe quem... o que... nós somos!

_Por que está com ela, Edward? – disse Emma, fazendo um gesto para tocá-lo, que ele repeliu rapidamente – Uma humana tão insignificante... você arranja coisa bem melhor.

_Sinto muito, Edward, mas você mesmo a envolveu – Justine deu uma risada fria – Não vai conseguir protegê-la. Na verdade, não vai conseguir se proteger. Ainda não conseguimos perdoá-lo pelo nosso Max, e eu sei que você se lembra dele.

            Edward respirou fundo, convocando até as últimas reservas de calma para não cometer uma estupidez. E, para espanto de todos, abriu um grande sorriso de deboche, enquanto dizia:

_Bom, se vocês estão colocando nestes termos... parece então que teremos uma temporada bem interessante por aqui, não é?

_Se você prefere colocar dessa forma, sim – respondeu Dean, encarando-o – Será bem divertido.

_Com toda a certeza – ele deu um passo à frente. Dean era um pouco mais alto que Edward, mas os dois mantinham os olhos fixos um no outro.

_Vamos embora daqui, Edward – Alice o puxou pelo braço. E, virando-se para Justine – Se tocarem em alguém dessa cidade, qualquer um, vocês vão se arrepender amargamente. E é melhor ficar bem longe da Bella, Dean, ou vai se ver comigo também.

_Estou morrendo de medo! – o vampiro Hook deu uma risada alta de escárnio. Alice fingiu que não ouviu, e continuou seguindo na direção da porta, sem soltar o braço do irmão – Pode deixar a Bella comigo, Cullen, eu estou louco para provar aquele buquê exótico.

_Não diga nada – sussurrou Alice, sentindo que Edward tentava se soltar – Vamos embora daqui.

            Ela bateu a porta atrás de si com força, e continuou arrastando o irmão com força até o carro. Ela mesma assumiu a direção, e logo disparou por entre as ruas de Forks, quase atropelando vários pedestres. Edward estava com raiva, sim, mas não se lembrava de ter visto a irmã tão transtornada: os olhos pareciam dois pedaços de carvão em brasa, o cabelo estava levemente desalinhado, a expressão do rosto anormalmente endurecida e angulosa. Logo ela, sempre tão calma e tão risonha, num estado daqueles, o assustava.

_Cometemos um erro ao ter vindo – disse ela, quando já estavam na estrada, com a voz rascante e muito baixa – Agora, além de ainda não sabermos nada, deixamos ainda mais claro para eles que a forma mais fácil de nos atingir é através da Bella.

_Juro que quase pulei em cima daquele desgraçado do Dean ali mesmo – disse Edward – Sei que, se eu fizesse isso, os outros todos me fariam em pedaços no instante seguinte, mas na hora nem pensei nisso. Se você não tivesse me segurado, eu...

_Não foi nada – retrucou ela – Pelo menos, com isso, sabemos para que lado eles vão apontar e, assim, para que lado nós temos que olhar.

_Isso está mexendo comigo – a voz de Edward estava baixa, envergonhada – Cada vez mais, estou agindo como o monstro que sou, e não consigo evitar. Não sei até quando posso conter meus instintos.

_Não fale assim – então, Alice o obrigou a encará-la. O rosto dela estava mais suave e os olhos, um pouco mais claros. O vampiro sentiu uma onda de alívio percorrê-lo, ao perceber que ela se parecia menos com uma vampira furiosa e mais com uma irmã preocupada – Você não é um monstro. Nós não somos. Se fôssemos monstros, nem estaríamos aqui juntos.

            Ele a encarou, e ela forçou um sorriso. Como ela podia ser sempre tão compreensiva? Com toda a certeza, Alice era uma daquelas raras pessoas capazes de carregar o mundo inteiro dentro do coração e ainda sobrar espaço. Edward tinha muita sorte por tê-la ao seu lado, e por poder contar com ela. Ela diminuiu a velocidade, e parou o carro em frente à casa deles.

_Vamos fazer um trato – disse ele – Primeiro: não vou mais fazer perguntas sobre as suas visões nem tentar ler seus pensamentos, e caberá a você decidir se irá contá-las a mim ou não. Mas, se for algo que possamos impedir... algo que mostre alguém se ferindo... você me contará, está bem?

_Combinado – concordou ela, acenando com a cabeça.

_Segundo: Bella não saberá que estivemos aqui – ele continuou – Ela iria ficar louca, se soubesse.

_É bem justo. Eu não direi nada.

_E, terceiro – nessa hora, ele respirou fundo – Se, por um acaso, as coisas saírem do controle...

_Pelo amor de Deus, não diga uma coisa dessas!

_Por favor, não me interrompa! Se, por um acaso, as coisas saírem do controle, você fará exatamente o que eu disser, independente do que for, mesmo que pareça que eu estou prestes a fazer alguma coisa que te pareça muito estúpida e perigosa. Feito?

_Essa eu já não posso prometer.

_Por favor...

_Está bem, está bem.

_Ótimo – ele acenou com a cabeça – Então, estamos combinados. Será um período bem tenso, e não vai demorar nada a aparecer mais alguma provocação. Mas eu não vou descansar até isso tudo acabar, juro!

_Nem eu – ela concordou – É melhor descermos, ou teremos que inventar mais desculpas.

            Eles desceram do carro. Edward então percebeu, surpreso, que novamente Alice segurava a sua mão. A expressão facial dela estava como sempre: leve, delicada, bela e inocente, os olhos estavam claros e calmos, e não havia absolutamente nada que os entregasse. Ele odiava ter que, pela primeira vez, esconder algo de sua família, mas ainda não era a hora de lhes dizer o que estava havendo. Mas naquele gesto de Alice, ele percebeu que, independente do que acontecesse, ela não sairia do seu lado, e abraçaria aquela missão, junto com ele. Havia muito em jogo – pessoas, sentimentos, até mesmo uma certa auto-afirmação, com a prova de que eles realmente eram diferentes – mas o jovem vampiro torcia para que mesmo toda aquela devoção da irmã não a impedisse de fazer o necessário, se a situação exigisse.

            E, o pior de tudo, ele sentia que talvez o necessário viesse cedo demais.


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