A luta a ser travada escrita por MT


Capítulo 6
Capitulo 6- Curvando-se


Notas iniciais do capítulo

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Mesmo sendo relembrado do quão vazio eram as vitórias a cada novo rosto que tomava o lugar daqueles que mandava ao hospital e tendo em mente o que Fabrícia me dissera, eu continuava. O sangue esquentando, os punhos comprimindo-se contra carne, a pele rompendo, a dor espalhando-se, o soco que vinha do outro cara, minha cabeça indo para cima e meus olhos presenciando o palco sombrio dividido entre a lua e as estrelas, então o próximo e o próximo golpe até ser o último de pé. Tinha um sabor metálico, agridoce e quente.

Já nem pensava muito quando fazia. O que me incomodava era depois, deitado no meu quarto ou sentado num banco público, com as palavras duras e emotivas de Fabricia ecoando. O sono nunca chegando.

O sol mal começara a nascer quando saí para um roadwork rotineiro. A cidade adormecida tinha outro ar. Passei de frente a casas, apartamentos e lojas. Na praça e também sobre a ponte de madeira que fica entre ela e o rio. O corpo pesando mais a cada passo, mas de algum modo estava correndo.  

Fantasmas rondavam quando não há vivalma por perto. A cada rajada de ar um sussurro diferente, as folhas caindo para lhe tocar e as janelas o seguindo, são restituições de seus membros e ações. Fantasmas de concreto e fantasmas de vento. O saúdam quando há silêncio o bastante para serem ouvidos. Mariana teria aberto um sorriso e pego seu caderno para anotar essas palavras. Eu queria vê-la fazer isso. Por um momento, sinceramente me questionei sobre o que aconteceu com ela, qual o motivo de não estar ali comigo.

Ela foi embora, lembrei a mim mesmo, mas não antes de experimentar outra boca e outro corpo.

 

O achei no ponto final da rota de corrida, de frente a biblioteca. A trilha vermelha me fez parar e andar antes de atingir as últimas milhas do percurso. Calafrios fizeram tremer minha espinha enquanto seguia a linha disforme, mas não parei. Era como tinta seca de um tom forte e escuro de vermelho. Ao menos disse a mim mesmo que era até ver o garoto encharcado com o líquido rubro sobre si, imóvel na frente da biblioteca. As costas dele descansavam na parede da instituição e os braços e pernas alguns metros adiante. Suas tripas caiam para fora do estômago. Os olhos pendiam num colar em volta do pescoço e nossa promessa de sparring em algum lugar no passado, tão morta quanto ele. 

Observei a cena longa e duramente. Aquele garoto tinha feito uma luta-treino comigo a não muito tempo e dele tive ótimas impressões. E tudo que restou, para mim e qualquer um que o tenha conhecido, eram apenas impressões. Seu talento e o que poderia conquistar tinham sido roubados por um homem tolo que vaga a noite surrando outros homens e pelo desgraçado que o matou. Eu queria muito dar um fim na vida de Boneco, depois na dos assassinos que fizeram aquilo. E matar e matar até não sobrar nenhum criminoso. Mas estava cansado e até as declarações que minha mente fazia sobre derramar sangue soavam ocas. Quem ele era? O que poderia ser? Como sua família irá se sentir? Meu sangue não poderia estar menos indiferente quanto a isso. 

Estava apenas vendo um cadáver após lutar contra estranhos, treinar por horas e passar a madrugada remoendo as palavras de uma mulher que trabalha num bar. 

´´Poderia ser você ali, ou Fabricia, ou Pablo, ou o velho, talvez até mesmo Mariana. Isso não te assusta?`` a pergunta surgiu instantes depois de puxar o celular. Ela parou minhas pernas. Fitei o corpo inerte e terror encheu meus pulmões. Ligar para a polícia, foi isso que fiz.

 

Os dei as informações básicas sobre o local e tudo que pude responder das perguntas que fizeram. Então voltei ao meu quarto. Onde definhei por horas. Tenso, quieto e pensativo. 

Mariana, não conseguia deixar de vê-la indo embora. A luva vermelha do campeão me esmagando contra o corner, quase a sentia. O velho irritado com minha desistência, podia enxergar as veias pulsando nas laterais de sua testa. Aquele garoto que morreu, só que vivo e com o cinturão de campeão mundial, acenando para mim. Tudo que pesava, ficava vendo e revendo. Me perguntando o que deveria ter feito. Queria dormir, mas aquilo era viciante apesar de não ser agradável. Como deixar-se levar pela correnteza ao invés de lutar contra ela. Sempre fora um merdinha burro e agora qualquer dúvida quanto a isso deve ter sido sanada. Cometi erros demais.

Meu corpo continuava pesado, lento, frio. Mas as pálpebras mantinham-se relutantes quanto a descer sobre as íris. Que tipo de sonhos obscuros deveriam estar pacientemente me esperando? Apenas a ideia já fazia arrepios me assaltarem a espinha. 

Porém em algum momento deixei o estado de consciência. Tive um sono limpo, negro, com sonhos impossíveis de serem lembrados a partir do momento no qual se acorda. Estava, ao despertar, diante de um palco escuro e não ouvia os pequenos ruídos característicos da vida humana. Ergui os braços para cima com as mãos abertas e depois as fechei com força. Meu corpo já tinha acordado, mas não sentia a menor vontade de sair da cama. Queria esperar por um mundo mais conveniente antes de o fazer. Talvez ele surja se eu apenas ficar longe, construído por alguém lá fora. O telefone tocou ao lado da cama. A melodia era ´´as chuvas de castamare`` escolhida pelo casal que um dia fora com Mariana. 

Atendi. Do outro lado da linha as palavras vieram tensas sob um disfarce calmo. E após ouvi-las desliguei lentamente o celular. Não há mundo melhor que vá surgir esperando ali dentro. A certeza apenas veio, como uma brisa num dia seco. Mas antes precisava me curvar e torcer para que Fabrícia e todos da academia de boxe estivessem bem. A morte daquele garoto não fora coincidência, ele sabia, Boneco sabia, que eu estivera atacando homens sob seu comando e por isso decidiu me enviar a mensagem escrita com sangue e vida. ´´Fogo e sangue`` ele dissera, uma referência ao lema da casa Targaryen e também ao que aconteceu quando Aegon, o conquistador conquistou. 

 

´´Desculpa pelo que disse…não, pelo que fiz. Se não quiser falar, tá bom, eu entendo. Só me perdoa e não fique triste, eu realmente gosto de você.``


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Notas finais do capítulo

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