Aurora Borealis escrita por Kyra_Spring


Capítulo 13
Capítulo 12: An honest mistake




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_Tem certeza, Alice?

_É claro que tenho. Vá para lá agora! Já liguei para os rapazes, eles já estão indo também.

_Ela vai ficar bem, não vai?

_Sim. Vocês vão chegar a tempo, mas tem que ir logo!

            Edward não se despediu ao desligar o celular. Em vez disso, começou a correr, praticamente invisível, na direção da floresta, seguindo as instruções que Alice passara por telefone. A voz dela estava calma e objetiva, mas Edward conhecia Alice bem demais para saber quando ela escondia alguma coisa. À distância, não conseguiria ler seus pensamentos, e isso o irritava.

            Encontrou-se com Jasper e Emmett perto do local. O plano era simples: Emmett a tiraria de lá, e os outros dois atrasariam Dean e Justine tempo o bastante, antes de fugir. Não era lá muito agradável para Edward, desesperado por uma boa batalha, mas a segurança de Bella tinha que estar acima do seu desejo de vingança. E haveria, de qualquer forma, a chance de partir para a briga, mas não era nem a hora e nem o lugar certos para isso.

_ DESGRAÇADA! – ele pôde ouvir a voz de Justine, louca de ódio, em algum lugar razoavelmente perto dali – ONDE ELES ESTÃO? ONDE ELES ESTÃO? DIGA LOGO, SE NÃO QUISER SER FEITA EM PEDAÇOS.

            “É agora”, ele pensou, decidido. “É melhor estar certa, Alice!”.

_Emmett, tire-a daqui – ele deu os comandos, alto o bastante para que Bella ouvisse – Jasper, venha comigo!

            Em instantes, Emmett pegou Bella nos braços e sumiu de vista. Jasper e Edward, por sua vez, posicionaram-se de forma a cercar Justine e Dean e impedirem que eles perseguissem a garota.

            “Simon não está por perto”, Edward leu na mente de Jasper. “Vamos cercá-los. Eu pego o Dean, e você, a Justine. E nem adianta fazer essa cara, isso não é uma batalha, é apenas uma distração para dar ao Emmett a chance de colocar a Bella em um lugar seguro. Se conseguirmos três minutos de vantagem, eles conseguirão avisar Alice para nos buscar de carro”.

_Então a vadiazinha humana conseguiu mesmo nos enganar, não é? – havia um sorriso cruel nos lábios de Dean, enquanto ele encarava Edward – Inacreditável. Então, se ela é imune aos poderes da minha mãe, também é imune aos meus... isso explica porque não consegui fazê-la ficar de joelhos por mim. Que pena, parece que terei que me contentar com você.

_Desculpe se não tenho uma aparência tão apetitosa quanto a da Bella – Edward também abriu um sorriso igualmente terrível, ignorando completamente as instruções de Jasper – Mas acho que podemos nos divertir bastante, juntos.

            Eles não esperaram mais. No instante seguinte, já estavam engalfinhados numa luta selvagem. Edward era mais rápido, mas Dean era mais forte. A vantagem, porém, parecia ser mesmo de Edward: sem Simon por perto, era fácil ler os pensamentos e movimentos de Dean e evitá-los ou detectar brechas para contra-atacar.

_Edward! Socorro! – então, uma voz quebrou a sua concentração. Por um instante fugaz, olhou na direção de Justine, e sentiu como se alguém houvesse arrancado fora as suas vísceras.

            Ela estava segurando Bella pelo pescoço, e sua boca estava perigosamente próxima da sua jugular. Antes que pudesse se mexer, a vampira cravou os dentes no pescoço da garota, fazendo com que o sangue dela, vermelho, denso, escorresse pela sua pele branca. Ela começou a ganir de dor.

            Mas havia algo errado, com certeza havia.

            Jasper observava a cena, mas exibia uma expressão intrigada no rosto. E, então, Edward percebeu também.

            Ele não deveria estar sentindo também o cheiro do sangue?

_Péssima idéia, Cullen! – então, Dean se aproveitou da brecha, e lançou o seu ataque, cravando seus dentes no ombro esquerdo de Edward.

            A dor o cegou por alguns instantes. Era como se algum tipo de ácido estivesse se espalhando através da ferida, queimando e desintegrando tudo em que tocava. Arrancando a camisa com esforço, percebeu que uma mancha roxa se formava ao redor da marca da mordida e se alastrava pelo ombro.

            Então, ao olhar em volta, viu que Bella não estava ali. Justine, por outro lado, ria, dizendo:

_Você precisa aprender a diferenciar a ilusão da realidade, querido Edward. Mas é claro que, em breve, isso que você viu aqui vai ser bem real.

            O ódio o consumia, e ele se levantou de um salto. A dor no ombro, porém, o arremessou de volta ao chão mais rápido ainda. Dean se aproximava, lentamente, com um enorme sorriso de triunfo. Seria daquele jeito que terminaria? Com ele ali no chão, subjugado, enganado por uma ilusão mental? Era uma maneira simplesmente vergonhosa de acabar.

            Mas Jasper tinha outros planos. Não iria acabar assim, se dependesse dele.

            Ele era muito rápido, então ergueu Edward e colocou-o em seus ombros, disparando pela floresta. A dor começava a embaçar seus sentidos, e Edward só pode perceber vagamente que nem Dean nem Justine estavam seguindo-os. Estava tudo embaralhado, e os pensamentos que captava estavam confusos e misturados uns aos outros.

_Ela tentou nos enganar – disse Jasper, irado – Como ela fez isso? Você tá bem?

_Não sei – o outro respondeu – Me sinto estranho, e essa mordida... dói muito.

_Vamos levá-lo a Carlisle, está bem? Enquanto isso, tente ficar calmo.

_Você viu a Bella, não viu?

_Sim, eu vi. Ela deve ter plantado uma ilusão nas nossas mentes. Eu desconfiei quando não consegui sentir o cheiro do sangue. Acredite, eu teria percebido.

_Emmett está por perto... e Bella está com ele, e está bem...

            Jasper começou a correr mais rápido, e Edward sentiu a cabeça girar. Logo, os dois estavam emparelhados com Emmett, que, assim que os viu, disse, num tom baixo:

_O que diabos aconteceu lá atrás?!

_Dean o mordeu, vamos levá-lo a Carlisle – respondeu Jasper – Edward está mal, precisamos ser mais rápidos. Me passe o celular, vou ligar pra Alice.

            Ele discou rapidamente o número da namorada, apreensivo, e antes mesmo de o primeiro toque terminar, ela atendeu.

_Ele foi mordido, não foi? – a voz dela estava aterrada – Onde vocês estão?

_A uns oito quilômetros da estrada, e se seguirmos em linha reta, sairemos na altura do km 94. Venha nos buscar, por favor – abaixou mais a voz, com medo de que Bella o ouvisse – Ele parece estar mal, mas não posso dizer nada com certeza. Precisamos mesmo que Carlisle o veja. Encontre-o, e peça para estar em casa quando chegarmos. Você não viu nada disso nas suas visões?

_Vamos falar disso depois. Estarei aí em cinco minutos. Bella está bem?

_Está, Emmett está cuidando dela. Por favor, venha rápido. Te amo.

_Também te amo, Jasper. Cuide-se bem, e esteja aqui!

            Ele desligou, sentindo-se um pouco pior. Por que ela não queria mencionar as visões? Será que ela havia visto ele ser mordido? Sim, ela mesma deu a entender que havia visto, mas será que ela não enxergou isso a tempo de poder impedir?

_Emmett, é melhor você levar o Edward – ele disse, tentando afastar os temores – Eu levo a Bella.

_Eu posso ir andando, droga – o próprio Edward resmungou – Me ponha no chão.

_Cale a boca – grunhiu Emmett – Bella, importa-se se Jasper a levar agora?

_ Jasper? Não, claro que não me importo, mas... – ela começou, sem entender. No instante seguinte, os dois trocaram de lugar rapidamente. Edward podia sentir o perfume dela, mas não conseguia sequer levantar a cabeça para ver onde ela estava – O que está havendo aqui?

            Nenhum dos dois teve coragem de responder, mas o próprio som descompassado do coração dela revelou que ela viu o que estava acontecendo. Mesmo assim, ela não disse nada, talvez paralisada pelo choque profundo. Mesmo Jasper achava aquela cena surreal demais. Como alguém poderia ferir um vampiro, ainda mais um como Edward? Mesmo para outro vampiro, isso seria uma façanha e tanto.

            Assim que deixaram a floresta e chegaram à estrada, o carro azul-escuro de Alice já os aguardava, com as portas abertas. Jasper e Emmett foram para o banco de trás, amparando Edward, e Bella sentou-se na frente, ao lado de Alice, um segundo antes de ela disparar pela estrada. Seu rosto estava muito mais pálido, seus lábios estavam trêmulos, e sua respiração, entrecortada.

            A situação era mesmo grave. Sem poder se conter mais, Bella começou a chorar, em silêncio.

_Eu não vi, Edward, eu juro – o tom de voz de Alice também era choroso e magoado – Se eu tivesse visto a tempo de impedir, eu teria avisado. Eu vi apenas alguns minutos antes de Jasper ligar, mas não consegui descobrir onde vocês estavam... Me perdoe...

_Dá um tempo, Alice – Edward tentou sorrir, enquanto lutava para afastar o estranho torpor que invadia sua mente e também para ignorar um pouco a dor lancinante se alastrando pelo braço e pelas costas – Foi só um acidente de percurso.

_Jasper, faça o que for preciso, mas mantenha a boca dele fechada – sibilou ela, furiosa pelo comportamento displicente do irmão – Já liguei para Carlisle, ele vai nos esperar em casa para cuidar do Edward. Como ele está?

_É difícil dizer – respondeu Emmett – Eu nunca vi nada igual.

_Por favor, Bella, não chore – a voz de Alice, então, diminuiu, tornando-se calma e triste – Eles não jogam limpo, mas Edward vai ficar bem. E então, descobriu algo?

_Sim, eles contaram tudo – ela enxugou as lágrimas, e tentou fortalecer a voz – Realmente eles não sabiam a meu respeito. Por favor, será que podemos deixar para falar sobre isso na sua casa?

            A outra assentiu, e o percurso foi feito em silêncio. Logo, eles pararam em frente à casa branca e retangular dos Cullen, e os dois ampararam Edward até a sala. Alice e Bella foram depois, a vampira segurando a mão da garota, como um apoio. Quando entraram, Carlisle, Esme e Rosalie os esperavam, com expressões apreensivas no rosto.

_Meu Deus, o que aconteceu? Ponham ele aqui no sofá – Carlisle foi o primeiro a tomar uma atitude, e começou a comandar os outros – Rosalie, traga a minha bolsa. Deixe-me ver isso... Foi aqui?

_Ai, droga, foi – resmungou Edward, quando o médico tocou o ferimento, e ele encolheu-se de dor.

_Isso está muito estranho – murmurou Carlisle – Quando um vampiro morde outro, há uma reação dolorosa, mas o efeito é rápido, e o veneno não tem como se espalhar. Mas, aqui, parece que ele está se espalhando, e rápido.

            Bella se aproximou alguns passos, o suficiente para ver que a mancha roxa no ombro de Edward estava crescendo, e assumindo uma forma que lembrava uma aranha de pernas muito longas e finas. A expressão facial dele era de total desorientação, provocada pela dor. Aquilo cortava o coração de Bella, que se sentia inútil.

_Edward, eu estou aqui – ela sussurrava, ao lado dele – Eu estou aqui, e você vai ficar bem.

_Obrigado por ficar – ele respondia, tocando a mão dela – Obrigado...

            Ela pensou em dizer algo para distraí-lo, ou confortá-lo, mas desistiu. Por mais que tentasse, jamais conseguiria convencê-lo de que realmente acreditava no que estava dizendo. Parecia tudo tão irreal, tão fora do lugar, que ela simplesmente não sabia o que fazer, ou como se sentir.

            Alice estava no telefone, outra vez, e falava rápido. Ela zanzava pela casa, tentando arrumar a sala da forma mais confortável que pudesse. A situação era nova para todos eles, e ninguém sabia ao certo como agir. Por bastante tempo, as coisas seguiram assim, num silêncio opressor. Edward gemia, às vezes, mas ele tentava evitar que toda a sua dor transparecesse e os preocupasse ainda mais.

            Então, eles ouviram batidas na porta. Rosalie abriu, e revelou Kiyone, que parecia transtornada.

_Isso é terrível – foi a primeira coisa que ela disse – Deixe-me ver o que posso fazer aqui.

_Espero que não se importe por eu tê-la chamado – disse Alice, em tom de desculpas – Mas pensei que, talvez, ela pudesse fazer com o Edward o mesmo que fez com a Bella, quando ela ficou doente.

            Carlisle concordou na hora, e Kiyone se aproximou de Edward. Ele estava deitado sobre o sofá, sem camisa, com uma faixa cobrindo a região da mordida. Os olhos estavam fechados, havia vincos profundos na testa, e seus lábios pareciam tremer um pouco. Ela tocou seu peito, por alguns segundos, e depois deu a sentença:

_Não há o que fazer – sua expressão, porém, estava menos preocupada do que Bella esperava – Realmente, ele foi vítima de um veneno forte, mas tudo o que podemos fazer é esperar que seu próprio corpo o combata e o inutilize. Não posso saber que tipo de consequências ele pode trazer, mas vi que ele pode manter a infecção sob controle, e que ficará bem, em algum tempo. Mas ele precisa se alimentar. É uma pena, mas não acho que há como fazer a dor parar.

_Graças a Deus – suspirou Esme – Essa é a melhor notícia que eu poderia esperar.

            Depois de algum tempo, Carlisle pediu que Bella contasse os resultados da conversa daquele dia. Ela contou tudo, com detalhes, repetindo cada história, e lendo a revolta nos olhos deles a cada desaforo que repetia. Quando terminou, um silêncio sufocante envolveu a sala toda, e foi exatamente Bella quem quebrou o silêncio.

_Bem, agora sabemos o que querem, mas o que podemos fazer?

_Não vejo alternativa a não ser enfrentá-los – respondeu Carlisle – Eles vão continuar a nos perseguir até que nos viremos e os enfrentemos. E agora isso muda tudo. Quando os encontramos, eles nunca mencionaram nenhum plano, ou algo assim. Eles quebraram nossas regras, e quase provocaram um desastre completo.

_E onde vai ser? – Emmett tinha os punhos fechados, e uma expressão de violência no rosto.

_Fora de Forks – quem respondeu foi Jasper – Tentamos não trazer uma guerra para os limites da cidade, agora precisamos lutar para mantê-la longe daqui. Alguma idéia? Denali, talvez?

_Não vai dar – disse Rosalie, irritada – Tanya foi útil como sempre. Disse que não quer saber de nenhum tipo de confusão envolvendo os Hook e que é melhor nem chegarmos perto das terras dela. É uma covarde, mesmo.

_O Alasca é grande o bastante para duas famílias – sugeriu Esme – Vamos mais para o norte, então.

_E como vamos fazer com que nos sigam? – observou Alice – Eles não querem uma luta, querem uma matança. Se tentarmos ir até lá, eles podem tentar nos separar, para nos enfraquecer. E, droga, eu não quero ser obrigada a assistir qualquer um de vocês se ferir outra vez sem poder fazer nada!

            Todos olharam para Edward, ainda de olhos fechados. Ele parecia lutar contra algo forte demais para ele, mas ainda assim resistia. Era possível ler, no seu rosto, uma tentativa de impedir que o que realmente sentia viesse à tona.

_Alice, leve a Bella para casa e tente encontrar alguma loja de móveis aberta – disse Carlisle, por fim, encarando Edward com tristeza – Encomende uma cama, e peça que entreguem o mais rápido possível. Kiyone, você poderia acompanhá-las, por favor?

_Não vou embora – defendeu-se Bella, colocando-se de pé – Vou ficar aqui e cuidar dele!

_Quer mesmo que Charlie atire em mim, não é? – então, o próprio Edward, ainda de olhos fechados, mas com um pequeno sorriso de zombaria nos lábios, murmurou, fracamente – O que ele pensaria se você sumisse e depois ele descobrisse que passou a noite na minha casa? Vá para casa e descanse, eu vou ficar bem.

_Se realmente faz questão de ficar, eu seguro as pontas – disse Alice – Vou dizer ao Charlie que você vai passar a noite comigo e com a Kiyone, e que nós vamos a Port Angeles fazer compras. Ele não vai se importar se tiver certeza de que você vai ficar entre garotas.

_Eu concordo – assentiu Kiyone – Além do mais, você ficará segura aqui, com os Cullen.

            “Segura...”, a palavra ecoou em sua mente. Só agora percebia o que estava acontecido. Entorpecida pelo ataque a Edward, esquecera-se completamente de que o elo mais fraco da corrente ainda era ela, e que estava correndo um perigo ainda mais mortal do que James. Agora, ela pensou, não era apenas um vampiro que a perseguia, era uma família inteira!

            Era uma boa hora para sentir medo... então por que só conseguia se preocupar com Edward?

            O percurso até a casa dela foi feito em silêncio e rapidamente. Bella tremia dos pés à cabeça, e sentia a boca tão seca que mal conseguia articular uma frase. Respostas coerentes, então, estavam totalmente fora de questão. Elas pararam o carro, e a garota fez menção de descer, mas Kiyone a impediu.

_Ele vai estranhar se a vir assim – ela disse, encarando-a – Você parece que vai desmoronar a qualquer momento. Nós duas vamos, conversamos com Charlie e pegamos suas coisas, está bem?

            Ela apenas assentiu, com a cabeça, observando as duas descerem do carro. Uma vez sozinha, afundou no banco, sentindo um terror profundo e venenoso tomar conta do seu corpo. Sentia-se cansada, envelhecida, e sobretudo apavorada com a situação. Mas o mais apavorante era ver Edward, o seu Edward, o seu eterno anjo de granito, tão frágil, sentindo tanta dor... E ela, inútil como sempre, sem poder fazer absolutamente nada para ajudar.

            Sem querer, as lágrimas voltaram a rolar, mas ela não tentou impedi-las. Estava sozinha, e não tinha por que esconder seu medo e desespero. Preferia que fosse com ela, preferia que fosse ela a sentir aquela dor toda, e não ele. Até porque, pensou, a dor de vê-lo naquele estado era a mais intensa e terrível que já sentira em toda a sua vida.

            Elas demoraram bem mais do que Bella esperava, mas quando voltaram ao carro, Alice levava algumas roupas, e Kiyone trazia uma sacola térmica. As duas permaneceram em silêncio dentro do carro, o que intimidou ainda mais a garota. O silêncio nunca era um bom sinal, principalmente quando quem estava em silêncio era justamente alguém como Alice.

_Você não tinha que encomendar uma cama ou coisa assim? – ela murmurou, desesperada para ouvir alguma outra voz que a distraísse por alguns instantes. Para seu alívio, a vampira riu, dizendo:

_Eu fiz isso. Tive que trapacear um pouco, mas ninguém me viu sumir. A propósito, Kiyone aproveitou para comprar o seu jantar. Você deve estar faminta.

_Como alguém pode falar mal de vocês? – a voz de Bella estava quase inaudível, mas mesmo assim as outras duas perguntaram, ao mesmo tempo:

_O que?

_Justine os chamou de hipócritas, por não atacarem pessoas – explicou ela, ainda sem voz – Ela disse que estou mais ameaçada entre vocês do que entre eles. Como? Como alguém pode perder a sua humanidade dessa forma? Será que ela não vê o que está fazendo?

_Para muitos como nós, a distinção entre bem e mal deixa de importar – explicou Kiyone – Eles não os vêem como pessoas, com famílias e histórias de vida, e sim como meras presas. Eles se esquecem de que, um dia, foram como eles também. Não é hipocrisia tentar lutar contra isso e lutar para preservar o que ainda há de humano em nós. Vejo muito do Lugaid nos Cullen, sabe? Vejo a paciência e sabedoria de Carlisle com o espírito de luta de Emmett e o cuidado de Esme, sempre que penso nele. E garanto que ele teria ficado muito feliz se os tivesse conhecido.

_Além do mais, quem são eles para falar de hipocrisia? – continuou Alice – Se o comportamento deles não for hipócrita, então eu não sei o que é! E marque as minhas palavras: se a Emma chegar perto do Edward mais uma vez, eu mesma acabo com ela!

_Essa parte eu ainda não entendi – disse Bella – Por que ela fica perseguindo o Edward? Será que ela realmente gosta dele?

_É claro que não, ela é arrogante demais para gostar de alguém além de si mesma – a resposta de Alice foi um sibilo – A verdade é que ele nunca deu atenção para ela. É como um jogo, e ela é infantil demais para perder: tudo o que ela quer é tê-lo, para depois ter o prazer de jogá-lo fora.

            A conversa fez com que Bella se sentisse momentaneamente mais leve, distraindo-a por alguns instantes dos seus demônios íntimos. Quando chegou, a sala já estava vazia. A reunião, porém, continuava inflamada na sala de jantar. Edward havia sido colocado no quarto de Rosalie, que naquele momento estava cuidando dele. Os outros, por sua vez, reuniam-se em volta da mesa retangular de cerejeira, conversando baixo.

_Bella, estávamos discutindo sobre a possibilidade de irmos mesmo todos para o Alasca – Esme foi a porta-voz da família – E você virá conosco. Deixá-la aqui seria perigoso demais.

_Vamos mesmo para o norte? – perguntou Alice – Tanya vai ficar furiosa.

_Eu mesmo vou falar com ela – explicou Carlisle – Acho que ela nos deve isso.

_Como está o Edward? – a voz de Bella soou mais ansiosa do que ela gostaria – Ele está melhor?

_Mais ou menos – respondeu o médico – Ele disse que a dor diminuiu, mas aquela mancha me preocupa. Ela está se espalhando, e eu não sei se ela trará alguma consequência mais grave. E está desesperado para vê-la. Inclusive, ameaçou fugir pela janela se não a deixássemos subir.

            Bella sorriu, sem querer. Era bem típico de Edward, mesmo...

            Ela não queria que ele, estando machucado, cometesse esse tipo de imprudência, então correu até o quarto de Rosalie, no andar de cima. Era quase igual ao de Edward, e a única diferença era uma espécie de divã, mais longo que o sofá da sala. Ele permanecia de olhos fechados, a expressão do rosto endurecida. Rosalie estava sentada ao seu lado, murmurando qualquer coisa inaudível, mas assim que ouviu a outra entrar, colocou-se de pé, numa postura hostil.

_Não devia estar aqui – ela sibilou – Edward está fraco e cansado, e precisa de tranquilidade.

_Rose, quer deixar de ser rabugenta? – ele mesmo falou, e para o alívio da garota, sua voz estava mais forte e segura – Eu estou bem, não precisa me tratar como alguém à beira de um AVC.

            Então, ela saiu, pisando com uma força desnecessária e lançando um olhar de raiva na direção de Bella. Assim que a vampira sumiu de vista, ela sentou-se ao lado de Edward. Ele parecia exausto: o cabelo mais desalinhado que o normal e a palidez ainda mais intensa. Mas, a despeito de tudo, estava ofensivamente belo, e exibia um sorriso fraco.

_Eu já estava pensando que teria mesmo que saltar a janela e ir atrás de você – ele disse – Estou me sentindo fraco, dolorido e muito carente. Preciso de cuidados!

_Eu não devia ter falado aquelas coisas quando fiquei de cama – ela retrucou, sem conseguir deixar de achar alguma graça naquela cena. Então, ao olhar para o ombro, percebeu que a faixa havia sumido. A mancha roxa agora parecia desenhar o contorno dos vasos sanguíneos do ombro – Onde colocou a faixa?

_Aquela coisa é áspera e incômoda – ele resmungou – E eu queria ver o estrago por mim mesmo.

_Ainda dói?

_Sim, mas bem menos, agora. Carlisle estava certo, afinal.

            O alívio que sentia era indescritível. Então Edward iria ficar bem, em breve! Ela sentiu-se meio boba por ter exagerado tanto a situação, e feliz, muito feliz, por estar tão errada. Ela tocou a pele dele, e sentiu-a fria e lisa sob os seus dedos. A mesma textura pétrea e regular de sempre.

_Cometi um erro imperdoável hoje – ele disse, e seu tom era suplicante, como se pedisse desculpas por alguma coisa – Eu me deixei levar por uma das ilusões da Justine, e hesitei. Isso fez com que me machucasse, e se você realmente estivesse lá, isso poderia ter custado a sua vida. Mas foi tão... tão real, eu não pude evitar – de repente, parecia que ele falava mais para se convencer – Foi terrível.

_Está tudo bem agora – ela sussurrou, ao seu ouvido, deixando que seus lábios tocassem de leve a orelha dele – Vai ficar tudo bem.

_Está tudo bem agora – ele repetiu, mudando a ênfase – E depois?

_O que acha de deixarmos o depois para depois? – era a missão dela mantê-lo tranquilo e calmo, e para isso precisava ajudá-lo a sufocar as preocupações que também a dilaceravam – Concentre-se em ficar bom logo, está bem?

            E, então, ela começou a cheirar o cabelo dele, como brincadeira. Edward sentiu, e em dois segundos passou da surpresa à estranheza e da estranheza ao divertimento. E, logo, estava rindo.

_Aconteceu uma inversão de papéis aqui e ninguém me contou?

_Seu cabelo tem um cheiro bom – ela disse, dando de ombros. “Funcionou, ainda bem”, pensou.

_O seu cheira muito melhor – ele retrucou, tomando uma mecha dos cabelos dela entre os dedos e observando o contraste entre o castanho-escuro dos fios e o branco-perolado da sua pele – Vai ficar aqui comigo durante a noite, também? Acho que estou gostando de ser mimado.

_Chantagista... – ela sorriu – É claro que sim. É para isso que vim.

_Estou me sentindo estranho... meio imprestável, por assim dizer.

_Bem-vindo à condição humana, meu caro. É assim que nos sentimos quando estamos mal.

            Edward estava sendo especialmente mentiroso naquela noite. O ferimento não estava apenas dolorido, ele estava doendo horrendamente. Era como se estivesse cheio de espinhos em brasa, rasgando e queimando ao mesmo tempo os seus músculos. A dor oscilava: em alguns momentos ficava mais forte, em outros ficava mais fraca, mas jamais cedia. E, embora a presença de Bella fosse tão poderosa quanto uma gigantesca injeção de morfina, ele sentia que nem todos as drogas do mundo juntas poderiam fazer a dor cessar.

            Mas a dor não era a pior parte. Não, ela era a parte menos ruim, a parte que ele era capaz de compreender plenamente. Havia outras coisas. Ele se sentia fraco, letárgico, cansado pela primeira vez em anos, como se a qualquer momento pudesse cair no sono e ficar assim por séculos. Naquele momento, lutava para parecer bem, e precisava convencê-la de que tudo fora apenas um susto.

_Lembra da primeira noite em que fui à sua casa depois de você saber que eu já ia até lá sempre? – ele disse, por fim – Você me disse, antes, que precisava de um minuto humano. Pode me dar um minuto humano também? – sorriu consigo mesmo – Estou coberto de terra dos pés à cabeça, e preciso mesmo de um pouco de água para clarear as idéias. Você se importa?

_É claro que não – ela respondeu – Vou ficar esperando, bem aqui.

            Ele levantou-se, com alguma dificuldade. A dor aumentava exponencialmente sempre que fazia algum movimento com o ombro, então procurava andar devagar e não mover nada desnecessário. A distância até o banheiro era curta, mas ainda assim difícil. Assim que entrou e trancou a porta atrás de si, relaxou um pouco e parou o fingimento. Os outros ainda poderiam ouvi-lo, mas ali ninguém poderia ver as suas caretas.

            O cômodo era todo forrado de granito branco e peças cromadas, criando um contraste belo e visualmente muito limpo. A banheira combinava com o design do lugar, e a área do chuveiro era delimitada por um box de vidro temperado escuro, quase opaco. Sobre o gabinete, havia uma pilha de roupas e toalhas limpas, uma gentileza que Edward não sabia se deveria atribuir a Esme ou a Alice.

            Abriu a água fria ao máximo, deixando que ela caísse com força sobre a sua cabeça e escorresse pelo seu pescoço e pelas costas. Sua cabeça estava abaixada, e ele lutava para manter a respiração ritmada – se houvesse uma oscilação muito gritante, Alice ou Rosalie, no quarto ao lado, poderiam perceber. Mas a dor queimava, mesmo com a água gelada escorrendo sobre a marca da mordida. Ali, sob a luz forte das lâmpadas do banheiro, Edward pôde ver melhor a marca, e percebeu o veneno se alastrando, na forma de linhas arroxeadas cada vez mais finas. Carlisle até podia ter esperanças, mas ele sentia que aquele veneno era mais perigoso do que parecia, a princípio.

            Por fim, desistiu, e mudou a temperatura para quente. Logo, estava cercado por uma nuvem de vapor, a cabeça ainda sob o jato forte do chuveiro, tentando limpar a mente e tomar uma decisão que fosse ao mesmo tempo definitiva, segura para todos e o menos dolorosa possível, mesmo sabendo que era impossível satisfazer os três pré-requisitos ao mesmo tempo.

_Está sendo egoísta, Edward – a voz de Alice, clara como água, soou, vinda do lado de fora do boxe. Ele arquejou, sentindo-se repentinamente vexado pela presença dela ali. Era raro encontrá-lo distraído, e a água era uma das coisas que o mantinha mais fora da realidade.

_Vá embora, Alice – ele retrucou – Pensei que a tranca na porta fosse sinal de que quero privacidade.

_Ora, eu sou sua irmã. Não tem por que ter vergonha de mim – ela rebateu, e Edward pôde perceber, pela voz, que ela sorria. Era pavorosamente constrangedor – Além do mais, estou até de costas para o boxe, se isso o incomoda tanto. Mas preciso mesmo conversar com você, a sós.

_Você sabe de algo que eu não sei – essa não era uma pergunta. Ele decidiu que iria permanecer ali, sob o chuveiro quente, tentando anestesiar de alguma forma o ferimento – Vai me contar ou não?

_Seu futuro fica mais confuso a cada momento – ela disse, de supetão – Ele fica... difuso, impalpável, muito mais difícil de ler do que o dos outros. Isso não é um bom sinal.

_E o que quer que eu faça? – o tom dele era entediado. Alice, porém, estava com medo de dizer tudo em voz alta e ser ouvida pelos outros, então ele captou seus pensamentos.

            “Tem algo diferente no veneno do Hook. Conversei com todos, e nenhum deles viu nada parecido, nem mesmo Kiyone ou Carlisle. Ele falou de você também, com Tanya, mas ela não tinha idéia do que fazer, também. A essa hora, você já deveria estar se recuperando, e as marcas deveriam ter se fechado”. Edward tocou em seu ferimento, e sentiu as marcas de dentes ali, ainda abertas.

_Ainda dói? – o tom dela era de preocupação e cuidado – Seja honesto, por favor.

_Você não faz idéia do quanto – ele sussurrou, em resposta – É como se algo tentasse me rasgar em dois! Mas Bella não pode saber disso. Ela está assustada demais. Não conte a ela, por favor.

_Eu não vou contar – ela respondeu, complacente – Carlisle está tentando localizar todos os que ele conhece, para tentar descobrir o que está havendo com você. Aliás, a cama chegou, eu mandei que a montassem no seu quarto. Não achei nada muito confortável, mas acho que servirá até que você melhore.

_Você é mesmo impossível – ele não pôde deixar de rir, por um segundo – Por favor, tente descobrir uma forma de terminar com tudo isso. Estou cansado dessa bagunça toda.

_Nós vamos encontrar – Alice respondeu, determinada – Bem, é melhor você sair logo, ou prefere deixar a Bella esperando a noite toda? Eu já estou indo, está bem?

            Antes que ele pudesse responder, ela já havia desaparecido. Assim que se certificou de que estava sozinho, saiu do chuveiro e se vestiu. A dor, agora, era mais suportável, e seus passos até o seu quarto foram mais seguros. Bella já o esperava, sentada no sofá ao lado de uma cama de casal que não estava ali da última vez.

            Edward sorriu – ela folheava o encarte de um CD. A tranquilidade estava estampada em seu rosto, uma tranquilidade que agora parecia mais inabalável do que nunca. Ele fez menção de caminhar até ela e a beijar, mas um pensamento fugaz o fez ficar onde estava.

            Era difícil pegar Edward desprevenido. O cheiro, o som dos passos, todos esses pequenos sinais eram invisíveis a um humano normal e claros como água para ele. E Alice, é claro, sabia como se esquivar deles. Ela era como ele, tinha instintos como os dele – e uma visão que a permitia tomar exatamente a atitude mais inesperada.

            Mas havia uma coisa que era difícil de camuflar para todos, humanos ou vampiros. Uma coisa que era especialmente difícil para Alice, sempre a mil por hora. Um detalhe perdido na conversa...

            Edward estava mesmo distraído sob o chuveiro. Mas não tão distraído que não pudesse ter ouvido os pensamentos nem sempre muito organizados e extremamente barulhentos de Alice. E, dessa vez, ele tinha certeza de não ter ouvido nada, absolutamente nada, quando ela entrou. Depois, quando precisou lançar mão dos seus talentos, conseguiu, mas quando a descobriu lá, ficou realmente surpreso...

            Então era a isso que Alice se referia... o veneno de Dean realmente não era igual ao dos outros.

            Naquele momento, pela primeira vez em noventa anos, sua leitura mental falhou com alguém além de Bella. E algo lhe dizia que aquele era apenas o começo.


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