Aurora Borealis escrita por Kyra_Spring


Capítulo 12
Capítulo 11: Cipreste




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            Os dias seguintes continuaram a se arrastar.

            A chuva se intensificou, e Charlie, decidido a não deixar que Bella tivesse uma recaída, a obrigava a sair de casa carregando uma enorme capa de chuva todos os dias. Sua caminhonete estava no conserto, e pelo que sabia o conserto custaria os olhos da cara.

            E havia a expectativa opressora de se encontrar com Dean Hook. Talvez tivesse sido melhor se ela não soubesse do prazo. A espera era simplesmente insuportável.

            A sua crise de ciúmes se tornou o assunto principal do colégio, no dia seguinte. As garotas a apoiavam, e algumas perguntavam se ela tinha terminado com Edward. Já os rapazes, embora rissem quando ela passava, encolhiam-se quando ela se virava. E Jessica estava especialmente grata por ter saído da pauta principal das fofocas.

            Edward era o único que reclamava a respeito do acontecido, na mesa do almoço.

_Graças a isso, fiquei mal com as garotas – ele resmungava, enquanto iam para a aula – Rosalie me lançou um daqueles olhares venenosos que você conhece bem. E a Alice, bem, você conhece ela. Ela já sabia, e teve uma visão a esse respeito enquanto caçava. Quando voltou, começou a falar e não parou mais – e fez uma voz fina, para imitar a irmã – “Isso é coisa que se faça com a Bella, seu patife? Onde está o seu respeito? E ainda mais na frente de todo mundo, e blá-blá-blá...” Nem adiantou quando eu tentei explicar que tudo foi um mal-entendido. E agora, as garotas daqui me olham torto. É impressão ou as mulheres gostam de se unir em grandes grupos para odiar os homens com mais intensidade?

_Mais ou menos isso – Bella estava mais calma a respeito da cena do dia anterior – Acho que está nos genes, sabe? E acho que isso não é uma coisa que a transformação de vocês seja capaz de mudar.

_Isso é verdade – Edward concordou – Até Esme me censurou!

_E os rapazes?

_Eles me disseram que foi um erro bobo, e que eu deveria ter impedido aquela abusada. E, claro, riram da minha cara o quanto puderam. Alice também já havia contado tudo a eles, em detalhes. Foi vergonhoso.

            Ela riu, imaginando a reação dele. Ela sabia que Edward estava testando e experimentando todo um leque de novas emoções e sentimentos, e talvez não soubesse lidar muito bem com todos eles. Mas estava aprendendo, aos poucos, e se saindo bem. Pelo menos na maior parte do tempo...

            Mas, apesar das risadas e das brincadeiras, sua apreensão crescia a cada dia. Dean e os irmãos dele não estavam indo à escola, o que aumentava os seus temores a respeito do que estava sendo preparado. Será que ele a estava conduzindo para uma armadilha? Afinal de contas, seria a suprema provocação se ele atacasse exatamente a humana mais protegida de toda a península Olympic.

            Mas seria também tolice, pensando bem. Provavelmente, eles esperavam que um dos Cullen ficasse vigiando à distância. E Bella não estava totalmente certa se eles sabiam a respeito dela ou não. Era difícil saber o que esperar, muito difícil. E isso tornava a espera ainda mais angustiante.

_Alice teve mais alguma visão a respeito... de daqui a dois dias? – ela perguntou, tímida.

_Não, nenhuma – ele respondeu, secamente – De qualquer forma, eu e Alice temos uma droga de acordo, e ela decide o que ou quando irá me contar. Mas ela me assegurou que nada irá lhe acontecer, o que é o bastante para mim.

            “Um acordo?”, ela pensou, confusa. “Eu não sabia disso. Mas, se é um acordo... o que ela deu a ele, em troca disso?”.

            Na escola, era mais fácil lidar com o conflito de emoções, porque havia constante ocupação para a mente. Em casa, porém, era muito mais difícil. O pior de tudo era tentar passar uma imagem inocente o bastante a Charlie, quando se sentia prestes a desmoronar.

            Assim, seguiram-se os dois dias que a separavam do encontro que mais temia.

            Não houve aulas na quinta-feira, para a instalação de um sistema de combate a incêndios (“um desperdício de dinheiro”, dizia Tyler Crowley, “se houver um incêndio aqui é só esperar dois minutos e a própria chuva se encarrega de tudo!”).  Bella não conseguiu dormir na véspera, e naquele dia levantou-se antes mesmo de amanhecer.

            “Eu não poderei falar com você nesse dia”, Edward havia explicado, na noite anterior. “Sei que estamos te expondo a um risco enorme, mas saiba que estaremos todos vigilantes. Emmett, Jasper e eu vamos estar de olho, em pontos estratégicos. Alice vai ficar fora da cidade, de um lugar em que suas visões estejam com clareza máxima, e irá nos avisar a qualquer mudança de curso. E, antes mesmo que eles possam sonhar em tocar em você, estaremos lá”.

            Um bom plano, sem dúvida. Mas daria certo? Afinal, Bella era especialista em planos aparentemente brilhantes, mas que dão errado por causa de minúsculos detalhes.

            Ela se concentrou, então, em preparar-se. Como no dia em que saiu ao encontro de James, em Phoenix. Pelo menos nesse dia sabia o que estava prestes a enfrentar, mas agora... não fazia idéia. Sabia, sim, que era a sua tarefa mais importante em toda aquela conspiração, e que precisava realizá-la bem, para terminar de vez com tudo aquilo.

            Fazia frio, e a chuva estava mais intensa. Ela deu uma olhada no calendário. Cinco de novembro. O inverno se aproximava, e com ele o frio e a neve, misturada à chuva. Não tinha como ficar pior, de qualquer forma. Então, tudo o que precisava fazer era respirar fundo e ir em frente. Assim, com passos decididos, vestiu seu casaco e desceu as escadas. Charlie não estava em casa, o que tornaria tudo menos difícil.

            Ao olhar para fora, sentiu a respiração sair do ritmo. Lá estava o Camaro, esperando.

            Não saiu até ter certeza de que parecia leve e despreocupada. Assim que teve essa certeza, saiu, mantendo os passos firmes e constantes. Realmente, estava aprendendo a dissimular. Não era algo para se orgulhar, mas poderia ajudar a salvar a sua vida. Exatamente por isso, tentou não abusar demais da sorte, e sua expressão ao entrar no carro vermelho era neutra.

_Espero que essa visita deixe as coisas bem claras entre nós daqui para frente, Dean – sua voz saiu límpida e objetiva – Porque não quero mais perder meu tempo tentando explicá-las a você.

_Sempre escorregadia, não é, srta. Swan? – o sorriso dele, porém, a fez fraquejar. Era assustadoramente parecido com o sorriso de Edward – enviesado, com uma nota de deboche constante – mas, mesmo assim, algo o tornava uma espécie de cópia corrompida daquele sorriso zombeteiro e divertido que ela tanto amava.

_Não se trata de ser escorregadia – ela disse, evitando encará-lo – Só não quero que confunda as coisas a meu respeito.

            Ele apenas deu de ombros, enquanto dava a partida no carro. Era inegável: ele estava mesmo muito bonito. O cabelo negro despenteado brilhava, e a camisa preta que usava realçava o brilho faiscante dos olhos, mais escuros do que nunca. Bella começava a pensar que talvez eles fossem mais diferentes dos Cullen do que pareciam. Não era possível que apenas a sede escurecesse suas íris daquela forma, e nem qualquer outra emoção. Não. Era algo mais profundo, algo quase... sanguíneo.

            Eles pararam em frente a um belo chalé, no centro da cidade. O jardim era amplo e belo, e a casa também parecia refinada e aconchegante, mas por alguma razão aquilo tudo parecia muito falso para o seu gosto. Eles passaram tanto tempo tentando conquistar as pessoas... todos no colégio gostavam dos irmãos Hook (embora a popularidade de Emma entre as garotas sempre tenha sido mais baixa do que entre os garotos, e tenha diminuído ainda mais depois do incidente com Edward), e seus “pais”, ou o que quer que eles fossem, também eram bem-vindos e bem-vistos na cidade. Mas ela sabia que tudo aquilo era falso, e isso era asqueroso.

_Ciprestes? – ela murmurou, ao passar pelo portão, tentando procurar uma desculpa para não encará-lo.

_Sim – ele respondeu, rindo – Árvores de cemitérios, geralmente associadas à morte... podem parecer deslocadas, mas você vai descobrir que elas não poderiam estar em um lugar melhor nessa cidade.

            Por um instante fugaz, ela sentiu as pernas enfraquecerem, mas limitou-se a manter o rosto impassível e seguir com passos constantes até o interior da casa. Era um lugar bem-iluminado e com uma bela decoração, como a dos Cullen. Havia quadros e estatuetas, e o som suave de música clássica vindo de um sistema de som potente.

            E, esperando por eles, Justine Hook, a rainha de gelo de olhos azuis, sorrindo.

_Oh, Bella, pensei sinceramente que você não viria – o tom dela era acolhedor – Soube do comportamento deplorável da Emma, e espero que não se ofenda. Ela é um pouquinho atirada às vezes, e se comprometeu a pedir desculpas a você.

_Não será necessário, obrigada – ela disse, sentindo-se grata por Justine ter tocado no assunto. Assim, podia reacender a sua raiva, e afastar o medo outra vez – Aliás, pretendo ser breve. Dean disse que precisava conversar comigo. Sinto que as coisas ficaram confusas desde o baile e quero esclarecer tudo.

_É exatamente isso que pretendemos fazer aqui, Bella – ele disse, colocando-se ao lado da mãe. Só então Bella pôde perceber a notável semelhança entre os traços dos dois – Desde o primeiro momento em que te vi, pude perceber que você é diferente dos outros. Você é tão perspicaz, tão observadora. E totalmente fascinante, devo acrescentar. Sente-se, por favor.

            Ela se sentou, rígida, em uma poltrona, a uma distância segura dos dois vampiros. Ela conhecia aquele olhar guloso e cheio de malícia. Ela podia sentir uma leve taquicardia, e puxou o zíper da blusa, numa tentativa sabidamente inútil de abafar o som para os dois.

_Responda-me uma coisa, Bella, você gosta de histórias de terror? – Justine começou.

_Na verdade, não – respondeu Bella, lembrando-se do dia em La Push, em que dissera exatamente o contrário – Isso é relevante?

_Depende, considerando que você está dentro de uma história de terror já há algum tempo – respondeu Dean, sem esconder um sorriso de zombaria – Acho melhor sermos bem diretos, mãe.

_Se você faz questão... – a mulher deu de ombros – Bem, Bella querida, não se assuste. Eu, Dean, Emma, Simon e Will, todos nós somos diferentes de você. Edward e a família dele também, mas pelo visto ele não se deu ao trabalho de lhe contar esse pequeno detalhe.

            “Deu certo, eles não sabem”, ela pensou, ainda se esforçando para não deixar seu rosto traí-la.

_Todos nós somos vampiros, Bella – ela tomou o cuidado de arregalar os olhos quando Justine mencionou vampiros – Os Cullen tentam renegar à própria raça e à própria natureza, alimentando-se de animais e não de pessoas, mas nós preferimos uma vida mais autêntica. É claro que isso não quer dizer que tenhamos que viver como animais, por isso estamos tentando nos estabelecer em Forks e estabelecer nossa caça longe daqui. Gostamos da cidade, e das pessoas. E gostamos especialmente de você, por isso achamos justo te contar o nosso segredo.

            Ela sentiu-se nauseada. Como podiam ser tão hipócritas? Era demais até para ela.

            E então, depois de alguns instantes de silêncio e dúvida, ela finalmente soube como agir.

            Bella começou a rir. Um riso gelado, de desespero e medo.

_Eu não acredito que você me trouxe aqui para isso, Dean – seu riso soava quase histérico, algo que ela não conseguiria evitar – Nunca ouvi tantas besteiras em toda a minha vida! Vou embora agora mesmo!

_Não, Bella, por favor, fique – ele a segurou pelo pulso – Estamos falando a verdade. A mesma verdade que o seu amado Edward deveria ter te contado e não contou.

_Você quer que eu acredite que Edward é um vampiro? Ah, dá um tempo!

_E por que não? – ele a fez encará-lo – Vai dizer que você nunca percebeu? A pele gelada, os olhos que mudam de cor, o fato de ele nunca comer nada, os sumiços inexplicáveis... E não me diga que você realmente acredita naquela balela toda a respeito da família dele! Ele mentiu o tempo todo – parou por um instante, para olhar diretamente nos olhos dela – Eu, por outro lado, estou sendo totalmente honesto a respeito de quem, e do que, eu sou.

_Eu não vou acreditar em você – ela retrucou – Isso é absurdo demais. Vou embora, e é melhor não me procurar outra vez, ou serei obrigada a envolver outras pessoas nessa história.

            Ela se virou em direção à porta, mas antes que pudesse dar um passo, Justine já bloqueara a sua passagem, e a encarava, com olhos inquiridores e confusos. O que ela estava tentando fazer, afinal de contas? Será que ela também tinha algum tipo de talento oculto, como os filhos?

_Bella, antes de nos julgar, por favor, deixe-nos terminar de falar – a voz dela estava totalmente impassível – Somos diferentes, sim, mas estamos bem aqui, na sua frente, não estamos? E, se o seu medo é de que nós a ataquemos, pode ficar tranquila, porque isso não irá acontecer. Sente-se, precisamos mesmo conversar.

            Ela voltou a se sentar. A chuva tamborilava na janela, constantemente. Até quando conseguiria levar adiante a farsa?

_A maior parte das lendas a nosso respeito são mentirosas. E com certeza temos muito pouco a ver com os personagens de Anne Rice – ela abriu um sorrisinho – Mas o básico, a parte das lendas que fala a respeito da nossa, hum, dieta, é verdadeira. Sim, nós nos alimentamos do sangue das pessoas, e vivemos disso. Alguns dizem que conseguiram uma alternativa, mas sabemos muito bem que isso é apenas paliativo. Quando chegar a hora, nenhum deles recusaria o chamado do sangue. Se isso for chocante demais para você, me avise, OK?

_Considerando que não acredito nisso – a mentira foi mais fácil do que ela esperava – pode continuar.

_Sempre cética, não é, srta. Swan? – Dean continuou, rindo – Outra parte verdadeira é aquela que fala das transformações. Nós nos transformamos através de uma mordida, por um tipo de toxina. É ela quem causa essas mudanças em nós, ou seja, os olhos, a pele fria... Eu mesmo tinha olhos azuis, antes da minha transformação. E hoje, eles são pretos.

_Espere um pouco – ela o interrompeu, encontrando finalmente a brecha para fazer as perguntas que a levaram até ali – Isso não faz sentido nenhum. Os Cullen tem olhos dourados, que de vez em quando escurecem um pouco. Os seus são escuros, e de vez em quando parecem avermelhados. E os da Justine são azuis. Explique-me isso, por favor.

_Nossas origens são diferentes, Isabella – respondeu Justine, grave – Para que você compreenda, vou lhe contar a minha história, e deixar que tire suas próprias conclusões.

            Ela prendeu a respiração por um momento. Era aquele o momento pelo qual esperava.

_Nem todos nós tivemos uma origem como a das lendas – ela começou – Alguns de nós já nascem diferentes. Talvez os primeiros de nós tenham surgido da mesma forma que eu, espontaneamente.

_Espontaneamente? Quer dizer que ninguém te... transformou, por assim dizer? – ela fazia um esforço monumental para ainda aparentar ceticismo, enquanto torcia para Edward estar por perto o suficiente para ouvir sem ser ouvido.

_Sim – Justine abriu um sorriso glacial – Sou muito idosa. Não me lembro muito bem dos detalhes, mas sei que estávamos logo no início da Guerra dos Cem Anos. Na época, a França não era um bom lugar para se viver... e, pensando bem, que lugar era? – parou um pouco – Eu tinha trinta anos quando tudo aconteceu. Emma, Maximilian e Dean ainda eram crianças, e o pai deles lutava contra os ingleses. Foi tudo muito rápido. De repente, tropas inglesas invadiam e incendiavam nosso povoado. Meu marido morreu nos defendendo – o tom dela era objetivo, frio e sem emoção alguma – Consegui esconder nossos filhos, mas não consegui fugir dos soldados. Foi terrível. Eles destroçaram o meu corpo, e o deixaram no meio da rua. Bella, você faz alguma idéia de qual é a sensação de morrer?

            Se ela fazia alguma idéia?

            Ela se lembrava do fogo... e da dor...

            E da sensação maravilhosa de flutuar... do desejo desesperado de deixar a dor para trás.

            Mas, principalmente, lembrava-se do seu anjo triste. E de como ele a fazia crer no paraíso.

_Não, senhora, não faço idéia – ela respondeu, rapidamente.

_Pois bem, eu sei – Justine continuou, num tom mais baixo – Por alguns momentos, foi como se tudo tivesse desaparecido, a dor, o sangue, o medo... e me senti bem, me senti livre. Mas, depois, começou a dor, mais forte e mais violenta do que a soma de todas as dores que tive ao longo da vida. Não sei quanto tempo durou, só sei que eu estava desesperada. Por que não me deixavam morrer em paz? O que eu havia feito para merecer aquilo? Eu era uma mulher respeitável, uma cristã irrepreensível. Por que pecados, então, eu estava sendo punida? Foi terrível.

_Mas... alguém pode ter feito isso com você – sussurrou Bella – Você não viu alguém que possa tê-la transformado em... em...

_Não, não havia ninguém. Eu teria me lembrado – Justine não deixou que ela terminasse – Depois do que pareceu uma eternidade, a dor parou. Eu estava ilesa, como se nada tivesse acontecido. Meus filhos também estavam bem. Eles estavam escondidos na igreja do povoado. Mas não demorei a perceber que alguma coisa estava errada. Eu estava muito mais forte e rápida do que pensava que era possível. E, então, percebi que podia não apenas ver coisas, mas fazer com que outros vissem o que eu queria. Fiquei apavorada, pensei que havia sido possuída por algum tipo de demônio, então resolvi sumir no mundo, e deixei Max, Emma e Dean sob os cuidados da igreja.

            “Então ela também tem talentos...”, Bella pensou, intrigada. “Isso é algo a se levar em consideração”.

_Passei quase dez anos longe de qualquer povoado – os olhos azuis dela faiscavam – Só então percebi a extensão da minha mudança. Meu corpo parecia feito de pedra, como uma estátua grega, meus sentidos estavam trinta vezes mais fortes, e eu sentia algo estranho, uma sede inexplicável... Quando encontrei um peregrino no meio da estrada, e o ataquei, e senti pela primeira vez o gosto do sangue humano, entendi. Eu não havia sido possuída por um demônio... eu mesma me transformei num deles.

_Não somos demônios, mãe – replicou Dean – Quantas vezes vou ter que dizer isso?

_Sei disso hoje, mas na época eu era uma pobre mulher ignorante – ela riu – Então, dediquei o tempo de isolamento a conhecer a minha nova situação e controlar minhas novas habilidades. Eu estava mais forte e poderosa do que pensava que poderia ser capaz, e comecei a me aproveitar disso. Eu fazia com que todos me vissem da maneira que eu queria, e assim poderia passar incólume, por qualquer lugar. O mais difícil foi controlar a sede, mas aos poucos consegui dominá-la. É como se eu estivesse em dieta permanente, mas me permitisse algumas guloseimas de tempos em tempos – o sorriso dela era enviesado, levemente cínico – Por isso, não ataco pessoas a torto e direito, e posso me passar por uma  humana normal onde quer que eu vá.

_Quando mamãe voltou, eu e Emma já estávamos praticamente adultos – Dean continuou – E achamos muito estranho o fato de ela não ter mudado absolutamente nada naqueles dez anos, e de ter arrumado um marido que era também muito estranho.

_Fui eu quem transformou o Will – ela retomou – Acho que foi a constatação mais interessante de todas, descobrir que poderia criar alguém igual a mim. E ele também não se queixou de sua nova vida. Eu já não via mais a minha transformação como uma maldição, mas sim como um presente, e eu queria estender esse dom aos meus filhos. Por isso, eu os transformei também. Para eles, foi mais fácil, porque eu podia explicar tudo e ajudá-los a desenvolver seus novos talentos.

_Espere um pouco – Bella a interrompeu – Deixe-me ver se eu entendi: você se tornou vampira quando a mataram, em seu povoado, sem que outro vampiro a transformasse.

_Exatamente.

_E você pode ver coisas e fazer com que outros vejam coisas... como assim?

_Eu posso ver a história de uma pessoa, conhecer seu passado, saber suas sensações, lembranças, sentimentos... e, a partir daí, posso criar ilusões na mente de alguém. Mas é estranho... não consigo entrar na sua mente – e sorriu – Você é mesmo fascinante.

_E, depois que você transformou seus filhos, o que aconteceu?

_Tivemos que sair da França. Saímos todos pelo mundo, caçando e aprendendo. Encontramos vários outros vampiros espalhados por aí, e íamos aumentando nossa experiência. Meus filhos eram muito diferentes de mim. Talvez, se tivesse acontecido com eles o mesmo que aconteceu comigo, eles seriam iguais a mim, mas a genética, somada à minha atitude de transformá-los, fez com que eles ficassem absurdamente mais fortes que Will e eu. E, claro, mais ambiciosos.

_Ambiciosos?

_O mundo dos seres da noite é uma terra de ninguém. Alguns se intitulam líderes, mas não tem a força necessária para isso. Eles dedicam todo o seu esforço a nos esconder, mas não temos que ficar fugindo como criminosos! Isso não é justo.

_Acho que não entendi...

_O que queremos, Bella – disse Dean – é simplesmente liberdade para vivermos sem nos esconder. Passamos a vida toda em cidades cheias de neve ou chuva porque não podemos sair ao sol. Nós existimos, quer eles queiram ou não. E, exatamente porque não pedimos para existir, temos todo o direito de viver com o mínimo de autenticidade.

_Vocês querem matar pessoas à luz do dia? – Bella ofegou, sentindo o sangue fugir do rosto.

_Essa é a condição para existirmos – o tom de Justine era pesaroso – Não é nossa culpa.

_Mas vocês mesmos disseram que os Cullen haviam encontrado um outro jeito – a voz da garota desapareceu completamente.

_Não funciona assim, ninguém pode mudar a própria natureza – replicou o rapaz – Você está mais ameaçada entre eles do que entre nós. Exatamente porque não negamos aquilo que somos, temos a capacidade de controlar melhor nossos instintos. Mas com eles não é assim. Na primeira oportunidade, toda essa fachada irá desabar, e você pode ser a vítima.

            Bella se levantou, sem conseguir conter um impulso violento de sair correndo. Como eles podiam falar tão naturalmente da vida e da morte das pessoas? Justine era mesmo uma psicótica assustadora, uma rainha de gelo. Ela falava daquilo com tanta frieza e falta de sentimentos que Bella se perguntava se algum dia ela já tivera algum sentimento verdadeiro.

_Por favor, acalme-se, e sente-se – sussurrou Dean, e ela sentiu novamente o torpor doce e irresistível que a voz dele provocava – Termine de ouvir.

            Ela se sentou, sentindo-se derrotada. Aquilo era mesmo maior do que os Cullen esperavam.

_Estamos tentando reunir aliados pelo mundo – continuou Justine – Nosso plano é revelar nossa existência ao mundo, e reivindicar o simples direito de viver em paz. Muitos já aceitaram, mas outros, como os Cullen, não só se recusaram a nos ajudar como também juraram nos combater. Eles querem continuar vivendo nas sombras, e nós só queremos um pouco de luz. Não é pedir muito.

_Enquanto os Cullen estiverem no meio do caminho, não poderemos levar nosso plano adiante – Dean completou – Com essa postura hipócrita de defender as pessoas, eles querem apenas se proteger.

_Sra. Hook, tem uma coisa que eu não entendi – Bella ainda estava sem voz – Você falou dos seus filhos, e de um tal de Max... onde está ele?

_Os Cullen o mataram – respondeu ela, indiferente – Faz uns quarenta anos, mais ou menos. Eles viviam no Canadá, e esse foi o nosso primeiro encontro. A princípio, pensamos ter encontrado um grupo valioso de aliados. Na época, queríamos começar o nosso plano o mais rápido possível, mas foi apenas a sede que nos levou até lá. Eles se opuseram à nossa caçada, e disseram que se atacássemos qualquer um no território deles, haveria uma luta. Já estávamos na estrada há tanto tempo, e precisávamos mesmo caçar... o resultado foi uma batalha injusta. Eles estavam em maior número, e nós ainda estávamos enfraquecidos. Max não conseguiu.

            Ela já conhecia aquela história, mas pintada com cores bem diferentes...

_Não vou mentir que seria uma ótima revanche se a destruíssemos – ela disse, e o tom neutro da sua voz fez com que um arrepio percorresse a espinha da garota – Mas não é esse o nosso plano. É claro, o seu cheiro é mesmo interessante, mas não mais do que a sua mente inatingível para mim. Você seria uma aliada e tanto para nós.

_Você me conta tudo isso – disse Bella, recuperando o tom baixo e neutro da voz – e espera mesmo que eu me alie a vocês? Fora de cogitação!

_Espere, por favor – a voz dela também tinha algo hipnótico – Você não prestou atenção na minha história? Não é uma maldição, é uma bênção! Pense bem, você pode ser mais forte do que nunca! O sangue é apenas um inconveniente, pense nas possibilidades!

_Simon teve essa escolha?

_Na verdade, não. Will o criou, para testar. Eu o escolhi num vilarejo na Escócia porque havia algo nele que me chamava a atenção. Ele era como você, eu não conseguia entrar na mente dele. Então, Will, que queria muito descobrir se era capaz de transformar alguém, o mordeu a meu pedido. Ele era um órfão, vivia na rua pedindo esmolas. Convencê-lo foi difícil, e ele recusa-se terminantemente a caçar a menos que a sede já o esteja deixando desesperado. E só caça sozinho, também.

_Ele era como eu? E o que ele faz, hoje?

_Ele tem uma sensibilidade enorme às pessoas ao redor dele. É como uma antena receptora, e pode detectar e identificar pessoas e vampiros a centenas de quilômetros. Mas, como uma antena, ele também causa interferências. Agora, ele não só é imune aos nossos poderes como também os enfraquece, quando está por perto. Mas ele pode focalizar seus poderes em apenas uma pessoa, inutilizando-a completamente e desviando seus próprios talentos contra ela.

            Todos ficaram em silêncio, e Bella podia sentir os olhos gelados de Justine sobre si, mas não tinha coragem de encará-la. Então, aquela era a resposta. Eles a queriam, e queriam o fim dos Cullen, e queriam que o mundo soubesse a respeito deles. Seria um verdadeiro pandemônio. Era difícil aceitar até mesmo a existência daqueles como os Cullen, que escolhiam um caminho infinitas vezes mais difícil e doloroso apenas para manter o resto do mundo em paz. O que aconteceria, então, se todos soubessem a respeito dos Hook, com a sua fama toda?

_Bella, sei que é difícil aceitar tudo isso – a voz de Dean, então, se fez soar. Era cristalina, e parecia cuidadosa e preocupada – Mas estamos te dando a chance de ter a grandeza que você merece. Venha conosco até a floresta, e vamos te mostrar.

_Até a... floresta? – ela gaguejou, e então se lembrou da previsão de Kiyone. Água. O rio.

_Eu a levo – disse Justine – Feche bem os olhos.

            E, então, num piscar de olhos, ela pegava a garota nos braços. Ela fechou os olhos com força, lembrando-se das corridas nada agradáveis com Edward pela floresta. Foi mais rápido do que ela podia pensar, e em minutos eles já estavam num ponto do bosque que ela não conhecia. Era um lugar em que o rio era bem mais largo e profundo.

_Ótimo, não foi tão ruim assim, foi? – a voz dela era amável – Agora observe.

            Ela sumia e aparecia entre as árvores numa velocidade absurda, mais rápida até do que Edward em seus melhores momentos. De vez em quando, uma delas caía, fulminada. E Justine ainda parecia bela, gelada e altiva, uma autêntica líder vampira. Dean também começou a sua exibição, mas no rio, nadando a uma velocidade absurda ao longo do rio, e voltando.

            Ao mesmo tempo, os dois pareciam raios pálidos cortando o ar chuvoso. Bella evitava piscar, porque ainda sentia aquela aura de ameaça. E ainda esperava para sentir a tal raiva, de que Kiyone havia falado. Por que sentiria raiva? Naquele momento, a única coisa que parecia ser capaz de sentir era medo, muito medo.

            Foi então que entendeu quando sentiria raiva.

            Num movimento rápido demais para que ela pudesse acompanhar, Dean saiu da água, e a abraçou pela cintura, tentando beijá-la. Ela tentou recuar, inutilmente. Ele não se preocupava, agora, em ser gentil ou delicado. Agora, era totalmente selvagem, agressivo.

_LARGUE-ME AGORA MESMO! – ela berrou – LARGUE-ME, SEU ASQUEROSO!

_Você não entende mesmo, não é? – ele sussurrou, afastando seus lábios dos dela apenas alguns milímetros – Você me deixa totalmente louco... vai me dizer que eu também não mexo com você?

_Me solte agora – ela rosnou, entredentes – Senão...

_Senão o quê? – ele riu, zombeteiro – O que você poderia fazer comigo?

_Pense bem, Bella – Justine se aproximou deles – É a sua chance. Junte-se a nós, e um mundo novo irá se revelar a você. Se você puder...

            Mas ela não terminou. Naquele momento, seu rosto belo e glacial se contorceu num esgar de ódio. Seu rosto ficou ainda mais pálido, enquanto ela sibilava, como uma serpente furiosa:

_Mentirosa... traidora...

_O que foi, mãe? – Dean a soltou por um instante, e Justine respondeu, berrando:

_A MÃO DELA! ELA FOI MORDIDA, NÃO VÊ? ELA SABIA DE TUDO DESDE O COMEÇO!

            Água. Raiva. O fim da conspiração. Tudo se encaixava.

_DESGRAÇADA! – Justine não parava de berrar, descontrolada – ONDE ELES ESTÃO? ONDE ELES ESTÃO? DIGA LOGO, SE NÃO QUISER SER FEITA EM PEDAÇOS.

            Mas ela não precisou responder. No segundo seguinte, ouviu uma voz deliciosamente familiar, vinda das árvores, sobrepondo-se ao som da chuva. Ela estava zangada, e decidida.

_Emmett, tire-a daqui. Jasper, venha comigo!

            Um segundo depois, ela estava sendo carregada nos braços por Emmett, entre as árvores. Fechou os olhos mais tarde do que devia, mas assim que se certificou de que estava bem segura nos braços fortes do rapaz, perguntou:

_Eles vão ficar bem?

_É claro que vão – o tom de Emmett, para seu alívio, era de riso – Eles não vão lutar, vão apenas nos dar uma vantagem. Os dois são os mais velozes que já vi, pode ser que cheguem em casa antes de nós.

_Quem os avisou?

_Alice. Ela viu o momento em que Justine via a sua cicatriz. Nós nos dividimos, Edward guardando a casa, eu e Jasper na floresta. Quando ela nos avisou, ele também veio para cá.

_Seu plano é brilhante – ela disse – Eles contaram tudo para mim. Funcionou tudo exatamente como você previu.

_Isso é bom – havia animação em sua voz – Pelo menos uma boa notícia hoje. Rose voltou, e disse que Tanya se recusou a nos ajudar. Ou seja, estamos sozinhos nessa. Kiyone está lá em casa, também. Parece que teremos uma noite animada hoje.

            Eles seguiram em silêncio, Bella aninhando-se nos braços de Emmett. Ela não sentia o movimento dele, e agora sentia-se segura o bastante para pensar nas consequências futuras daquela visita. Estava, mais do que nunca, ameaçada, mas agora tinha a chance única de ajudar a sua segunda família. E sentia-se bem porque sabia que eles reconheciam seus esforços, por menores que fossem.

            Ela não abriu os olhos, mas de repente percebeu que alguém corria ao lado deles. E percebeu, também, que esse alguém conversava com Emmett, numa voz baixa e desesperada. Ouviu, também, o som de um número ser discado num aparelho celular, e de uma voz falando rápido demais para ela acompanhar.

_Bella, importa-se se Jasper a levar agora? – a voz de Emmett, agora, já não parecia mais amistosa e animada. Parecia preocupada, e raivosa.

_Jasper? Não, claro que não me importo, mas... – ela começou a falar mas não terminou, porque em questão de segundos o outro já a colocava em suas costas. Ela sentiu-se estremecer. O que havia dado errado, afinal? – O que está havendo aqui?

            Mas ninguém respondeu. E ela abriu os olhos, e entendeu, aterrada, por que Emmett não a estava carregando.

            Naquele momento, ele tinha outra pessoa nos braços.

            Era Edward. E estava ferido.


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